sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Combo: Como interpretar um Ícone?

5 Los Angeles - Cidade Proibida (1997) O excepcional filme de Curtis Hanson se passa na era de ouro de Hollywood, onde todo o glamour das estrelas de cinema escondia uma cidade onde o tráfico de drogas crescia, prostitutas pareciam  estrelas de cinema e a polícia andava cada vez mais desmoralizada, ou seja, tudo que James Ellroy sempre prezou em sua obra. Num  elenco com Russell Crowe, Kevin Spacey, Danny DeVito e Kim Basinger (oscarizada pela garota de programa que é clone de Veronica Lake), o ícone que aparece numa cena inesquecível é Lana Turner (1921-1995). Brenda Bakke encarna a diva conforme manda o figurino, sua curta participação foi o suficiente para gerar um burburinho de que a diva receberia um filme próprio sobre seu conturbado relacionamento com o mafioso Johny Stompanato (na foto vivido por Paolo Seganti) -  com um dos desfechos mais intrigantes de Hollywood (que aparece em outro livro de Ellroy: "Meus Lugares Escuros"). Regra #5:  "Um ícone é sempre um grande papel (não importa o tempo na tela)"

4 Chaplin (1992) Não foi Tony Stark ou Sherlock Holmes que renderam indicações de Robert Downey Jr. ao Oscar, foi sua performance no papel de Charles (Spencer) Chaplin (1889-1997) no filme de Richard Antteborough que fez com que seu talento fosse reconhecido. O filme é baseado em duas biografias do ator e mostra aspectos importantes da vida de Chaplin: a infância pobre ao lado da mãe alcoolatra (vivida por Geraldine Chaplin), a ida para os EUA, sua genialidade reconhecida no cinema mudo e a conturbada vida amorosa. Downey Jr. está tão convincente no papel que ninguém reclamou de um detalhe: Charles tinha olhos azuis. Robert tinha 27 anos quando recebeu os elogios pela sua atuação - e depois mergulhou num mundo de vícios até o início do século XXI (provavelmente sua vida irá gerar um filme daqui uns vinte anos). Regra #4: "Desvie a atenção de qualquer aspecto que não se assemelhe ao ícone""

3 Liz (1995) Bastava ver qualquer capítulo da série Twin Peaks (1990-1991) para ver qual era a referência clara da personagem de Sherilyn Fenn: Elizabeth Taylor (1932-2011). A belíssima jovem atriz acabou sendo escolhida para viver a diva na produção para a TV dirigida pelo veterano Kevin Connor no canal NBC. Sua interpretação ficou famosa por suas intervenções constantes na produção quando considerava que a integridade de sua personagem seria colocada em risco. A identificação com Taylor foi tão grande (especialmente pelos estereótipos sofridos por uma mulher belíssima)  que o processo de atuação tornou-se seu trabalho mais árduo. Ainda que a verdadeira Taylor tentasse impedir a transmissão do programa, até ela deve ter gostado da personificação de Sherilyn Fenn. Regra #3: "Se o ícone ainda estiver vivo esteja preparado para o dobro de trabalho!"

2 James Dean (2001) Apesar do sucesso no seriado Freaks & Geeks (1999-2000), a carreira de James Franco parecia condenado a papéis pequenos até que foi escolhido para viver James Dean (1931-1955) neste telefilme dirigido por Mark Rydell. O filme deixa claro que o lendário ator revelava-se ao público em papéis muitos semelhantes à sua verdadeira personalidade (especialmente em seu conturbado relacionamento com o pai) até sua morte prematura. Pela forma como encarnou um dos maiores símbolos de rebeldia do cinema, Franco foi indicado a vários prêmios - e levou para casa o Globo de Ouro e o prêmio da Associação Americana de Críticos (além do crédito necessário para mostrar que era um ator competente - desde que não tenha que apresentar o Oscar!). Acha que é fácil viver um homem que se tornou ícone com apenas três filmes? Regra #2: "Interpretar um ícone pode elevar sua carreira a outro patamar, portanto, INTERPRETE!"

1 Aviador (2004) O filme de Scorsese contava a vida de Howard Hughes (Leonardo DiCaprio) e seus transtornos psicológicos, mas até lá ele conviveu com as estrelas mais cobiçadas de Hollywood. Apesar de contar som a presença dos astros Jean Harlow (Gwen Stefani), Ava Gardner (Kate Beckinsale, belíssima) e Errol Flynn (Jude Law) no roteiro, foi Cate Blanchett que se saiu melhor ganhando o Oscar por sua atuação como Katharine Hepburn (1907-2003). Nunca achei a atriz parecido com Hepburn, mas ela consegue incorporar a atriz de modo assustador (tem até uma cena em que ela fica idêntica à temperamental atriz). A aristocrática Hepburn aparece como o maior amor da vida de Hughes e atuação de Blanchett deixa claro o motivo. Regra #1: "Não importa o que digam: Você é o Ícone"

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

DVD: Sete Dias com Marilyn

Michelle/Monroe: um ícone por trás das câmeras. 

Penso no frio que dá na barriga de um ator quando é escolhido para viver um ícone do cinema na telona. Esta sensação desconfortável deve ter passado por algum minuto pelo corpo de Michelle Williams quando foi escolhida para trazer de volta à tela a persona de Marilyn Monroe. Sei que soa preconceituoso, mas eu não acreditei que a atriz fosse capaz de viver o maior símbolo sexual de Hollywood. Desde os tempos em que era a lourinha enjoada do seriado Dawson's Creek, Michelle nunca buscou personagens que primassem pelo sex appeal. Está certo que aos poucos a moça foi se mostrando uma atriz cada vez mais competente em papéis que exigissem força e fragilidade (somando duas merecidas indicações ao Oscar, uma de coadjuvante por Brokeback Mountain/2005 e outra de atriz principal por Namorados para Sempre/2010). Pois não é que Michelle deu conta de viver Marilyn no cinema - sendo indicada a todos os prêmios da temporada, incluindo o Oscar e levando o Globo de Ouro de Comédia/Musical para a casa. A atriz tem momentos luminosos como a estrela, sendo esperta o suficiente para captar que a Marilyn que nós conhecemos era, também, uma personagem criada por Norma Jean Martenson. Se Marilyn  era a persona artística de pura sensualidade, sorriso maroto e olhos calorosos, na intimidade ela era Norma Jean, uma mulher insegura que carregava nos ombros o peso de ser a maior estrela do cinema de seu tempo. O filme promete trabalhar essa ambiguidade da loura mais cobiçada de Hollywood durante a filmagem de O Príncipe e a Showgirl (1957) dirigido por Laurence Olivier. A produção foi marcada por grandes desentendimentos entre seus dois astros, já que Olivier (vivido no filme por Kenneth Branagh, indicado ao Oscar de coadjuvente) além de dirigir também atuava - no que segundo ele era uma comédia leve. A alegria com que consegue convencer Monroe a participar da produção britânica logo é substituída pela angústia de atrasos constantes e inseguranças na hora de filmar. Se Marilyn é a estrela, Olivier é a verdadeira diva da história. Temperamental ele intimida Marilyn desde o início e o resultado é desastroso para a ela. Apesar dos cinéfilos estarem interessados na relação de dois ícones do cinema (tendo ainda uma ciumenta Vivien Leigh vivida por Julia Ormond), a trama tem como verdadeiro personagem principal o terceiro assistente de direção de Sir Laurence Olivier, Colin Clark (Eddie Redmayne, mais convincente do que em seus outros filmes) é ele que se apaixona pela estrela e descobre a mulher que está por trás do mito. Obviamente que existem alguns obstáculos em seu caminho, já que Monroe vivia o seu terceiro casamento, desta vez com o dramaturgo Arthur Miller (Dougray Scott) e estava sempre aos cuidados do agente (Dominic Cooper) e sua professora de teatro Paula (Zoe Wanamaker). O maior problema do filme é que ele demora a engrenar, até que Michelle apareça o filme se alonga em mostrar o interesse de Colin em trabalhar no cinema. Depois, o filme se enrola um bocado com o conflito da atriz em "encontrar" a personagem (enquanto todo mundo só esperava que fosse tão sexy como em todos os outros papéis que teve). Custa um pouco para que a plateia entenda o que Colin explica: ela é "uma estrela de cinema querendo se tornar uma grande atriz e Olivier é um grande ator querendo se tornar um astro de cinema - e esse filme não ajudará nenhum dos dois". O diretor Simon Curtis também poderia ter usado menos aquela trilha sonora que faz o longa parecer um filme da Disney e concentrado mais em sua diva, já que Williams consegue captar a essência da personagem de forma surpreendente. Se os contornos voluptuosos se devem ao uso de enchimentos e dublê de corpo sempre que a personagem aparece como veio ao mundo, o olhar, o sorriso e os trejeitos se devem à dedicação de Michelle em aceitar o maior desafio de sua carreira. A cena musical no início que repete "Eu consigo" em vários versos, parece um recado prévio de que ela é capaz de assumir essa tarefa perigosa sem prejudicar a carreira. Se a performance da moça tem momentos mágicos (a cena em que canta na banheira é, de longe, a mais bela do filme), o roteiro poderia ter dedicado mais espaço para entendermos as crises da estrela, seu relacionamento com as pílulas enquanto tinha aquele magnetismo irresistível. Da forma como aparece no texto, tudo fica subentendido demais. Entendo que o fato do filme ser baseado no olhar de uma terceira pessoa sobre ela cause esse efeito (Colin Clark realmente existiu e escreveu seu livro de memórias sobre o tempo em que ficou próximo da estrela), mas o filme poderia ter se tornado mais rico ao explorar ainda mais as nuances tão diferentes de Marilyn. Ainda que conte com  o auxílio luxuoso de Judy Dench, Emma Watson e Toby Jones no elenco, no fim das contas fica a imagem de Michelle mais uma vez vulnerável em cena (mas com os momentos mais sexys de sua carreira em delicioso contraponto). 

Sete Dias com Marilyn (My Week with Marilyn/EUA-Reino Unido/2011) de Simon Curtis com Michelle Williams, Eddie Redmayne, Kenneth Branagh, Julia Ormond, Judy Dench, Emma Watson e Dominic Cooper. 

terça-feira, 28 de agosto de 2012

DVD: À Toda Prova

Gina e Fassbender: não é nada do que você está pensando. 

De vez em quando o diretor Steve Soderbergh precisa fazer um filme de maior apelo comercial para bancar suas empreitadas mais conceituais. Se Contágio (2011) já era uma tentativa de encher seus cofrinhos depois das bilheterias ruins, o mesmo acontece com À Toda Prova que estreou nos EUA no início do ano. Quando vi o trailer e todo marketing do filme em torno do fato de ser dirigido pelo mesmo cara que repaginou Onze Homens e um Segredo (2001) fica a impressão de que Soderbergh aposentou sua franquias dos ovos de outro e resolveu criar outra série que interessasse ao público. Deve ser por isso que tudo no filme é envolto de mistérios num roteiro cheio de lacunas e que mais tarde mostra-se furos mesmo. Adepto de um estilo próximo do documental, eu até entendo e repeito a opção do diretor de injetar um tom mais realista aos filmes de ação, mas ele poderia ter tomado alguns cuidados para não fazê-lo como um dos mais toscos de sua cinematografia. Se ele garantiu o marketing interesse em torno de Confissões de Uma Garota de Programa (2009) escalando a pornstar Sasha Grey para viver uma profissional do sexo, aqui ele escalou uma autêntica lutadora de MMA para extrapolar as cenas de ação. Gina Carano pode até garantir a pancadaria em cena, mas fica evidente que o diretor não faz a mínima ideia de como registrar seus embates corporais e, em busca de um tom mais realista, ele errou na sonoplastia dos golpes. Todo mundo sabe que no cinema ninguém se espanca de verdade (apesar dos parceiros de cena de Carano terem sofrido durante as tais cenas), mas Soderbergh resolveu deixar tudo com o som natural da luta - que não é luta, por tanto, não tem o peso do impacto nos golpes ou dos corpos ao colidindo com o chão ou parede. O resultado é totalmente artificial, ao ponto da brilhante sequência de Carano e Michael Fassbender no hotel perder muito do seu impacto sem os sons de uma autêntica luta cinematográfica. Esse poderia ser só um detalhe se a pancadaria desenfreada não fosse tudo que o filme deseja ter como diferencial, já que o roteiro é um dos mais preguiçosos que já vi. Os poucos diálogos não bem simples e até risíveis (dizer "é melhor correr mesmo" ao oponente parece coisa de desenho animado!), além disso, a tentativa de delinear os personagens não chegou a ser pensada (ao contrário das tentativas de imprimir um novo "estilo" ao gênero, basta ver a desinteressante cena do carro fugindo de ré sendo filmada de dentro do próprio carro). A trama conta a história de uma ex-oficial de operações especiais, Mallory Kane (Gina Carano) que trabalha para uma empresa particular de ações militares contratada pelo governo. Ela é encarregada de uma missão à  pedido de seu superior (Ewan McGregor) e aos poucos descobre que tudo  não passava de uma conspiração. Como dá para perceber, não é nada muito original - mas o diretor soube utilizar a sua influência para colocar nomes como Michael Fassbender, Antonio Banderas, Michael Douglas, Bill Paxton, Mathieu Kassovitz e até o apalermado Channing Tatum (que parece ter virado o novo queridinho do Soderbergh). Todos tem papéis que vão do nada ao lugar algum na trama e servem para dar suporte dramático para uma iniciante que precisou ter até a voz alterada digitalmente para melhorar a atuação. Sinceramente, o filme não me empolgou - acho que o cineasta deveria repensar a parceria com o roteirista Len Dobbs - que assina o filme mais criticado da carreira de Steve (Kafka/1991) e até os fãs de ação devem cochilar com as longas caminhadas de Mallory ou  perder a paciência com o início embaralhado (onde a personagem conta a sua história para um rapaz que mal conhece e que simplesmente some da história). A gracinha do final deixa a impressão que tudo não passa  de uma piada. Ao invés de lançar um filme atrás do outro, Steve Soderbergh deveria gastar seu tempo lapidando melhor seus trabalhos - garanto que seus admiradores agradeceriam. 

À Toda Prova (Haywire/EUA-2012) de Steve Soderbergh com Gina Carano, Michael Fassbender, Ewan McGregor, Channing Tatum, Antonio Banderas, Matthieu Kassovitz, Bill Paxton e Michael Douglas. 

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

CATÁLOGO: Amor à Queima Roupa

Patricia e Slater: os desafios do amor segundo Tarantino.

Com o falecimento do diretor Tony Scott há uma semana eu senti a necessidade de homenageá-lo postando  sobre meu filme favorito assinado por ele. Amor à Queima Roupa é um filme que nasce de um dos argumentos mais manjados da história do romance cinematográfico:  o rapaz que se apaixona por uma prostituta de bom coração. O que faz a diferença aqui é quem assina o roteiro: Quentin Tarantino. O diretor era um ilustre desconhecido que havia realizado algumas pontas em filmes independentes, este era o seu primeiro a ser vendido (depois de bater de porta em porta) para ser levado às telas por Tony Scott. O irmão de Ridley Scott parecia enclausurado a um tipo de cinema calcado em cenas de ação e suspense, mas aqui ele mostrou que sabia dominar o romantismo na medida certa para que a plateia torcesse de início ao fim pelo casal principal.    Existe uma química irresistível entre Christian Slater no papel de  Clarence e Patricia Arquette como Alabama. Clarence é um pacato funcionário de uma loja de animais que conhece no cinema (onde mais poderia ser?) uma garota encantadora vinda do interior. Todas as afinidades que possuem (o gosto por HQs de super-heróis, batatas fritas, kung fu....) só podem dizer uma coisa: são almas gêmeas! E como o amor é lindo ela não tem motivo para continuar enganando o rapaz - e conta para ele que é uma garota de programa contratada para animar a noite de aniversário dele. Eles acabam se casando e... Clarence terá de enfrentar Drexl (Gary Oldman), o cafetão da loura que não está disposto a perder a funcionária. É neste momento tenso que o filme dá sinal de que não é um romance qualquer, afinal, nenhum casal pode ser personagem de Tarantino impunemente! A conversa com o tal Drexl virá um banho de sangue e o casal termina com uma mala cheia de cocaína. Ciente de que precisam de dinheiro para bancar a vida a dois, Clarence vê ali a chance de ganhar uma grana indo para Hollywood e vendendo o pó para algum viciado endinheirado. Pena que depois que a violência aparece no caminho dos pombinhos ela se alastra pela trama por conta de um grupo de traficantes que passa a perseguí-los. Quem acompanha o cinema de Tarantino irá perceber trocentas ideias que apareceram novamente em sua obra (a mala de dinheiro, os tiroteios inusitados, as citações cinematográficas intermináveis, as filosofices sobre cultura pop, o humor inconfundível...) e, além de ver um bom filme, a sensação é que vemos o nascimento de um sujeito que revolucionaria Hollywood. Penso que Tony Scott tem crédito nisso, pois soube valorizar o texto que caiu em suas mãos (e custou míseros 50 mil dólares), ao ponto de notar que a narrativa linear seria melhor para a plateia se identificar com os casal protagonista. Acho louvável a atuação de Christian Slater como Clarence, que transborda paixão por sua parceira em cena. Patricia Arquette está esplêndida como Alabama, linda, frágil e sexy é dela a antológica cena da personagem  ajoelhada diante do assassino em sua última chance de sobreviver (ela merecia uma indicação ao Oscar só pela cena). Além do inspirado casal principal, o filme traz um controlado Dennis Hooper como pai de Clarence, um ensebado Brad Pitt como um viciado que está alheio a tudo o que acontece e Christopher Walken como um mafioso. Do início romântico ao seu clímax angustiante num hotel de luxo, Amor à Queima Roupa garantiu seu sucesso nas bilheterias - e o mais legal é que a plateia nem sabia que via uma espécie de revolução no cinema de Hollywood há quase vinte anos (graças ao cérebro  de liquidificador hiperativo de Quentin Tarantino). Tony Scott nem devia saber que escrevia sua maior colaboração na história do cinema. 

Amor à Queima Roupa (True Romance/EUA-1993) de Tony Scott com Christian Slater, Patricia Arquette, Dennis Hooper, Christopher Walken, Brad Pitt, Gary Oldman e Elliot Blitzer. 

domingo, 26 de agosto de 2012

LADIES & GENTLEMEN: Rebecca Hall

Nascida Rebecca Maria Hall na cidade de Londres (Inglaterra) no ano de 1982, filha do dramaturgo Peter Hall (que fundou a Shakespeare's Real Company) e da prestigiada cantora lírica Maria Ewing, parecia que a carreira artística da moça era inevitável. Típica nerd, ela chegou a cursar Letras na prestigiada Universidade de Cambridge, mas desisitiu logo no segundo ano. Desde os dez anos ela já podia ser vista em programas de TV (veículo o qual não tem o mínimo pudor de trabalhar) mas seu primeiro papel no cinema foi em Starter for 10 (2006) onde aparecia ao lado de James McAvoy e Dominic Cooper. Seu papel baseado na adaptação na obra de David Nichols tinha até algum destaque na trama, mas a atuação que a deixou conhecida naquele ano foi em O Grande Truque de Christopher Nolan - onde interpretava a esposa do ilusionista vivido por Christian Bale. Curiosamente, o nome da atriz que aparecia no auge dos créditos era de Scarlett Johansson, mas o papel de Hall era de longe mais complexo e interessante.  Pela atuação, ela recebeu vários elogios e uma indicação ao prêmio de atriz revelação no Empire Awards no Reino Unido. O cinema já lhe preparava uma guinada na carreira. Woody Allen estava ajeitando seu novo filme com locações européias e já contava com nomes de prestígio como Penélope Cruz, Scarlett Johansson e Javier Bardem quando escalou a inglesa Rebecca Hall para o papel de Vicky no sucesso Vicky Cristina Barcelona (2008). Bastou o filme ser apresentado em Cannes para que a crítica se rendesse à Rebecca no papel de uma mulher em dúvidas entre a segurança do casamento e uma aventura sexual ao lado do espanhol conquistador vivido por Bardem (que ainda se envolvia com as personagens das outras atrizes). Se Penélope Cruz levou o Oscar de coadjuvante para a casa, foi Rebecca que garantiu um lugar entre as candidatas ao Prêmio de Melhor Atriz de Comédia no Globo de Ouro. Nada mal para quem tem como filme favorito, Manhattan (1979) do próprio Woody Allen. Ainda nesse ano, Rebecca conseguiu um charmoso papel num outro filme badalado no Oscar. Em Frost/Nixon de Ron Howard ela vive a namorada do apresentador David Frost (Michael Sheen) que desmascara Richard Nixon em rede nacional. Rebecca nem tem muito para fazer em cena, mas consegue ter presença marcante num papel que ela compôs como se fosse  "uma espécie de Bond Girl". No mesmo ano, a atriz ainda teve destaque na produção televisiva Einstein e Eddington da BBC sobre os embates em torno da teoria da relatividade. Em 2009 ela ainda participou do seriado Red Riding baseada na obra de David Pearce com a trama sombria sobre um jornalista que busca um serial killer, a série contava ainda com as presenças de Andrew Garfield e David Morrissey. A produção foi indicada a nove prêmios BAFTA e levou os prêmios de figurino, fotografia e atriz coadjuvante para Rebecca (que aparecia loura num papel relacionado aos desaparecimentos). Nos cinemas ela surgiu como uma das conquistas do clássico personagem amaldiçoado O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde, infelizmente o filme de Oliver Parker não teve a repercussão esperada. Em 2010, ela interpretou Rebecca, a irmã bondosa de Sentimento de Culpa, filme modesto e interessante de Nicole Holofcener que ganhou o prêmio Robert Altman (destinado pelo conjunto do elenco) no Independent Spirit Awards, além de estar presente na lista de melhores filmes independentes do ano do National Board of Review - e ter concorrido ao prêmio de roteiro original pelo Sindicato dos Roteiristas dos EUA. Mas naquele ano o público preferiu ver Rebecca na nova empreitada de Ben Affleck atrás das câmeras. Atração Perigosa trazia a atriz como a testemunha de um assalto à banco que se apaixona, sem saber, por um dos assaltantes. Ela ainda teve tempo de fazer Pronto para Recomeçar (2010), dramédia estrelada por Will Ferrell e no ano passado ela participou do terror O Despertar, além da comédia A Bag of Hammers - que acabaram sendo lançados diretamente em DVD por aqui. Talvez pelo sucesso modesto destas empreitadas, a atriz voltou para a TV inglesa em 2012 com o seriado Parade's End sobre um triângulo amoroso na aristocracia inglesa. O elenco ainda traz Benedict Cumberbatch, Miranda Richardson, Rupert Everett, Stephen Grahan, Janet McTeer e Rufus Sewell. Além desta produção, Hall está no novo filme de Stephen Frears, Lay the Favorite comédia sobre casais com Bruce Willis, Catherine Zeta Jone e Vince Vaughn que deve estrear nos próximos meses nos EUA. Para o ano que vem, Rebecca prepara sua participação em Homem de Ferro 3, o drama A Promessa dirigido pelo francês Patrice Leconte e um thriller sobre terrorismo ao lado de Eric Bana e Jim Broadbent. Ainda que  pouco conhecida pelo grande público, Rebecca mostra-se cada vez mais uma aposta certeira em produções prestigiadas. 

Sucesso em cartão postal: com Javier Bardem em Vicky Cristina Barcelona

DVD: O Despertar

Hall: uma cética exorcizando seus próprios fantasmas. 

Admiro os diretores que ainda brigam para fazer filmes de terror elegantes, sem aquele monte de sangue jorrando, vísceras aparecendo e torturas físicas elaboradas que andam na moda. Pena que isso não garante que o filme tenha um final satisfatório. Um exemplo disso é O Despertar, filme britânico estrelado por uma das atrizes mais interessantes da Hollywood atual, a ainda subestimada Rebecca Hall. O Despertar tem atuações competentes, aquela atmosfera que relembra os grandes clássicos do horror e aquele toque especial que consegue fazer a diferença do gênero: ter um protagonista que potencializa as assombrações com seus próprios fantasmas. O problema é que ao chegar no final o roteiro prefere perder a elegância e inventar um final "surpreendente", nem precisava, eu ficaria satisfeito com um final limpo e menos mirabolante para a história de Florence Cathcart (Hall) uma caçadora de fantasmas do ano de 1921, ou melhor, uma caçadora de "não fantasmas", já que ganha a vida destruindo golpes que utilizam a crença espíritos. O fato dela ser o terror dos médiuns fajutos é mostrado logo no início, com proposital falta de sutileza. Mesmo assim, a moça é capaz de se surpreender com uma mãe que a agride por desmascarar os golpistas que a enganavam golpistas ("Você nunca teve um filho?" pergunta a enganada). Parece uma cena simples, mas ela evidencia os dilemas que a cética Florence Cathcart (esse sobrenome é risível) enfrenta. Ela não acredita em fantasmas e não consegue lidar com a estranha morte dos pais quando ainda era pequena, além de um pretendente que morreu na guerra. É como se Florence se ressentisse por uma redentor último momento que nunca irá acontecer. Florence é tão famosa na região que o diretor de um internato, dedicado quase que exclusivamente a órfãos, a chama para desvendar um mistério acerca do fantasma de um menino que vem assombrando os alunos - e a situação piorou bastante depois que um menino foi encontrado morto. Cética,  ela tem explicações e parafernálias para refutar qualquer explicação que denote algo sobrenatural. Pois em sua temporada no tal internato, a protagonista irá rever alguns de seus conceitos. O filme investe em uma galeria de personagens de grande potencial, um diretor (Dominic West) que carrega suas próprias cicatrizes da guerra, uma funcionária que faz as vezes de "matriarca" da instituição (Imelda Stauton), alguns  professores conhecidos por sua rigidez e um zelador esquisito. Todos eles mostram-se peças eficientes na trama onde os meninos assustados dividem o tempo entre aulas, travessuras e algumas crueldades com os colegas mais quietinhos. Quando a trama encontra a solução para a morte do menino, as coisas ficam mais esquisitas já que as argumentações e apetrechos de Florence não dão conta do que está por vir. Hall dá conta de sua personagem com charme e inteligência, até quando a trama cai no desfecho mais usado desde que M. Night Shyamalan lançou seu Sexto Sentido/1999. Se o filme perde a chance de surpreender optando por uma guinada sentimentalista, pelo menos,  ele consegue segurar o fôlego da plateia por mais de hora e meia com sua atmosfera de truques simples e elegantes. O diretor Nick Murphy acerta na parte técnica, nas atuações, na atmosfera triste, mas, infelizmente,  quase estraga tudo na reta final. Ainda assim, quem gosta de um filme de terror sem histeria pode apreciar o filme. 

O Despertar (The Awakening/Reino Unido-2011) de Nick Murphy com Rebecca Hall, Dominic West, Imelda Staunton e Isaac Hempstead Wright. 

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

DVD: W.E.

Andrea e James: ela é a melhor coisa do filme.

É até covardia comparar W.E. com o filme anterior de Madonna (Sujos e Sábios/2008). Se o primeiro era um indie underground, W.E. é infinitamente mais ambicioso. Os figurinos (de Arianne Phillips que ganhou o prêmio do sindicato da categoria e foi indicada ao Oscar), a direção de arte e a trilha sonora (que foi indicada ao Globo de Ouro de melhor trilha sonora por sua refinada sonoridade com elementos de percussão) são impecáveis. O capricho nesses quesitos podem ser vistos como um avanço da diretora Madonna com relação à forma de seu cinema. Agora, ela só precisa se preocupar com o conteúdo. Apesar de basear-se no polêmico romance de Wallis Simpson com o príncipe Edward, falta substância na forma como a história é contada. O oscarizado O Discurso do Rei/2010 até dedica alguns minutos à história, já que é a renúncia de Edward VIII à coroa britânica (em nome de seu amor pela americana duplamente divorciada) o estopim para o reinado do gago Albert. Apesar de todo o cuidado com os planos e enquadramentos, falta densidade ao roteiro escrito pela loura e seu amigo Alek Keshishian. Colabora para o efeito desengonçado os dois núcleos que compõem a trama. Se a mutante Andrea Riseborough (que aprendi a admirar desde que assisti à O Pior dos Pecados/)  enche os olhos da plateia na pele de Wallis Simpson, o mesmo não se pode dizer de Abbie Cornish na pele de uma admiradora desta figura histórica. Esta admiradora também se chama Wallis por conta de uma admiração incontrolável de sua mãe e avó sobre a mulher que enfrentou alguns tabus para ficar ao lado do ex-futuro rei da Inglaterra.   Se Wallis Simpson consegue ser forte o suficiente para se livrar de um casamento abusivo e sabe usar seu charme para seduzir um príncipe enquanto ainda é casada com o segundo esposo, a Wallis contemporânea aceita viver enclausurada por um capricho do esposo psiquiatra e passa o tempo planejando uma gravidez por inseminação artificial - sem o consentimento dele. Logo ela irá levar umas pancadas numa submissão que não dá para entender. Esse detalhe me irrita mais do que a inexplicável conexão que une as duas personagens - ao ponto de ambas conversarem sobre suas angústias. Essa fantasia é até desculpável pela intenção de mostrar que a vida de ninguém é um "conto de fadas", mas a passividade da personagem de Abbie é inexplicável. Se a atuação vigorosa de Andrea transcende o roteiro fraco, a de Cornish patina do início ao fim nos diálogos sofríveis - ela não convence nem quando resiste em engrenar um affair com o segurança da galeria (o versátil Oscar Isaac) em que visita constantemente a exposição dos pertences de sua musa. No fim das contas, acho que minhas expectativas (que eram péssimas devido às críticas severas que o filme recebeu) foram até superadas. O maior problema é que Madonna foi pretensiosa demais em imaginar que seu trato visual apurado conseguiria disfarçar que o roteiro é capenga. Não adianta nem enfeirar com exaustivos dados históricos, quando aparecem os personagens na tela, nós não queremos ouvir jornalistas comentando o "romance do século", nós queremos vê-lo estampado em cada cena dos personagens. O que vemos não é isso, temos a impressão que importa mais os dilemas da Wallis contemporânea do que a polêmica Srª Simpson. Cenas como a de Andrea Riseborough admitindo que sua personagem sabia não ser bonita e restava-lhe usar as melhores roupas ou o momento em que sua personagem idosa dança twist para o príncipe moribundo (ou até quando, num delírio anacrônico, se requebra ao som de Sex Pistols) mostram que Andrea é uma atriz que irá fazer bonito nos próximos anos. Já Madonna até mostra que sabe usar uma câmera, só falta achar um roteiro que preste. Se houvesse banido a trama estrelada por Cornish e mergulhado nas polêmicas envolvendo as figuras de Wallis e Edward (os comentários que era um casamento de conveniência entre dois homossexuais, aprofundar o envolvimento dele com o nazismo) o efeito seria melhor do que exibir a personagem como militante feminista. No entanto, pode se ler um bocado da trajetória pessoal da rainha do pop na abordagem de suas personagens, o que faz de W.E. um filme mais pessoal do que aparenta.

Oscar e Abbie: há uma história sobrando aqui...

W.E. (Reino Unido/2011) de Madonna com Abbie Cornish, Andrea Riseborough, James D'arcy, Oscaar Isaac e David Harbour. ☻☻

terça-feira, 21 de agosto de 2012

CATÁLOGO: Amém


Mathieu e Ulrich: sem ninguém para ouvir. 

O diretor Costa-Gravas é reconhecido há tempos pelo teor político de seus filmes, se nos últimos anos as grandes premiações fazem de conta que ele não existe, por outro lado, suas obras continuam intrigantes e provocadoras. Amém foi lançado com grande estardalhaço em 2002 quando foi apresentado em festivais com o seu cartaz onde uma cruz de pontas quebradas representava o símbolo nazista, esta imagem com um título que evoca diretamente o catolicismo já foi suficiente para garantir o marketing polêmico antes do seu lançamento. O cartaz criado por Oliviero Toscani (o mesmo das campanhas da Benetton) é a maior provocação do filme, já que sua história sobre a ausência de intervenção da Igreja no Holocausto não é novidade para ninguém. Costa-Gravas prefere um caminho mais sútil do que a polêmica barata ao acompanhar dois sujeitos que tentaram alertar sobre o genocídio que acontecia na Alemanha, mas que ninguém deu importância. Um deles é Kurt Gerstein (interpretado por um inspirado Ulrich Tukur). Gerstein existiu de verdade, era tenente da SS e perito em química. Ele chama a atenção de seus colegas nazistas por ter criado um gás (Zyklon B) capaz de purificar a água consumida pelos soldados nos campos de batalha. Ele nem imagina que os campos de concentração utilizarão sua invenção nas câmaras de gás. Indignado com a situação, Gerstein procura ajuda, mas ninguém está disposto a se expor contra as ordens da gestapo. Gerstein opta por ser uma espécie de espião nos campos, sabotando o uso do produto quando possível até que encontre alguma ajuda. Quando ela chega é por conta de Riccardo Fontana (Mathieu Kassovitz), um padre filho de um conde muito influente perante o Papa Pio II, mas infelizmente as providências esperadas por ambos demoram a ser tomadas. Argumentos não faltam para que a igreja se silencie perante o extermínio de judeus. Alegam que Gerstein representa uma espécie de "teste" de fidelidade da igreja ao fürher, depois a Igreja exibe uma certa gratidão pelos nazistas terem combatido os ateus  comunistas na União Soviética (e ser contra o nazismo poderia ser interpretado politicamente como ser aliado de comunistas). Além de relações políticas referentes às taxas cobradas da Igreja e a preservação do Vaticano quando Roma é invadida pelos exército alemão. A Igreja só parece se dar conta do que está acontecendo quando começam a perseguir os judeus convertidos, mas aí já é tarde demais. Ao seguir as ações de seus protagonistas, o diretor expõe uma rede tão burocrática quanto hierárquica nos universos a que pertencem. Apesar de todas as provas colhidas por Gerstein, a Igreja abusa de justificativas para a inércia do Papa perante o extermínio de judeus. O filme revolta ainda mais o espectador pelo final pessimista, mas extremamente coeso com a trajerória de Gerstein e Fontana. Vale lembrar que Fontana não existiu de verdade, mas o autor da peça que deu origem ao filme, Rolf Hochhutt (que a encenou pela primeira vez em 1963), teria descoberto a existência de dois padres que teriam tentado alertar o Papa das atrocidades promovidas pelo bando de Hitler. Mais do que as infinitas vezes em que trens são mostrados indo e vindo, o interessante é como Costa-Gravas explora a sociedade alemã da época, onde as escolas trabalhavam deveres de casa que justificassem a ação nazista e a ideia de supremacia ariana era aceita naturalmente como justificativa ao  direcionamento dos judeus para "trabalhos forçados na indústria". No entanto, quem procura um Papa sanguinário irá se surpreender com a imagem passiva com que Pio II é mostrado no filme.   Infelizmente, como afirma a filósofa Viviane Mosé, "a indiferença é a aceitação do mal"

Amém (Amen/França-Alemanha-Romênia/2002) de Costa-Gravas com Ulrich Tukur, Mathieu Kassovitz, Ulrich Mühe, Sebastian Koch. 

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

DVD: Poder Sem Limites

Os primos: poderes, hormônios e complexos.

Eu ainda fico desconfiado quando me deparo com um filme de ficção que se aventura pelo formato "documental". Me incomoda bastante a câmera que insiste em ficar tremendo e sempre prometo que nunca mais verei um filme nesse estilo. Ainda assim, fiquei curioso com esse Poder Sem Limites desde que assisti ao trailer. O ponto de partida pode até ser manjado: três amigos descobrem uma cratera com um estranho objeto que lhes confere poderes especiais. A partir daí, aprenderam aquela lição que o Homem-Aranha se repetia: "grandes poderes exigem grandes responsabilidades". Vale ressaltar outro aspecto que me incomoda nesse tipo de filme: o roteiro. Na grande maioria deles, o formato "câmera na mão" em cenas "espontâneas" acabam evidenciando o quanto os roteiristas tem dificuldade em escrever um bom texto, deixando os fatos soltos na trama - e isso acontece até a metade do filme. Quando os três amigos descobrem que desenvolveram poderes dignos do professor Xavier, ao ponto de levitarem e criarem campos de força, o que lhes resta é fazer um bando de idiotices até que a trama realmente mostre a que veio. A trama em si gira em torno dos dramas de Andrew (Dane DeHaan), um sujeito sem amigos e tímido que por acaso vai à uma rave com o primo, Matt (Alex Russell) e junto com Steve (Michael B. Jordan) fará a tal descoberta misteriosa. Nem precisa de muito esforço para ver que Andrew terá dificuldades de lidar com seus complexos e administrar seus poderes. Esse desequilíbrio emocional fica ainda mais marcada pelo relacionamento tempestuoso com o pai agressivo e com a mãe doente. Para desespero de seus amigos, digamos que Andrew se aproxima cada vez mais do lado sombrio da força - e o sentimento de isolamento e desejo de vingança começam a crescer de forma incontrolável (ao ponto de tirar a vida de algumas pessoas pelo caminho). Apesar da ideia darwinista superficial, é quando Andrew se torna o vilão que o filme se torna mais interessante - até então o que segurava a trama eram os efeitos especiais impressionantes para uma produção de míseros doze milhões de dólares. Rumo ao final, os efeitos especiais tornam-se cada vez mais espetaculares (o que garantiu ao filme render mais de dez vezes o seu valor nas bilheterias), ainda assim, eles não conseguem disfarçar alguns pontos que o roteiro prefere fingir não atrapalhar. Um deles é a tentativa cada vez mais forçada de criar uma tensão sexual entre os dois primos (que começa com piadinhas e depois com ciuminhos... da forma como aparece a coisa não serve muito à história) e, este sim um problema sério, tornar seu formato numa camisa de força. Chega a incomodar a tentativa do diretor justificar que durante toda a trama existe uma câmera presente para filmar tudo. Seja por parte de Andrew, da namorada de seu primo (que divulga tudo na internet), câmeras de hospital e frases como "a câmera precisa ficar ligada para investigação" mostram que o que deveria ser inventivo, acaba se tornando uma amarra. O diretor Josh Trank consegue imprimir tanta energia no ápice do texto de Max Landis que o espectador está tão interessado no desfecho que não se preocupa em como aquelas imagens  "reais" foram parar ali (afinal de contas, todo mundo sabe que o filme é de ficção). Com a gentileza de não tremer muito a câmera - e deixar promessas para uma provável continuação - espero que o próximo consiga fugir dessas kryptonitas narrativas. 

Poder Sem Limites (Chronicle/EUA-2012) de Josh Trank com  Dane DeHaan, Alex Russell, Michael B. Jordan, Michael Kelly e Anna Wood. 

DVD: 11-11-11

Landes e Gibbs: data mística e missão divina. 

Em alguns filmes de terror o que mais me assusta é a preguiça de criar um roteiro que preste. Às vezes o texto parte até de uma ideia interessante, mas o autor não faz a mínima ideia de como desenvolvê-la. Exemplo disso é 11-11-11, mais um filme que explora o fascínio do ser humano pelos números. Se você entende porque a humanidade achava que o mundo iria acabar no ano 2000, tem calafrios quando vê 666 estampado em algum lugar, foge do número 13, acreditou naquela balela do filme(co) 23 com Jim Carrey ou fica intrigado com a série Numb3rs, sabe exatamente do que estou falando. 11-11-11 se refere à data ocorrida no ano passado, onze de novembro de 2011 (na qual o filme foi lançado), uma data que poderia ser como outra qualquer se alguns esotéricos não acreditassem que ela abre um portal para um universo paralelo. Isso pelo menos é o que começa a rondar a cabeça do cético Joseph (Thimothy Gibbs), que começa a perceber como o número onze faz-se presente nas mortes de sua família (inclusive ao marcar a hora, os minutos e até os segundos do ocorrido. Joseph é um escritor que ainda amarga o fato de um fã maluco matar sua esposa e filho - e deixar sua vida numa espécie de limbo. Em busca de algum conforto ele procura o irmão, Samuel (Michael Landes), um líder religioso em Barcelona. A temporada que poderia ser agradável já começa a complicar quando as diferenças entre o cético e o religioso começam a aparecer - e pioram bastante quando Joseph percebe que a casa do mano é assombrada por criaturas de mantos negros e rostos que parecem gárgulas. Os monstrengos até que assustam e a fotografia (muito) escura pode colaborar para aqueles que acreditam que ter medo é não enxergar nada, mas o roteiro começa a ficar cada vez mais preguiçoso, repetindo situações e perdendo tempo com explicações puramente didáticas. Quando Joseph descobre que tem uma missão divina a coisa parece que vai melhorar, mas... O filme perde a chance de explorar o que sua temática e as relações entre personagens promissores (como Wendy Green na pele de uma amiga que transpira desejo por Joseph ou a governanta misteriosa de Angela Rosal), preferindo criar sustos fáceis com com monstrengos que aparecem e desaparecem, alguns barulhos e uma conspiração que nunca fica muito clara.  Mas o maior estranhamento está na cena final onde o editor resolveu recapitular tudo que aconteceu no filme para dizer que a reviravolta absurda era anunciada o tempo todo. Frases que pareciam soltas, olhares misteriosos e todo o resto recebe um novo significado aos olhos do expectador que precisa engolir a produção dizendo que ele não tem capacidade de entender o que está vendo. Ainda que possua o maior flashback explicativo dos últimos anos, 11-11-11 ainda deixa várias pontas soltas no seu pseudo-final que parece anunciar uma continuação (que deve ser lançada no dia doze de dezembro desse ano?). Se o diretor Darren Lynn Bousman (que assinou a franquia Jogos Mortais desde o segundo episódio) queria provar que conseguia ser mais sutil, ele ficou pelo meio do caminho. 

11-11-11 (EUA-Espanha/2011) de Darren Lynn Bousman com Timothy Gibbs, Michael Landes, Angela Rosal e Wendy Green.     

4EVER: Tony Scott

(21/06/1944 - 19/08/2012)

O diretor britânico Anthony D. L. Scott começou a carreira no ramo da publicidade e migrou para o cinema quando seu irmão Ridley Scott já era aclamado pelos sucessos de Alien (1979) e Blade Runner (1982). Caçula da família, a estreia como diretor foi em 1983 com o vampírico Fome de Viver com Catherine Deneuve e David Bowie. Seu maior sucesso surgiu no ano seguinte com Top Gun (1984) que estabeleceu Tom Cruise como astro em Hollywood. Nos últimos anos o diretor se dedicou aos filmes de ação estrelados por Denzel Washington, o último deles foi o sucesso Incontrolável (2010). No entanto meu filme favorito assinado por Tony é Amor A Queima Roupa (1993) com Christian Slater, Patricia Arquette e Gary Oldman. Escrito por Quentin Tarantino, Scott conseguiu explorar o lado mais sentimental de QT na história de amor do mocinho Clarence por uma garota de programa chamada Alabama. Testemunhas afirmam ter visto o diretor se jogar da ponte Vincent Thomas na cidade de San Pedro, Califórnia na tarde de 20 de agosto. Tony deixou uma carta de despedida para a família dentro do próprio carro - o que confirma a hipótese de suicídio aos 68 anos. 

domingo, 19 de agosto de 2012

DVD: Trabalhar Cansa

Helena e Descartes: o horror nosso de cada dia

Houve quem reparasse que falta uma vírgula no título do filme de Juliana Rojas e Marcos Dutra, mas essa ausência é proposital ao sinalizar que existe algo misturado na trama (sendo assim o efeito é o oposto da grafia de Garota, Interrompida/1999). O filme participou da mostra Un Certain Regard no Festival de Cannes e recebeu menção honrosa no Festival de Paulínia no ano passado pela mistura de drama social com terror. Na verdade, o terror aparece mais como uma simbologia ao drama dos personagens. O casal Helena (Helena Albergaria, atriz favorita da dupla e que elmbra bastante a americana Joan Allen) e Otávio (Marat Descartes) consegue ter uma vida confortável, mas quando Helena decide alugar um estabelecimento comercial para criar um mercadinho, Otávio perde o emprego e a vida que parecia comodamente confortável começa a mudar. Não bastasse Otávio enfrentar problemas para conseguir emprego aos quarenta anos, ele ainda precisa lidar com dinâmicas de grupo que mais incomodam do que ajudam. Se a coisa vai mal para Otávio, elas se tornam cada vez mais pesadas nos ombros de Helena - que agora precisa trabalhar o dia todo  e bancar as despesas da casa. Essa inversão de papéis é bem explorada no roteiro e rende uma guinada interessante nos personagens. Otávio passa a ser cada vez mais recolhido e calado, enquanto a esposa se torna agressiva - não só com os funcionários mas com o próprio marido. É interessante como a simpática personagem começa a visar somente o dinheiro que o pequeno negócio pode lhe render, suspeita que os empregados roubam mercadorias, coloca-os para trabalhar em feriados e implica até com um deles que leva pão velho para casa. Helena se torna uma megera. As relações entre patrões e empregados aparecem em arranjos sutis no roteiro, tanto por parte de Helena quanto de sua mãe que implica com a empregada novata. Você deve estar se perguntando onde está o terror da trama. Além do horror social que o filme nos apresenta existe uma atmosfera absurda em torno do mercado. Os fregueses sempre dizem frases pela metade sobre os antigos donos do estabelecimento e ainda tem um cachorro que está sempre latindo para o mercadinho. Além disso, existem barulhos suspeitos e infiltrações mal explicadas que começam a preocupar Helena. Rojas e Dutra ainda incrementam o tom de terror com longos silêncios, histórias sobre morcegos, bezerros com duas cabeças e algum sangue, o efeito é como se o fantástico estivesse todo tempo prestes a invadir a história - e quando surge os personagens tratam logo de livrar-se dele. Muita gente torce o nariz para esses elementos do filme, mas eles enriquecem a trama com uma camada narrativa difícil de ver no cinema nacional. Assim, existe o horror do cotidiano, as pequenas torturas a que somos submetidos sem nos darmos conta e aquele mais explícito, que assusta, mas que, talvez por ser materializado, seja mais fácil de liquidar. Por apostar no estranhamento da plateia o filme se torna uma grande ousadia, mas mesmo quem não entender muito bem onde o mundo realista se cruza com o sobrenatural pode ter uma ideia na catártica cena final de Otávio, onde junto com um bando de desempregados parece se tornar uma besta fera. No fim das contas, trabalhar cansa tanto quanto não trabalhar.

Trabalhar Cansa (Brasil/2011) de Juliana Rojas e Marcos Dutra com Marat Descartes, Helena Albergaria, Naloana Lima, Marina Flores e Nina Blanc. ☻☻☻☻ 

sábado, 18 de agosto de 2012

FILMED+: Um Sonho sem Limites

Kidman: rumo ao estrelado na caixa de luz. 

Nicole Kidman teve a sua primeira indicação ao Oscar pelo papel de Satine no musical Moulin Rouge/2000 mas ela merecia uma indicação desde que viveu a tresloucada Suzanne Stone em Um Sonho Sem Limites, filme cruelmente cômico de Gus Van Sant. Pelo papel, Kidman ganhou o Globo de Ouro de Melhor Atriz de Comédia. Na época a loura ainda era mais conhecida como senhora Tom Cruise e houve quem notasse um bocado de auto-referência na história da garota do tempo que se torna após se livrar do marido. Suzanne é uma dessas loucas pela fama que fazem qualquer coisa para alcançarem os holofotes. Toda a sua vida parece ter sido organizada para isso, o jeito de andar, se vestir e de falar (aparentando saber mais do que realmente consegue entender) faz de Suzanne uma mulher de encher os olhos, mas superficial e louca de pedra. Contado como se fosse um documentário (narrado pela própria Suzanne) conhecemos a sua história, a infância, sua paixão pelo pai, seu namoro com o boa gente Larry Moretto (Matt Dillon em mais uma boa parceria com o diretor), o casamento e, principalmente, o dia em que consegue o emprego numa rede local (e se comporta como se houvesse alcançado o posto de dona da Rede Globo). É impossível não achar graça das centenas de ideias que a moça apresenta para o seu diretor todos os dias até que ele aceita uma delas (mais para ela sossegar do que por interesse): fazer um documentário sobre três jovens locais sem muita perspectiva de vida. Não menos hilário é o contato de Suzanne com esse três adolescentes desbocados que aceitam a empreitada por todos os motivos possíveis, menos ajudar Suzanne em sua tarefa antropológica. Um dos garotos é o projeto de marginal Russel (Casey Affleck), o outro é o carente Jimmy (Joaquin Phoenix, excelente) e a tímida Lydia (Alisson Folland). O roteiro de Buck Henry capricha ao transpor o olhar mordaz do livro de  Joyce Maynard para a telona (inclusive nos momentos mais simples, como em que Lydia confessa já ter aparecido na TV... no dia em que passou em frente à câmera de  uma loja de eletrodomésticos).  Stone poderia passar o resto de sua vida gravando o que esses jovens (não) tem a dizer, mas ela percebe que sua vida não consegue progredir porque seu esposo é uma espécie de atraso de vida. Larry Moretto é um bom sujeito, mas sem grandes ambições (algo imperdoável para sua esposa) - piora ainda mais a situação quando ele demonstra a vontade de ser pai e ela considera  engravidar algo nojento. Basta Stone perceber que Jimmy está apaixonado por ela para que consiga convencê-lo de fazer o trabalho sujo. O gosto pela fama irá levá-la além do bom senso - ao ponto de colocar a melosa All by Myself para tocar no funeral. Os desdobramentos do roteiro beiram o inacreditável e Nicole já demonstrava que conseguia construir um personagem complexo, cheio de nuances, tão sedutor quanto monstruoso. Espécie de sociopata, Suzanne vive por uma lógica maluca de que todo mundo precisa aparecer na TV - e somente assim poderão ser pessoas melhores. Se aproveitando das pessoas que cruzam seu caminho ela consegue convencer até como sofredora, menos a cunhada (vivida por Ileana Douglas) - que por fim recebe umas das cenas de patinação mais vingativas da história do cinema. Magnificamente orquestrado To Die For é o meu filme favorito de Gus Van Sant e já deixava claro que Nicole estava prestes a dar uma guinada em sua carreira (bastava se livrar do marido).

Um Sonho Sem Limites (To die For/EUA-1995) de Gus Van Sant com Nicole Kidman, Matt Dillon, Joaquin Phoenix, Illeana Douglas, Casey Affleck e Alisson Folland. ☻☻☻☻☻

kLÁSSIQO: Drugstore Cowboy

Heather, James, Kelly e Dillon: junkies nus e crus. 

Eru era adolescente quando vi pela primeira vez Drugstore Cowboy, um dos clássicos de Gus Van Sant. Portando faz quase vinte anos! No entanto, é um desses filmes que fica na nossa memória por um bom tempo. Talvez minhas boas lembranças sobre o filme estejam relacionadas ao fato de que pertence ao gênero em que considero Van Sant um expert: a comédia de humor negro. Pena que ele quase não se aventura pelo gênero.   O filme até hoje gera polêmicas  por ser acusado de glamourizar o uso das drogas. Visto hoje em dia, me faz lembra de outro filme acusado de fazer o mesmo: Trainspotting (1996) de Danny Boyle. A temática perigosa tratada com humor inusitado, às vezes surrealista, é o que os dois filmes tem em comum. Menos frenético, Drugstore Cowboy consegue ser um retrato melancólico sobre jovens americanos que sustentavam o vício roubando farmácias e hospitais sedentos por estimulantes e tranquilizantes. O filme acompanha o bando de Bob (Matt Dillon) que ao lado da esposa Dianne (a linda Kelly Lynch) e dos amigos Rick (James Le Gross) e Nadine (Heather Grahan) em seus planos mirabolantes pelas redondezas. Líder dessa espécie de família disfuncional,  Bob já foi preso algumas vezes, já foi para a reabilitação mas não consegue largar o vício. O filme prefere não destacar o uso das drogas, mas o estilo de vida marginalizante que ela impões ao quarteto através de situações cômicas e outras dramáticas. Van Sant consegue a proeza de mudar o tom em questão de segundos, sem que comprometa o ritmo do filme. Prova disso é o episódio dedicado ao cãozinho Panda que acaba atrapalhando os plano do grupo - e a proibição do uso de palavras cão e chapéu pelos trinta dias de azar que proporcionam. É justamente na parte que aborda as desventuras do grupo em seus assaltos e os conflitos que surgem pelo caminho que o filme é mais interessante -  especialmente por conta dos diálogos extremamente lapidados (a cena em que Dianne reclama da falta de apetite sexual de Bob e ele alega que ela deve estar drogada para querer seduzí-lo faz qualquer um gargalhar). Com a morte de um membro do grupo, Bob acredita que sua sorte mudou e portanto, precisa mudar de vida - mesmo que isso signifique amargar o distanciamento de seu grupo. É arrebatadora a cena em que argumenta com uma assistente social sobre não querer ajudar outros viciados a largar o vício, mas, ironicamente o filme perde o ritmo quando chega neste ato que poderia ser de redenção. Embora menos inspirada essa parte rende tiradas filosóficas provocadoras saída dos lábios de William S. Burroughs no papel de um junkie aposentado. Essa parte só demonstra que quando Van Sant tem de lidar com uma tarefa complicada, ele consegue ser melhor do que no trivial (esse adjetivo vale para seus filmes oscarizados Gênio Indomável/1997 e Milk/2008 que devem ser os menos complicados de sua carreira). Sem discursos prontos e mostrando o vício como um hábito, o Cowboy de Drogaria de Van Sant consegue ser extremamente plástico em sua execução e honesto nas sutilezas dos personagens. Com ritmo lento e criação de algumas cenas experimentais, Van Sant chamou a atenção neste filme  pela extrema competência em contar histórias estranhas e conduzir seus atores.  Pelo final melancolicamente irônico muitos consideram que Matt Dillon encontrou neste filme o seu melhor papel.

Drugstore Cowboy (EUA-1989) de Gus Van Sant com  Matt Dillon, Kelly Lynch, James Le Gross e Heather Graham. ☻☻☻☻

DVD: Guerra é Guerra

Tom, Reese e Pine: sabotagem entre amigos. 

A cada novo filme chego à conclusão de que o Oscar não mudou a vida de Reese Witherspoon, e sim, o divórcio com Ryan Phillipe. O casal era um dos mais celebrados  de Hollywood desde que se conheceram e engataram um namoro nas gravações de Segundas Intenções/1999 - aquela versão moderninha de Ligações Perigosas de Chordelos de Laclos. Durante o casamento os dois alcançaram seus maiores sucessos de bilheteria, ela mais do que ele - ao ponto de ganhar o Oscar de atriz por Johny e June, onde encarnava a senhora Johny Cash. O divórcio veio alguns anos depois e, em nome da auto-estima, Reese se consolidou como garota propaganda da Avon e seus papéis no cinema começaram a seguir a mesma linha: "a gostosa". Foi assim que ela aceitou domar elefantes em Água para elefantes/2011, enfeitar um triângulo amoroso entre Paul Rudd e Owen Wilson no pífio Como Você Sabe?/2010 e, recentemente, repetiu outro relacionamento a três, desta vez entre Chris Pine e Tom Hardy. Antigamente Reese passaria longe dessas produções. Antes tinha fama de encrenqueira e se rendia a filmes independentes como Eleição (1999) e Psicopata Americano (2000), depois perceberam que seu lado cômico agradava ao público com o seu maior sucesso, Legalmente Loira (2001) e os estúdios não a deixaram mais em paz. Pena que isso não quer dizer que ela recebeu bons papéis nos últimos anos - o que deve mudar quando estrear Mud nos EUA, um filme independente que já é cotado para o Oscar. Essa volta ao mundo indie deve ter alguma relação com seu último filme, o bobinho Guerra é Guerra. É fácil notar que o roteiro nem se preocupa a construir personagens, pensaram que bastava colocar dois amigos espiões disputando a mesma garota que acharam que a trama andaria por si mesma. Acrescente algumas explosões, piadinhas e chamá-lo de comédia romântica (o gênero mais castigado do cinema) e pronto! Tuck (Tom Hardy, o Bane do último filme de Batman) é um agente da CIA romântico e divorciado que conhece Lauren (Reese) pela internet. Antes que ele apresente sua amada ao amigo FDR (Pine), ele terá a surpresa de descobrir que o amigo também está apaixonado por ela. Os dois se tornam rivais e - a parte mais original da trama - utilizam todo o aparato de espiões para sabotar um ao outro. Enquanto os amigos percebem que a amizade está por um fio, Lauren entra no velho dilema de quem é o cara ideal para ela, para isso toda sua figura de mulher moderna vai para o ralo com seus dilemas  românticos e um pouco antiquados para alguém que busca emoção com homens sujos e suados. O filme poderia ser uma grande diversão se o diretor McG não repetisse o que já fazia em As Panteras/2000:  tornar as cenas de aventura em sequências vazias e cansativas (algumas com o auxílio do vilão russo vivido pelo alemão Til Schweiger). Eu não achei graça do humor infantil, não me empolguei com os dilemas românticos dos personagens e o final chega a ser revoltante. Sei que há quem goste, mesmo sabendo que o filme resistirá menos de uma semana na memória. Algumas pessoas vão reclamar que nesse post eu falei pouco do filme, mas não existe muito o que falar sobre ele. Se existe algum mérito na produção deve-se aos atores que fazem das tripas coração para ganhar a simpatia do público - só para ressaltar, eu disse atores, não personagens. 

Guerra é Guerra (This Means War/EUA-2012) de McG com Tom Hardy, Reese Witherspoon, Chris Pine, Chelsea Handler, Angela Basset e Rosemary Harris. ☻☻

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

CATÁLAGO: O Nome da Rosa


Connery e Slater: Holmes e Watson de época.

Eu confesso que assisti pela primeira vez o filme O Nome da Rosa somente essa semana. Lembro de quando foi lançado em 1986 o meu primo o assistiu até no cinema (e eu enchia o saco dele perguntando como era um filme onde as pessoas buscavam o nome de alguém...). Naquela época eu nem imaginava que era um famoso livro de Umberto Eco lançado seis anos antes - e que eu até comprei na época da faculdade, mas (confissão número 2) nunca terminei de ler. Não que eu ache que ver o filme é melhor do que ler o livro, mas porque, simplesmente o DVD do filme estrelado por Sean Connery caiu em minhas mãos. Minhas impressões? Gostei mais da metade para o final, quando F. Murray Abraham aparece e espanta o clima de 007 de época. Não entendeu? Eu explico. A primeira parte da trama é pautado nas investigações do monge franciscano William de Baskerville (Sean Connery) que em 1327 investiga as mortes misteriosas num mosteiro ao norte da Itália, como fiel escudeiro ele tem o noviço Adson Van Melk (Christian Slater com 15 aninhos) - que irá reavaliar o celibato. As mortes misteriosas são atribuídas à ação do demônio no local, mas Baskerville, com todo o ceticismo que sua religiosidade e experiência permitem, acredita que o motivo dos assassinatos é bem mais obra do homem do que do chifrudo. Na obra de Eco fica claro que a trama é menos sobre as mortes e mais sobre a forma como o conhecimento era (?) ameaçador para a igreja Católica. Explora a ideia dos monges copistas (que apenas reproduziam o que liam), as cerimônias religiosas em latim, o caráter subversivo do riso (que era proibido) e o temor à danação que parece mais presente do que o divino. Esses aspectos históricos que tornaram a obra um sucesso editorial - e cultuada por sua descrição do período da Inquisição - tornam o livro mais interessante do que o filme. Pra começar achei péssima  a escalação de Connery para o papel, seu jeito cínico compromete um bocado o personagem com um ar lamentavelmente canastrão (eu não sabia se ria ou chorava quando ele diz para o seu parceiro "Elementar meu caro Adson"). Entendo a necessidade que uma obra com temática tão árdua tenha de criar alívios cômicos para agradar a plateia, mas do jeito que aparece aqui, quebra totalmente o esmero da reconstituição de época. O diretor Jean Jacques Annaud precisa tanto da atenção da plateia que tenho a impressão que ele esqueceu de toda a História e resolveu criar um filme de investigação. A forma como Baskerville encontra, estuda e estabelece suas conclusões lhe configura como um ancestral de Sherlock Holmes! Somente quando ele descobre uma relação da vasta biblioteca (e seus livros proibidos) com as mortes, o filme encontra a  grandiosidade da trama do livro. É mais ou menos nessa hora que entra em cena o grã-inquisidor Bernardo Gui (F. Murray Abraham, já oscarizado por Amadeus/1984) e se convence que o demônio está realmente presente naquele mosteiro - influenciando principalmente uma mulher (Valentina Vargas) e um deficiente (Ron Perlman, antes de ser Hellboy/2004). Cavando o passado dos presentes ali, inclusive de Baskerville, Bernardo Gui estabelece uma rede de intrigas no mosteiro e apresenta uma imagem religiosa bem distante do que a igreja deveria representar. Seu métodos de tortura para conseguir confissões e a arrogância - que só os que se julgam donos da verdade podem ostentar - praticamente esmagam o herói da trama. Não nego que Connery tenha carisma, mas aqui ele contribui um bocado para desviar a atenção do universo que Eco descrevia com tanta dedicação. Um mundo onde o conhecimento era tão ameaçador quanto uma gargalhada, onde quem não se enquadrava nos padrões era destinado à danação e o amor poderia ser mais condenável do que atear fogo em alguém. 

O Nome da Rosa (The Nem of the Rose/Itália-França-Alemanha - 1986) de Jean Jacques Annaud com Sean Connerey, F. Murray Abraham Christian Slater, Ron Perlman.☻☻☻

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

DVD: Drama

Jovens atores: emoções reais na busca pela identidade.

Considero muito interessantes os filmes que procuram explorar o processo de construção de um artista, tanto faz se são os escritores de As Horas (2002) ou a bailarina de Cisne Negro (2010),  por isso que assisti ao chileno Drama de Matias Lira. que chamou atenção desde que o roteiro foi premiado com verba de financimento no Festival de Havana. A premissa é das mais interessantes: um grupo de estudantes de teatro são motivados pelo professor a utilizar o método do teórico francês Antonin Artaud (ou método Artaudiano) que busca emoções reais para serem levadas ao palco - o que muitas vezes desperta sensações obscuras em seus adeptos. O método serve de pretexto para que os jovens experimentem situações perigosas nas ruas sem a segurança da atuação sobre o palco. O foco do filme está em três amigos, o andrógino Mateo  (Eusebio Arenas), sua namorada Maria (Isidora Urrejola) e o amigo Ángel (Diego Ruiz) que está descobrindo sua homossexualidade. O que poderia originar um triângulo amoroso serve de ponto de partida para uma história que agrega outros elementos, como a construção da identidade dos personagens e o efeito da ditadura chilena sobre as artes. Não é um filme para todos os gostos. Diante do método, todos os sentimentos estão ali para a desconstrução desses atores descontrolados. Assim, a cumplicidade existente entre o casal se dilui na busca pelos limites de cada um - e a confiança entre os amigos segue pelo mesmo caminho. Se Mateo se ressente  de sempre ser criticado de não atribuir emoções aos personagens, Maria e Angel começam a explorar a sexualidade interpretando a prostituição nas ruas. Já me parece um clichê essa mania de colocar atores sempre caindo no submundo (exploração sexual, tráfico de drogas...) para explorar suas emoções, mas no roteiro esse fato aparece claramente como uma desculpa ponto de partida para que os personagens descubram a si mesmos. Se Maria parece até casta com seu namorado, ela irá liberar suas fantasias... se Ángel está apaixonado por seu amigo, até o final irá perceber o quanto a imaturidade do amado é desinteressante. Mas o fio condutor da trama é a história de Mateo, que tem o passado mostrado em flashes durante uma montagem de Romeu e Julieta que o aflige até hoje. Parece estar ali a resposta para todos os seus problemas, suas limitações como ator, amante e até como filho. É até interessante como Arenas consegue subverter sua imagem angelical abraçando tudo que seu personagem tem de desagradável, mas aturar um protagonista petulante, agressivo e manipulador não é fácil, ainda mais com a atmosfera de pesadelo que o diretor utiliza em vários momentos (principalmente nas esquetes, especialmente na releitura mais sombria da história de Shakespeare). Por descascar a profissão de atuar de todo glamour e vesti-la de angústia o filme tem seus méritos, mas peca pelo prazer de chocar o público com polêmicas desnecessárias (como o esquete dos amigos sobre um padre traficante assediado por uma prostituta e um fiel gay) ou ainda jogar fora um bem tratado erotismo com as cenas de Ángel no carro com um "cliente" ou o sexo de Mateo com Julieta nos bastidores (apesar de Freud explicar isso muito bem).     Infelizmente o roteiro não está à altura das boas ideias que apresenta. No fim das contas, entre tantas traições (aos outros e a si mesmo), Mateo reencontra a sua história e se dá conta de que  só seus sentimentos por Maria podem salvá-lo. A partir daí... o filme termina com uma cena forte e instigante, que mistura a realidade do personagem com a fantasia não encontrada nos palcos, mas na própria rua. 

Drama (Chile/2010) de Matias Lira com  Eusebio Arenas, Isidora Urrejola, Diego Ruiz, Jaime McManus e Eduardo Pacheco. 

terça-feira, 14 de agosto de 2012

CATÁLOGO: Flores Partidas

Murray: desanimado até na cama com Sharon Stone!!!

Jím Jamursch é mais do que um cineasta, trata-se de um ícone cultuado por vários diretores moderninhos (Sofia Coppola, inclusive). Vou ser honesto e dizer que nem sempre seus filmes me agradam e essa  impressão se manteve quando comecei a assistir Flores Partidas que (ironicamente) passou no último domingo para celebrar o Dia dos Pais. O que motivou a vê-lo foi menos o diretor e mais o elenco. No fim das contas ver um filme com Tilda Swinton, Sharon Stone, Jessica Lange, Frances Conroy e Julie Delpy me interessou até mais do que a presença de Bill Murray. Na época, Murray ainda saboreava sua primeira indicação ao Oscar por Encontros e Desencontros (2003) de Sofia Coppola (e seu namoro com o público se intensificou ainda mais quando vimos as lágrimas em seus olhos ao perder o prêmio). Aqui ele consegue fazer do seu personagem Don Johnston (um trocadilho com o galã das antigas Don Johnson?) ainda mais apático do que o astro de cinema do filme anterior. Apesar de sua apatia Johnston coleciona casos amorosos - e dinheiro não lhe falta para isso. Ainda assim, ele não se apega a ninguém, não demonstrando grandes reações nem quando perde a companhia de Julie Depy (!?). Me incomodou bastante como o filme abraça essa indiferença da vida de Johnston, uma existência tão oca que parece se manter no vácuo apenas por não ter nada melhor para fazer. Sua melhor companhia acaba sendo o vizinho (Jeffrey Wright) que, sendo fã de livros policiais, motiva o amigo a embarcar na maior aventura de sua vida depois que Johnston recebe uma carta anônima dizendo que possui um filho com  uma de suas ex-namoradas. Esta revelação é  motivo suficiente para que Don saia (um pouco) de sua inércia e procure um pedaço de sua história que ficou para trás, antes mesmo de vivenciá-lo. A tal carta pode ter sido escrita por qualquer uma de suas ex-namoradas - e tirando uma que faleceu, sua jornada promete ser longa. Pistas? Ele tem pouco mais do que encontrar papel rosa semelhante ao da carta e uma amostra de caligrafia para descobrir quem é a mãe de seu herdeiro. É estranho que Jamursch tempere uma comédia com tristeza, melancolia e indiferença centrada numa figura sem sal como Don, sorte que a coisa acaba funcionando quando entra em cena as ex-namoradas do personagem. Como mulheres tão interessantes puderam se interessar por ele? É curioso ver  a química daquele sujeito com cada uma delas (passando pela terapeuta de animais vivida por Jessica Lange, uma sexy Tilda Swinton morena, a mamãe prafrentex vivida por Sharon Stone - cujo a filha é uma espécie de Lolita - , a comportada Frances Conroy...). Obviamente que a tal busca do filho é um trote do diretor, já que no meio do caminho isso é o que menos importa para o desanimado Johnston. Na primeira olhada o filme parece um exercício de paciência ao espectador, mas se você fficar atento aos contrastes que o roteiro apresenta e captar suas ironias você vai ver como o filme consegue ser interessante em sua simplicidade. Só para não perder o hábito de motivar as pessoas a me tacarem pedra na rua, aqui já estava na hora de Murray parar com essa mania de tentar imitar Terence Stamp (o veterano que não se animava nem quando fez uma drag-queen em Priscila-A Rainha do Deserto/1994), aqui sua apatia proposital chegou ao auge do (in)suportável. 

Flores Partidas (Broken Flowers/2005) de Jim Jamursch com Bill Murray, Jeffrey Wright, Sharon Stone, Frances Conroy, Jessica Lange e Julie Delpy. 

DVD: Nossa Vida Não Cabe num Opala

Medeiros: boa atuação em polêmica adaptação.  

Adaptado na peça "Nossa Vida não vale um Chevrolet" de Mário Bortolotto, este filme criou várias polêmicas, mais pelo filme em si. Pra começar a companhia de carros não autorizou o uso do título original, depois de muitas negociações aceitou o uso do Opala no título - por não ser uma marca e, principalmente por ter saído de linha. Depois houve uma discussão entre o próprio Bortolotto com o roteirista do filme, Di Moretti com a argumentação de que muita coisa se perdeu na transposição para a telona. No meio da discussão ficou o diretor estreante Reinaldo Pinheiro que conseguiu criar uma atmosfera interessante à história da família do subúrbio paulistano marcada pela tarefa de ganhar o sustento com  roubo de carros. Existe três aspectos muito marcantes no texto e que conduzem toda a narrativa. Um deles é a figura do patriarca Oswaldão que ao morrer (Paulo César Pereio) deixou como herança a dívida com um mafioso do ramo de desmanche de carros (Jonas Bloch). Mesmo morto o pai aparecerá para cada um de seus filhos: o primogênito Monk (Leonardo Medeiros) que tenta evitar que o caçula Slide (Gabriel Pinheiro) siga o seu caminho seja em lutas de boxe ou como ladrão de carros - tarefa já herdada pelo tresloucado Lupa (um caricato Milhem Cortaz). Nesse clã cheio de testosterona está Magali (Maria Manoella), uma tecladista que tenta fugir da sordidez ao seu redor. Outro aspecto marcante é que na ausência do pai, a vida dos filhos parece regida pelo mafioso, ele aparece como uma espécie de fantasma do "determinismo social", inclusive para convencer Magali a ser sua amante. Outro ponto marcante é a misteriosa Sylvia (Maria Luisa Mendonça) que parece saída de um filme de David Lynch. As cenas de Silvia aparecem repentinamente na trama como se acontecesse num universo paralelo, ela seduz cada um dos irmãos utilizando a mesma estratégia: mostra a foto de um homem, oferece vinho e escolhe uma música. Nesse momento surreal o diretor nos apresenta um pouco mais as particularidades dos personagens,  talvez por isso, renda os momentos mais hipnóticos do filme. Apesar dos prêmios que o filme recebeu em festivais nacionais (Filme, direção de arte, atriz/Mendonça, trilha sonora e roteito no Festival de Recife e Melhor Roteiro no Cine Ceará, além de ter sido indicado ao prêmio de Melhor Roteiro Adaptado no GP Cinema Brasil), eu entendo todas as críticas que foram feitas a ele. No entanto, vou ressaltar que ele ainda consegue ser mais interessante do que a maioria dos filmes nacionais que estão em cartaz. Se a história sobre a  herança falida dos irmãos está diluída em meio aos palavrões espalhados nos diálogos, a trama ainda consegue chamar a atenção pelo cuidado cênico impresso por Reinaldo Pinheiro. A edição é competente, a trilha sonora é ótima (cortesia de várias bandas paranaenses como OAEOZ, Íris, Patife Band e a própria banda de Bortolotto: "Bêbados Habilidosos") e acho que o filme poderia ser melhor se tivesse caprichado mais no final. Uma amiga me disse certa vez que filme brasileiro tem mania de acabar antes da última cena. Tive essa sensação ao ver Nossa Vida não Cabe num Opala.  A estratégia pode até funcionar com alguns filmes de arte (aqueles que sabem que o objetivo já foi compreendido pela plateia), mas aqui soa apenas pretensiosamente irritante. A cena da luta do caçula  com o que ele acha que deve ser (assim como a cena seguinte do pai fantasma desiludido sobre o ringue vazio) seria ainda mais forte se o filme não optasse por um ponto final prematuro. Os desdobramentos a tudo que se vê na última cena poderia deixá-lo ainda mais próximo do filme genial que poderia ser. Será essa a diferença entre o "caber" e o "valer"?

Nossa Vida Não Cabe Num Opala (Brasil/2008) com Leonardo Medeiros, Milhem Cortaz, Paulo Cesar Pereio, Maria Luisa Mendonça, Gabriel Pinheiro, Jonas Bloch, Maria Manoela, Marília Pêra e Dercy Gonçalves. 

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

DVD: A Árvore

Charlotte: a alma gêmea numa figueira. 

Filha dos icônicos Jane Birkin e Serge Gainsbourg, a cantora e atriz Charlotte Gainsbourg criou uma carreira própria ancorada especialmente em filmes sérios. Apesar das décadas de carreira (estreou em 1984), sua fama aumentou consideravelmente quando estrelou o polêmico O Anticristo (2009) de Lars Von Trier, filme pelo qual recebeu o prêmio em Cannes de Melhor Atriz. De brinde, Charlotte se tornou a atriz favorita do diretor, especialmente por ser a única a repetir a parceria com Trier (que tem fama de ser um torturador psicológico para suas estrelas). Além de ter aparecido em Melancolia (2011) e estar escalada para (o já polêmico) novo filme do cineasta (A Ninfomaníaca), a francesa prova que pode fazer papéis mais leves como neste A Árvore uma espécie de fábula pela metade. Escolhido para encerrar o Festival de Cannes/2010 O filme conta a história de uma família nos cafundós da Austrália que sofre com a morte do patriarca. Com a morte dele resta à viúva Dawn (Gainsbourg) colocar ordem na casa e nas relações com seus quatro filhos. Poderia ser só mais um drama familiar se a única filha do clã, Simone (a promissora Morgana Davies) não acreditasse que a alma de seu  pai está na gigantesca figueira ao lado da casa. A menina passa horas conversando com a árvore e conta o segredo para a mãe que aceita aquela situação como forma da garota superar a perda recente. A coisa poderia ser graciosa se a vida não tivesse que seguir seu rumo e Dawn não arranjasse um emprego e se apaixonasse pelo patrão - para a ira da menina e... da árvore! É até interessante como a diretora faz a árvore interagir com aquela família e expressar seu desagrado com a situação derrubando uma parede, fazendo com que os desafetos tropecem em suas raízes ou até mesmo prejudicando a estrutura da casa. No entanto, a diretora perde cada vez mais o ânimo perante o aspecto fantástico da história. O resultado soa arrastado e bem menos inventivo do que deveria - e a inércia da matriarca prejudica um bocado a identificação do espectador com aquela situação. Baseado no livro "Nosso pai que está na árvore" da escritora Judy Pascoe, o filme poderia ser genial se mergulhasse na fantasia que o livro propõe, mas, ao invés disso, resolve transformar a menina que era uma gracinha em uma  mimada intransigente, enquanto a mãe começa a questionar se deve continuar a viver ou se render àquela fantasia maluca de ter a alma do esposo presente ao lado da casa. Enquanto o cotidiano tenta encontrar seu rumo para a vida continuar seu ciclo (exemplo disso é o primogênito que passa a trabalhar, o segundo filho  que ajuda nos afazeres domésticos...), as mulheres da casa parecem receosas de seguir em frente - assim como a diretora em cumprir o que prometia e radicalizar seus simbolismos. Depois de patinar por longos minutos, as coisas melhoram com a cena do furacão que cumpre a função de concluir a trama com o último golpe do papai figueira. Penso o que M. Night Shyamalan teria feito com uma premissa dessas.

A Árvore (The Tree/L'Arbre - França/Austrália -2010) de  Julie Betuccelli com Charlotte Gainsbourg, Morgana Davies, Marton Csokas, Christian Byers e Tom Russell.