domingo, 30 de setembro de 2012

CATÁLOGO: Juno

Ellen Page: atuação merecidamente indicada ao Oscar.

Depois do saudável cinismo de Obrigado por Fumar (2005), Jason Reitman resolveu levar para as telas o roteiro de uma estreante com o estranho nome de Diablo Cody. Antes do filme estrear sua fama de ex-striper já corria por Hollywood e sua figura com ares de pin up aposentada impressionava sempre que aparecia. O mais bacana é que ao estrear, Juno parecia ter uma espécie de vida própria. Estava além  do humor que seu diretor utilizara anteriormente e com camadas mais interessantes do que qualquer pré-conceito com relação à sua autora poderia supor. O filme foi um sucesso porque somou-se um talento que não deixou de ser uma surpresa para os desavisados: Ellen Page. O currículo da atriz era modesto até então - fizera uma participação especial em X-Men: O Confronto Final (2006), justamente quando a personagem Lince Negra recebeu destaque na trama e depois foi a garotinha nada inocente de MeninaMá.com (2005). Foi no papel de Juno MacGuff que Ellen teve a chance de mostrar sua habilidade histriônica recitando o texto palavroso e elaborado com a tranquilidade de quem saboreia jujubas. Ela interpreta uma adolescente de dezesseis anos que engravidou do namorado, Paulie (Michael Cera, inaugurando o tipo que o persegue até hoje). O relacionamento dos dois anda meio esquisito, já que antes de amadurecê-lo acabaram pulando algumas etapas e não possuem muita segurança sobre o que um sente pelo outro. Ao invés de criar uma trama onde a garotinha ingênua é seduzida por um garanhão, o filme segue por um caminho totalmente diferente. Paulie é visivelmente mais inocente do que Juno, que parece ter respostas para tudo e fala como se fosse uma metralhadora de palavras. Depois de desistir de fazer um aborto (vale lembrar que a prática é legalizada nos EUA) por descobrir que seu bebê já tinha unhas (?!), a mocinha resolve dar o bebê para a adoção. Assim acaba conhecendo o casal Mark (Jason Bateman) e Vanessa (Jennifer Garner). Enquanto Juno convive com o casal, a plateia pode perceber como existe uma semelhança entre Vanessa e Mark com Juno e Paulie. Ambos os casais, apesar de todo afeto que existe entre eles, são formados por mulheres que são incapazes de oxigenar as aspirações de seus parceiros. Sorte que o filme não opta por pintá-las como vilãs, mas como pessoas comuns que apenas procuram os melhores caminhos para satisfazer seus desejos. Outro destaque da trama é o casal formado pelo pai da protagonista (vivido com grande inspiração por J.K. Simmons) e a madrasta dela (Alisson Janney, sempre ótima), que percebem toda aquela situação como a mais séria travessura da adolescente. Apesar de todo empenho do elenco, do visual multicolorido, da excepcional trilha sonora, o melhor da sessão é o cuidado com que Diablo Cody trata seus diálogos (devidamente valorizados pelo carinho com que Jason Reitman filma seus personagens). Sem julgar seus protagonistas e construindo momentos legitimamente comoventes (como a discussão de Paulie e Juno no corredor da escola ou o momento em que papai MacGuff insinua que é o homem que realmente a ama), Juno é um raro caso de filme pop protagonizado por adolescentes capaz de agradar pessoas de todas as idades - isso porque, acima de tudo, seus personagens parecem gente de verdade como aqueles que damos bom dia assim que vamos da casa para o trabalho. O filme foi indicado a quatro Oscars: filme, atriz, direção e (levou somente o de) roteiro original.  

Juno (EUA-2007) de Jason Reitman com Ellen Page, Michael Cera, J.K. Simmons, Jennifer Garner, Jason Bateman, Alison Janney, Olivia Thirlby e Rainn Wilson. ☻☻☻☻

DVD: Jovens Adultos

Wilson e Charlize: prisioneira amarga da nostalgia. 

Acho que o maior problema de Jovens Adultos foi a expectativa causada pelo reencontro da dupla responsável pelo sucesso Juno (2007). Jason Reitman conseguiu um lugar frente aos indicados ao Oscar de melhor filme com a história da adolescente grávida mais descolada de todos os tempos e depois conseguiu cravar indicações ao prêmio de filme e direção com o superestimado Amor sem Escalas/2009. A vida de Diablo Cody não foi tão fácil, depois de levar para casa o prêmio de roteiro original por Juno, ela se dedicou ao seriado United States of Tara (que durou duas temporadas: 2009/2010) e deu o azar de escrever o insosso veículo para Megan Fox, Garota Infernal/2009. Jovens Adultos era uma oportunidade mais para ela do que para Reitman provar que não se tratava de sorte de iniciante quando recebeu o prêmio da Academia. Com Charlize Theron no alto dos créditos o filme tinha o aval necessário para conseguir atenção da mídia e do público com o alardeado humor negro presente no trailer. Não foram poucos o que se decepcionaram com o filme, mas devo dizer que diante da premissa do roteiro, ele cumpre exatamente a sua função. Existe uma limitação em história de pessoas que voltam para sua cidade natal e entram em conflito com os fantasmas de seu passado, a solução para essa amarra é extrapolar (como John Cusack fez em Matador em Conflito/1997), mas essa não é a proposta de Cody/Reitman. Apesar da personagem Mavis Gary (Theron) resolver deixar Mineapolis rumando para a pequena Mercury para reconquistar seu namorado de adolescência (Patrick Wilson) - que acaba de ser pai. Pelo próprio apartamento e aparência de Mavis percebemos que sua vida não está lá grandes coisas. Sua cara é de constante ressaca, só assiste reality shows na TV e o tom cinzento do apê só ressalta que faz tempo que alguma coisa está fora do eixo. Quando descobrimos que Mavis é uma escritora que está com sua série de livros (para jovens adultos, um equivalente aos leitores das obras de Talita Rebouças) prestes a ser cancelada, entendemos um pouco o que está havendo. É evidente que Mavis é a vilã da história,  mas quando a câmera opta por acompanhá-la assume a difícil missão de humanizá-la, mesmo que seja uma monstra, podemos conhecer suas motivações e encontrar momentos em que sua armadura dá sinais de cansaço. O mais interessante é que a atuação de Charlize Theron (indicada ao Globo de Ouro de Melhor Atriz de Comédia) sempre deixa lacunas para colocar em dúvida se ela realmente não tem consciência de seu plano destinado ao fracasso. Embora sempre ressalte seu desprezo pelos caipiras de Mercury, ironicamente, ela quer resgatar um período de sua vida onde as coisas pareciam fazer mais sentido. Sendo assim, todas as conversas com seu ex-namorado Buddy Slade (Patrick Wilson, competente como sempre) ganham um sentido que não é o dito por ele, mas o atribuído por ela e, essa visão distorcida da realidade, basta para que ela se arrume para encontrá-lo como se preparasse para uma batalha (e o fato dele dizer que ela continua a mesma parece menos um elogio do que ela pensa). Mavis não percebe que todos em Mercury mudaram, seguindo em frente com suas vidas, diferente dela que parece estagnada em um momento muito específico onde suas impressões são registradas como enredo se seus livros (numa espécie de diário) ou torna-se motivo para encher a cara. Embora as atitudes de Mavis sejam questionáveis (e muitos de seus diálogos sigam pelo mesmo caminho), o resultado é um filme leve calcado na nostalgia de uma personagem amargurada. Nessa jornada um fator interessante é que seu cúmplice seja o seu desprezado vizinho de armário na época da escola: Matt Freehauf (Patton Oswalt). Matt surge como a consciência que Mavis prefere deixar sempre dopada, se ela não enxerga seus próprios problemas, Matt sofre com a marca das agressões da época da escola onde um grupo de atletas resolveram espancá-lo por considerá-lo gay. É Matt que mostra como Diablo Cody assumiu um grande risco em construir uma história que se afasta cada vez mais do humor para se aproximar do drama ambientado numa espécie de máquina do tempo (onde as pessoas escutam fitas K7, curtem Teenage Fanclub e usam camisa dos Pixies) - pena que Mavis é a única presa na máquina. 

Jovens Adultos (Young Adults/EUA-2011) de Jason Reitman com Charlize Theron, Patrick Wilson, Patton Oswalt, Elizabeth Reaser, Collette Wolfe e Kate Nowlin. ☻☻☻ 

DVD: Jogos Vorazes

Jennifer e Josh: ficção científica e reality show

Percebo um certo tom de surpresa quando dizem que Jogos Vorazes se tornou um dos maiores sucessos de bilheteria do ano. Com uma continuação em andamento para o ano que vem, a obra de Pauline Collins se tornou a nova galinha dos ovos de ouro de Hollywood. O interessante é que houve uma espécie de rixa com os Crepusculomaníacos (talvez porque perderam espaço no termômetro do MTV Movie Awards, onde JV levou quatro prêmios, incluindo ator para Josh Hutcherson e atriz para Jennifer Lawrence). Dirigido por Gary Ross (de Seabiscuit/2003 e A Vida em Preto e Branco/1998)  o filme é uma aventura juvenil realizada com um cuidado que há muito tempo eu não via dedicada ao gênero, especialmente na escalação de seu elenco. Jennifer é uma das melhores jovens atrizes de Hollywood (e ainda que tenha uma indicação ao Oscar por Inverno da Alma/2010 é curioso como foi absorvida pela indústria para legitimar heroínas de filmes de ação) e Josh é promissor desde menino (lembra de Ponte para Terabítia/2007) e mostrou ser um ator de nuances sutis em Minhas mães e Meu Pai/. A história é ambientada num futuro não identificado onde o mundo está dividido em doze distritos após guerras e rebeliões. O discurso é de que para lembrar os sacrifícios do passado e comemorar a paz instaurada, cada distrito deve oferecer dois tributos: um rapaz e uma garota de cada distrito para participar dos chamados Jogos Vorazes. Ao todo são 24 jovens que entram numa disputa onde o prêmio que recebem é a própria sobrevivência. Isso mesmo, os jovens são sorteados para se matarem até que sobre apenas um. O tal jogo é transmitido como um reality show, onde o carisma dos participantes rende patrocínios capazes de ajudar nos momentos de maior necessidade.  A trama segue principalmente os rumos de Katniss Everden (Lawrence) que se oferece em tributo para livrar sua irmã caçula do sacrifício. Katniss acredita que suas habilidades na caça e resistência podem ajudar a ser bem sucedida nos jogos, seu parceiro de distrito é Peeta Melark (Huthcerson), que parece tímido e vulnerável ao mesmo tempo que compreende os mecanismos necessários para que o público torça por ele e Katniss. Se Katniss é uma oponente mais física, Peeta se mostra um estrategista eficiente - ao ponto de declarar seu amor por Katniss e juntar-se ao time inimigo quando julgar conveniente. Misturando ficção científica e reality show, debaixo de toda ação e aventura o filme esconde simbologias sobre o mundo atual, seja pelos governantes sacrificarem seus jovens em batalhas sem propósito ou até a competição exacerbada  que não permite que o outro seja enxergada como um parceiro, mas como um concorrente. Por isso, mais interessante do que os truques utilizados por Katniss e Peeta para não perderem a aura de bons moços são as relações que se estabelecem entre os concorrentes, onde lealdade, amizade e confiança aparecem em desvantagem contra a selvageria. Gary Ross faz o favor de nunca deixar a violência ser  totalmente explícita  (especialmente quando os concorrentes são jogados na floresta) e consegue criar uma engenhosa atmosfera anacrônica durante o filme. Cenários, figurinos e maquiagem criam referências de períodos distintos de nossa história e ajudam a construir um clima de fantasia que beneficia o filme a não ser levado muito a sério. Além disso o filme tem o cuidado de escalar coadjuvantes que valorizem ainda mais a história, Woody Harrelson demora a encontrar o personagem, mas depois funciona como deveria, Elizabeth Banks (revelada em Seabiscuit/) está irreconhecível (pena que sua personagem some da metade para o final), fiquei feliz até de rever Isabelle Fuhrman (a garotinha de A Órfã/2009) Stanley Tucci e Wes Bentley tem os visuais mais bizarros do filme e Liam Hemsworth ainda não me convenceu, mas faz o que tem que fazer sem grande destaque. Ou seja, o filme tem todos os requisitos para ser uma franquia milionária - tudo que Hollywood mais deseja em uma época de bilheterias em colapso - com a vantagem de ter dois jovens bons atores no alto dos créditos. 

Jogos Vorazes (Hunger Games/EUA-2012) de Gary Ross com Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Woody Harrelson, Donald Sutherland, Wes Bentley, Liam Hemsworth e Elizabeth Banks. ☻☻☻

sábado, 29 de setembro de 2012

DVD: Tiranossauro

Mullan: o tiranossauro em pessoa?

Quanto sofrimento uma pessoa pode aguentar? Esta parece ser a pergunta que o britânico Tiranossauro nos faz em sua hora e meia de duração. Calcado em dois personagens bastante diferentes entre si, a obra marca a estreia na direção do ator Paddy Considine (o pai de Terra dos Sonhos/2002) e ganhou o  BAFTA de melhor filme de estreante depois de ter conquistado o prêmio de direção e o especial do júri para as atuações de Peter Mullan e Olivia Colman. É justamente a atuação do casal que nos faz aguentar os sofrimentos que jorram do roteiro escrito pelo próprio diretor. Quando somos apresentados a Joseph (Mullan) ele está muito zangado com alguma coisa, talvez ele nem saiba muito bem do que está com tanta raiva, mas no auge de sua fúria acaba sacrificando seu único amigo: o cão. Apesar de ser brusca e rápida, a cena consegue sintetizar bem os sentimentos em conflito no interior do personagem. Após agredir o bicho de estimação ele se arrepende, tenta ajudá-lo, ainda que em vão, até se culpar. Mesmo que tudo ao seu redor cause raiva, não tem jeito, é ele que responde por seus próprios atos e se colocou na situação de total solidão. Depois de se meter em uma briga ele acaba encontrando Hannah (Colman), seu total oposto. De aparência tão solidária quanto frágil é o apego de Hannah à religião que faz com que Joseph dispare todas as suas impressões pouco lisonjeiras sobre ela. Daquele ponto em diante os dois não serão mais os mesmos. Conforme conhecemos melhor os dois personagens vemos que existe um bocado de tristeza em suas vidas, mas se Joseph é dominado pela raiva, ele ainda conta com a amizade de moribundo e um garotinho da vizinhança enquanto Hannah conta com um dos maiores estrupícios da história como marido. Eddie Marsan está asqueroso como o esposo de Hannah ainda mais quando fica desconfiado da amizade que cresce entre ela e Joseph, e aí a violência doméstica chega ao limite da personagem. O título do filme parece estabelecer às relações predatórias vividas por seus personagens (apesar do filme justificá-lo como uma brincadeira de Joseph com sua falecida esposa), todos (até o meigo garotinho que conversa com Joseph) parecem vítimas em potencial de um ambiente que parece gerar violência (verbal ou física) por conta própria, por isso é ainda mais interessante a forma como o texto enriquece a afinidade que cresce entre Joseph (que de agressor passa a ser protetor) e Hannah (que de vítima passa a ser agressora). No entanto, o que muita gente aponta como mérito pode incomodar, eu mesmo considerei que o roteiro cai no exagero em vários momentos (ainda que na forma de um círculo vicioso, já que termina com o protagonista matando outro animal num contexto totalmente diferente). Mais do que a história em si, os grandes méritos do longa ficam por conta de Paddy Considine em manter o clima pesadão do início ao fim (e a fotografia ajuda muito nessa tarefa) e às atuações de sua dupla de protagonistas. Embora Peter Mullan receba elogios por seu trabalho, acho que Olivia Colman está magistral na pele de Hannah. Sabendo trabalhar os sentimentos conflitantes de sua personagem ela parece estar no limite desde a primeira cena - ironicamente, somente na última cena em que aparece ao lado de Joseph ela parece estar em paz consigo mesma. É esse caminho árduo de duas pessoas rumo à morte de suas mazelas que o filme propõe. 

Colman: sete prêmios por sua atuação como Hannah. 

Tiranossauro (Tyrannosaur/Reino Unido - 2011) de Paddy Considine com Peter Mullan, Olivia Colman, Eddie Marsan, Archie Lal e Lee Rufford. ☻☻☻

terça-feira, 25 de setembro de 2012

CATÁLOGO: Capote

Hoffman e Keener: Capote e Harper Lee revolucionando a literatura americana. 

Truman Capote é um dos maiores nomes da literatura americana e o mais interessante é que em um determinado ano foi escolhido para que o cinema lhe dedicasse dois filmes sobre o processo de criação de seu livro mais importante: A Sangue Frio (1966). Baseado em biografias distintas do escritor foram lançados dois filmes bem diferentes - mas igualmente interessantes. Confidencial (2005) foi estrelado por Toby Jones (como Truman) e Sandra Bullock (na pele de sua fiel escudeira Harper Lee) sob a batuta de Douglas McGrath. Infelizmente o filme foi engolido pela repercussão desta visão de Bennet Miller sobre o autor - que chamou atenção desde que viram a atuação de Phillip Seymour Hoffman no set de filmagem. Enquanto o filme de McGrath utiliza tons cômicos (apesar de ousar em algumas polêmicas que este apenas sugere), Miller optou por uma sobriedade mórbida que deixa a cargo de seu elenco tornar as coisas mais suportáveis para a plateia. Não se trata de ser um filme ser melhor ou pior que o outro, mas ressaltar como dois autores tiveram olhares e emoções distintas sobre o mesmo período da vida de um cinebiografado. Em Capote ele já era famoso por sua relação com Hollywood - especialmente por ter escrito Bonequinha de Luxo que fora imortalizado no cinema com Audrey Hepburn em 1961. Em 1959 o escritor resolveu pesquisar sobre a chacina  de uma família ocorrida no Texas. O assunto lhe chamou a atenção e causou estranhamento em quem acompanhava a sua carreira, já que era um campo completamente diferente do que costumava retratar em suas obras. Desde a primeira cena, Phillip Seymour Hoffman recebe todo o nosso crédito capturando a fala e os gestos do escritor, considero fascinante como consegue exalar carisma com as frases articuladas e milimetricamente calculadas de Capote - não por acaso o filme insere várias cenas onde ele solta diálogos que são verdadeiras pérolas aos amigos em jantares que eram recorrentes em sua vida social. O filme consegue trabalhar bem essa relação do sujeito com os conflitos do profissional. Mesmo sincero em suas amizades, são questionáveis as escolhas de Capote em seu contato com os assassinos que inspiraram seu livro. Ele paga advogados para interferirem no caso, mas  não comenta com o entrevistado os caminhos que o livro pretende seguir. Este é apenas o início de um dilema moral que Truman enfrentará conforme seu livro ganha forma. Capote gostava de ressaltar que Perry Smith (Clifton Collins Jr.) e Dick Hicock (Mark Pellegrino) eram representantes de um mundo completamente diferente da família Clutter que foi assassinada naquela noite onde aqueles dois mundos distintos se encontraram. E sobre esse encontro trágico que Capote se concentra em sua obra. No seu processo de escrita, Capote sofre influência de algumas pessoas, uma delas é o editor (que fica fascinado com a obra que tem em mãos), outro é o xerife da cidade (Chris Cooper) e a sua voz da consciência vivida pela centrada Harper Lee (Catherine Keener, indicada ao Oscar de coadjuvante) - que o faz questionar os rumos de seu relacionamento com o caso, especialmente com o assassino Perry Smith. A identificação de Capote com Smith é um dos pontos fortes do filme, afinal ambos tiveram infâncias complicadas, mas enquanto um escolheu um caminho o outro seguiu o oposto. É essa relação que faz com que Capote sinta-se mal com a pena de morte de Perry, ao mesmo tempo que necessita dela para que seu livro tenha a repercussão necessária no retrato que pintaria sobre a repercussão daquele caso na pequena cidade de Holcomb (que na época tinha apenas 270 habitantes). A Sangue Frio torno-se um marco na literatura como um pioneiro no estilo romance jornalístico, afinal Capote acompanhou o caso da investigação até a execução dos culpados. Vendo em Perry Smith um personagem interessante, o autor procurou conhecer sua história de vida, seus ideais e motivações, ao ponto de Smith ter-lhe confiado o próprio diário para maior profundidade do livro. Truman apenas não contava que ao mergulhar neste universo, encontraria grandes dificuldades para distanciar-se do caso. Pelo capricho com que Miller trata a história o filme foi indicado a cinco Oscars (filme, diretor, ator, atriz coadjuvante e roteiro adaptado), mas foi Phillip que levou para casa a única estatueta do filme. 

Capote (EUA-2005) de Bennett Miller com Phillip Seymour Hoffman, Catherine Keener, Clifton Collins Jr, Chris Cooper, Amy Ryan e Bruce Greenwood. ☻☻☻☻

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

DVD: Vejo você no Próximo Verão

Hoffman e Ryan: simpática dramédia romântica. 

Cada vez mais atores se aventuram atrás das câmeras, alguns dão sorte e caem na graça do público e da crítica, outros são recebidos com indiferença. Phillip Seymour Hoffman estreou na direção com uma adaptação de uma peça que lhe rendeu elogios. Vejo Você no Próximo Verão é uma dramédia que tem como maior defeito parecer com um monte de filmes independentes que chegam aos cinemas americanos, fora isso é um filme que você assiste sem esforço ou grandes surpresas. Jack (Phillip) é um motorista de limusine muito tímido que mora no porão da casa de um tio, apesar de aparentar ter se acostumado à uma vidinha solitária ele se anima quando um casal de amigos Clyde (John Ortiz) e Lucy (a facialmente paralisada Daphne Rubin Vega) lhe apresentam uma mulher que parece ser sua alma gêmea, a instrospectiva Connie (Amy Ryan). O objetivo do filme é mostrar como o romance entre esses dois personagens se constrói de forma muito particular, especialmente pelo esforço de Jack mudar seu estilo de vida (ao ponto de ter aulas de natação - para estar preparado para um passeio de barco - ou ter aulas de culinária depois queConnie diz que jamais cozinharam para ela). A história que poderia ser um drama choroso é temperada com alguns acontecimentos inesperados e tratados de forma cômica (como ela sendo atacada no metrô - o que serve como pretexto para seu reencontro com Jack - ou a confissão de que Lucy traiu o marido com o professor de culinária de Jack) além de contar com uma trilha sonora acima da média nesse tipo de filme (Goldfrapp, Fleet Floxes e alguns pioneiros do reggae, ritmo favorito do protagonista). O que achei mais interessante é que Jack é apresentado de forma insegura, quase infantilizado, mas quando se apaixona por Connie o que lhe servia de muleta mais atrapalha do que ajuda (especialmente no tão planejado jantar com sua pretendente). Outro ponto que merece atenção é o fato do filme gerar um confronto com uma visão sínica dos relacionamentos, já que o casal mais experiente sempre justifica como natural todos os desrespeitos e problemas da relação que possuem - enquanto o casal novato sempre tem em mente que não querem aquelas partes desagradáveis em suas vidas. Apesar de muita gente considerar a direção de Phillip fria, eu a considerei bastante coerente com a história, já que os atores fazem seu trabalho como se não houvesse ninguém no comando, numa espontaneidade que faz muito bem à história de amor de dois personagens que poderiam ser considerados esquisitos facilmente. Sorte que Hoffman é um bom ator e encontra a química exata com Amy Ryan que nos faz torcer para que no fim essas duas almas solitárias acabem se acertando. Acho que o filme não fez sucesso por investir numa história de amor diferente, sem aquelas briguinhas bobas das comédias românticas e sem o tom pesaroso dos romances independentes ou a luxúria dos filmes moderninhos, a tentativa é de mostrar como cresce o amor entre duas pessoas comuns (apesar dos tropeços). 

Vejo Você no Próximo Verão (Jack Goes Boating/EUA-2010) de Phillip Seymour Hoffman com Phillip Seymour Hoffman, Amy Ryan, John Ortiz e Daphne Rubin Vega. ☻☻☻

DVD: Paraísos Artificiais

Dill, Bianchi e Lívia: Sexo, drogas e eletrônica. 

Recebendo alguns elogios, o filme Paraísos Artificiais chegou aos cinemas no início do ano e agora aparece em DVD. Depois de assistir ao filme eu só me pergunto o motivo dos elogios. Sexo, drogas e música eletrônica são os ingredientes do filme, eles poderiam até resultar numa mistura explosiva se o roteiro se preocupasse em contar uma história ao invés de embaralhar os tempos em que acontece a história (que é bem fraquinha). Se misturado ele não se mostra nada demais, acredito que se fosse linear a situação teria piorado um bocado. O filme poderia ter resultado até num curta interessante, já que a parte mais relevante e inspirada cabe perfeitamente em quinze minutos. É interessante perceber que o cineasta Marcos Prado havia realizado anteriormente o documentário Estamira (2004), onde contava a história de uma esquizofrênica que morava num aterro sanitário no Rio de Janeiro e agora volta sua câmera para um grupo de adolescentes classe média que usam drogas e escutam música eletrônica para se alienar ainda mais da inércia de suas vidas. Só mesmo percebendo a vida oca dos personagens que podemos entender porque precisam tanto ficar inconscientes da própria existência. Não sei se já passei da idade, se fiquei intolerante ou o filme que não soube construir seus personagens, já que tudo termina e começa do mesmo jeito como se nada houvesse acontecido em quase duas horas. Não por acaso tem uma parte filmada em Amsterdã (capital mundial do consumo de drogas), uma parte concentrada numa rave numa praia paradisíaca (onde todo mundo é meio hippie ao ponto de aplaudir por do sol) e outra quando seu protagonista, Nando (Luca Bianchi) sai da prisão e percebe que a relação em casa ficou complicada depois que passou uns anos na prisão. Penso que o roteiro queria mostrar como nesses três tempos o destino de Nando está vinculado à vida de Érika (a esforçada Natália Dill), uma DJ promissora que pretende mostrar que amadureceu com o passar do tempo. Ou talvez mostrar os prós e contras do consumo das drogas (e para isso vale tudo, de alucinações com búfalos, ménage, prisão, polícia, overdose, altos e baixos...) O problema é que o espectador precisa de muita paciência para aguentar a trama, já que tudo segue o esquema música eletrônica, consumo de drogas, sexo, música eletrônica, consumo de drogas, consumo de drogas, música eletrônica, sexo, consumo de drogas, música eletrônica, consumo de drogas, sexo... e assim vai até o final. A garotada deve ter corrido para os cinemas para ver Natália Dill com os peitos de fora por quase todo o filme e fazendo cara de sofredora (até quando transa). A trilha sonora é boa, a fotografia é caprichada, mas Paraísos Artificiais acaba sendo vítima do próprio tema que pretende colocar em discussão: a vacuidade das relações do século XXI. Tudo no filme soa tedioso - e as coisas só pioram quando inventam de colocar Roney Villela como uma espécie de guru capaz de dizer pérolas como "você está aqui para desenvolver sua psiquê, isso também é importante" (isso antes de Nando cozinhar mais uns neurônios com drogas sintéticas). O roteiro ainda tenta inventar umas surpresas que só uma pessoa chapada não iria perceber desde o início quem é o pai do filho de Érika e o fim que levou sua namorada na época de maluquete. Como já disse antes, os melhores momentos do filme caberiam em quinze minutos, portanto em DVD é melhor de assistir, avance as (muitas) cenas que estão sobrando e talvez você até ache o filme bacana. 

Paraísos Artificiais (Brasil-2012) de Marcos Prado com Natália Dill, Luca Bianchi, Lívia de Bueno, Bernardo Mello Barreto, César Cardadeiro, Cadu Fávero e Roney Villela.

sábado, 22 de setembro de 2012

CATÁLOGO: Tony Manero

Castro: Quero ser John Travolta.

Se Al Pacino fosse um ator chileno provavelmente ele seria Alfredo Castro, mas Alfredo Castro quer ser Tony Manero o famigerado personagem de John Travolta em Os Embalos de Sábado à Noite (1977). Ou melhor, Castro interpreta o estranho Raul Peralta, um homem de 52 anos que é obcecado pelo personagem que dança ao som de Bee Gees. Não existe muita semelhança entre o filme sacolejante e essa obra chilena e isso deve ter desapontado muita gente que entrou no cinema e encontrou um filme sombrio ambientado durante a ditadura de Pinochet no final da década de 1970. Raúl é um sujeito com uma única expressão que não muda nem quando está se requebrando ao som da trilha sonora de seu filme favorito, ele já deve ter assistido ao filme uma dezena de vezes, já sabe as falas, se emociona com os momentos mais piegas do longa e encontra até sentido nas falas mais toscas do verdadeiro Tony Manero. Fora isso a diversão de Peralta é ensaiar um número com um trio de dançarinos para a apresentação num boteco da periferia de Santiago enquanto aguarda o dia de participar de um concurso na TV que procura encontrar o melhor Tony Manero do Chile. Seu jeito enigmático atrai não só a dona do boteco como uma das dançarinas - que demonstra ter um relacionamento antigo com Raul (ainda que seja aos trancos e barrancos). Só para concluir a apresentação do personagem, ele não se envolve com política e também é um psicopata. Enquanto Raúl comete alguns crimes seus parceiros de palco parecem envolvidos com ações contra o regime do país. O diretor apresenta seu personagem sem pressa numa narrativa propositalmente lenta capaz de gerar ainda mais estranhamento quando Raúl demonstra que não é o sujeito passivo que aparenta - e que também não quer ganhar nossa simpatia. Mesmo quando está perto de realizar alguma atrocidade ou enquanto gasta o tempo para preparar o cenário de seu número de dança (com tijolos de vidro e uma bola coberta de espelho quebrado), Raúl se comporta como um zumbi. É como se estivesse tão alienado do mundo ao seu redor que não consegue nem se excitar quando está com suas amantes. Num primeiro momento não podemos culpá-lo, afinal o filme capricha nos ambientes sujos e nas relações ásperas entre seus personagens, o que justificaria sua fuga em curtir o som dos Bee Gees e encrencar com o número de botões do seu conjunto branco. O filme não aponta salvação para Raúl, mas sabe explorar sua dança no palco daquele boteco e mais ainda quando aparece no programa de TV aplaudido pelo público. É nesse momento mágico que Alfredo Castro deixa seu personagem ser humando e sentir-se leve no mundo. Pena que isso dura pouco e ele precisa voltar para a casa e se deparar com uma situação que poderá condená-lo à solidão para sempre. O jovem cineasta Pablo Larrain ganhou fama em festivais com seus filmes ambientados durante a ditadura de Pinochet e em Tony Manero cria um filme tão estranho quanto seu personagem, o resultado pode ser indigesto para a grande maioria do público mas merece atenção por dar ares trágicos ao que qualquer um poderia tornar cômico. 

Tony Manero (Chile/2008) de Pablo Larrain com Alfredo Castro, Paola Lattus, Hector Morales e Amparo Noguera. ☻☻☻

DVD: Anônimo

Redgrave e Ifans: boas atuações em polêmica teoria. 

Acho que ano passado nenhum filme causou mais polêmica do que Anônimo com sua teoria de que Shakespeare na verdade era um nobre da corte da Rainha Elizabeth. Consideraram o filme preconceituoso e um bando de atores shakesperianos (capitaneados por Judy Dench) ajudaram na campanha negativa sobre o filme que se tornou um fiasco nas bilheterias (sendo lançado direto em DVD por aqui). Considero um grande exagero todas essas críticas, já que a tal teoria nem é novidade, ela de fato existe e é conhecida como teoria Oxfordiana que credita às obras do bardo inglês ao Conde Edward de Vere. Penso que da mesma forma que John Madden pode criar sua fantasia em torno do autor em Shakespeare Apaixonado/1998 (que minha professora de Cinema e Literatura na faculdade odiava), o roteirista John Orloff tem todo o direito de explorar sua teoria e criar uma obra de ficção (afinal, não é um documentário). Orloff argumenta que ele mesmo era cético com relação à teoria de que Edward de Vere era o verdadeiro autor de Romeu e Julieta, mas depois de mais vinte anos de pesquisa, percebeu que existe sentido nessa hipóstese. Podem até jogar tomate podre nele quando afirma que seria difícil um dramaturgo sem trânsito na corte conseguisse retratar tão bem os conflitos e intrigas palacianas em obras como  Henrique V, Hamlet e Ricardo III - essa afirmação ainda se sustenta no fato de não existir meios para que as informações circulassem livremente entre a população, afinal tratava-se do século XVII. Essa própria ausência de informações existe quando procuramos uma biografia de Shakespeare e nos deparamos apenas com hipóteses (é nesta lacuna que surgem obras como de John Madden). Polêmicas de lado é interessante acompanhar a forma como o filme desenvolve sua trama com  base na própria obra de Shakespeare e as relações políticas da época. Fatos históricos, ficção e especulação aparecem misturados com eficiência - apesar da edição errar ao misturar diferentes períodos da vida de seu  protagonista (o resultado na maioria das vezes mais confunde do que prende a atenção).  Edward de Vere (um irreconhecível Rhys Ifans que ficou a cara de Joseph Fiennes), Conde de Oxford, devido aos compromissos com a corte não pode se entregar ao prazer de escrever, nem mesmo com seus escritos chamando a atenção da própria rainha Elizabeth I. Se na idade adulta os dois personagens são vividos por Ifans e Vanessa Redgrave, no passado eles vivem um romance na pele de Jamie Campbell Bower e Joely Richardson (filha de Vanessa). Um romance proibido que irá interferir em suas vidas até a crise para escolha do sucessor da rainha mais influente na história da Inglaterra. Admirador de teatro, Edward percebe que o teatro poderia servir de fonte de comunicação com a população. Ele acredita que a palavra num palco tinha poder e pede para o dramaturgo Ben Jonson (Sebastian Armesto) encenar suas peças. Como o contraste entre a obra de ambos era evidente, o ator boêmio William Shakespeare (Rafe Spall) assume a autoria das peças e se torna uma celebridade com a força daquelas obras. As peças acontecem paralelamente às intrigas na corte, onde filhos bastardos e interesses políticos se misturam num emaranhado de figuras históricas apresentadas de forma um pouco confusa. É interessante perceber Edward de Vere dando conotação totalmente diferente para a célebre frase "ser ou não ser", já que preso às convenções sociais está condenado a admirar sua fama com distanciamento e até ser chantageado para permanecer no anonimato (isso deve irritar ainda mais os shakesperianos, já que ele aparece como charlatão, chantagista, oportunista...). Esquecendo todas as polêmicas, Anônimo nos faz entrar em contato com uma espécie de universo paralelo que tem lá os seus atrativos, o curioso é que convidaram Roland Emmerich, responsável por destruir o mundo em Independence Day (1996), O Dia Depois de Amanhã (2004) e 2012 (2009) para fazer o mesmo com o maior escritor de todos os tempos. Aqui ele ainda aparece com a mão pesada, mas o resultado é melhor do que sua última empreitada séria (o aborrecido O Patriota/2000) com o mérito de não criar um filme "shakesperiano" com aquele ranço teatral. Entendo todas as críticas que o filme recebeu, mas considero que o filme merece ser visto nem que seja para conhecermos um ponto de vista divergente sobre uma figura histórica tão ilustre. 

Anônimo (Anonymous/Reino Unido - Alemanha/2011) de Roland Emmerich com Rhys Ifans, Vanessa Redgrave, David Thewlis, Rafe Spall, Sebastian Armesto, Joely Richardson e Edward Rogg. ☻☻☻

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

DVD: Piratas Pirados

Os piratas: entre a corte e o evolucionismo.

Alguns críticos já apontam que a animação Piratas Pirados deve figurar entre os indicados ao Oscar de animação do ano que vem. Se isso acontecer, será bastante justo. Trata-se de uma animação bem divertida sobre um grupo de piratas que se mete em encrencas ao lado da Rainha Vitória e de Charles Darwin. Acho que o título não ajudou muito o filme, já que o filme pode ser tudo menos idiota como o nome faz parecer. Acompanhamos as aventuras de Capitão Pirata e sua tripulação (o fiel escudeiro, um pirata albino, uma mulher disfarçada de homem...) motivados por um roteiro inspirado que faz graça até onde parece não existir. Tudo começa quando o Capitão pretende participar do concurso de "Pirata do Ano", mas tem um problema sério: ele é um dos piratas mais fracassados que o cinema tem notícia. Faz tempo que não conseguem roubar nenhuma fortuna nos sete mares (e quando tentam rendem um dos momentos mais divertidos do filme). Vá entender como foi que a partir dessa premissa o roteiro resolveu colocá-los num concurso de cientistas depois de cruzar com Charles Darwin - que descobre que o papagaio do pirata não era um papagaio e sim uma rara sobrevivente da espécie dodo. Não demora muito para que os piratas se confrontem com a Rainha Vitória em pessoa, que diz odiar piratas e que quer muito que a rara ave dodo faça parte de seu zoológico particular. O maior mérito do filme é demonstrar que nada é sagrado e tudo está ali para virar piada. A Rainha Vitória se torna uma mulher tenebrosa, sabe lutar espadas e se encontra com os maiores líderes do planeta (incluindo o Tio Sam em pessoa) para saborear pratos de fazer qualquer ambientalista espumar de raiva enquanto Darwin se torna um solteirão apaixonado por ela e que gasta o tempo catalogando espécies e treinando um macaco para ser seu capanga (um dos grandes achados do filme). Mas dificilmente o filme funcionaria se não tivesse um protagonista tão carismático quanto Capitão Pirata (uma ótima criação de Hugh Grant). Com sua barba vistosa e seu porte de pirata dos velhos tempos, o estúdio teve a sabedoria de não copiar Piratas do Caribe, criando um universo próprio e divertido capaz de agradar as crianças com seu ritmo de aventura constante e os adultos com as inúmeras referências que espalha no roteiro. Além disso a qualidade técnica desta produção é admirável, o colorido em cena e a expressão dos personagens realmente impressionam e mantém o padrão de qualidade dos estúdios Aardman (o mesmo do premiado Wallace e Gromit/2005 e A Fuga das Galinhas/2000) no trabalho com stop motion com massinha de modelar. Pura diversão baseada na série de livros (inédita por aqui) de Gideon Defoe (que assina o roteiro do filme). 

Piratas Pirados (Pirates! Bands of Misfits/Reino Unido-2011) de Peter Lord e Jeff Newitt com vozes de Hugh Grant, Martin Freeman, Salma Hayek, Jeremy Piven e Imelda Stauton. ☻☻☻

CATÁLOGO: Pura Adrenalina

Owen e Luke: mano a mano na estreia de Wes Anderson. 

É até engraçado imaginar que Wes Anderson estreou na direção com um filme como esse Pura Adrenalina (o nome recebido em terras tupiniquins é um grande mistério, já que não tem grande relação com a história - e todo mundo que conhece a cadência do cinema de Wes Anderson deve estranhar). O filme é baseado num curta metragem dirigido pelo diretor em 1994 sobre dois amigos que pretendem seguir carreira no mundo do crime, Anderson deu uma anabolizada na história e o resultado virou este longa em 1996. O mais bacana é que chamou atenção da crítica, mas o prêmio mais badalado que recebeu foi o MTV Movie Awards de diretor estreante! O diretor ainda não apresentava o alto nível do senso estético de seus filmes posteriores, mas já apresentava o seu gosto por personagens anticonvencionais, alegria melancólica e histórias de temática juvenil. Foi aqui também que o diretor inaugurou sua parceria com Owen Wilson (dois filmes depois eles dividiriam uma indicação ao Oscar pelo roteiro de Os Excêntricos Tennenbaums/2001). Feito na camaradagem, com a ajuda de vários amigos na produção deste longa de cinco milhões de dólares (e rendeu menos de um milhão em bilheteria), o filme conta a história  Digman (Owen Wilson) um aprendiz de ladrão que sonha em se tornar um grande bandido, por isso gasta a maior parte do seu tempo articulando ideias mirabolantes que só podiam sair da mente de quem pensa que roubar é uma arte. Para ajudar nos seus golpes ele convida o amigo Anthony (Luke Wilson, irmão de Owen) que acabou de sair de uma temporada (voluntária) de internação num hospital psiquiátrico. Depois de alguns pequenos golpes eles conhecem Mr. Hernry (James Caan), um malandro que confia a eles um grande assalto à uma fábrica, mas aí começam a aparecer algumas crises no relacionamento dos dois amigos (especialmente quando Anthony parece encontrar a sua cara metade). Para quem conhece o trabalho do cineasta o melhor é encontrar algumas referências sobre o caminho que o cinema de Anderson seguiria. Embora o clima cool dos diálogos pareça apenas um esboço do que ele faria depois, existem cenas em que o diretor ensaia o humor peculiar que se tornaria sua marca registrada (em especial a cena de Digman andando de bicicleta, o apelo dos macacões amarelos e o grande assalto que parece saído de um dos melhores filmes dos Trapalhões). Embora não figure entre os melhores filmes do diretor (não sei se vocês percebem, mas acho que ele não é chegado a armas nem para fazer piada) aqui já podemos perceber que estavamos diante de um artista disposto a enxergar fora dos padrões se arriscando numa trama onde os personagens são desenvolvidos como se fosse uma história em quadrinhos. Podem falar que o filme é uma alegoria sobre as amizade, sobre a alienação juvenil ou até uma paródia dos filmes de Tarantino, o fato é que misturando gêneros e referências o filme chamou atenção de alguns produtores e abriu o caminho para que Wes realizasse o seu primeiro grande sucesso: Rushmore (chamado por aqui de Três é Demais/1998 - será que ele nunca vão acertar nos títulos?), que aprofundava as cores mais interessantes de seu imaginário criativamente delirante.

Pura Adrenalina (EUA-1996) de Wes Anderson com Owen Wilson, Luke Wilson, James Caan, Lumi Cavazos e Andrew Wilson. ☻☻☻

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

APOSTAS PARA O OSCAR 2013 - CAPÍTULO I

Com a chegada da primavera por aqui é a hora de começar a temporada de outono nos EUA, ou seja, se inicia o período onde os filmes sérios e com expectativas de fazer bonito na temporada de ouro começam a aparecer nos cinemas. Claro que alguns dos candidatos aos prêmios já apareceram nas telas daqui, Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge de Christopher Nolan ambiciona aparecer em mais categorias do que as técnicas, Valente da Pixar já é considerado figura certa na categoria de melhor animação e até Jennifer Lawrence pode surpreender com Jogos Vorazes assim como alguns elementos de Na Estrada de Walter Salles. Algumas produções que já demonstram fôlego para as indicações ao careca dourado são:

The Master
O peso pesado da temporada é a nova obra de Paul Thomas Anderson. Aclamado como obra-prima The Master causou polêmica desde que o primeiro leitor teve contato com seu roteiro. A trama é inspirada na vida de Ron L. Hubard, o escritor de ficção científica que fundou a controversa religião Cientologia (aquela do Tom Cruise). O filme se sustenta na relação entre o megalomaníaco Lancaster Todd (Phillip Seymour Hoffman) e o instável Freddie Quell (Joaquin Phoenix), um ex-marinheiro que serve como espécie de cobaia para a visão de mundo de Todd. É nessa relação entre o forte e o fraco, o mestre e o discípulo que o filme cresce de forma hipnótica. Além das atuações já premiadas de Phoenix e Hoffman (no Festival de Veneza) o filme ainda conta com Amy Adams num papel que deve lhe render mais uma indicação ao prêmio de coadjuvante (a quarta de sua carreira).

Argo 
Admiro bastante Ben Affleck por ter conseguido digerir as críticas recebidas em sua carreira como ator e investir numa ótima carreira de diretor. Baseado numa mirabolante história real, o novo filme de Affleck conta a história de um agente da CIA (o próprio Affleck) que cria um plano para resgatar seis americanos refugiados na casa do embaixador canadense durante a revolução islâmica no Irã em 1979.  Às vezes irônico e muitas vezes pesado, o filme foi elogiado e aplaudido no Festival de Toronto, parece que Affleck atingiu sua maturidade e está disposto a parar de concorrer somente a um prêmio de consolação na Academia. O elenco conta com Bryan Cranston, John Goodman, Alan Arkin, Clea Duvall, Chris Messina e Phillip Baker Hall. 

Cloud Atlas
Se a pretensão não jogar tudo no lixo, o elaborado Cloud Atlas, baseado no livro de David Mitchell, deve aparecer entre os indicados a melhor filme do ano. Não vou nem levar em consideração que o filme é dirigido por dois dos maiores pastéis de vento da história de Hollywood: Andy e Larry Lana Wachowski (Matrix). O material é bastante filosófico e explora como a ação de um indivíduo no passado interfere na vida dos outros, seja no passado, no presente ou no futuro. Quem viu o trailer deve ter entendido o motivo do filme receber o nome de A Viagem por aqui. O elenco tem vários oscarizados (Tom Hanks, Jim Broadbent, Susan Sarandon e Halle Berry) e eternos candidatos à uma indicação (Hugh Grant, Ben Wishaw e Jim Sturgess). Exibido recentemente em Toronto, o filme promete ser um dos mais comentados neste fim de ano e deve dar dor de cabeça se concorrer ao prêmio de direção (além dos Wachowski ainda conta com Tom Tykwer no comando da empreitada). 

Les Miserables
A clássica história de Victor Hugo está há décadas nos palcos em seu formato musical e já rendeu várias versões para o cinema, mas Tom Hooper quer honrar seu Oscar por O Discurso do Rei/2010 levando o musical para a telona. A trama de sofrimento e redenção de Jean Valjean (Hugh Jackman, será que ele vai ser indicado ao Oscar?) chega às telas com Anne Hathaway (será que ela leva o Oscar de coadjuvante pelo papel de Fantine?), Amanda Seyfried (Cosette), Helena Bonhan Carter (Madame Thénardier), Sacha Baron Cohen (Thénardier), Eddie Redmayne (Marius) e Russell Crowe (como o algoz de Valjean, Javert). Quem viu garante que o chororô vai ser grande e que, pelo menos, o Globo de Ouro de Comédia/Musical está garantido. 

Moonrise Kingdom
Desde Os Excêntricos Tennenbaums (2001) que eu percebia uma pegada infanto juvenil no cinema de Wes Anderson, a coisa ficou ainda mais descarada quando ele adaptou O Fantástico Senhor Raposo (2009) que causou sua reconciliação com o público e a crítica. Agora com Moonrise Kingdom ele volta sua câmera para personagens infantis sem perder aquele seu humor e visual peculiar. A história dos pequenos apaixonados Sam (Jared Gilman) e Suzy (Kara Hayward) é contada como um nostálgico conto de fadas cheio de aventuras e desventuras (ele age como se fosse Peter Pan e ela como a princesa a ser resgatada) que poderia ser chamado "Manual do Amor para Crianças". Além do casal prodígio e do visual arrebatador o filme tem participações inspiradas de Bruce Willis, Bill Murray, Frances McDormand, Tilda Swinton, Edward Norton e Jason Schwartzman. 

DVD: Abraços Partidos

Penélope: musa de Almodóvar pela quarta vez. 

Sou fã do cinema de Pedro Almodóvar, mas recentemente percebi que ele se distancia cada vez mais do cinema escandaloso de outrora e investe numa atmosfera de suspense que nem sempre tem o resultado desejado. Além disso, o excesso de referências cinematográficas pode até dar algum charme aos seus longas, mas corre o risco de deixar tudo meio previsível e superficial. Nessa sua tentativa de criar mistérios existiu o confuso Má Educação (2004), o pouco elaborado Volver (2006) além do recente (e melhor executado) A Pele que Habito (2011). Nessa sua fase o menos aclamado foi Abraços Partidos (2009), que assisti recentemente e que prefiro encarar como uma ode do diretor à sua atual musa: Penélope Cruz. Essa é a quarta parceria do diretor com a atriz e é fácil entender o motivo de tanto carinho com a senhora Javier Bardem. Penélope está admirável como uma versão espanhola de Audrey Hepburn. Abraços Partidos tem um punhado de outras referências ao mundo do cinema, eles vão desde Cidadão Kane (1941) passando por Alfred Hitchcock até chegar em Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos (1988). O desafio de Almodóvar era conciliar universos tão diferentes com eficiência, isso ele consegue, mas fica longe da genialidade que seus fãs esperam. O filme começa com o roteirista cego Harry Caine (Lluís Homar, mas galante do que em Má Educação), que conta com a ajuda de uma amiga , Judit (a ótima Blanca Portillo) e o filho dela, Diego (Tamar Novas). Quando Harry descobre que o rico empresário Ernesto Martel (José Luis Gómez) faleceu não demora muito para que receba a visita de uma figura de seu passado que o faz lembrar de sua musa, Lena (Penélope Cruz). O filme se concentra num longo flashback onde Harry conta que era o conhecido cineasta Mateo Blanco, que estava produzindo o filme Garotas e Malas quando conheceu Martel e sua esposa, Lena que desejava ser atriz. Martel acaba produzindo o filme para satisfazer sua esposa, mas seu ciúme torna-se cada vez mais doentio com a suspeita de que Lena e Mateo tornaram-se amantes. Além de embaralhar os tempos da narrativa não existe nada de realmente original no filme, por mais que Almodóvar consiga criar um ritmo eficiente, existe clichês demais na história do diretor que tem um caso proibido com a atriz principal. Curioso é que ao vermos Almodóvar criar as cenas de Garotas e Malas com várias referências ao filme que lhe deu fama mundial, Mulheres a Beira de um Ataque de Nervos (ele encontra espaço até para colocar a icônica Rossy dePalma no elenco), nos dá uma saudade daquele diretor kitsch que sabia embaralhar referências sem a necessidade de parecer descolado. Nesse universo, Penélope é quem sai ganhando com a heroína romântica que recebeu de presente (além de usar os figurinos elegantes da Maison Chanel), mas os coadjuvantes são os que mais sofrem. Diego, por exemplo tem cenas que não fazem o mínimo sentido  (como a que usa MDMA ou quando descobre quem é seu pai) por pura falta de interessem em desenvolvê-las. No fim das contas, fica a impressão de que Almodóvar complicou demais o que era para ser simples: Abraços Partidos é uma história de amor - e não há vergonha nenhuma em ser só isso. 

Abraços Partidos (Los Abrazos Rotos/Espanha-2009) de Pedro Almodóvar com Penélope Cruz, Lluís Homar, Blanca Portillo, José Luíz Gomes, Tamar Novas e Lola Dueñas. ☻☻☻

DVD: O Desaparecimento do Gato

Luque e Norma: paranoias da vida a dois. 

Lembro que em uma de minhas primeiras aulas de psicologia na faculdade a professora disse que para ser considerado louco basta não saber como se comportar no tempo ou no espaço. Foi essa consideração simples que se repetia na minha cabeça enquanto eu assistia a O Desaparecimento do Gato. O filme trata de um momento bem específico no relacionamento do casal vivido pelos excelentes Luís Luque e Norma Argentina. Ela vive Angela, a esposa que está prestes a receber de volta em sua vida o marido com alta de uma instituição psiquiátrica - depois de internado após um surto psicótico. Os médicos mostram os exames para Angela (e assim como ela não entendemos muito bem o que ele diz, ficando marcado apenas o desenho do funcionamento do cérebro dele). Eles o consideram apto para voltar a viver com a família, mas Angela ainda tem suas dúvidas. Quando Luís volta para a casa, ela explica que mudou as cores da parede, reorganizou os livros dele e conta algumas novidades sobre a família e o círculo de amigos. Se aquelas informações já fazem com que o personagem se sinta meio deslocado num ambiente que deveria lhe parecer familiar, as coisas pioram quando o gato da casa não o reconhece e arranha seu rosto. Luís Luque tem uma atuação excepcional como Luís, sempre com uma postura tão inofensiva que gera desconfiança não só em sua esposa como na plateia. Curioso é que com a presença do esposo na casa é Angela que parece estar a beira do surto, já que toda atitude do esposo ganha duplo sentido para ela e é neste ponto que o roteiro mostra sua eficiência em saber lidar com a dubiedade das ações, de forma que estas são interpretadas pelos outros independente das reais intenções de quem a realiza. Mesmo explorando situações que podem acontecer em qualquer casa, nós consideramos que existe algo estranho por trás daquilo tudo por conta da presença de Luís. Sendo assim, se ele resolve arrumar a biblioteca do seu jeito, cortar um peixe como se fosse manteiga ou se o gato sumir é porque deve existir algo sinistro por trás de tudo isso. Enquanto o esposo tenta se ajustar ao mundo ao seu redor, a esposa tenta compreender suas paranoias com médicos, familiares, alunos dele e até um amigo (num suspeito encontro num estacionamento), mas acho que ela nem se dá conta de que suas angústias devem piorar um bocado a adequação de seu cônjuge. Em momento algum sabemos o que de fato aconteceu com o casal antes da internação de Luis, apenas suspeitamos. O desaparecimento do gato de estimação serve de ponto de partida para que os temores de Angela cheguem ao auge - ao ponto de ofuscar a planejada viagem ao Brasil e considerar que o sarcasmo de seu esposo faz falta em sua vida conjugal. O diretor e roteirista Carlos Sorín exibe total domínio de sua história e consegue tornar dinâmica uma história ambientada praticamente em apenas um ambiente e com dois atores no centro da narrativa. Com sua lente ambígua voltada para o casal, o desfecho deixa os nervos de qualquer um à flor da pele com seu ritmo lentamente preciso e silencioso. O Desaparecimento do Gato traz uma ideia simples brilhantemente executada. 

O Desaparecimento do Gato (El Gato Desaparece/Argentina-2011) de Carlos Sorin com Norma Argentina, Luís Luque, Maria Abadi e Lucas Laurens. ☻☻☻☻

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

DVD: Meu País

Falabella, Santoro e Reymond: sem final. 

Marcos (Rodrigo Santoro) é um executivo afastado da família e de sua terra natal há tempos, morando na Itália ele construiu uma carreira sólida e um casamento feliz com a filha do chefe. Quando o pai de Marcos (Paulo José) morre, o rapaz precisa voltar ao Brasil e reencontrar o irmão Tiago (Cauã Reymond) e lidar com algumas situações que seu pai não conseguiu resolver. Esse é o promissor ponto de partida do filme de estreia do diretor André Ristum, que se tornou um dos mais aguardados do ano passado (principalmente por conta de seu trio protagonista), mas que decepcionou por ser um filme pela metade. Nem me refiro à ideia, que fica pelo caminho, de causar um reencontro de um brasileiro com os dilemas de sua terra de origem (e o fato de ter Santoro nesse papel não é por acaso), mas ao próprio drama familiar que Ristum apresenta com leveza, mas que na hora de tomar as rédeas de seus personagens recua e deixa a sensação de que está faltando, pelo menos, meia hora de filme. Uma pena, já que o longa poderia ser mais um tedioso drama familiar se o roteiro não introduzisse entre os dois irmãos uma peça fundamental: a irmã bastarda. Se alguns podem identificar uma cadência fria no filme de Ristum (em parte por girar em torno do distanciamento entre os irmãos), é a personagem Manuela que dá conta de injetar emoção no filme. Ela que desperta em Marcos a sensação de que precisa fazer alguma coisa por aquela família que não significava grande coisa para ele. Manuela estava internada numa instituição para pessoas com deficiência intelectual e num primeiro momento seu irmão não cogita encaixá-la em sua vida, com o tempo ela passa a ser uma prioridade em sua temporada no Brasil. O mesmo não se pode dizer de Tiago (que é prejudicado pela atuação unidimensional de Cauã), que está mais preocupado em pagar suas dívidas em jogatinas. Os dramas dos personagens são apresentados sem pressa (o que deve incomodar muita gente), demonstrando cuidado do diretor em tratar a situação daquela família que tenta buscar um rumo depois da morte do patriarca. Mais do que resolver os problemas financeiros, o centro da narrativa está em retomar os laços afetivos que unem esses três personagens. Infelizmente, quando o filme se aproxima do momento de decisão de todos eles, o filme termina com uma daquelas típicas cenas de praia com brincadeiras no mar enquanto só queremos saber como as coisas vão terminar. Sem final, o filme deixa a desejar (afinal, brincadeiras na praia não respondem se Marcos voltará para a Itália, se Tiago irá crescer e conseguir se livrar do pessoal barra pesada que está no seu pé e o que vai acontecer com Manuela?) e deixa a pergunta na cabeça: será que ninguém percebeu que o filme estava pela metade?

Meu País (Brasil/2011) de André Ristum com Rodrigo Santoro, Débora Falabella, Cauã Reymond,  Anita Caprioli, Nicola Siri e Paulo José. ☻☻

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

CATÁLOGO: A Outra Face da Raiva

Joan Allen: o fel correndo nas veias. 

Joan Allen é uma das minhas atrizes favoritas, costumo assistir seus filmes desde que a reparei em As Bruxas de Salém (1996) de Nicholas Hytner. Pelo filme ela acabou indicada ao Oscar de coadjuvante pela segunda vez (a primeira foi por sua interpretação de Pat Nixon em Nixon/1995). Anos depois ela acabou concorrendo ao prêmio de atriz por A Conspiração (2000), mas ela ainda poderia ter sido indicada outras vezes, seja pela esposa em crise de Tempestade de Gelo (1997) ou a mulher colorida de A Vida em Preto e Branco (1998). Sabe se lá por qual motivo a atriz ainda não foi premiada pela Academia, mas talento não lhe falta, tanto que é frequentemente convidada a dar credibilidade em filmes de ação como A Outra Face (1997) e a trilogia Bourne original. Se ela não estivesse no alto dos créditos de A Outra Face da Raiva, provavelmente eu nem assistiria à essa produção. O mais legal é que mesmo em uma comédia, Joan é capaz de dar nuances inusitadas para sua personagem. Allen é a mal humorada Terry Ann Wolfmeyer, que foi abandonada pelo marido - ela suspeita que ele fugiu com uma secretária sueca. Terry passa os dias fumando e bebendo diante da TV vestida num roupão e implicando com suas quatro filhas que se tornaram responsáveis pela casa: Hadley (Alicia Witt) que está prestes a terminar a faculdade, a bailarina Emily (Keri Russell) que enfrenta problemas alimentares, Andy (Erika Christensen) que pretende ser independente e a caçula Lavender (Evan Rachel Wood). Mais do que explorar a dinâmica entre esse monte de progesterona, o filme consegue inserir situações interessantes capazes de prender a atenção do público - especialmente pela forma que Terry encara o mundo. As coisas já parecem que vão mudar quando seu esposo desaparece e ela recebe a visita de Denny Davies (Kevin Costner), um jogador de baseball aposentado que ganha a vida num programa de rádio e vendendo bolas autografadas. Desde o início Terry acredita que o interesse de Denny por ela é apenas imobiliário (já que está de olho numa parte do terreno da família Wolfmeyer), mas Costner consegue deixar claro desde a primeira cena que nutre uma verdadeira paixão platônica por aquela loura esguia há tempos. O diretor Mike Binder consegue fazer um filme bastante simpático, que não subestima a inteligência do espectador e que sabe criar situações bem armadas e divertidas (como a descarada cena em que Terry mostra-se disposta a satisfazer os desejos do admirador). Pode até haver algo sistemático na forma como desenvolve as histórias paralelas das filhas de Terry, mas não chega a comprometer o ritmo da trama (Binder até faz uma participação muito bacana como o amigo de Denny que começa a namorar Andy), o que interessa mesmo é a força que Joan Allen confere à sua personagem que aos poucos percebe que o mundo pode não ser tão amargo quanto aparenta. Devo reconhecer que a atriz teve a sorte de encontrar nessa empreitada a química surpreendente com Kevin Costner (no papel de um bom sujeito que ele poderia interpretar dezenas de vezes sem tropeçar). Chega a ser reconfortante ver um filme simples e redondinho (que ousa criar um final surpresa totalmente coerente com a poposta do filme - e especialmente da personagem que rendeu à Joan Allen algumas indicações a prêmios da crítica). A Outra Face da Raiva é uma comédia despretensiosa num formato que era muito comum na década de 1980 e, por isso mesmo, bem interessante de se ver. 

A Outra Face da Raiva (The Upside of Anger/ EUA-2004) de Mike Binder com Joan Allen, Kevin Costner, Keri Russell, Erika Christensen, Evan Rachel Wood e Mike Binder. ☻☻☻

DVD: Miral

Freida: uma flor vermelha à beira da estrada

Deve ser estranho um diretor ser multipremiado por um filme considerado sua obra-prima e depois ser recebido com alguma indiferença em sua obra seguinte. Foi isso o que aconteceu com Julian Schnabel em Miral, que apesar de alguns elogios não chegou a empolgar o público, a crítica ou os votantes das grandes premiações. Não se trata de um filme ruim, mas uma obra que fica abaixo das expectativas geradas pelo efeito de O Escafandro e a Borboleta (2007) na cinematografia de Schnabel. Miral busca contar a história do Estado de Israel a partir da história de quatro mulheres palestinas (o que não deixa de ser uma novidade na obra do diretor, que possuía filmes com foco em protagonistas masculinos). Baseado na obra autobiográfica de Rula Jebreal, o filme começa muito bem com a história de Hind Husseini (vivida com a competência de Hiam Abass) que entre os conflitos em Jerusalém encontra um grupo de crianças órfãs vivendo nas ruas, ela as acolhe e cria um orfanato que começa abrigando pouco mais de cinquenta crianças - mas rapidamente chega a mais de mil crianças cujo as famílias foram vítimas dos conflitos na região. Enquanto conta a história desta mulher determinada e elegante o filme prende fácil a atenção, mas o filme opta por desviar da história de Hind e contar a vida de Nadia (a bela Yasmine Elmasri), que cansada de sofrer abusos foge de casa e passa a ganhar a vida como dançarina. Vítima de preconceitos ela acaba presa e conhece uma presidiária que lhe apresenta um homem (Alexander Siddig), que torna-se seu marido e pai de Miral (Freida Pinto). Depois de algumas tragédias na vida de Miral, percebemos o motivo de Schnabel ter tomado esse desvio, já que Miral torna-se uma das alunas do orfanato de Hind Husseini, agora uma instituição respeitada por moradores e políticos locais. No entanto, Miral considera a postura da diretora da instituição e de seu pai conformistas demais, ao ponto de se meter com revolucionários com queda para o terrorismo e ódio racial contra judeus. Apesar de ser responsável pelo nome do filme, Miral é a personagem menos interessante do filme. Não que Freida Pinto não dê conta das descobertas de sua personagem, seja no romance com um líder terrorista ou ao ter uma amiga judia, mas fica a impressão de que o roteiro a trata apenas como uma adolescente rebelde, sem saber enriquecer sua história com a trajetória das mulheres que antecederam sua parte no script. A história de Miral acaba ficando em cima do muro entre a postura da moça e a impressão apolítica com que vê seus responsáveis. Suas descobertas rumo a uma visão de mundo menos unilateral são até interessantes, mas não possuem a força das histórias que acompanhamos antes da câmera se enamorar por ela. Vale registrar que Schnabel se esforça para não criar um filme maniqueísta, mas quem já viu filmes magníficos como Persépolis (2007), O Que Resta do Tempo (2009) e Incêndios (2010) sabe que Miral dá apenas um passo a frente do lugar comum. Apesar do cuidado do diretor em criar belas cenas tristes e dar corpo a mulheres fortes, infelizmente o filme não alcança as notas altas que ambicionava.

Miral (França/Israel/Itália/Índia - 2010) de Julian Schnabel com Freida Pinto, Hiam Abass, Yasmine Elmasri, Alexander Siddig, Willem Dafoe e Vanessa Redgrave. ☻☻☻

sábado, 15 de setembro de 2012

DVD: Natimorto

Spoladore e Mutarelli: a voz de anjo e a mente perturbada. 

Nas andanças do cinema brasileiro pelo Oscar, acho que o cineasta Paulo Machline é o mais esquecido pelo público brasileiro. Foi dele o curta-metragem Uma História de Futebol (baseado no conto de José Roberto Torero, sobre a infância de Pelé) que concorreu ao Oscar na categoria melhor curta de ficção em 2001. Apesar disso, seu primeiro longa-metragem só foi lançado em 2010 e não recebeu a devida atenção, talvez as pessoas esperassem um filme agradável como seu curta consagrado, mas o diretor surpreendeu com uma obra surpreendentemente densa. Baseado na obra  de Lourenço Mutarelli (autor de O Cheiro do Ralo/2006), Natimorto é um filme que prima pela estética arrojada. É um tamanho cuidado com o enquadramento, com os planos, cores e atmosfera que estranhamos ainda mais como um filme de cenas tão belas pode parecer um pesadelo conforme caminha para o desfecho. Antes, o filme foi levado para o teatro numa adaptação de Mario Bortolotto e talvez por isso, o público ainda sinta um certo ar teatral - afinal são dois atores em cena a maior parte do tempo em um único cenário - mas quem embarcar em sua história delirante irá perceber que Machline faz cinema da melhor qualidade (e com bastante vaidade sobre isso). O filme se inicia no encontro de um agente musical (o próprio Lourenço que já se mostrava um ator mais que convincente na adaptação de Heitor Dhalia para O Cheiro do Ralo) com uma cantora lírica (Simone Spoladore) que chega na cidade para um teste. Encantado com a voz da moça, a proximidade de ambos gera ciúme na esposa dele (Betty Goffman) e causa uma discussão. Expulso de casa, desiludido com o mundo e apaixonado pela voz da cantora, o homem faz uma proposta inusitada à ela: viver num quarto de hotel isolado do mundo para o resto da vida, ou pelo menos até quando durarem suas economias. O diretor e o elenco conseguem trabalhar com bastante eficiência tudo que há de romântico e assustador numa proposta dessas - e conforme a narrativa avança, percebemos que todo o lirismo que poderia haver  evapora com as esquisitices daquele homem aparentemente inofensivo. Além de declarar-se assexuado por opção, ele ainda tem o hábito de associar aquelas fotos no verso dos maços de cigarro com as cartas de tarô. Sendo assim, cada figura seria o anúncio de como seria o dia de quem a recebesse. Ele ainda conta histórias para entreter sua companheira de jornada, mas se antes estas soam nostálgicas e graciosas, aos poucos se tornam cada vez mais assustadoras. "Ninguém conta uma história à toa", diz ela quando percebe que aquele homem doce que conhecera não é mais o mesmo. Aos poucos a intimidade entre os dois irá mostrar tudo que torna a ideia de se isolar do mundo impossível de se concretizar, uma vez que acabam trazendo para aquele mundinho particular tudo o que lhes assombra no mundo exterior. Fiquei impressionado com o uso da luz no filme, especialmente na forma como oscila entre o verde e o vermelho como se um enorme semáforo oscilasse entre o siga e o pare insistentemente (ou então anunciasse a esperança em contraste com o desejo - ou o sangue). Tanto cuidado com a aparência do filme é mais do que justificável já que existe no protagonista uma busca pela beleza, pelo divino, pela isenção dos pecados que contrasta com o que vemos na tela quando o personagem de Lourenço se torna cada vez mais doentio. A perfeita beleza é algo inatingível e é isso que o filme parece afirmar todo o tempo (especialmente quando deixa o canto da mulher para nossa imaginação). Mesmo com belíssimas cenas, Natimorto as utiliza para retratar uma espécie de inferno particular que promete devorar, literalmente, seus personagens após a arrepiante cena final. 

Natimorto (Brasil/2010) de Paulo Machline com Simone Spoladore, Lourenço Mutarelli e Betty Goffman. ☻☻☻☻ 

MOMENTO ROB GORDON: O Que Aconteceu com Ferris Bueller?

Espero que Hollywood não invente de refilmar Curtindo a Vida Adoidado (1986), afinal, na melhor das hipóteses o filme seria apenas inferior ao primeiro. Seria mais interessante se resgatassem o personagem para dizer aos fãs o que aconteceu com ele e seus companheiros de aventuras. A seguir algumas hipóteses:

5 UM PATRÃO CHATO PRA ADOIDADO
Quem diria que depois que se tornou adulto, Ferris Bueller se tornou um gerente de banco chatinho que passa o tempo pegando no pé de funcionários como a boa moça Samantha Prescott? Talvez toda a sua chatice venha da frustração do rapaz que cresceu e perdeu o contato com o grande amor de sua vida (Sloane Peterson) e com o amigo de infância Cameron, que se cansaram de suas irresponsabilidades.  Depois disso, Ferris colocou uma gravata, casou e se tornou o marido sério de uma mulher grávida. Chegar atrasado no trabalho? Faltar com suas responsabilidades? Nem pensar! Talvez por ter enganado tantas figuras de autoridade na juventude, ele pegue no pé de seus funcionários para que não façam o façam de bobo!

4 CURTINDO A ESCOLA ADOIDADO
No fim das contas, Bueller percebeu que não conseguia viver fora da escola e resolveu tornar-se professor - para ensinar aos alunos como a escola e as relações sociais estabelecidas ali podem ser divertidas. O problema é sua implicância com alunos dedicados como a chatinha Tracy Flick - aluna a qual Bueller tem uma picuinha pessoal (já que ela teve um caso com seu amigo Cameron, que também se tornou professor e acabou demitido pelo affair proibido). Ele não perderá a chance de ensinar uma lição à garota durante uma eleição para o grêmio estudantil! E nem adianta a dedicada esposa Sloane tentar tirar essa ideia mirabolante da cabeça do obstinado Ferris Bueller!

3 CURTINDO A PRISÃO ADOIDADO
Talvez Ferris crescesse e se tornasse o rei da maracutaia! Apesar de seu carisma permanecer inabalável, a esposa Sloane cansou dele e as coisas pioraram muito depois que o amigo (e sócio) Cameron resolveu processá-lo. Num longo dia de visita Cameron irá jogar na cara do amigo todos os ressentimentos colecionados ao longo dos anos (e o maior deles foi o dia em que Ferris provocou a destruição da preciosa Ferrari do pai de Cameron). Enquanto apronta algumas coisas na prisão (como pequenos trotes no diretor do presídio), o filho de Ferris e Sloane será o advogado de defesa do pai - e tentará lhe ensinar as vantagens de ter uma vida regrada. Será que ele consegue?

2 - DESTRUINDO A CIDADE ADOIDADO
O diretor Ed Rooney nunca esqueceu do pior dia de sua vida, aquele em que perseguiu Bueller na intenção de desmascará-lo - mas tudo deu errado. Sua raiva fica incontrolável quando descobre que Ferris tornou-se um grande cientista prestes a ganhar o prêmio Nobel! A fúria de Rooney é tão grande que causa um terrível efeito colateral no tratamento alternativo que faz para a calvície (baseada num óleo de iguanas). Rooney acaba se tornando um mutante gigantesco e persegue Ferris Bueller por toda a cidade, causando caos e destruição por onde passa! Além de salvar a própria pele, Ferris terá que proteger seu amigo Cameron e a esposa Sloane.

1 - CURTINDO A VIDA AINDA MAIS ADOIDADO
Não será surpresa para ninguém se descobrirmos que Ferris Bueller cresceu e se tornou um prestigiado publicitário, considerado um dos mais criativos do ramo - até o dia em que precisa fazer uma campanha para um fabricante de carros e sofre um bloqueio criativo. Enquanto mente para o chefe dizendo que está doente (para buscar a esposa e os filhos no aeroporto - mas antes tem a missão de comprar um panda de pelúcia para a filha no caminho), Ferris irá imaginar uma propaganda que será uma espécie de autobiografia (com direito a passeios em museus, encontros com a irmã Jeanie, a busca pelo amigo Cameron e um número musical em mandarim em plena Chinatown)! O resultado dessa jornada nostálgica pode ser conferida aqui.

Fotos: 5- Conte Comigo (2000); 4- Eleição (1999); 3- O Pentelho (1996); 2- Godzilla (1998); 1- Comercial Honda CV-R (2012)

FILMED+: Curtindo a Vida Adoidado

Sara, Huck e Broderick: um dia para entrar na  história. 

Acho que qualquer pessoa que cresceu nos últimos vinte anos assistindo à Sessão da Tarde deve ter visto Curtindo a Vida Adoidado, um clássico dos filmes adolescentes e que não envelhece. A história do rapaz que resolver matar aula e viver algumas aventuras pela cidade coleciona fãs devotados desde que em 1986 o diretor John Hughes lançou essa obra-prima. Não consigo lembrar de nenhum filme voltado para o público adolescente que tenha se tornado uma unanimidade como esse aqui. O segredo (que deve ter feito a diferença) é não cair na armadilha de deixar tudo girar em torno de sexo, afinal de contas, os adolescentes - por mais que não aparentem - tem outros interesses. Ferris Bueller (Matthew Broderick, no papel de sua vida) acorda num belo dia disposto a fingir que está doente para não ir à escola. Quando seus pais acreditam em mais essa artimanha do filho, ele resolve envolver o amigo Cameron (Alan Ruck) e a namorada Sloane (Mia Sara) na empreitada. Enquanto Sloane é a namoradinha que todo mundo pediu a Deus (bonita, espirituosa, bem humorada e disposta a embarcar nas palhaçadas do namorado), Cameron é o oposto. Hesitante, medroso, neurótico e paranóico ele age como se sempre uma grande tragédia fosse acontecer. Além da química entre o trio de comparsas, ainda existe outros personagens interessantes que ajudam a dar ainda mais graça às artimanhas de Bueller, são eles a irmã - e projeto de megera - Jeanie (Jennifer Grey), que sabe desde o início que Cameron está enganando seus pai. Além dos hilariantes diretor Ed Rooney (Jeffrey Jones), sua fiel secretária (Edie McClurg). O filme é um grande acerto, principalmente pelo tom irônico que Hughes imprime durante todo o filme - o fato de Bueller aparecer na TV e ninguém se dar conta (inclusive na antológica cena em que canta Twist and Shout dos Beatles num desfile) ou as diversas vezes em que seu pai está prestes a descobrir que seu filho não está adoentado numa cama. Não vou nem comentar o péssimo exemplo do rapaz enganar a todo mundo e ser cultuado na escola como se fosse um verdadeiro herói (para desespero de sua irmã e do diretor Rooney). Para tornar um personagem tão escorregadio em alguém digno de culto, há de se dar crédito a Matthew Broderick, que foi indicado ao Globo de Ouro pelo papel e nunca mais repetiu uma atuação tão cheia de energia  (afinal, chega a ser covardia comparar qualquer papel que tenha feito com a desenvoltura apresentada neste filme). A forma como o ator olha para a câmera e nos transforma em cúmplices de seus truques e comentários é um dos grandes achado do filme. Existem até momentos mais sérios, como o momento em que Ferris analisa como seria o futuro do amigo Cameron, que por levar a vida tão a sério acaba perdendo as oportunidades que os dias lhe oferecem. Mas, no fim das contas, o que mais impressiona são as desventuras encadeadas de forma mais que eficiente pelo roteiro, em momento algum o longa  parece episódico, pelo contrário, consegue até sustentar tramas paralelas (como Rooney tentando entrar na casa de Ferris) com o mesmo ânimo. Hughes estava tão certo que ao final da sessão o público iria querer mais que até inseriu a piada de Rooney enfrentando o ônibus escolar enquanto aparecem os créditos finais (além de Bueller aparecendo numa das despedidas mais originais de todos os tempos). Bem cuidado, divertido e despretensioso, Curtindo a Vida Adoidado é um dos filmes a que mais assisti(rei) em toda a minha vida. 

Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller Day Off/EUA-1986) de John Hughes com Matthew Broderick, Jeffrey Jones, Alan Ruck, Mia Sara, Jennifer Grey e Charlie Sheen. ☻☻☻☻☻