Gosling: o Piloto em seu cavalo motorizado.
Existe algo de muito peculiar no protagonista de Drive do sueco Nicolas Winding Refn. Acho que não se trata do fato dele ter poucas palavras, ou ter arroubos violentos tão assustadores quanto qualquer psicopata que nos acostumamos a ver às pencas em filmes de segunda. O que mais me impressiona é a frase com que se apresenta aos seus clientes e espectadores, algo semelhante a: "Se eu dirigir para você, terá dinheiro. Você me diz onde começamos, onde vamos e onde vamos depois. Eu te dou cinco minutos quando chegarmos lá. Qualquer coisa que acontecer nesses cinco minutos eu sou seu. Não importa o que aconteça. Qualquer minuto antes ou depois e você está por conta própria. Eu não carrego arma. Eu dirijo". Parece pouco, mas não é. Impressiona a forma como Ryan Gosling diz essas palavras que servem para resumir a vida de seu personagem, um dublê de Hollywood que nas horas vagas trabalha numa oficina e ganha uns trocados dirigindo para assaltantes. São características que garantem por si só um personagem interessante para a plateia, mas a coisa não pára por aí. Sem falar muito, o papel é um prato cheio para que o ator construa mais um tipo estranho em sua carreira. Concentrando-se no olhar de seu "piloto", ele consegue transmitir emoções variadas a cada nuance que o roteiro prepara para ele, seja entrar num negócio arriscado envolvendo corridas de Stock Car patrocinado por dois sujeitos perigosos - basta ver a carranca de Ron Perlman e Albert Brooks dizendo que suas mãos também estão sujas para perceber que as coisas vão complicar - ou seja aprofundando sua relação com sua meiga vizinha, Irene (Carey Mulligan). É quando está perto de Irene e do filho dela que o Piloto revela suas características mais nobres, a partir desse ponto que percebemos que nãos e trata de um vilão, mas de um cavaleiro solitário como vimos em tantos faroestes onde um homem precisa fazer o que tem que fazer - a diferença é um toque doentio urbanoóide tão bem explorado por Scorsese em Taxi Driver/1976. Como todo mocinho tem a sua missão, Piloto irá ajudar o esposo ex-presidiário de Irene a se livrar de uma dívida e nesse ponto, dirigir alucinadamente não será mais suficiente para proteger a criança e a moça indefesa que cruzaram seu caminho. Existe inúmeros méritos na direção de Nicolas Winding Refn, a começar pela sábia opção da economia nos diálogos (deixando que o espectador os preencha como bem entender), a estética retrô (da trilha viajante à jaqueta cool de seu personagem principal) e principalmente pelas elaboradas cenas de perseguição. Todo esforço para criar uma narrativa elegante constrasta excepcionalmente com os momentos em que o sangue jorra na tela - quando a vida tão regrada do personagem sai do controle. Ainda quando a trama atinge seus momentos mais crus, o diretor continua criando cenas inesquecíveis (como o beijo no elevador antes que Piloto 'brinque' de Irreversível/2002 com um oponente - uma manobra narrativa tão brusca que cai como uma luva para a trama de carros envenenados duelando entre si). Refn saiu premiado como melhor diretor em Cannes2011 e foi merecido, além de seu cuidado estético ele nunca perde de vista as atuações do elenco. Gosling já é de longe o ator mais interessante de sua geração, o sempre cômico Albert Brooks aparece irreconhecível ao ponto de causar arrepios, Bryan Cranston (o mentor do protagonista), Mulligan, Perlman e Christina Hendricks (a voluptuosa Joan de Mad Men) conseguem tornar seus personagens marcantes, mesmo com menos nuances a serem trabalhadas. Indicado ao Oscar de edição de som, Drive é um filme ousado na construção de seu antiherói, torna-se quase um delírio narrativo em sua intenção de conciliar filme de arte com ação - e, por isso mesmo, já coleciona fãs ardorosos que lhe reivindicam o título de clássico.
Drive (EUA-2011) de Nicolas Winding Refn com Ryan Gosling, Carey Mulligan, Albert Brooks, Bryan Cranston, Oscar Isaac, Ron Perlman e Crhistina Hendricks. ☻☻☻☻☻