Os Hoover: família disfuncional adorável.
Acompanho o trabalho de Johathan Dayton e Valerie Faris desde que percebi o empenho do casal californiano na feitura de clipes clássicos do Smashing Pumpkins (Rocket, Tonight Tonight, 1979), Soundgarden (Outshined), Macy Grey (Sexual Revolution), Red Hot Chilli Peppers (Californication) e Jane's Addiction (Being Caught Stealing). Pouca gente criou expectativa quando eles estavam produzindo uma comédia familiar aparentemente inofensiva sobre uma família disfuncional às voltas com uma competição infantil. Afinal de contas, toda semana deve estrear dezenas de filmes sobre famílias disfuncionais ao redor do mundo (e em se tratando do cinema independente americano o percentual deve aumentar substancialmente). A diferença é como por trás de uma histórias simples e despretensiosa, a dupla não tinha vergonha de demonstrar que se tratava de um filme... simples e despretensioso. A diferença estava no cuidado ao contar uma história que tem alguma dose de provocação sem cair na esquisitice ou no mais simples lugar comum. Não é todo dia em que se vê uma criança prodígio como Abigail Breslin (indicada ao Oscar de coadjuvante) cercada de bons atores bancando tipos como o pai fracassado que vive de palestras motivacionais calcadas num livro fracassado, um irmão que fez voto de silêncio depois que leu Nietzsche, um avô politicamente incorreto (que poderia ser considerado uma ameaça à juventude em muitos países) e um tio homossexual com tendências suicidas. Complete a receita com uma Kombi problemática que só funciona quando tem que levar essa família ladeira abaixo e você terá uma ideia do motivo de muita gente ter gostado deste filme - que acabou levando para a casa os Oscars de roteiro original e melhor ator coadjuvante para o veterano Alan Arkin. O centro da história é a família Hoover, que é formada pelo pai palestrante Howard (Greg Kinnear) que diz conseguir transformar qualquer um em vencedor com apenas nove passos, pela mãe dedicada Sheryl (Toni Collette, indicada ao Globo de Ouro), pelo filho silencioso Dwayne (Paul Dano, que repetiu a parceria com os diretores no recente Ruby Sparks/2012) e a adorável Olive (Breslin) que se inscreveu num concurso de miss e que considera ter chances de ganhar com a ajuda do avô expulso do asilo por ser viciado em heroína (Arkin). Quando a família parte para o concurso Pequena Miss Sunshine no sul da California, ela conta ainda com o tio Frank (Steve Carrell), professor universitário especialista em Marcel Proust e que acaba de sobreviver a um... quase suicídio. A mistura de tantos personagens problemáticos poderia ser uma tarefa árdua para qualquer espectador, mas o texto esperto do estreante Michael Arndt consegue fazer graça com situações inusitadas que beiram o surreal com a ajuda de um elenco inspirado. Desconstruindo estereótipos e abordando questões relacionadas a obsessão americana em não ser um 'perdedor' (além da forma como nossa sociedade percebe as crianças como adultos em miniatura, ainda que finja não perceber os efeitos disso). O filme não apela para pieguice nem quando um dos personagens morre em cena - pelo contrário, cria algumas de suas cenas mais hilariantes. Por optar por caminhos quase sempre perigosos obtendo resultados positivos, o filme obteve quatro indicações ao Oscar - incluindo melhor filme depois do sucesso no Festival de Sundance.
Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine/EUA-2006) de Jonathan Dayton & Valerie Faris com Abigail, Greg Kinnear, Paul Dano, Alan Arkin, Toni Collette, Steve Carrell, Brenda Canela e Bryan Cranston. ☻☻☻☻