quinta-feira, 31 de maio de 2018

N@ Capa: You Are the Star

Capa de maio

A capa do mês de maio foi um resgate da primeira ilustração utilizada no título do blog. O Diáriw Cinéfilo começou a ser publicado em oito de agosto de 2010 e contava com a obra de Tom Suryia em sua construção inicial. O mural se tornou um dos mais famosos de Hollywood. O objetivo dos murais é imortalizar as estrelas que fazem arte da história do cinema americano. You Are the Star está localizada na esquina entre a Hollywood Boulevard e Wilcox Avenue e transmite a ideia de que estrelas como John Wayne, James Dean, Elizabeth Taylor, Charles Chaplin, Marilyn Monroe, Lauren Bacall e muitos outros estão assistindo você andar pelas ruas. A obra está em cartaz desde 1983 e se tornou um marco na carreira de Tom Suyia, artista nascido em Winsconsim em 1948 e formado pela Universidade de Washington em Geologia em 1970. Recentemente o interesse por You Are the Star cresceu após servir de locação para uma das cenas de La La Land (2016), o que lhe rendeu uma restauração muito bem vinda. Vale lembrar que existem outros murais que enriquecem a paisagem da capital do cinema e fazem parte do turismo da cidade até os dias atuais.  

"You are the Star" by Tom Suryia

Locação: em cena do premiado La La Land.

HIGH FI✌E: Maio


Cinco filmes assistidos no mês de maio que merecem destaque 

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NªTV: The Americans - Temporada Final


Phil (Matthew Rhys) e Elizabeth (Kerri Russell): sintonia perfeita. 

Quando The Americans estreou no FX muita gente estranhou ver uma série ambientada nos anos 1980 que recriava o clima da guerra fria por dentro. De um lado estavam os espiões russos que viviam como um casal exemplar ao lado dos filhos, do outro estava o FBI sempre um passo atrás do astuto casal. Para piorar, um agente do FBI resolveu se mudar para a vizinhança e se torna amigo da família, sem fazer ideia de que o inimigo estava mais próximo do que pensava. No Brasil a própria emissora não sabia muito bem o que fazer com o programa, do horário nobre de domingo passou para as manhãs, ficou em cartaz na Netflix com três temporadas, depois foi fazer parte do catálogo do FOX Premium. No exterior, só na quarta temporada as premiações começaram a dar atenção para o casal Jennings, mas era compreensível, a cada ano a série (que sempre foi interessante) ficava melhor e o quarto ano foi o auge antes que os roteiristas começassem a dar forma ao arremate da história. Ótimos em cena, Keri Russell e Matthew Rhys deram sangue, suor e lágrimas para Elizabeth e Phillip - e os atores acabaram se casando na vida real, prova verídica da poderosa química existente entre eles. A cumplicidade entre os dois personagens fez com que a série enfatizasse cada vez mais que o verdadeiro suspense estava nos sentimentos que os personagens sentiam um pelo outro e, as maiores traições eram sempre mais afetivas do que por questões de Estado. Os Jennings viviam sempre no dilema da traição (e não estou falando de sexo), mas de algo maior, envolvendo seus contatos, amigos e até filhos. Afinal, em quem poderiam confiar? Os filhos tiveram destaques nas últimas temporadas, especialmente quando Paige (Holly Taylor) se tornava adolescente e descobriu o segredo de seus pais e começa a ser treinada pela mãe, por outro lado, o caçula Henry (Keidrich Sellati) estava alheio a tudo aquilo, se aproximando cada vez mais do vizinho do FBI, Stan Bateman (Noah Emerich) nas constantes ausências dos pais. Poucas vezes numa série se viu uma escalação de atores tão certeira que sustentasse a trama por anos (e isso inclui os vários coadjuvantes que morreram ou sumiram ao longo das temporadas de espionagem). A sexta temporada teve como missão amarrar o programa em seus elementos mais fundamentais e, assim como nas outras, mostrava missões arriscadas, mas que tinham como maior graça colocar à prova a astúcia e o casamento dos Jennings.

Os Jennings: família (quase) exemplar.

Nesta temporada a maior diferença ficou por conta de Phillip ter se afastado das missões, justamente quando a União Soviética passa uma transformação sócio-política e econômica, neste período a KGB começa a agir contra Gorbachev. Se Phillip estava cada vez mais em dúvida sobre seus ideais, estava na hora de Elizabeth começar a questionar os rumos de sua vida também. A série criada por Joseph Weisberg a partir de sua própria experiência no FBI sempre tomou cuidado para deixar um tanto nebulosa esta relação entre as ideologias americanas e soviéticas, sempre contrapondo pontos de vistas e questionando certezas de seus personagens, mas Elizabeth sempre foi uma rocha em suas convicções. Neste contexto a última temporada poderia seguir por dois caminhos distintos, mas escolheu seguir o mais sutil, o mais sofrido e melancólico, cujo o último capítulo é conduzido por uma catarse silenciosa que ecoa da primeira até a última cena. A ideia que perpassou toda a temporada foi da solidão, seja de Henry sozinho em sua escola renomada, de Paige na Universidade, de Elizabeth solitária em suas missões e Phillip querendo ajustar uma vida ao american way num ponto onde não era mais possível. Curiosamente o que começa a despertar as desconfianças do vizinho é justamente quando o casal se distancia cada vez mais dele. As pistas que sempre estavam em seu ponto (subjetivamente) cego pela amizade começam a se encaixar e o resultado é de uma tristeza acachapante. Segue então a certeza de que os Jennings não podem ser uma família completa na Rússia, o último encontro com o amigo americano - e as palavras são ditas cuidadosamente para não machucarem mais do que uma arma. O que vemos ali são duas lógicas, duas verdades traídas e a sensação de que só podem confiar um no outro, para ironicamente em seguida uma suspeita mais cruel se instaurar na mente do agente Bateman. A tensão da cena é exemplar e dita o tom melancólico ao resto do episódio (e embalado por Brothers in Arms do Dire Straits e With or Without you do U2 , tudo soa ainda mais emocional). Existe uma mudança de tom considerável entre o primeiro episódio do programa e o último. Tudo parece mais melancólico, incerto e sombrio... e era 1987. 

Sean (Emmerich) e a nova esposa (Laurie Holden): confiança em dúvida. 

The Americans (EUA / 2013-2018) de Joseph Weisberg com Kerri Russell, Matthew Rhys, Holly Taylor, Noah Emmerich, Keidrich Sellatti, Margo Martindale, Costa Ronin e Lev Gorn. ☻☻☻☻☻

quarta-feira, 30 de maio de 2018

10+ Mike Nichols

O cineasta Mike Nichols faleceu em 2014, mas deixou filmes memoráveis para que possamos lembrar dele. Entre comédias e dramas, textos originais e adaptações, ele poderia fazer um filme despretensioso em um ano e depois mergulhar em polêmicas sobre sexo, ética profissional, campanhas políticas, homofobia e adultério. Bem-humorado, Mike não teve medo de bancar projetos arriscados com a confiança de quem ganhou seu primeiro Oscar de direção aos 34 anos de idade (isto por seu segundo filme). Esta lista é para lembrar os meus dez trabalhos favoritos do diretor:

#10 A Difícil Arte de Amar (1986)
O texto com tom autobiográfico de Nora Ephron (que escreveu o livro e o roteiro baseado nele) ganha uma atmosfera de comédia romântica que logo de torna dramática pelas mãos do diretor. O casamento aparece em todas as suas fases: a sedução, a paixão inicial, o filho, o tédio, a crise, o fim, o recomeço... Tudo costurado com uma atuação pouco lembrada de Meryl Streep que acerta o tom da esposa casada com um Jack Nicholson da vida. Só para lembrar, Mike Nichols foi casado quatro vezes...

#09 A Gaiola das Loucas (1996)
Dezoito anos depois do filme original (uma produção franco-italiana que é sucesso até hoje), Mike Nichols foi responsável pela refilmagem feita por encomenda. Mike fez do filme um sucesso, sobretudo pelas ótimas atuações do elenco encabeçado por Robin Williams e Nathan Lane (vivendo o casal Armand e Albert) que precisam lidar com o noivado do filho com a herdeira de um político conservador (vivido por Gene Hackman). Animado e colorido, o filme pode não se tornar um clássico, mas garante boas risadas. 

#08 Silkwood (1983)
Karen Silkwood trabalhava com plutônio em uma usina nuclear e descobriu um perigoso processo de contaminação que lhe renderá torturas psicológicas e, provavelmente, seu assassinato. O drama verídico contado com cores fortes recebeu cinco indicações para o Oscar: direção, roteiro original, edição, atriz (Meryl Streep) e rendeu a primeira indicação ao Oscar para Cher (indicada como coadjuvante por um papel despido de qualquer glamour). Um filme assustador que sempre merece ser revisto. 

#07 Segredos do Poder (1998)
O lado mais polêmico do diretor também apareceu quando levou para as telas o filme baseado no livro Cores Primárias de Joe Klein em que se aborda com cores sarcásticas a ascensão política de Bill Clinton. Aqui conhecemos a história de Jack Stanton (John Travolta), charmoso governador que sonha em ser presidente dos Estados Unidos, mas um escândalo sexual pode colocar tudo a perder. Pouca gente entendeu as intenções do filme e o resultado dividiu opiniões, sendo mais subestimado do que deveria, embora tenha uma narrativa bastante envolvente para o tema que aborda. 

#06 Lembranças de Hollywood (1990)
Nos anos 1980 a autobiografia de Carrie Fisher se tornou um sucesso literário, especialmente por contar com humor agudo e (bastante) ácido suas desventuras como atriz, seu relacionamento com a mãe, romances complicados, os problemas com álcool e drogas. Não bastasse isso o filme gerou um filme agridoce estrelado por Meryl Streep e Shirley MacLaine, vivendo mãe e filha numa (dis)sintonia perfeita. O filme rendeu a nona indicação ao Oscar para Meryl - e colocou Mike no posto de seu diretor favorito. 

#05 Closer - Perto Demais (2004)
Escolher as colocações dos filmes que aparecem daqui para a frente foi bastante complicado... Closer foi o último grande filme do diretor (depois ele ainda fez Jogos do Poder/2007, que é seu trabalho que menos admiro). Aqui ele trata o texto áspero de Patrick Marber com maestria, alternando o tom de romance e desilusão nos quatro atos que compõem o filme. Com isso ele consegue atuações magistrais de todo o seu elenco. O quadrilátero amoroso rendeu vários prêmios para Natalie Portman e Clive Owen (que foram premiados no Globo de Ouro e indicados ao Oscar de coadjuvante).

#04 Quem Tem Medo de Virginia Woolf (1965)
Ainda tenho arrepios ao ver alguns trechos desta adaptação feroz do texto de Edward Albee para o cinema. Em sua estreia, Mike assumiu um bocado de desafios: escalar uma jovem Elizabeth Taylor para fazê-la engordar e ficar grisalha para viver uma mulher vinte anos mais velha, explorar a química dela ao lado do esposo (Richard Burton) durante as filmagens de um casal em crise, filmar colorido e converter para preto e branco... o resultado foram 13 indicações ao Oscar, incluindo filme e direção, além de cinco prêmios - um dele para o trabalho assustador de Liz Taylor. 

#03 Uma Secretária de Futuro (1988)
Como esquecer de uma das minhas comédias favoritas do anos 1980?! Foi com este filme que conheci o trabalho de Mike Nichols (e eu tinha uns dez anos na época) e percebi como ele era um sujeito esperto! Cada vez que eu vejo o filme eu descubro um detalhe que me faz gostar cada vez mais dele! Sem falar que o texto de Kevin Wade é uma delícia na história que fez Melanie Grifith dar o sangue pela personagem do título! Ah e ainda tem aquela piada com Sigourney Weaver e o macaco de pelúcia que extrapola as barreiras do filme. Não viu? Veja!

#02 Angels in America (2003)
Desde o fracasso de Segredos do Poder (1998) o diretor ficou em baixa, tendo dificuldade para financiar projetos no cinema. Sua volta por cima veio com esta minissérie que é praticamente um filme com quase seis horas de duração baseado na peça de Tony Kushner sobre o avanço da AIDS nos anos 1980. Repleto de personagens homossexuais, o elenco espetacular (Al Pacino, Emma Thompson, Patrick Wilson, Jeffrey Wright, Mary Louise Parker, Meryl Streep...) encarna personagens que precisam lidar com esta nova realidade. Nichols capricha no tom apocalíptico da produção e fez bonito no Globo de Ouro, SAG e Emmy. Um marco na história da TV. 

#01 A Primeira Noite de Um Homem (1966)
Mesmo em seus trabalhos menos reconhecidos, Mike Nichols apresenta um verdadeiro dom para extrair o melhor de seus atores diante da câmera. A Primeira Noite do Homem foi seu segundo filme e comprovou isto. Dustin Hoffman era um ator desconhecido quando foi escalado para ser seduzido pela experiente senhora Robinson (Anne Bancroft) ao mesmo tempo em que lida com os temores da vida adulta. Tudo funciona tão bem que pouca gente se deu conta de que a diferença de idade entre Dustin e Anne era só de seis anos! O filme se tornou um clássico instantâneo e ainda hoje é mais moderno que metades dos que concorrem ao Oscar todos os anos. 

.Doc: Becoming Mike Nichols

Nichols: vários clássicos no currículo. 

Michael Igor Peschkowsky, mais conhecido como Mike Nichols, faleceu em 2014 deixando obras memoráveis. Com cinco indicações ao Oscar, quatro na categoria de melhor diretor, Nichols se tornou um dos mais jovens diretores a receber o Oscar de direção pelo seu trabalho em A Primeira Noite de Um Homem (1966), obra que o tornou referência para muitos cineastas. Para conhecer um pouco mais sobre a carreira deste senhor, vale a pena ver o documentário da HBO, disponível no serviço de streaming e que de vez em quando é exibido pela emissora. A produção foi lançada dois anos após o falecimento de Mike. A base do documentário é uma entrevista concedida ao diretor de teatro Jack O'Brien onde o cineasta fala sobre sua carreira não apenas como diretor, mas também como ator, produtor e comediante. Eu não fazia ideia de que Mike teve uma carreira reconhecida no teatro com os números de improviso com Elaine May ao final da década de 1950. Os dois ganharam fama com o humor inovador e até surreal diante das plateias americanas, mais interessante ainda é ver Mike muitíssimo bem-humorado durante a entrevista, relatando suas experiências como se fossem piadas prontas. Porém, nem tudo é alegria na vida do artista, seus relatos sobre a fuga da Alemanha durante a ascensão nazista com os pais deve ser o momento mais tenso de sua narrativa, logo seguida da dificuldade em entender e falar inglês durante a infância nos EUA. O filme não aprofunda muitas questões sobre a vida particular do diretor, deixando sua vida familiar principalmente restrita ao convívio com os pais. Por outro lado, a paixão pelo teatro e pelos filmes nos faz entender a vitalidade de várias de suas obras. Além de seus trabalhos como nos palcos, a entrevista destaca seus dois primeiros trabalhos no cinema. Sua estreia foi a ousada versão de Quem Tem Medo de Virginia Woolf (1965) - que foi indicada a 13 Oscars e levou cinco, incluindo melhor atriz para Elizabeth Taylor. Interessante perceber como o diretor estreante foi destemido ao escalar Liz Taylor (duas décadas mais jovem que a personagem) e a mandou engordar para o papel, assim como fazê-la contracenar com o esposo Richard Burton. Sem dúvida a intensidade passional do casal foi captada pela câmera e o resultado é um filme que ainda hoje impressiona por sua linguagem moderna. Em seguida o diretor fez A Primeira Noite de Um Homem (1966), revelou Dustin Hoffman para o mundo, usou música pop na trilha sonora, viu o filme ser indicado a sete Oscars e levar somente um para casa: melhor direção. Até hoje os dois filmes são referências de narrativas modernas em Hollywood. Infelizmente o documentário não destaca os outros filmes do diretor. Eu adoraria vê-lo comentar sobre seus trabalhos posteriores, mesmo aqueles que não foram reconhecidos por prêmios, público ou crítica. Adoraria ouvir suas gracinhas sobre os bastidores de obras importantes como Silkwood (1983), Uma Secretária de Futuro (1988), Closer (2004) e a série Angels in America (2003), além de suas parcerias com Meryl Streep (que trabalhou quatro vezes com o diretor) e Jack Nicholson (com quem filmou duas vezes), mas... não foi desta vez. O maior problema de Becoming Mike Nichols é que ele termina quando a carreira do cineasta começa a acontecer. 

Becoming Mike Nichols (EUA-2016) de Douglas McGrath com Mike Nichols  e Jack O'Brien. ☻☻☻

PL►Y: Borg vs. McEnroe

Shia e Sverrir: fogo e gelo. 

Embora tenha verdadeiros fanáticos pelo mundo, o tênis não é propriamente um esporte que o cinema goste de retratar. Curiosamente no ano passado duas produções abordaram embates nas quadras que são comentados até hoje entre os admiradores da raquete. Guerra dos Sexos abordava a famigerada (e simbólica) partida entre Bobby Riggs (Steve Carrell) e Billie Jean King (Emma Stone) num filme que foi lembrado em várias premiações, infelizmente, Borg vs McEnroe não teve a mesma sorte, fazendo uma carreira modesta ao retratar a tensa partida entre os dois tenistas no torneio de Winbledon em 1980. O sueco Björn Borg (Sverrir Gudnasson) tentava ganhar a competição pelo quinto ano consecutivo quando o americano John McEnroe (Shia Labeouf) despontava como o único capaz de vencê-lo. No entanto, os dois tinham mais coisas em comum do que a maioria dos fãs poderia imaginar. O diretor estreante Janus Metz faz um excelente trabalho ao tentar analisar as personalidades destes dois personagens enquanto derrotam seus adversários no torneio. Para isso, utiliza cenas de flashback para retornar à infância e adolescência de ambos para explorar como suas personalidades se desenharam ao longo da carreira. Borg ficou famoso pelo seu jeito calculista dentro da quadra. Sem se exaltar, sua concentração é absoluta quando está diante do adversário, no entanto o filme demonstra que nem sempre foi assim, com a ajuda do técnico (Stellan Skarsgård) ele aprendeu a canalizar toda tensão e fúria para o manuseio da raquete. A meticulosa preparação do sueco antes de uma partida também era assustadora, no entanto, diante da pressão daquele ano, algumas hesitações colocaram tudo em risco. Sendo assim, o raivoso John McEnroe tem muito do que seu maior oponente já foi um dia. A diferença é que sua agilidade nas quadras não o faz questionar o quanto sua postura rabugenta e até desrespeitosa pode atrapalhar na carreira. McEnroe não apenas esbraveja contra a arbitragem durante o jogo, como também é grosseiro com público, jornalistas e a maioria das pessoas que cruzam o seu caminho no auge do estresse. No entanto, o roteiro não o trata como um mal sujeito, apenas uma pessoa que ainda não conseguiu dominar sua raiva, talvez por esta razão a atuação de Gudnasson impressione mais do que a de seu colega de cena. Ambos os atores estão ótimos em cena, mas McEnroe tem muito do próprio Shia Labeouf, um jovem talentoso, que já foi uma das grandes promessas de Hollywood, mas que infelizmente gasta mais tempo se esquivando de encrencas e polêmicas do que sendo reconhecido por seu trabalho. Sob o comando de Metz, ator e personagem se confundem em cena (e talvez sua escalação tenha este objetivo), mas em momento algum este artifício atrapalha o filme. Com bom ritmo e atmosfera tensa, o longa se desenvolve sem problemas e tem um brilhante último ato. A cena do jogo final entre os dois é de uma tensão absurda, que só ressalta o belíssimo trabalho de edição (que merecia ter sido lembrado no Oscar) e a sintonia do elenco. Com boa reconstituição de época e fotografia granulada, Borg Vs McEnroe é um belo filme e deve agradar até aqueles que detesta tênis. 

Borg Vs. McEnroe (Suécia/Dinamarca/Finlândia - 2017) de Janus Metz com Sverrir Gudnasson, Shia Labeouf, Stellan Skarsgård, Tuva Novotny, Leo Borg, Marcus Mossberg, Scott Arthur e Jackson Gann.
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terça-feira, 29 de maio de 2018

MOMENTO ROB GORDON: The Smiths Soundtracks

Além dos álbuns inesquecíveis, The Smiths também é responsável por algumas participações espertas em trilha sonora que fazem a felicidade dos fãs quando escutam os acordes de uma canção da banda. Este Momento Rob Gordon destaca cinco bons usos das canções de Morrissey & Cia que sempre merecem ser lembradas

05 "Panic" 
(Todo Mundo Quase Morto / 2004)
No filme a música aparece por um segundo quando o personagem de Simon Pegg muda de canal na TV e descobre que o mundo está se acabando durante uma invasão zumbi. Não existe uma canção com título mais apropriado para embalar este momento (especialmente pelo que diz o primeiro verso). A brincadeira funciona tão bem que os fãs até prepararam um clipe com cenas do filme ao som do clássico da banda. Panic faz parte do primeiro álbum ao vivo dos Smiths, Rank, lançado originalmente em 1988 - um ano após o fim do grupo. 
04 "How Soon is Now?"
(Closer - Perto Demais / 2004)
Há quem considere impossível lembrar da música que está tocando quando os personagens de Natalie Portman e Clive Owen se encontram pela última vez neste filme de Mike Nichols. No entanto, os mais espertos irão perceber a mudança de tom quando as batidas eletrônicas do Prodigy dão espaço para a guitarra distorcida de How Soon is Now?. A conversa se torna mais sutil e até assustadora... a música cai como uma luva para uma das cenas mais emblemáticas do texto do dramaturgo Patrick Marber. A pouco convencional How Soon is Now? foi lançado em algumas edições do álbum Meat is Murder (1985) e se consagrou de vez na coletânea Hatful of Hollow (1984).
03 "Please, Please, Please, Let Me Get What I Want"
(Curtindo a Vida Adoidado / 1986)
Eu fiquei surpreso quando descobri que a versão que toca no clássico filme de John Hughes é uma versão instrumental da canção dos Smiths feita pelo grupo The Dream Academy. A versão bastante fiel à original funciona muito bem na visita ao museu ao lado de Ferris e seus amigos. A singela Please, Please, Please foi lançada originalmente como B-Side do single de William, it was really nothing (1984) e também ganhou destaque na coletânea Hatful of Hollow lançada no mesmo ano. 
02 "Asleep"
(As Vantagens de ser Invisível / 2012)
Este é um caso de música que é tão presente no filme que acaba fazendo parte da história. Eu perdi a conta do número de vezes que a música toca nesta adaptação de Steven Chbosky para o seu livro homônimo. O filme funciona que é uma beleza e a canção melancólica parece feita sob medida para o protagonista. Asleep foi lançada como B-Side da clássica The Boy With a Thorn in his Side (1986) e foi escolhida para fechar a coletânea Louder Than Bombs de 1987. 
01 "There's a Light That Never Goes Out"
( 500 Dias com Ela / 2009)
A minha música favorita de todos os tempos aparece numa das cenas mais marcantes desta deliciosa comédia romântica de Marc Webb. Embalando o início do romance de Tom e Summer, There's a Light that Never Goes Out foi outro caso de canção tão bem utilizada que motivou fãs a criarem um vídeo do filme embalado por ela. A canção está no clássico The Queen is Dead (1986), álbum considerado por muitos como a obra-prima da banda e, mesmo que embalasse somente os créditos finais, mereceria estar nesta lista!

BREVE: England is Mine

Jack Lowden: Mossissey antes da fama.  

A banda The Smiths se tornou uma das melhores dos anos 1980 (se não for a melhor). Tendo início em 1982 e fim em 1987, a banda conquista fãs até hoje com suas letras e melodias. Nascida em Manchester, a banda apresenta o casamento perfeito entre a guitarra elegante de Johnny Marr e as composições de Steve Patrick Morrissey, juntos, eles formavam a alma do grupo. Contar a pré-história deste marco na história da música está longe de ser uma tarefa fácil, especialmente quando o foco recai sobre a juventude de Morrissey, ícone da música e artista temperamental que o tempo ajudou a nos fazer entender que estava longe de ser convencional. O cineasta Mark Gill (que foi indicado ao Oscar por seu primeiro curta-metragem The Voorman Problem/2011) marca sua estreia em longa-metragem com um grande desafio nas mãos, sobretudo por enfatizar a adolescência melancólica do protagonista. England is Mine é uma biografia não autorizada construída a partir de alguns relatos sobre como era o jovem Steve antes do estrelato. Steve passa a maior parte do tempo escrevendo em um caderno que é meio diário, meio registro de poesias, ali registra todo o seu tédio com o mundo que o cerca, além do incômodo de se sentir diferente de todo o resto da humanidade, no entanto, ele precisa sair de sua casca se quiser que algo mude. Embora apareçam algumas amigas, fica claro que sua melhor companhia era mesmo a máquina de escrever, amiga fiel para as horas em que fica trancado no quarto ouvindo música. Embora apareça trabalhando em um escritório e depois em um hospital, ele aparece como um peixe fora d'água nestes espaços - e isso só fica ainda mais claro quando assume os vocais de uma banda e acredita que somente ali ele era realmente aceito. A forma como Morrissey é apresentado consegue ser bastante convincente, especialmente pelo trabalho de Jack Lowden (um dos jovens atores de Dunkirk/2017), que pode até não ser parecido com o biografado, mas consegue vender a ideia de que toda a identidade do artista já estava ali (inclusive a inspiração para algumas canções como The Heaven knows I'm a Miserable NowCemetry Gates, The Boy With a Thorn in his Side e até Girl Afraid).  É Lowden que nos deixa perceber nas entrelinhas a dificuldade de Morrissey para lidar consigo mesmo, inclusive com sua sexualidade -  embora várias meninas atravessem seu caminho, nenhuma delas desperta seu interesse.  No entanto, na insistência de retratar como a vida de um jovem incompreendido poderia ser entediante em Manchester (especialmente entre 1976 e 1982) o filme se torna um tanto monótono, perdendo a chance de explorar ainda mais o humor proporcionado pela postura e diálogos rebuscados do rapaz. A fotografia cinzenta também não ajuda muito, deixando para trilha sonora esperta e o elenco ajudarem a manter o interesse pela história. Nesta inércia, cada vez que o jovem Johnny Marr (Laurie Kynaston) aparece em cena, sentimos uma fagulha de alegria na crença de que toda aquele inércia ficará para trás. 

England is Mine (Reino Unido/2017) de Mark Gill com Jack Lowden, Jessica Brown Findlay, Simone Kirby, Peter McDonald, Adam Lawrence, Katherine Pearce, Jodie Comer e Laurie Kynaston. ☻☻

segunda-feira, 28 de maio de 2018

KLÁSSIQO: A Vida de Brian

Chapman e Idle: confusão histórica. 

Há mais de dois mil anos, três reis magos foram visitar um bebê que acabara de nascer. Acreditavam que ele era o filho de Deus capaz de revolucionar o mundo pregando o amor e a tolerância - embora sua mãe não fosse lá muito simpática, para falar a verdade, ela era bem grosseira... o que logo os fez imaginar que estavam na casa errada, presenteando o menino errado. Aquele não era Jesus, era Brian mesmo. A vida se encarregará de repetir esta confusão ao longo de toda a trajetória de Brian, que será perseguido por soldados romanos, será cultuado - embora sempre tentasse levar uma vida discreta sem chamar atenção - e até crucificado (num dos números musicais mais bizarros da história do cinema). Não é difícil imaginar que quando os humoristas do Monty Python resolveram lançar A Vida de Brian, os mais ferrenhos o considerou uma verdadeira blasfêmia contra o cristianismo, mas o que vemos na trama não é a história de Cristo, mas a do pobre Brian. Interpretado magnificamente bem por Graham Chapman, ele está sempre em pânico sobre a próxima cilada em que irá se meter. É verdade que os humoristas capricham em algumas provocações, mas elas estão longe de ser ofensivas à religião, soando mais como alfinetadas ao fanatismo religioso. Desde que as pessoas começam a acreditar que Brian é o novo messias ele não tem mais sossego, nem depois de ter uma noite de amor com a mulher de sua vida. A multidão o persegue a todo instante e não importa o que ele diga, as pessoas acreditam que ele é capaz de realizar milagres e salvar a alma de quem o seguir. Mas nem tudo gira em torno do protagonista, existem várias gracinhas sobre o imperador romano (Michael Palin), com direito até a uma que se repete ao infinito, e aos rebeldes que tentavam destruir a tirania romana. No entanto, não espere muita lógica do roteiro, embora tenha começo meio e fim, os integrantes do Monty Python não disfarçam que a intenção é fazer rir (por isso mesmo todos interpretam vários papéis, incluindo a masculinizada mãe de Brian e John Cleese nem disfarça que toda hora aparece na pele de um personagem diferente. Embora o filme deslize em alguns delírios (como a cena com alienígenas no disco voador), A Vida de Brian ainda é bem engraçado e ainda serve de lição para quem ainda não acerta o tom na hora de fazer graça com assuntos que esbarrem em temáticas religiosas. Para conhecer ou rever  obra do grupo, vale lembrar que a Netflix disponibilizou os três longas do grupo e o provocador programa Flying Circus, que marcou época e revolucionou a forma de fazer humor na Inglaterra e no mundo. 

A Vida de Brian (Life of Brian/Reino Unido - 1979) de Terry Jones com Graham Chapman, John Cleese, Terry Gilliam, Eric Idle, Terry Jones e Michael Palin. ☻☻☻☻

PL►Y: Boy

Rocky, Boy e o pai desmiolado: ternura politicamente incorreta. 

Espero que muita gente tenha procurado os filmes do neozelandês Taika Waititi depois que viu o que ele fez com Thor: Ragnarok (2017). Quem não fez isso ainda, fica a dica. No blog já comentei anteriormente o hilariante O Que Fazemos nas Sombras/2014 e o divertido Fuga Para a Liberdade/2016, antes deles, Taika dirigiu Boy, seu segundo longa metragem. Aqui o diretor já demonstra que seu estilo está bem definido, o que faz com que uma história sem grandes novidades seja agradável de se assistir com boas piadas, momentos sentimentais e um tempero de nostalgia. Boy é o nome do protagonista, um menino que vive com outras crianças de sua família enquanto a responsável por eles precisou viajar para o funeral de um parente. Ambientado em 1984, Boy (o carismático James Rolleston) é fã de Michael Jackson e sonha com o dia em que seu pai voltará e o levará para conhecer o ídolo. Trata-se evidentemente de um delírio, já que o pai do menino está preso e quando ele aparece está bem longe de ser exemplar. Alamein (o próprio Taika Waititi) aparece num carro com dois amigos e alimenta ainda mais as ilusões do filho, mas aos poucos a realidade se mostrará bem diferente da esperada pelo guri. A começar pelo corte de cabelo horroroso que o pai lhe faz, passando pela motivação aos roubos de Boy à plantação de maconha de uma vizinha e a tarefa árdua de fazer buracos no quintal (em busca do dinheiro roubado pelo pai e que ele não faz muita ideia de onde enterrou), ou seja, a vida do menino muda bastante com a chegada do progenitor. Taika Waititi compõe um pai cheio de exageros, que tem momentos tão engraçados quanto incômodos - ele é capaz de ameaçar os colegas que perseguem seu filho, atropelar um animal na beira da estrada e não dar a mínima, além de ignorar o filho caçula, o fofo Rocky (Te Aho Eketone-Whitu), cujo parto complicado levou a mãe ao falecimento. Rocky é responsável por alguns dos melhores momentos do filme, já que ele acredita que possui super-poderes que nem sempre funcionam (e a forma como o filme aborda esta fantasia é simplesmente deliciosa). Com várias crianças em cena lidando com um bando de adultos que estão bem longe de ser confiáveis, o filme não deixa de ter um certo tom de rito de passagem, quando o rapazinho começa a enxergar o mundo com outros olhos, sobretudo ao perceber que seu pai está bem longe de ser o cara legal que ele imagina. O roteiro (do próprio Waititi), não cita Freud ou outros embasamentos rebuscados, mas consegue atingir um ponto interessante sobre aquele momento em que você se distancia do pai para criar sua própria identidade. Embora tenha alguns problemas de ritmo, o filme consegue ser um bom filme família, politicamente incorreto, mas família!

Boy (Nova Zelândia - 2010) de Taika Waititi com James Rolleston, Taika Waititi, Te Aho Eketone-Whitu, Haze Heweti e Rachel House. ☻☻☻

domingo, 27 de maio de 2018

TRILOGIA: ANTES DO AMANHECER / ANTES DO POR DO SOL / ANTES DA MEIA-NOITE

Julie e Ethan: romance ao longo do tempo. 

O texano Richard Linklater tinha apenas três filmes no currículo quando foi premiado como o melhor diretor do Festival de Berim em 1995 com Antes do Amanhecer/1995. O prêmio lhe deu grande projeção, mas também deixou alguns críticos desconfiados daquele jovem cineasta americano. Lembro quando o filme estreou por aqui e muitos críticos acharam um exagero a honraria. O motivo da desconfiança era o fato de que durante uma hora e quarenta minutos o que se via na tela era um jovem casal conversando no que seria o seu primeiro e último encontro. O americano Jesse (Ethan Hawke) e a francesa Céline (Julie Delpy) se encontravam em Viena e o interesse entre os dois é quase imediato. Ele cheio de planos para se tornar escritor, ela terminando os estudos e prestes a voltar para casa. Durante a conversa conhecemos um pouco mais dos dois, seus sonhos, inseguranças e afinidades aparecem na tela a partir dos diálogos. A direção de Linklater tem como o único objetivo deixar tudo fluir da forma mais natural possível e, em meio a tantos filmes de ação e comédias românticas bobocas, Antes do Amanhecer conseguiu encontrar o seu público, se tornando um filme cult instantaneamente e, terminando com a promessa de que aqueles dois personagens se encontrariam um ano depois. Não foi bem assim. Pouca gente sabe que o filme foi baseado numa história real envolvendo o próprio diretor - que resolveu aceitar o desafio de recriar a atmosfera daquele encontro único diante da câmera. O que pouca gente imaginava é que nove anos depois, o diretor revisitaria aqueles personagens com ajuda de Delpy e Hawke na elaboração do roteiro. Em Antes do Por-do-Sol (2004), Jesse celebra o sucesso do seu livro (em que conta a história do tal encontro) e numa tarde de autógrafos na França, ele reencontra Céline. Os dois estão mais maduros e interessantes e os diálogos se tornaram ainda melhores. A ideia do filme continuou a mesma, a câmera simplesmente acompanha os dois personagens durante uma longa conversa que flui ainda melhor do que no longa anterior. O filme revela indiretamente a verdadeira inspiração de Linklater: o tempo. É visível o efeito da passagem do tempo naqueles personagens, não apenas fisicamente, mas emocionalmente também e o diretor tenta captar algo tão abstrato com sua câmera. Hawke e Delpy estão bem a vontade em cena, mas é a atriz que dá um show em cena. É impossível resistir à Céline, especialmente quando ela desabafa sobre as experiências amorosas que vivenciou até ali. Entre pequenas surpresas, tiradas bem humoradas, o filme segue em uma cadência irresistível, que deixou muita gente emocionada e um tanto nostálgica diante do que viu. Até o Oscar se rendeu a ele, rendendo uma indicação na categoria melhor roteiro adaptado, assim como fez dez anos depois com Antes da Meia-Noite (2014). Embora o terceiro filme trouxesse novos elementos para a série. Pela primeira vez os personagens aparecem interagindo com outros personagens em cena. O filme apresenta Jesse e Céline casados, pais de gêmeas e passando férias na Grécia. No entanto, a primeira cena em que Jesse se despede do filho (do primeiro casamento) no aeroporto perpassa todo o filme como motivadora de uma crise entre o casal (torna-se aquele assunto que de vez em quando volta à conversa e nunca parece resolvido). Jesse continua sendo um autor de livros de sucesso, Céline está prestes a conseguir o emprego que sempre desejou, mas alguns pontos da vida dos dois parecem que ainda não foram bem resolvidos. Mais uma vez, a personagem de Delpy ganha em complexidade, preocupada com o casamento, a carreira e a maternidade, enquanto o simpático Jesse parece estar sempre girando em torno de si mesmo. O filme conta com diálogos inspirados, cenários paradisíacos e uma bela fotografia que ajudam a colocar a trilogia Before como um verdadeiro feito na história do cinema americano. É formada por um conjunto de filmes que não são campeões de bilheteria, não tem efeitos especiais ou cenas mirabolantes, mas que conseguem contar uma história através de seus personagens que amadurecem junto com o público. Em 2024 devemos reencontrar Jesse e Céline mais uma vez e, espero que estejam bem com as filhas crescidas indo para a faculdade e tudo mais.

Céline e Jesse: o primeiro encontro a gente nunca esquece. 

Antes do Amanhecer (Before Sunrise / EUA - Suíça - Áustria / 1995) de Richard Linklater com Ethan Hawke, Julie Delpy, Dominik Castell e Erni Magold. ☻☻☻

Antes do Por-do-Sol (Before Sunset / EUA - 2004) de Richard Linklater com Julie Delpy, Ethan Hawke e Louise Lemoine Torrès. ☻☻☻☻

Antes da Meia-Noite (Before Midnight / EUA - Grécia / 2014) de Richard Linklater com Julie Delpy, Ethan Hawke, Athina Rachel Tsangari, Walter Lassally e Yannis Papadopoulos. ☻☻☻☻

PL►Y: LIFE

Dane e Pattinson: amizade baseada em fatos reais. 

Anton Corbijn nasceu na Holanda em 1955, mas se tornou famoso como fotógrafo nos anos 1980. Além de ensaios fotográficos, ele também realizou clipes para astros da música e foi responsável pela capa de álbuns famosos (como o clássico The Joshua Tree do U2). No cinema ele estreou como diretor na condução de Control (2007), a cinebiografia de Ian Curtis, deixando claro que não estava disposto a fazer um cinema de mero entretenimento. Também foi assim quando utilizou o astro George Clooney em Um Homem Misterioso (2010) e depois Phillip Seymour Hoffman em O Homem Mais Procurado (2014), subvertendo as expectativas de quem aguardava filmes de ação desenfreada. Quando ele anunciou que filmaria o encontro de James Dean com o fotógrafo Dennis Stock, a crítica já sabia o que esperar. LIFE foi praticamente ignorado pelo público e premiações, mas é interessante por apresentar um James Dean banhado em melancolia. Na época do lançamento, o roteirista Luke declarou ter mais interesse pela personalidade de Dennis do que pelo ícone do cinema, afinal, é Stock o responsável pelo antológico ensaio para a revista LIFE que consolidou a imagem do ator quando ele ainda buscava um lugar ao sol de Hollywood. Reza a lenda que os dois se tornaram amigos após os dias em que conviveram para realizar as fotos. Stock percebia em Dean uma imagem diferente, algo que marcaria época, mas que ambos eram incapazes de definir ao certo o que era. A própria ideia para do ensaio veio aos poucos, com o fotógrafo querendo mostra-lo como um jovem do campo em sua transição para a cidade. Nesta jornada, uma visita à família de Dean no interior ajudou a consolidar de vez a imagem do astro e revelar um dos melhores aspectos do roteiro: as entrelinhas. Robert Pattinson tem um bom momento como Dennis Stock, sem medo de abraçar sua rigidez e vulnerabilidade mesmo nas cenas em que não faz a mínima ideia de como agir com o filho. Robert confere corpo e alma a um homem que desde cedo precisou se virar - mas que manteve a sensibilidade de captar belas imagens com sua lente. Seu parceiro de cena, Dane DeHaan compõe um James Dean distante do que idealizamos normalmente, mas que consegue demarcar bem a sua rebeldia quase inata e uma vulnerabilidade impertinente. Ele faz um bom trabalho de corpo e voz, que tenta constantemente escapar da mera imitação e ao lado de seu parceiro de cena, possui uma química que sustenta o filme com tranquilidade - e permite até uma leitura mais profunda se levarmos em consideração a bissexualidade de Dean (que chega a ser sugerida sutilmente em alguns diálogos). O filme constrói a amizade dos dois personagens aos poucos, sem pressa - e isso pode entediar alguns espectadores - mas se conclui como um retrato interessante de ambos os personagens, principalmente se levarmos em consideração que a trama está situada entre Vidas Amargas (1955) e Juventude Transviada (1955). O primeiro rendeu a primeira indicação ao Oscar aos 23 anos, o segundo o transformou em mito. Seu último filme veio logo depois, Assim Caminha a Humanidade (1956) que o consolidou de vez como estrela de cinema, ainda que morrendo precocemente num acidente de carro. Já Dennis Stock se tornou um dos fotógrafos mais importantes dos EUA, falecendo em 2010 aos 91 anos, contar a história do encontro destes dois artistas já é, por si só, interessante.

 LIFE (Reino Unido / Canadá / Alemanha / EUA - 2015) de Anton Corbijn com Robert Pattinson, Dane DeHaan, Joel Edgerton, Ben Kingsley, Alessandra Mastronardi e Kristian Bruun. ☻☻☻☻

quinta-feira, 24 de maio de 2018

§8^) Fac Simile: Mark Wahlberg

Mark Robert Michael Wahlberg
Não há dúvidas de que Mark Wahlberg é um astro. Com duas indicações ao Oscar (ator coadjuvante por Os Infiltrados/2006 e produtor como O Vencedor/2010), neste ano ele está sossegado com apenas um filme a entrar em cartaz em breve (o filme de ação 22 Milhas). Com filmes de diversos gêneros no currículo, o público nem lembra que ele ganhava a vida como rapper descamisado no início dos anos 1990. Wahlberg estava descansando em uma cafeteria quando nosso repórter imaginário encontrou com ele e o convenceu a responder cinco perguntas nesta entrevista que nunca aconteceu: 

§8^) Alguém pede para você cantar as músicas de quando você era conhecido como Marky Mark?

Mark Não mesmo, acho que no fundo ninguém gostava muito daquelas músicas! Sei que meu clipe era cotado na MTV porque eu tinha uma das musculaturas mais perfeitas da música pop, ninguém dava bola para o que eu estava cantando. Eu era apenas uma versão melhorada do Vanilla Ice.

§8^) Lembro que por um tempo você colocava cláusulas no contrato para não aparecer sem camisa nos seus filmes, tinha receio de ficar estigmatizado?

Mark Sim! Era algo quase obrigatório ter aquela cena em que eu aparecia sem camisa! Nem sempre havia necessidade, mas consideravam que a audiência sempre seria melhor se eu fizesse isso. Sorte que com o tempo as pessoas acreditaram que eu tinha algo mais a oferecer. Acho que os convenci de que tinha algum talento (risos). 

§8^) Pois é, você foi indicado ao Oscar por um filme do Scorsese em que contracenava com Matt Damon, Jack Nicholson e Leonardo DiCaprio. Como você se sentiu qual foi a sensação? 

Mark Foi ótima e... um tanto assustadora! Acho que meus colegas perceberam que eu tinha me esforçado muito para ser levado a sério. Com o tempo eu fui relaxando diante da câmera, se me dissessem que me chamariam para fazer comédias eu nem acreditaria... 

§8^) Sobre as polêmicas em torno do seu pagamento pelas cenas extras de Todo o Dinheiro do Mundo, quando a Michelle Williams não recebeu um centavo pelas refilmagens, você tem algo a dizer?

Mark As pessoas falaram muito sobre isso, mas eu não sabia que a Michelle tinha trabalhado de graça pelas cenas que tivemos que refazer. Ela é uma atriz incrível e se ela houvesse me perguntado, eu teria falado para ela cobrar também... geralmente quem resolve esta parte são produtores e agentes, a gente faz apenas o nosso trabalho que é atuar. 

§8^) Recentemente você afirmou que se arrependia de ter feito "Boogie Nights" de Paul Thomas Anderson, um dos filmes que ajudaram a consolidar você em Hollywood. Muita gente não entendeu a sua declaração e considera que existem filmes muito piores em seu currículo...

Mark Eu sei, eu sei... sei que muita gente curte Boogie Nights, mas sempre que o assisto me sinto um tanto desconfortável. Talvez seja por conta de que me casei, tenho quatro filhos, tenho uma fundação voltada para jovens carentes e o filme não combina muito com minha realidade atual. Tem aquele clima de drogas, pornografia, prostituição... parece moralista, mas não é nada disso, apenas acho que ele não combina com a pessoa que sou hoje. 

§8^) Pensei que tinha relação com aquela cena da prótese...

Mark Prótese?! Que prótese?

PL►Y: Todo o Dinheiro do Mundo

Michelle e Mark: um filme no olho do furacão. 

Considerado um dos filmes mais aguardados entre os lançamentos da temporada de ouro do ano passado, Todo o Dinheiro do Mundo acabou mais falado por sua atribulada pós-produção do que por suas qualidades cinematográficas. Dirigido por Ridley Scott e inspirado no sequestro do adolescente John Paul Getty III, o filme se viu no meio da repercussão dos casos de assédio sexual de Kevin Spacey. O episódio rendeu o cancelamento da exibição do filme em festivais e um verdadeiro impasse para o seu diretor, que diante do quase engavetamento do filme, resolveu substituir Spacey por Christopher Plummer através de inserções digitais e refilmagens. Para quem achava esquisita a maquiagem utilizada para envelhecer o rosto de Spacey, a escalação de Plummer foi um verdadeiro alívio! Plummer se preparou e realizou as filmagens em tempo recorde (nove dias) e se tornou a melhor coisa do filme - sendo indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro de ator coadjuvante. Com o filme nos cinemas, outra polêmica o atrapalhou: descobriram que Michelle Williams (atriz com quatro indicações ao Oscar) não havia recebido um centavo pelas filmagens adicionais, enquanto Mark Wahlberg (aluno indicado ao Oscar de Ator Coadjuvante por Os Infiltrados/2006) havia recebido uma quantia adicional por seu trabalho extra ao lado de Plummer. O filme se viu em meio a outra situação que deu o que falar em Hollywood: a diferença do tratamento entre homens e mulheres na indústria. Houve tanta confusão em torno dos bastidores do filme que todos já estavam um tanto exaustos de falar sobre ele. Passada toda a confusão, vale a pena conferir o filme que é bastante eficiente ao contar uma história real que revela os bastidores de um dos sequestros mais famosos da história! O adolescente Paul Getty (vivido por Charlie Plummer, que apesar do nome não é parente de Christopher) é neto do bilionário (magnata do petróleo) Jean Paul Getty (Plummer) e foi sequestrado na Itália em 1973. Obviamente que seu avô poderia pagar o resgate, mas Jean imaginava no precedente que aquilo abriria - colocando em risco a vida de seus outros filhos e netos, sendo assim, ele decidiu resgatar o neto de outra forma. Para assumir o risco ele conta com a ajuda do agente de segurança Fletcher Chace (Mark Wahlberg) que passa a ajudar no caso. Embora Fletcher esteja próximo da mãe de Paul, Gail (Michelle Williams), fica claro desde o início que seu objetivo é preservar os interesses do empresário, que nem sempre pendem para a segurança do neto. Ridley Scott conduz a narrativa com cenas de flashback e outras digressões que ajudam a entender melhor os personagens desta engrenagem. Plummer tem grande êxito ao explorar a visão de mundo de um dos homens mais ricos do mundo, assim como Michelle Williams transparece toda a angústia da falida Gail, que se torna vítima de um mundo que pensou já ter deixado para trás. Ela parece a única que tem como grande motivação recuperar o filho, que aos poucos é inserido num jogo de troca de interesses de consequências bastante cruéis (e Scott revira nosso estômago no que seria o ápice da maldade dos sequestradores). O corpo estranho nesta história toda é Mark Wahlberg, que pode até encaixar quando o filme flerta com o suspense e a ação, mas não acerta o tom quando o roteiro lhe exige algo mais do que ser um brucutu. Todo o Dinheiro do Mundo tenta ser diferente de outros filmes de sequestro quando expõe a lógica de seu personagem bilionário, fora isso se beneficia do bom ritmo impresso pela direção e do bom trabalho de Michelle e Christopher em suas atuações antagônicas - que funcionam como uma triste analogia sobre o valor do dinheiro e das pessoas. 

Todo o Dinheiro do Mundo (All the Money in the World/EUA - Itália / 2017) de Ridley Scott com Michelle Williams, Christopher Plummer, Mark Wahlberg, Romain Duris, Timothy Hutton, Charlie Plummer e Marco Leonardi. ☻☻☻

Na Tela: Deadpool 2

Deadpool a frente de seu X-Force: organizando o caos. 

Ryan Reynolds estava em baixa quando ressuscitou o mercenário Deadpool para o cinema. Ignorando completamente o vexame de sua participação em Wolverine (2009), ele provou que o personagem tagarela, desbocado e violento poderia fazer muito dinheiro ao fugir da cartilha dos filmes de super-herói vigente - e ainda lhe render uma indicação ao Globo de Ouro de ator de comédia! A primeira aventura de Deadpool (2016) fez muita grana e, obviamente que depois de tantos tropeços e concorrência com o universo Marvel, a Fox iria fazer uma continuação ainda mais ambiciosa. No entanto, com a mudança do diretor e a inserção de outro personagem conhecido nos quadrinhos, Cable (vivido por Josh Brolin), se imaginava que o filme tivesse o tom um pouco diferente. O resultado é que Deadpool2 procura ser menos disperso que o primeiro filme, claro que os palavrões e as piadas cretinas aparecem a todo instante, mas existe realmente a intenção de contar uma história aqui e, pasmem, até aprofundar o lado emocional do personagem. Este lado afetivo está relacionado não apenas aos fatos relacionados à namorada Vanessa (a brasileira Morena Baccarin), mas também à sua amizade com o menino (com nome de guerra) FireFist (o fofo Julian Dennison de Fuga Para a Liberdade/2016) que se rebela contra uma instituição que tortura crianças mutantes. Acontece que o menino será um super vilão no futuro e Cable volta no tempo para matar o menino antes que ele cresça. Sim, você já viu esta premissa em vários outros filmes, mas em nenhum outro ela estava no meio do ritmo caótico deste aqui (tão caótico que existe um rombo enorme envolvendo Cable ao final, mas vou deixar você descobrir...). Há muita coisa acontecendo em cena, a intenção do anti-herói reencontrar sua amada, sua temporada como estagiário dos X-Men, a sua tentativa de criar um grupo de heróis e os apelos para salvar FireFist. O filme tem cenas de ação caprichadas e entre elas o tom de chacota continua latente - e sobra para todo mundo (X-Men, Wolverine, Batman Vs. Superman, 007, Lanterna Verde, Frozen, Celine Dion...) num enredo que em momento algum se leva a sério (e paga o preço de ser previsível justamente por conta disso). Aqui não existe momento dramático que não termine em risada ou cena que não tenha pelo menos uns dois palavrões. Curiosamente o diretor David Leitch (do primeiro John Wick/2014 e do recente Atômica/2017, curiosamente dois filmes que sempre deixei para depois...) consegue fazer um filme mais ordenado que o anterior, mas que perde parte da voltagem de ação desmiolada. Embora a maior expectativa ficasse por conta da presença de Cable (que deve aparecer no filme do X-Force, ainda sem data de estreia), a surpresa mais agradável fica por conta de Domino (a espetacular Zazie Beetz), mutante cujo poder é ter sorte (muita sorte!) e roubar cenas (e que deixa a sensação de que ela poderia ter aparecido muito mais)! Deadpool 2 fará muito dinheiro e irá pavimentar o caminho para novos filmes do personagem (seja solo, seja com o X-Force, seja no encontro aguardado com Wolverine como as cenas pós-créditos, seja com os Vingadores ou o que aparecer da junção Fox/Disney), resta saber até quando sua fórmula subversiva terá graça para o público. 

Deadpool 2 (EUA/2018) de David Leitch com Ryan Reynolds, Josh Brolin, Julian Dennison, Zazie Beetz, Morena Baccarin, TJ Miller, Brianna Hildebrand e Eddie Marsan. ☻☻

quarta-feira, 23 de maio de 2018

.Doc: Linklater - Sonho é Destino

Richard Linklater: moldando o cinema indie americano. 

Richard Linklater surgiu no cenário indie americano em meados dos anos 1980, mas foi a década seguinte que o elevou ao posto de porta-voz da famigerada Geração X na telona. Confesso que ele nunca esteve entre os meus diretores favoritos, sempre o considerei bastante irregular, no entanto, com o passar do tempo, meu olhar sobre seus filmes mudou consideravelmente e comecei a enxergar virtudes que antes me eram invisíveis, principalmente, quando percebi a forma como este texano percebe a narrativa cinematográfica de forma bastante pessoal. Richard Linklater - Sonho é Destino da dupla Louis Black e Karen Bernstein explora a carreira do diretor, levando em consideração sua forma particular de fazer cinema, seus sucessos, fracassos, projetos pessoais, ousadias e trabalhos feitos por encomenda. Com entrevistas de atores, produtores e parceiros de trabalho, o filme constrói um painel bastante rico deste senhor de 58 anos, mas que ainda se veste e conversa como um adolescente apaixonado por cinema. Diante da lente dos documentaristas ele parece tão sincero falando de seus sucessos quanto dos seus fracassos, com destaque especial pela ousada proposta do premiado Boyhood (2014) filme que ele produziu por doze anos, acompanhando a passagem do tempo por seu menino protagonista e o resto do elenco (com direito a Oscar de atriz coadjuvante para Patricia Arquette), além da trilogia Before, onde acompanha periodicamente o relacionamento de Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) - foram estes filmes que já renderam a Linklater cinco indicações ao Oscar. Sua busca por uma narrativa realista e que retrate a vida como ela se apresenta (de forma que sua direção fica quase invisível) deve ser sua maior obsessão, curiosamente, quanto o diretor se afasta deste estilo, maior é o risco de fracassar (foi assim com as produções de época Newton Boys/1998 e Orson Welles e Eu/ 2008). Por outro lado, não deixa de ser curioso como perceberam nele o melhor nome para dirigir o sucesso Escola de Rock (2003) e o interessante Bernie (2011), ambas parcerias com Jack Black. Prova de que Linklater não pensa cinema como a maioria de seus colegas foi quando enveredou pela animação, deixando muita gente filosofando com Waking Life (2001) ou O Homem Duplo (2006). Em vários momentos ele deixa claro que no trabalho pensa mais em contar histórias do que o custo de produção ou o retorno de bilheteria, suas preocupações são outras perante a sua arte e o público. Richard Linklater - Sonho é Destino consegue sintetizar bem a carreira do diretor e nos ajuda a compreender sua forma bastante pessoal de contar histórias, nem sempre elas alcançam os objetivos desejados por ele, mas sempre seguem por caminhos que o cinema americano não considera seguro. Para quem curte o diretor, o filme é um programa obrigatório, para quem não curte, pode ser o primeiro passo para entender a obra de um dos autores que ajudaram a dar corpo e alma ao cinema indie americano contemporâneo. 

Linklater - Sonho é Destino (Richard Linklater - Dream is Destiny/EUA-2016) de Louis Black e Karen Bernstein com Richard Linklater, Ethan Hawke, Patricia Arquette, Jack Black, Ellar Coltrane e Matthew McConaughey. ☻☻☻☻

PL►Y: Toc Toc

Os transtornados: humor politicamente incorreto. 

A ideia é bem simples: um grupo de personagens com Transtorno Obsessivo Compulsivo se encontram no que acreditam ser a sala de espera do psiquiatra para o qual foram encaminhados. Acontece que o doutor nunca chega e eles precisam conviver por um longo período tentando conciliar suas particularidades enquanto se incomodam uns com os outros. Neste grupo de pessoas estão o taxista obcecado por cálculos (Paco León), a senhora (Rossy de Palma, uma das primeiras musas de Almodóvar) que não consegue parar de verificar coisas (e se "alivia" com sucessivos sinais da cruz durante o dia), há também o homem com síndrome de Tourette (Oscar Martínez) que, sem motivo aparente, esbraveja palavrões para quem está perto, existe a jovem (Nuria Herrero) que repete palavras contra sua vontade, a mulher (Alejandra Jiménez) com obsessão por limpeza e o rapaz (Adrián Lastra) com temor de pisar em linhas. O atrito entre os personagens pode gerar tantas risadas quanto incômodos na plateia, mas trata-se de um texto teatral de sucesso do francês Laurent Baffie,  que tem como maior objetivo fazer rir. O filme não explora a complexidade do TOC, não se preocupa em ser politicamente correto ou se render a maiores explicações sobre o transtorno, quando elas aparecem costumam ser bem simplistas, porém, consegue dar conta de criar situações divertidas sobre o tema. Em alguns momentos fica difícil driblar o aspecto teatral, mas o diretor Vicente Villanueva faz o que pode com a edição, com o uso de tomadas externas e movimentos de câmera para tornar a narrativa mais dinâmica, ironicamente este esforço pode se tornar um pouco cansativo durante a sessão, principalmente pelo número de personagens que falam quase o tempo todo em cena. Diante da cadência do filme os destaques ficam por conta de Paco León e Alejandra Jiménez, que não perdem o ritmo durante a sessão, além da menção honrosa para Rossy, que se tornou uma atriz de mais nuances do que se imaginava de sua figura extravagante nos primeiros filmes que realizou. Toc Toc é uma comédia despretensiosa que pode surpreender a plateia que entrar no clima e perceber que qualquer um tem suas manias, mesmo que não sejam transtornos diagnosticados. 

Toc Toc (Espanha-2017) de Vicente Villanueva com Paco León, Alejandra Jimenéz, Rossy de Palma, Oscar Martínez, Nuria Herrero, Adrián Lastra e Inma Cuevas. ☻☻☻

terça-feira, 22 de maio de 2018

PL►Y: Fahrenheit 451

Os Michaels: bombeiros incendiários. 

O livro Fahrenheit 451 de Ray Bradbury foi lançado em 1951 e provocou arrepios por ser uma ficção científica que apresentava um futuro distópico onde livros são queimados há tanto tempo que os responsáveis pelo serviço nem se perguntam mais o motivo desta ação. Vistos como ameaça por confundir a cabeça da humanidade frente às ideias divergentes, destruir livros de toda espécie seria a melhor medida para manter a paz e a harmonia entre as pessoas. O livro chamou tanta atenção que recebeu uma clássica versão para o cinema pelas mãos de François Truffaut em 1966 com Oskar Werner, Cyrill Cusack e Julie Christie no elenco. O tempo aumentou a aura de cult do filme e o sedimentou como uma dessas obras de qualidades indiscutíveis. Demorou para que alguém tivesse coragem de fazer uma nova versão para a obra. Produzido pelo astro ascendente Michael B. Jordan e dirigido por Ramin Bahrani (99 Casas/2014), o filme não tem a mínima intenção de rivalizar com um clássico de 52 anos de idade e... nem poderia. As reflexões que o filme original deixavam latentes durante a narrativa, aqui aparecem exploradas apenas superficialmente em situações que se resolvem facilmente, sem que o espectador tenha muito tempo para pensar sobre o que está vendo, o efeito é de que tudo foi reduzido a um cinema espetaculoso um tanto desengonçado. Feito para HBO, o filme tem Michael B. Jordan como o bombeiro Guy Montag, que aos poucos começa a questionar as sucessivas apreensões e destruição de livros ao longo de sua carreira de bombeiro. Ele é o discípulo mais próximo de Capitão Beatty (Michael Shannon), responsável pelas apreensões e detenções dos chamados Enguias (pessoas que escondem e traficam livros para que não sejam destruídos), mas um conjunto de fatos irá fazê-lo questionar o motivo dos livros serem tão ameaçadores. O mais interessante desta adaptação é como eles atualizam algumas questões presentes no livro e no filme, levando em consideração a internet e o embate de discursos fluídos que tomaram conta do mundo pós-moderno e a recente "pós-verdade". O texto faz clara alusão à censura e o discurso de que ela serve para o bem das pessoas que não sabem lidar com as informações que chegam até elas, mesmo que isso custe o atrofiamento intelectual da sociedade. Sim, trata-se de um discurso bastante atual e assustador, mas o problema é que ao privilegiar as cenas de ação, o filme deixa de lado o que a história tem de mais interessante - seja sobre o protagonista que precisa ler escondido, já que um sistema operacional lhe faz companhia (ou seria vigia) o tempo inteiro - ou o capitão que mantem pequenos pedaços de papel e uma caneta para escrever as reflexões que aparecem em sua mente nas noites solitárias em casa. Com a maior parte das cenas feitas à noite, as cenas são muito escuras (talvez para ampliar o efeito da poluição visual dos prédios que funcionam como grandes telas de notícias com smiles, caverinhas, corações e mensagens subindo como se fosse a tela de uma rede social), visualmente o filme também se torna cansativo e não consegue explorar muito o universo que tem em mãos. Fahrenheit 451 não serve para muito mais do que assistir e esquecer, se você não tem acesso ao filme de Truffaut, melhor ficar com o livro que ganhou uma nova edição recentemente. 

Fahrenheit 451 (EUA-2018) de Ramin Bahrani com Michael B. Jordan, Michael Shannon, Dylan Taylor, Sofia Boutella, Raoul Bhaneja e Cindy Katz. ☻☻