Dern: perdida em si mesma na última sandice de David Lynch.
Todo cinéfilo que se preze sabe que David Lynch não é um cineasta convencional, mas é um dos poucos que consegue envolver quem assiste seus filmes como se fosse um personagem o fazendo mergulhar na estranheza do universo entre a realidade e a fantasia em que constrói suas histórias - muitas vezes interpretadas como sem pé e nem cabeça. Às vezes ele facilita a vida do espectador (como em O Homem Elefante ou A História Real), em outras gosta de embaralhar nossa atenção em vários pedacinhos, numa espécie de quebra-cabeça em película. Lynch domina a arte cinematográfica como poucos. Iluminação, edição, trilha-sonora, atuações, tudo está a serviço da atmosfera que consegue construir apoiado num roteiro muitas vezes enigmático. Se em Cidade dos Sonhos (Mulholland Drive/2001) ele conseguiu duas indicações ao Oscar (direção e roteiro adaptado – ambas merecidíssimas) a coisa parece não ter funcionado como o esperado em Império dos Sonhos que funciona quase como uma sequência do anterior na forma como explora o processo de fazer cinema. Lynch teve a idéia de fazer o filme quando descobriu que o esposo de sua musa Laura Dern nascera em Inland Empire (o título original do filme, tão sonoro e interessante como Mulholland Drive), instigado com o nome da cidade, o diretor construiu mentalmente as cenas sem se preocupar com o encadeamento do roteiro. Assim, foi filmando seu elenco ao longo dos meses sob a trama aparentemente simples: uma atriz que para de distinguir o que é sua vida, o que é sonho, o que é memória e o que é ficção. Nesse pretexto o diretor faz de tudo que tem vontade, salpicando mistérios, subtramas, focos, portas, texturas, dezenas de personagens (às vezes me parecia uma versão hardcore de Robert Altman com as participações de Diane Ladd, Willian Macy e Laura Elena Harring nos créditos) e os embaralha numa montagem caótica e cheia de atmosfera em que cabe ao expectador construir o filme em sua mente. No meio do caos somos guiados pela atuação de Laura Dern que consegue nos tragar para a angústia de sua personagem. Obviamente que um filme de Lynch não é para todos os gostos, mas o espectador devidamente avisado pode apreciar os méritos do filme. Império dos Sonhos é uma experiência acima de tudo sensorial sobre os labirintos do processo de construção de uma personagem (e por isso, seria melhor ter traduzido o título original como Império Interior). Acho que não precisa mencionar a premissa do filme que conta a filmagem de um roteiro baseado no folclore polonês que parece amaldiçoado, no meio de tanta linhas narrativas isso é o que menos importa. O clima opressor, sombrio e obscuro nas mãos de Lynch continua sendo estranhamente atraente mostrando o quanto é capaz de criar pesadelos como ninguém, seja com coral de prostitutas ou seres coelho. Mas os delírios criativos comprometem o encadeamento da narrativa (o que não acontecia em Cidade dos Sonhos ou A Estrada Perdida), o tornando longo e árduo em sua segunda hora de duração (p.s.: são três!!), mas esse aspecto pode ser atenuado pelos fãs do estilo do diretor – afinal, se o cinema pode ser visto como sonho e fantasia, a cinematografia de Lynch habita o limite dessa premissa.
Império dos Sonhos (Inland Empire/EUA-Polônia e França-2006) de David Lynch com Laura Dern, Justin Theroux, Harry Dean Stanton e Julia Ormond. ☻☻☻
O CENÁRIO DO FILME SOMBRIO E PERTURBADOR PARECE ESTIMULAR O LADO PSÍQUICO DA PERSONAGEM, QUE NÃO CONSEGUE DISTINGUIR A FICÇÃO DA REALIDADE.
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