Neiva e Cassel: Rito de passagem em um filme diferente.
Filmes sobre perda da inocência não costumam empolgar, mas lembro quando À Deriva foi exibido em Cannes e a crítica se rasgou em elogios para seu diretor Heitor Dhalia. Claro que grande parte desse apelo veio da presença do astro francês Vincent Cassel no terceiro filme do cineasta. Quando o filme estreou no Brasil a crítica ficou dividida, mas talvez o efeito tenha sido do marketing do filme que parecia se preocupar mais em alardear que sua protagonista Laura Neiva fora encontrada no orkut do que ressaltar as qualidades do filme - que se difere dos anteriores de Dhalia por ser extremamente intimista e com conotações autobiográficas. Depois de esbanjar estilo e esquisitices em Nina (2004) e O Cheiro do Ralo (2006), Dhalia centra seu foco na passagem de uma adolescente para a vida adulta, ou pelo menos, tenta traçar uma espécie de rito de passagem no momento em que ela descobre sua sexualidade ao mesmo tempo em que se depara com a dissolução de sua família. Phillipa (Laura Neiva, numa correta estréia como atriz) é uma adolescente de 14 anos que passa uns dias na casa de praia com seus pais - no caso o escritor Mathias (Vincent Cassel, que aprendeu a falar português em suas visitas à casa que possui em Saquarema) e a professora Clarice (Debora Bloch) - e seu casal de irmãos. Ao mesmo tempo que começa a atrair o olhar dos homens da região ela descobre que seu pai está tendo um caso com uma americana que reside na região (a filha de brasileiros Camila Belle), assim ela vive dois dilemas: um explícito (conta para sua mãe e corre o risco de causar a separação dos dois) e um implícito (manter uma relação com alguém para que? Para se magoar? Para ser traída?). Enquanto Phillipa tenta construir sua referência de relacionamento amoroso entre o nível alcóolico de sua mãe e as decepção com o pai, Heitor Dhalia nos brinda com uma belíssima fotografia embalada por uma trilha sonora arrasadora, até que o nó na garganta é inevitável e tudo que parecia tão óbvio se tranforma numa despedida inevitável. Essa despedida pode ser aos nossos pais idealizados na infância, nossos sonhos de encontrar a alma gêmea ou à nossa idade adulta, que pode chegar de uma hora para outra diante dos olhos de quem nos ama. O filme tem um roteiro muito sutil, repleto de frases não ditas, olhares reveladores e sensações que ocupam o lugar dos diálogos nas atuações. Dá até para identificar as referências que localizam a trama no tempo (anos 1980) e espaço (Búzios), mas ela pode acontecer em qualquer lugar e em qualquer época. Não por acaso muitos estranharam essa guinada na carreira do diretor e ainda se surpreenderam com um filme nacional que vai contra todos os clichês marginalescos que invadiram o nosso cinema nos últimos anos.
À Deriva (Brasil/2009) com Laura Neiva, Vincent Cassel, Deborah Bloch e Camila Belle. ☻☻☻☻
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