quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

CATÁLOGO: Pequena miss sunshine

Os Hoover: família disfuncional adorável.

Acompanho o trabalho de Johathan Dayton e Valerie Faris desde que percebi o empenho do casal californiano na feitura de clipes clássicos do Smashing Pumpkins (Rocket, Tonight Tonight, 1979), Soundgarden (Outshined), Macy Grey (Sexual Revolution), Red Hot Chilli Peppers (Californication) e Jane's Addiction (Being Caught Stealing). Pouca gente criou expectativa quando eles estavam produzindo uma comédia familiar aparentemente inofensiva sobre uma família disfuncional às voltas com uma competição infantil. Afinal de contas, toda semana deve estrear dezenas de filmes sobre famílias disfuncionais ao redor do mundo (e em se tratando do cinema independente americano o percentual deve aumentar substancialmente). A diferença é como por trás de uma histórias simples e despretensiosa, a dupla não tinha vergonha de demonstrar que se tratava de um filme... simples e despretensioso. A diferença estava no cuidado ao contar uma história que tem alguma dose de provocação sem cair na esquisitice ou no mais simples lugar comum. Não é todo dia em que se vê uma criança prodígio como Abigail Breslin (indicada ao Oscar de coadjuvante) cercada de bons atores bancando tipos como o pai fracassado que vive de palestras motivacionais calcadas num livro fracassado, um irmão que fez voto de silêncio depois que leu Nietzsche, um avô politicamente incorreto (que poderia ser considerado uma ameaça à juventude em muitos países) e um tio homossexual com tendências suicidas. Complete a receita com uma Kombi problemática que só funciona quando tem que levar essa família ladeira abaixo e você terá uma ideia do motivo de muita gente ter gostado deste filme - que acabou levando para a casa os Oscars de roteiro original e melhor ator coadjuvante para o veterano Alan Arkin. O centro da história é a família Hoover, que é formada pelo pai palestrante Howard (Greg Kinnear) que diz conseguir transformar qualquer um em vencedor com apenas nove passos, pela mãe dedicada Sheryl (Toni Collette, indicada ao Globo de Ouro), pelo filho silencioso Dwayne (Paul Dano, que repetiu a parceria com os diretores no recente Ruby Sparks/2012) e a adorável Olive (Breslin) que se inscreveu num concurso de miss e que considera ter chances de ganhar com a ajuda do avô expulso do asilo por ser viciado em heroína (Arkin). Quando a família parte para o concurso Pequena Miss Sunshine no sul da California, ela conta ainda com o tio Frank (Steve Carrell), professor universitário especialista em Marcel Proust e que acaba de sobreviver a um... quase suicídio. A mistura de tantos personagens problemáticos poderia ser uma tarefa árdua para qualquer espectador, mas o texto esperto do estreante Michael Arndt consegue fazer graça com situações inusitadas que beiram o surreal com a ajuda de um elenco inspirado. Desconstruindo estereótipos e abordando questões relacionadas a obsessão americana em não ser um 'perdedor' (além da forma como nossa sociedade percebe as crianças como adultos em miniatura, ainda que finja não perceber os efeitos disso). O filme não apela para pieguice nem quando um dos personagens morre em cena - pelo contrário, cria algumas de suas cenas mais hilariantes. Por optar por caminhos quase sempre perigosos obtendo resultados positivos, o filme obteve quatro indicações ao Oscar - incluindo melhor filme depois do sucesso no Festival de Sundance. 

Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine/EUA-2006) de Jonathan Dayton & Valerie Faris com Abigail, Greg Kinnear, Paul Dano, Alan Arkin, Toni Collette, Steve Carrell, Brenda Canela e Bryan Cranston. ☻☻☻☻

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

CATÁLOGO: O Fugitivo

Jones: um gato tão interessante quanto o rato. 

Reza a lenda que quando anunciaram que Tommy Lee Jones ganhou o Oscar de coadjuvante  em 1994, ouviu-se um múrmuro angustiado na sala de imprensa. O motivo? Jones é famoso pelo seu mau humor e impaciência com os jornalistas - e mesmo quando faz comédias, o ator investe neste tipo sisudo. No entanto, ele ganhou o Oscar por um papel em que não insistiu em fazer o trivial.  Filmes de ação baseados em perseguições costumam ser decepcionantes a partir do momento em que percebemos que, não importa o que aconteça, o filme está preso à fórmula do "gato e rato" até o final mais previsível e tedioso. Poucos filmes conseguem romper com essa camisa de força e despertar na plateia um sentimento incomum de torcida, tanto para o perseguido quanto para o perseguidor. Esse empate técnico motivador é um dos elementos que fazem a diferença em O Fugitivo, clássico filme de ação da década de 1990 baseado num seriado de mesmo nome, lançado em 1963. O filme funciona tão bem que concorreu aos Oscars de Filme, fotografia, edição, efeitos sonoros, trilha sonora, som e - o já dito -  prêmio de ator coadjuvante.  O filme conta a angustiante história do Doutor Richard Kimble (Harrison Ford, indicado ao Globo de Ouro), que é acusado de assassinar a esposa (Sela Ward) depois que chegam de uma festa. Sempre alegando inocência, Kimble é preso e após um espetacular acidente ferroviário, o doutor aproveita a chance para fugir e provar a inocência. Seguindo as pistas que deixou pelo caminho, está o policial Samuel Guerard (Tommy Lee Jones), que apesar de toda obstinação, percebe que Kimble é uma figura mais interessante do que os outros fugitivos que atravessaram sua renomada carreira. O mais interessante do filme é que enquanto Davis se concentra nas pistas coletadas por Kimble (sob o uso de disfarces e discrições), a trama segue paralelamente os acontecimentos acerca das investigações de Guerard - que se mostra bastante astuto ao ponto de perceber que o perfil de Kimble está longe de ser o assassino frio que dizem ser. Enquanto Ford tem um dos momentos mais eficientes de sua carreira, Lee Jones é capaz de roubar a cena com o olhar humanista que lança sobre o policial que interpreta. Jones transforma seu personagem numa espécie de parceiro às avessas do protagonista, proporcionando novas camadas a um personagem que poderia ser facilmente burocrático neste tipo de filme (é o tipo de coisa que Michael Mann queria ter alcançado com Christian Bale em Inimigos Públicos/2009 e não conseguiu). Além do suspense que se desenrola em torno da investigação de um cidadão acima de qualquer suspeita, Davis nunca perde de vista os personagens que se tornam cada vez mais desenvolvidos e interessantes. Essa preocupação afeta até os atores que tem poucos minutos em cena, como é o caso da enfermeira vivida por Julianne Moore - que tem poucos minutos em cena, mas o suficiente para exibir as contradições que a figura de Kimble possui. No entanto, o trunfo dos filmes é a química de seus dois atores principais, uma química que funciona tão bem que eles nem precisam estar juntos na mesma cena durante quase toda a duração do filme. 

O Fugitivo (The Fugitive) de Andrew Davis com Harrison, Tommy Lee Jones, Sela Ward, Joe Pantoliano e Julianne Moore. ☻☻☻

GANHADORES SCREEN ACTORS GUILD 2013


Daniel e Jennifer: pertinho do Oscar!

Depois da entrega do prêmio do Sindicato  dos atores na noite de ontem tirei algumas boas conclusões: 1 - O Oscar de atriz coadjuvante deve ir mesmo para Anne Hathaway; 2 - Daniel Day Lewis irá entrar para o seleto clube de atores que receberam três Oscars; 3 - As chances de Jennifer Lawrence foram anabolizadas para se tornar a mais jovem atriz a ganhar o prêmio de atriz principal da história do Oscar; 5- Se Game Change fosse um filme lançado nos cinemas, Julianne Moore  talvez levasse seu aguardado careca dourado para a casa (ainda que ela pareça não estar nem aí para isso); 6 - Até quando Ben Affleck terá de fazer cara de surpreso quando vê seu filme ser premiado? Azar da Academia que achou que Argo é o tipo de filme que se faz sozinho! Pois é, o filme ainda é o favorito ao Oscar deste ano - mesmo sem ter sido indicado ao prêmio de direção! 
A seguir todos os ganhadores do SAG do cinema e da TV:

Melhor Elenco

Melhor Ator Protagonista
Daniel Day-Lewis (Lincoln)

Melhor Atriz Protagonista
Jennifer Lawrence (O Lado Bom da Vida)

Melhor Ator Coadjuvante
Tommy Lee Jones (Lincoln)

Melhor Atriz Coadjuvante
Anne Hathaway (Os Miseráveis)

Melhor Ator de Minissérie ou Filme para TV
Kevin Costner (Hatfields & McCoys)

Melhor Atriz de Minissérie ou Filme para TV
Julianne Moore (Game Change)

Melhor Ator em Série Dramática
Bryan Cranston (Breaking Bad)

Melhor Atriz em Série Dramática
Claire Danes (Homeland)

Melhor Ator em Série Cômica
Alec Baldwin (30 Rock)

Melhor Atriz em Série Cômica
Tina Fey  (30 Rock)

Melhor Elenco em Série Dramática:
Downton Abbey

Melhor Elenco em Série Cômica
Modern Family 

Prêmio pelo Conjunto da Obra
Dick Van Dyke

Menções Honrosas para Elenco
Melhor Elenco de Dublês no Cinema

Melhor Elenco de Dublês em Série Televisiva:
Game of Thrones

sábado, 26 de janeiro de 2013

INDICADOS AO OSCAR 2013: Ator Coadjuvante

Alan Arkin (Argo) Atuando desde a década de 1950, o veterano Arkin conquistou sua quinta indicação ao Oscar pelo papel de Lester Siegel, um produtor de cinema que auxilia o agente interpretado por Ben Affleck no resgate dos americanos escondidos na embaixada canadense no Irã. Dizem que Siegel é a junção de três personagens que existiram na vida real e que se tornou um dos alívios cômicos do filme. Faz cinco anos que o veterano conquistou seu primeiro Oscar como o avô espertinho da Pequena Miss Sunshine (2006). Antes de ser premiado como coadjuvante o ator concorreu ao prêmio da Academia de Melhor Ator pelo dramático Por Que tem Que ser Assim? (1968) e pela comédia Os Russos Estão Chegando! (1966). 

Christoph Waltz (Django Livre) foi descoberto por Quentin Tarantino quando precisava de um ator multifacetado capaz de dar vida ao vilão ardiloso de Bastardos Inglórios (2009), pelo trabalho, o austríaco Waltz ganhou o Oscar de coadjuvante e uma penca de prêmios. Depois de filmar sem parar desde então, o ator resgatou sua parceria com Tarantino em outro papel educado, mas que explode em violência quando provocado - a diferença é que ele agora está do lado do mocinho, no caso Django (Jamie Foxx) que pretende resgatar sua esposa da fazenda de um fazendeiro malvado. Visto como azarão na categoria, suas chances aumentaram bastante depois da vitória no Globo de Ouro. 

Phillip Seymour Hoffman (O Mestre) Hoffman já tem seu Oscar de melhor ator na estante por Capote (2005), além de outras duas indicações de coadjuvante no currículo (pelo sacal Jogos de Poder/2007 e Dúvida/2008). Desta vez o ator vive o polêmico Lancaster Dodd, um cientista que acaba de criar uma nova religião e se torna mentor de um homem despedaçado... baseado no criador da cientologia, L. Ron Hubbard, o papel já rendeu a Phillip o prêmio de melhor ator em Veneza ao lado do parceiro de cena Joaquin Phoenix e tem fortes chances de ser premiado novamente (já que o aclamado O Mestre teve indicado somente sua trinca preciosa de atores). 

Robert DeNiro (O Lado Bom da Vida) já parecia ser um desses casos perdidos de Hollywood. Fazia tempo que o veterano não era lembrado pela Academia - desde Cabo do Medo (1991). Neste ano o ator recebeu sua sexta indicação ao Oscar pelo pai com transtorno obsessivo compulsivo de um homem bipolar. DeNiro é o único concorrente que já tem duas estatuetas em casa, uma de melhor ator por Touro Indomável (1980) e outra de coadjuvante por O Poderoso Chefão II (1978). Ele ainda concorreu ao prêmio de Melhor Ator por Taxi Driver (1976), O Franco Atirador (1978) e Tempo de Despertar (1991). Depois de se dedicar a tantas comédias bobas, o veterano finalmente achou uma comédia à altura do seu talento. 

Tommy Lee Jones (Lincoln) para fechar essa categoria peso pesado do Oscar 2013 - afinal, todos os concorrentes já tem estatueta em casa - o sisudo Tommy Lee Jones comemora sua quarta indicação ao prêmio. Ele já concorreu anteriormente ao prêmio de coadjuvante por JFK (1991), mas levou para casa o mesmo somente por O Fugitivo (1993). Depois ele ainda concorreu ao prêmio por No Vale das Sombras (2007). Agora ele volta ao prêmio da Academia na pele de Thaddeus Stevens, um republicano radical, tão radical que alguns o consideravam um verdadeiro ditador no congresso. Stevens tornou-se uma figura importante tanto na Guerra Civil americana quanto no tratamento aos escravos libertos. Ou seja, uma figura histórica tão importante quanto o protagonista do filme de Steven Spielberg

O ESQUECIDO: LEONARDO DICAPRIO (Django Livre) era o favorito ao posto de ganhador de Oscar pelo filme de Tarantino, mas bastou colocá-lo ao lado de Christoph Waltz para que começasse a enfraquecer nas bancas de apostas. Pelo papel de um vilão execrável - o qual desempenha com uma eficiência ainda maior do que suas últimas (e ótimas atuações) - a Academia o ignorou mais uma vez. Talvez, num ano onde o pré-requisito parece já ter sido premiado pela Academia, suas três indicações náufragas ao careca dourado (coadjuvante por Gilbert Grape/1993 e melhor ator por Aviador/2004 e Diamante de Sangue/2006) não tiveram tanto peso. 

DVD: Triângulo Amoroso

O trio: um ménage platônico. 

Talvez seja pela sexualidade híbrida do mundo pós-moderno, ou até pela queda dos rótulos sobre a sexualidade ou propagação das infinitas possibilidades sobre as relações entre homens e mulheres que se tornou cada vez mais comuns filmes sobre casais que buscam novas formas de se relacionar. Acho difícil que exista um filme que consiga ser tão simples e autêntico na abordagem do tema do que este longa alemão de Tom Tykwer. Embora seja cultuado pelo oco Corra, Lola, Corra (1998), meu filme favorito do diretor ainda é Perfume (2006), mas Triângulo Amoroso está ali, quase empatado. Embora Tykwer ainda invente um delírio visual aqui e outro ali só para dizer que ainda é moderninho (como o pesadelo em preto e branco onde o personagem perde todos os dentes ou as vezes em que divide a tela em várias cenas), o filme é muito bem resolvido quando aborda a relação que se estabelece entre o casal Simon (Sebastian Schipper) e Hannah (Sophie Rois, que parece a irmã gêmea de Brian Molko da banda Placebo) ao conhecerem o biocientista Adam (Devid Striesow). O casal namora há mais de vinte anos, embora ainda não tenham oficializado o casamento, é impossível não percebê-los como marido e esposa. Além da atração que ainda sentem um pelo outro, aqueles dias de rotina massacrante também aparecem em cenas como o silencioso café da manhã, ou a cama dividida em lados distintos. O ritmo do casal começa a ser alterado com a inquietação da jornalista Hannah ao ver uma entrevista cedida por Adam. É mais ou menos nessa época que Simon tenta lidar com a morte iminente da mãe (que está no fim graças a um câncer no pâncreas) que Hannah aprofunda seu flerte com Adam - parece uma provocação de que precisa fugir de um universo que parece estar moribundo. Ironicamente, é quando resolve trair Simon que este descobre que tem seu próprio câncer para administrar. Diagnosticado e perdendo um testículo, Simon é submetido ao esgotamento causado pela  quimioterapia. Nesse período difícil que ele conhece Adam num clube e se rende às possibilidades apresentadas pelo médico sedutor. Além do fantasma de não terem um filho (talvez por um deles ser histéril) e da ironia de se envolverem com um profissional que lida com a inseminação artificial, o mais interessante é como Tykwer consegue orquestrar seus personagens/atores de forma que podemos conhecer as motivações de cada um para que embarcassem naquela aventura amorosa. Enquanto a pulada de cerca serve de afrodisíaco para o próprio relacionamento do casamento (que se torna ainda mais ativo sexualmente), ela serve para que o próprio Adam comece a repensar sua vida solitária de múltiplos parceiros. O maior trunfo do filme é não olhar para os seus personagens com tom moralista ou vulgarizado. Tykwer consegue um equilíbrio incomum para os filmes que se aventuram por tramas semelhantes - não desafinando nem quando explora, com bastante humor, o desfecho do casal que descobre que se traia com o mesmo homem. Tudo é tão fluente, que mesmo o final que poderia ser um escândalo para os traídos/traidores (ou puritanos) é resolvida de forma concisa e bastante real diante do que acompanhamos até o desfecho, ali os personagens se despem (literalmente) de seus pudores, pecados e representações de si e das convenções sociais. Contando com cenas de discussões sobre sexualidade, fertilidade e relações contemporâneas, Tykwer consegue resolver muito bem o dilema de ter três personagens que se conhecem e se complementam - e ao som de Space Oddity de David Bowie tudo parece ainda melhor. 

Triângulo Amoroso (3/Alemanha-2010) de Tom Tykwer com Sophie Rois, Sebastian Schipper, David Striesowe e Alexander Hörbe ☻☻☻☻

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

DVD: Cosmópolis

Giamatti e Pattinson: livro interessante, filme nem tanto...

O livro Cosmópolis de Don DeLillo, desde que foi lançado em 2003 é cultuado por muitos pela forma irônica como enxerga a economia mundial contemporânea. Repleta de alfinetadas no sistema capitalista, a história do empresário Eric Michael Packer é apenas o pano de fundo para uma analogia acidamente cômica sobre uma sociedade repleta de informações, especulações, temores e pessoas que fazem mais dinheiro do que são capazes de gastar. Dá para perceber que David Cronenberg é fascinado pelas reflexões que o livro propõe ao leitor, tanto que mantém o texto bastante literário na boca de seus atores. O problema é que sob a tutela do leitor, ele ganha o ritmo e o tom subjetivo de cada um. Filmado e projetado numa tela, ficamos sujeitos ao olhar de um cineasta sobre aquela obra. Não é o meu olhar sobre o livro, não é o seu e nem do autor, trata-se do olhar de Cronenberg sobre o dia em que Packer resolve cortar a cidade em sua limusine para cortar o cabelo e dá o azar de ser o mesmo dia em que o presidente resolve visitar a cidade. O resultado? Um dia inteiro cruzando os bairros para poder cortar o cabelo e o encontro com uma série de personagens que podem ser curiosos no livro, mas que no filme deixa tudo vago demais. Acho difícil que o filme ganhasse projeção na mídia se não contasse com a presença de Robert Pattinson no papel de Packer. No papel, o moço ainda mostra-se esforçado, sem fraquejar em cenas ousadas, como aquela em que conversa com uma amiga enquanto faz um exame de próstata dentro de sua limusine. Na pele de Packer ele consegue ser bastante convincente. Em sua limusine ele consegue transmitir a ideia de que vive num universo bastante particular. Blindado e a prova de som, ali dentro Packer consegue ficar imune aos protestos e manifestações que deixam seu motorista/segurança sempre em estado de alerta às ameaças iminentes. O problema do filme está na necessidade de Cronenberg reverenciar o livro e esquecer que o espectador pode não se interessar por seu filme palavrososamente pretensioso. O flerte com o caos consegue despertar a curiosidade no início, mas começa a ficar desinteressante com as atuações quase mecânicas do elenco. Percebo que a culpa não é deles, agora virou moda entre os diretores metidos a moderninhos fazer filmes frios, distantes e inexpressivos como uma espécie de "crítica ao sistema que está aí", mas penso que essa opção já deixou de ser cacoete estilístico e já virou um clichê dos mais chatos dos últimos tempos. Não há dúvidas de que o texto de DeLillo é interessante, existem diálogos soberbos como a especulação sobre o tempo em que os ratos serão a moeda corrente ou as divagações sobre a forma como lidamos com a informação (sempre cm Packer indagando essas questões aos mais novos, como se ele mesmo fosse ultrapassado antes dos trinta anos), mas em momento algum o diretor consegue transformar esse brilhantismo escrito em imagens compatíveis. Os personagens entram e saem sem que possamos nos envolver com eles - e olha que estamos falando de coadjuvantes do porte de Julliete Binoche, Paul Giamatti, Samantha Morton e Mathieu Amalric. O maior peso fica mesmo para os ombros pálidos de Pattinson.   Consigo até admirá-lo por sua audácia em topar fazer um papel tão difícil, com cenas perigosas eme que suas fãs de Crepúsculo não estarão preparadas para admirar nem daqui há duzentos anos. Cenas desagradáveis, como a que descobre que tem uma próstata assimétrica ou em que atira em sua própria mão, parecem estar ali só para dizer que o garoto não tem medo de fazer papel de gente grande. Sua atuação me pareceu uma versão repaginada e tolhida do festejado Psicopata Americano (2000) de Christian Bale - pena que o esforço de Pattinson seja em vão num filme que procura valorizar um texto tão aberto a reflexões num longa tão fechado em si mesmo. Porém, percebi algumas cenas que parecem anunciar que, depois de uma década de filmes comportados, Cronenberg está prestes a voltar a revirar nossa resistência estomacal. 

Cosmópolis (EUA-França-Itália-Portugal/2012) de David Cronenberg com Robert Pattinson, Kevin Durand, Juliette Binoche, Paul Giamatti, Jay Baruchel, Mathieu Amalric, Sarah Gadon e Samantha Morton. 

Combo: Os atores sem face

Apesar da overdose de artistas com botox, devemos reconhecer que não há nada mais sagrado para um ator do que sua expressão facial. No entanto, existem aqueles papéis desafiadores em que esse precioso instrumento de trabalho é quase que neutralizado - seja por maquiagens, máscaras, capuzes, ou, simplesmente inércia muscular. Esta lista é dedicada a cinco atuações que transcendem a expressão facial, cada uma ao seu modo e se tornaram referência para seus colegas:

5 V de Vingança (2006) Os fãs de Matrix que me perdoem, mas os irmãos Wachowski não me convenceram ainda. Depois da trilogia badalada eles resolveram bancar a história do rebelde mascarado que luta contra um sistema opressor. Baseado na obra de Michael Moore, particularmente eu não gosto do filme - ainda mais que percebo uma incômoda apologia ao terrorismo. Seja como for, além de Natalie Portman como mocinha da trama, ainda podemos desfrutar da inusitada química da estrela ao lado de um mascarado Hugo Weaving, que atua como manda o figurino com o corpo todo coberto durante o filme.

 4 Marcas do Destino (1985) Clássico da sessão da tarde em minha infância, lembro como toda a família se emocionava com esse filme de Peter Bogadanovich que contava com atuações precisas de Cher e Eric Stoltz. Cher foi até indicada ao Oscar de melhor atriz como a mãe de Rocky Denis (Stoltz), um adolescente que devido a uma doença rara tem o rosto desfigurado (como se usasse uma máscara) e enfrenta vários preconceitos. Baseado numa história real, Eric tem uma atuação exemplar debaixo de pesada maquiagem e consegue ganhar a empatia da plateia desde a primeira cena (o segredo está no olhar, mas quem levou o Oscar foi o maquiador naquele ano). Pelo trabalho o ator foi indicado ao Globo de Ouro de ator coadjuvante.

3 O Escafandro e a Borboleta (2007)  Mathieu Amalric tem a vantagem diante de seus colegas de ter cenas em que pode expressar todas as emoções sem o impedimento de máscaras ou maquiagens elaboradas em poucas cenas deste filme de Julian Schnabel. No entanto, seus melhores momentos como o real, Jean-Dominic Bauby, são aquelas em que só consegue se comunicar com o mundo através do olho esquerdo. Ditando suas reflexões sobre a vida apenas com o piscar do olho, Balby ganha ainda mais o interesse da plateia com a narrativa inspirada de Mathieu. Entre romances mal resolvidos, relacionamentos deixados pela metade e delírios de uma mente aprisionada num corpo quase totalmente inerte, o ator consegue ser mais expressivo parado do que você imagina!

2 O Homem Elefante (1980) David Lynch adora uma bizarrice, mas ao contrário do que os preconceituosos podem pensar, o que há de mais bizarro no filme não é a maquiagem ostentada por John Hurt, mas o mundo que está ao seu redor. John Merrick (Hurt), sofre de uma terrível doença que faz seu corpo produzir vários tumores. Merrick é descoberto pelo doutor Frederick Teves (Anthony Hopkins) num circo e depois passa a ser o centro das atenções em um hospital - onde o personagem se torna uma atração cientifica. Merrick realmente existiu, mas Lynch conta sua história com alguma licença poética que reforça, ainda mais como a sociedade lida com as diferenças. Além disso, John Hurt está fenomenal como Merrick (foi indicado ao Oscar de ator pelo papel). 

1 Watchmen (2009) Alguém pode me explicar como Jackie Earle Halley não foi indicado aos grandes prêmios do cinema por sua magnífica atuação como o vigilante mascarado Rorschach? Jackie parece ter sido criado por Allan Moore e David Gibbons, dada a sua desenvoltura de encarnar o paranóico personagem da cultuada série de gibis! Com o rosto coberto por um capuz durante quase todo o filme, o ator transpira o personagem da primeira até a última cena. Trata-se de um trabalho inacreditável de expressão corporal e vocal - que pouquíssimos atores no mundo seriam capazes de alcançar! Diante de uma rede de intrigas que pode gerar o fim do mundo, é a atuação de Jackie que nos faz acreditar no apocalipse iminente!

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

DVD: Turnê


Joachin e Mimi (ao centro): performances inusitadas.

Acho interessante como o francês Mathieu Amalric ficou mundialmente famoso ao interpretar um personagem que, durante quase todo filme,  só mexia um olho enquanto ditava a biografia de sua vida. Pelo papel do editor de moda Jean Dominic Balby em O Escafandro e a Borboleta (2007) ele quase foi premiado em Cannes - além de ter gerado convites para produções hollywoodianas. Pouca gente sabe, mas o ator já tem doze filmes em que assina a direção e o último deles foi cultuado quando estreou em Cannes em 2010. Turnê é um filme interessante, mas está longe de ser uma obra-prima. No entanto, é fácil de assistí-lo se você conseguir entrar no clima do espetáculo burlesco que Amalric quer nos apresentar. Mathieu vive o produtor Joachim Zand, que depois de enfrentar problemas como produtor de televisão na França, foi tentar a sorte nos Estados Unidos. Agora ele retorna à terra natal com um grupo de mulheres que ganham a vida com shows de neo-burlesque. Para quem não conhece, trata-se de números de striptease cômicos que costumam fazer sucesso em casas de show de públicos variados. O burlesco surgiu no século XIX e ainda hoje tem público cativo para as recriações que o estilo sofreu através das décadas. O filme tem até um fiapo de trama sobre os conflitos que existem entre Joachim e sua trupe de mulheres de formas generosas - especialmente quando elas descobrem que a turnê enfrenta alguns problemas para chegar à Paris e que Joachim saiu dos EUA para encontrar com seus dois filhos na França. Esta parte poderia dar um peso dramático aos personagens, mas a intenção de Amalric é outra. O diretor prefere conduzir o filme como se fosse uma espécie de documentário sobre essa turnê idealizada por Joachim. Assim, a câmera está sempre de olho nos bastidores ou nos detalhes das apresentações de palco, nas irritações de Joachim com suas estrelas em contraponto à visível a admiração que o diretor tem por suas atrizes despudoradas em números criativos para sua câmera - e para a plateia que os assiste. O filme foi sensação em Cannes por não ter nenhuma Dita Von Teese no elenco, mas um grupo de mulheres aparentemente comuns e de formas fartas que dificilmente teriam espaço num filme desses se fosse feito no cinema americano. No entanto, elas demonstram sensualidade, charme e apelo cômico muito superior à várias magrelas que aparecem em filmes toda semana. O destaque fica por conta de Miranda Colclasure, que interpreta  a desinibida Mimi Le Meaux que tem alma de diva - mas se contenta em seduzir todo homem que cruzar seu caminho (inclusive Joachim). Talvez eu gostasse mais do filme se não estivesse cansado dessa estética documental de narrativa (propositalmente) dispersa adotada por Amalric.  Investir em cenas em que o protagonista declara seus delírios de grandeza (será por isso que sempre veste a mesma roupa formal?) ou na cena em que a caixa de supermercado surta quando sente-se rejeitada, poderia ter feito o olhar do filme ainda mais rico perante os sentimentos que sua trupe desperta nos espectadores.

Turnê (Tournée/França-2010) de Mathieu Amalric com Mathieu Amalric, Miranda Colclasure, Suzanne Ramsey, Dirty Martini, Angela de Lorenzo, Julie Atlaz Muzz e Damien Odoul. ☻☻☻

DVD: 360

Mais alguém acha que Rachel Weisz tem que se benzer depois que ganhou seu Oscar de atriz Coadjuvante por O Jardineiro Fiel (2005)? Desde que ela levou para casa o prêmio pelo filme de Fernando Meirelles, ela se tornou um dos maiores pé-frios de Hollywood. Desde então, não adianta se o filme é ambicioso (Fonte da Vida/2006 ou Alexandria/2009), alternativo (Um Beijo Roubado/2007 ou Vigaristas/2008), simpático (Três Vezes Amor/2008), bem intencionado (A Informante/2010) ou voltado para as massas (O Legado Bourne/2012), as bilheterias são tão decepcionantes como se eles fossem simplesmente ruins (Um Olhar do Paraíso/2009 ou A Casa dos Sonhos/2011). Até quando ela consegue ter uma atuação elogiada pela crítica (como em Deep Blue Sea/2012 que lhe indicou ao Globo de Ouro) o filme tem problemas com os distribuidores. Talvez por conta dessa maré de azar ela tenha aceitado voltar a trabalhar com o brasileiro Meirelles, pena que o resultado é o pretensioso e pouco empolgante 360. Lembro de entrevistas na época de Cidade de Deus (2002) em que Meirelles vivia contando que tinha em mente realizar um projeto ambicioso, com vários personagens de diversos países. Na época o projeto se chamava Tolerância II, mas não sei se esta ideia foi transformada neste roteiro do premiado Peter Morgan  baseado no livro A Ronda de Arthur Schnitzler. Na época em que o filme foi lançado no Brasil, depois de ser bastante criticado em festivais no exterior, Meirelles ressaltava que não lia as críticas aos seus filmes, mas sua auto-crítica convergia para o mesmo ponto apontado pelos jornalistas. Ao ter mais mais de uma dezena de personagens, o filme decepciona por não saber lidar com as diversas tramas que o compõe, de forma que não consegue desenvolver personagens e tramas de forma envolvente. No fim das contas, algumas histórias se salvam mais pelo trabalho dos atores do que propriamente da direção ou do texto. A trama começa com um ensaio fotográfico em que pensamos sobre o que se trata, até descobrirmos que é uma espécie de cadastramento de prostituição para golpes. Dessa histórias passamos a conhecer o casal infeliz (Weisz e um envelhecido Jude Law que está ficando com a cara de Jonathan Pryce) que se mistura com o destino de outro casal (os brasileiros Maria Flor e Juliano Cazarré). Enquanto isso conhecemos um maníaco sexual (Ben Foster) que cruzará o caminho da brasileira, assim como Anthony Hopkins que vive um senhor em busca da filha desaparecida. Para completar ainda tem uma mulher apaixonada pelo patrão muçulmano (na trama mais inútil do filme). A mistura soa distante, fria e desinteressante. Se a intenção de Meirelles era ser uma manifesto ao distanciamento das relações contemporâneas, ele poderia ter caprichado mais na narrativa que resulta arrastada e irregular, além de repleta de clichês solucionados de forma absurda pelo roteiro. A falta de tempo compromete o andamento de dois bons momentos que poderiam gerar um filme interessante se pudessem se articular de forma menos apressada. Uma delas é a trama do maníaco, que traz momentos realmente arrepiantes  (embora flerte de forma desconfortável com o estereótipo promíscuo da mulher brasileira no exterior) a outra trama é a centrada em dois personagens periféricos que conseguem empolgar mais do que outros que receberam mais destaque no roteiro. São eles, o motorista russo Sergei (vivido pelo ótimo Vladimir Vdovichenkov) e a mocinha Anna (Gabriela Marcinkova) que roubam a cena nos momentos finais antes que o roteiro tenha o arremate mais óbvio possível para um filme chamado 360. Tenho a sensação de que Meirelles não fazia a mínima ideia do que estava fazendo (assim como a maioria dos bons atores que escolheu para um trabalho tão inexpressivo). 

Vladimir e Gabriela: periféricos que roubam a cena. 

360 (Reino Unido/Áustria/França/Brasil-2011) com Jude Law, Rachel Weisz, Moritz Bleibtreu, Maria Flor, Anthony Hopkins, Ben Foster, Marianne Jean Baptiste, Jamel Debbouze, Vladimir Vdovichenkov e Gabriela Marcinkova. 

DVD: O Legado Bourne + Trilogia Bourne

Renner e Weisz: os mesmos ingredientes, mas sem liga. 

Acho que no ano passado Hollywood aprendeu uma preciosa lição: não recomeçar franquias que deram certo. Embora O Incrível Homem Aranha tenha feito sucesso, ele não alcançou todas as maravilhas que se esperava nas bilheterias. Outro que deve ter seu recomeço revisto é a franquia Bourne. Depois dos bem sucedidos A Identidade Bourne/2002, A Supremacia Bourne/2004  e O Ultimato Bourne/2007, o estúdio resolveu dar uma repaginada na história escalando Jeremy Renner para dar conta de outro agente do projeto "Bourne". Antes de analisarmos este último rebento da série, vale a pena relembrar os filmes anteriores. Os três primeiros foram baseados na obra de Robert Ludlum, tendo no centro da trama um agente da CIA com perda de memória (Matt Damon) que foi encontrado boiando no mar Mediterrâneo. Sem conhecer sua própria identidade, o personagem conta apenas com seus instintos para o confronto físico - além do pensamento estratégico capaz de fazê-lo se livrar das situações mais mirabolantes. Após encontrar uma série de documentos que indicam que ele era um agente secreto, o desmemoriado assume a identidade presente de Jason Bourne. No entanto, enquanto procura descobrir quem é, ele precisa se livrar de um bando de assassinos que estão atrás dele. Enquanto foge ele conta com a ajuda de uma jovem alemã, Marie Kreutz (Franka Potente), que se meteu nessa encrenca quase que por acidente. Dirigido por Doug Liman, o filme conseguiu dar um passo além dos outros filmes de ação com tom mais realista e um suspense de tirar o fôlego (que influenciou filmes como Missão Impossível e 007). Outro destaque do longa foi Matt Damon, que estava com a carreira atravessando um momento perigoso depois que viveu o protagonista problemático de O Talentoso Ripley (1999) de Antony Minghella. Na pele de Jason Bourne, a carreira voltou aos eixos. Em A Supremacia Bourne, Jason tem o seu sossego abalado quando a CIA o encontra e acaba vitimando Marie. À morte dela soma-se a acusação de Bourne ter cometido um crime em uma de suas missões. Se no filme anterior sua motivação era descobrir sua identidade, aqui, o motor é o sentimento de vingança. Dois novos personagens importantes são introduzidos na história, Ward Abott (Brian Cox) que supervisionou a operação Treadstorm (que programou e treinou Bourne) e Pamela Landy (Joan Allen), agente encarregada de encontrar Jason e que acabará se tornando sua cúmplice.

Damon: o papel certo no momento exato.

Depois dos problemas com Doug Liman no primeiro filme, quem assinou a direção da continuação foi Paul Greengrass - que deixou a ação do filme ainda mais realista e sem frescuras. Os fatos do segundo episódio servem como intermédio para a última aventura nas telas: O Ultimato Bourne. Com Abott fora do seu caminho, Bourne tem como desafio desmascarar um novo programa de treinamento de super-agentes. Ciente dos perigos que o programa pode render aos cidadãos comuns, Bourne trabalha à margem do sistema para expor os envolvidos e as reais intenções do programa. O filme dialoga o tempo inteiro com os anteriores, tornando a trama ainda mais coesa de forma que até descobrimos que Bourne teve um romance com a técnica de logística Nicky Parsons (Julia Stiles, que ficou apagada durante os outros filmes) antes de perder a memória. Entre conspirações e intrigas, o filme termina semelhante à primeira cena da trilogia numa (quase) promessa de que a franquia chegava ao fim com chave de ouro. No entanto, o alarme falso serviu apenas para que mudasse o protagonista da trama. Em O Legado Bourne, o protagonista é Aaron Cross (Jeremy Renner). Através dele, descobrimos que havia outros agentes Bournes por aí. Mal ele aparece em cena, já sofre um atentado - quase paralelamente em que um médico surta e começa a matar seus colegas de laboratório. Por conta desse atentato, Cross chega até a doutora Marta Shearing (Rachel Weisz) - única sobrevivente do massacre no laboratório e que explica a Cross a origem de suas habilidades mais que especiais (envolvendo algumas misteriosas pílulas coloridas). Os ingredientes da trilogia original estão todos aqui: intrigas, conspiração, cenas de ação (a na casa de Marta é a mais espetacular) e um ator de respeito (cortesia de Edward Norton) no encalço do protagonista - que passa a ser perseguido como um bandido. No entanto, por mais que o filme se esforce em traçar paralelos com os filmes protagonizados por Matt Damon (que aparece apenas em fotografias) o resultado é bem menos empolgante. Talvez por conta do roteiro confuso (mais alguém teve a impressão que o filme termina antes da hora?)  e a direção de Tony Gilroy. Gilroy pode ter conseguido condensar a trama de Robert Ludlum nos filmes anteriores, mas tendo que criar uma continuação por conta própria o resultado não alcança todas as suas ambições - sem contar que como o diretor ele não é metade do que foi Paul Greengrass para a narrativa das aventuras anteriores. O resultado parece mais uma paródia da trilogia Bourne - com a desvantagem de ter custado muito mais do que qualquer episódio anterior (gerando uma bilheteria decepcionante).

A Identidade Bourne (EUA/Alemanha-2002) de Doug Liman com Matt Damon, Franka Potente, Chris Cooper, Julia Stiles, Brian Cox, Gabriel Mann e Clive Owen. ☻☻☻

A Supremacia Bourne (EUA/Alemanha-2004) de Paul Greengrass com Matt Damon, Franka Potente, Brian Cox, Julia Stiles, Gabriel Mann, Joan Allen e Karl Urban. ☻☻☻☻

O Ultimato Bourne (EUA/Alemanha-2007) de Paul Greengrass com Matt Damon, Joan Allen, Julia Stiles, David Strathairn, Scott Glenn, Albert Finney, Daniel Brühl e Paddy Considine. ☻☻☻☻

O Legado Bourne (EUA-2012) de Tony Gilroy com Jeremy Renner, Rachel Weisz, Edward Norton, Scott Glenn, Corey Stoll, Oscar Isaac e Joan Allen.  ☻☻

domingo, 20 de janeiro de 2013

CATÁLOGO: Melhor é Impossível

Kinnear, Nicholson e Hunt: um trio que vale ouro. 

James L. Brooks sempre foi chegado a uma dose cavalar de açúcar, basta assistir ao seu maior sucesso (Laços de Ternura/1983) para ver o que ele é capaz de fazer misturando comédia e drama. Seu estilo era capaz de gerar tanta força perante o público que enquanto James Cameron rompia a barreira do bilhão com Titanic, Brooks produziu uma comédia romântica que conseguiu fazer barulho no Oscar - ao ponto de levar para casa os prêmios de Melhor Ator (Jack Nicholson) e Melhor Atriz (Helen Hunt). Enquanto Jack aprimorava o personagem a que se dedicou por décadas (o sujeito desagradavelmente sedutor), Helen procurava seu lugar ao sol de Hollywood depois de anos se dedicando à TV. Depois de aparecer somente em papéis pequenos no cinema, naquele ano, ela foi capaz de surpreender ao servir de excelente parceira para um dos maiores mitos de Hollywood. No entanto, penso que seria maldade não dar crédito à outra ponta do elenco, Greg Kinnear - um bom ator que começou a carreira em séries de televisão no final da década de 1980, mas que ainda era visto com desconfiança pelos estúdios até conseguir sua indicação ao prêmio de coadjuvante por este filme. Greg interpreta o artista plástico homossexual Simon Bishop. Educado e sensível ele vive com seu cãozinho Verdell num apartamento onde o único problema é o vizinho misantropo Melvin Udall (Jack Nicholson). Não se contentando em destilar comentários maldosos para quem atravessa sua frente, Melvin ainda é capaz de jogar Verdell pela lixeira. Mas Udall é prisioneiro de suas próprias manias e acaba desenvolvendo uma espécie de dependência da garçonete Carol (Helen Hunt), que o serve todos os dias, no mesmo restaurante, no mesmo horário. Só que após um assalto à casa de Bishop seu mundo começa a mudar quando tem de tomar conta de Verdell. Não bastasse isso, Carol tem seus próprios problemas, no caso, um filho com graves problemas alérgicos e que irá comprometer suas idas no trabalho. Esses dois incidentes mostrarão que debaixo de tanta maledicência existe até um coração pulsando em algum lugar. Paralelamente a isso, Bishop tem sua carreira em crise e precisa  pedir ajuda aos pais - que não via a anos desde que saiu do armário e os três partirão numa jornada onde alguma roupa suja terá que ser lavada. O texto de Mark Andrus e do próprio Brooks consegue misturar os destinos dos personagens de forma convincente, sem forçar situações ou gracinhas e por isso mesmo o filme se tornou um sucesso. O desenvolvimento dos personagens através dos acontecimentos é de forma mais que satisfatória e parece indagar o tempo todo, que tipo de relacionamento não tem seus contratempos?  Seja entre namorados, pais e filhos, amigos ou apenas vizinhos, sempre existirá algo que fugirá do controle de nossas intenções - e é isso que Melvin precisa aprender. Embora James L. Brooks nem sempre dose adequadamente a quantidade de açúcar, seus atores conseguem fazer o filme encontrar o ponto de equilíbrio e mantê-lo ali até o final feliz. Apesar de todo o drama, o resultado é leve, divertido e até romântico com as bobagens que Melvin destila por aí. O resultado foi uma das comédias românticas mais bem sucedidas da década de 1990. Pena que nos últimos anos, a melhor coisa que Brooks tem feito é produzir o desenho Os Simpsons, já que seus últimos dois filmes não tinham nada de especial (Espanglês/2004 com Adam Sandler e Como Você Sabe?/2010 com Reese Witherspoon). 

Melhor é Impossível (As Good as It Gets/EUA-1997) de James L. Brooks com Jack Nicholson, Helen Hunt, Greg Kinnear, Cuba Gooding Jr., Skeet Ulrich e Shirley Knight. ☻☻☻☻

INDICADOS AO OSCAR 2013: ATRIZ COADJUVANTE

AMY ADAMS (The Master), não parece, mas já tem 38 anos e é a concorrente com mais indicações no currículo da categoria. Sempre como coadjuvante, a moça já foi indicada por suas atuações como a grávida de Retratos de Família (2005), como a freira fofoqueira de Dúvida (2008), como namorada de lutador em O Vencedor (2010) e agora como a esposa de um polêmico líder religioso no novo filme de Paul Thomas Anderson. Sua atuação internalizada e sutil serve de contraponto para seus colegas Joaquin Phoenix e Phillip Seymour Hoffman, sem perder complexidade.  Querida pela Academia, o fracasso do filme nas bilheterias deve prejudicar suas chances de colocar as mãos na estatueta. 

ANNE HATHAWAY (Os Miseráveis) é a favorita na categoria (e suas chances aumentaram ainda mais depois que levou para casa o Globo de Ouro). Tanto favoritismo se deve à sua interpretação a mãe solteira Fantine que come o pão que o diabo amassou depois de ser abandonada pelo seu amante na obra clássica de Vitor Hugo. O curioso é que a cena que lhe deve render os maiores prêmios da temporada é a que, mesmo tuberculosa, encontra forças para cantar aos prantos. Esta é sua segunda indicação ao Oscar, antes ela concorreu como melhor atriz por O Casamento de Rachel (2008), nada mal para quem ainda teve o desafio de ser a Mulher Gato de O Cavaleiro das Trevas Ressurge no ano passado. 

HELEN HUNT (As Sessões) já tem uma estatueta na estante por Melhor É Impossível (1997). Famosa pelo papel no seriado Mad About You (1992-1999), houve um tempo em que a atriz fazia um filme atrás do outro com nomes consagrados como Robert Zemeckis, Woody Allen e Robert Altman, mas com alguns problemas pessoais ela acabou afastada das grandes produções. Agora ela retorna como uma espécie de terapeuta sexual que ajuda um cliente deficiente a reencontrar a masculinidade. O mais curioso é como esse filme elogiado perdeu força e cravou somente essa indicação ao Oscar. Será que o retorno da estrela nesse sucesso comoverá a Academia?


JACKI WEAVER (O Lado Bom da Vida) ainda é pouco conhecida do grande público, mas esta é a segunda indicação ao Oscar no currículo desta veterana nascida na Austrália. Antes ela concorreu ao prêmio (na mesma categoria) como a avó nada inocente de Reino Animal (2010). Seguindo a carreira de atriz desde a década de 1960, Jacki interpreta a mãe que zela pelo filho bipolar (Bradley Cooper) e o esposo viciado em apostas (e com traços de transtorno obsessivo compulsivo). No universo de personagens psicologicamente complicados, ela é uma espécie de porto seguro. Infelizmente, apesar de toda sua competência (e indicações), Jacki ocupa a desconfortável posição de azarão.

SALLY FIELDS (Lincoln) é outra que está retornando às cerimônias do Oscar. Esta é sua terceira indicação ao prêmio e, nas outras vezes em que concorreu, levou o prêmio para a casa. O primeiro Oscar de atriz veio em 1979 como a sindicalista Norma Rae, o segundo foi por Um Lugar no Coração, onde era a viúva de um xerife morto por acidente que tentava prosseguir com a produção de algodão em sua fazenda com a ajuda dos amigos durante a Grande Depressão. Depois de um jejum de quase trinta anos na premiação (nos últimos anos ela ficou mais conhecida como a matriarca do seriado Brothers & Sisters), a atriz retorna em grande estilo como Mary Todd Lincoln. A primeira dama é mais uma mulher politizada em seu currículo. 

 A ESQUECIDA: NICOLE KIDMAN (The Paperboy) Desde que o filme de Lee Daniels foi exibido em Cannes todos clamaram por uma indicação ao Oscar para Kidman, no entanto, seus esforços como a loura profana apaixonada por um assassino e metida numa confusão com um jornalista homossexual teve fôlego para chegar somente ao Globo de Ouro e ao Prêmio do Sindicato dos Atores. A repercussão dividida do filme deve ter colaborado para que o filme ficasse de fora do Oscar, apesar de ser considerado um dos mais ousados do ano. Talvez a Academia prefira a Nicole mais dramática... seja como for, ela ainda tem o Oscar de As Horas (2002) na estante. 

sábado, 19 de janeiro de 2013

FILMED+: Adaptação

Cage e Cage: os manos Kauffman em processo criativo. 

Quantos roteiristas podem se gabar de ser indicado ao Oscar de Roteiro Original em sua estreia? Seja qual for a resposta, Charlie Kaufman está entre este seleto grupo. Pelo surreal Quero Ser John Malkovich (1999), Charlie se tornou uma celebridade da noite para o dia e uma referência para autores de textos que flertam com existencialismo, metalinguagem, humor maluco e confusão na mente de quem curte cinema. Choveram propostas de trabalho e a que ele aceitou de bom grado foi a adaptação do livro O Ladrão de Orquídeas da jornalista Susan Orlean (uma obra metafórica sobre orquídeas e pessoas). No entanto, o hábito de escrever textos originais ajudou na crise criativa em Kauffman. A ideia de não corromper a obra, não mudar o rumo dos objetivos da escritora e preservar o espírito do livro, mergulhou o rapaz numa crise de integridade profissional. A forma como ele resolveu a pendenga pode ser conferida em Adaptação, o segundo filme de Spike Jonze em parceria com Kaufman. Jonze estreou como cineasta com Quero Ser John Malkovich (um texto engenhoso que rolava entre os estúdios, mas que ninguém se via em condições de filmar), mostrando-se o tradutor perfeito do texto Kaufmaniano, principalmente quando a insanidade quase sai da coleira do autor. O filme é um exercício metalinguístico espetacular, onde o próprio Kaufman surge como protagonista na pele de Nicolas Cage - na companhia de Susan Orlean (em atuação avassaladora de Meryl Streep) e até o ladrão de orquídeas John Laroche (Chris Cooper, que ganhou o Oscar de coadjuvante pelo papel). Não satisfeito, Kaufman colocou na trama seu irmão gêmeo Donald (Cage) que é o seu total oposto. Enquanto Charlie busca ideias originais e instigantes, Donald prefere misturar ideias alheias sem grandes preocupações com lógica - mas com grande consciência do que "a indústria" (termo que Charlie detesta) espera dele. Enquanto Charlie digere frustrações amorosas anonimamente nos bastidores, Donald só quer curtir as ambições de vender um roteiro para Hollywood. Se Charlie é capaz de contar a história da vida na terra até o ponto em que nasceu em poucos segundos, Donald delira num roteiro onde um policial, a vítima e o vilão são a mesma pessoa! Cansado de não conseguir avançar no trabalho, Charlie convida o irmão para ajudá-lo e, assim, o filme muda radicalmente de tom. Tudo o que Charlie não queria fazer acaba acontecendo quando ele busca descobrir a verdade que está por trás do livro de Susan. Sexo, drogas e violência começam a aparecer na trama. Nesta jornada onde os personagens são virados do avesso, Spike Jonze nos guia com a maior clareza possível com o auxílio de uma trinca de atores espetacular. Cage tem aqui seu último grande trabalho como ator, numa encarnação (dizem) mediúnica de Charlie Kaufman. Pançudo e desglamourizado, ele consegue alcançar todas as notas que seus dois personagens exigem. Já Cooper era conhecido até então como o vizinho nazi de Beleza Americana (1999) e aqui consegue injetar uma sensibilidade incomum num personagem que viraria facilmente um malandrão da pior espécie canastrona. Com ele dá até para entender como a sofisticada Susan Orlean se encanta por sua figura desleixada. No fim das contas o filme parece ter modificado bastante o enredo do livro, mas a verdadeira Susan afirmou que a essência do livro está toda ali em sua proposta de como o ser vivo se adapta ao meio para sobreviver às suas dores individuais.  

Adaptação (Adaptation/EUA-2002) de Spike Jonze com Nicolas Cage, Meryl Streep, Chris Cooper, Maggie Gyllenhaal, Tilda Swinton e Curtis Hanson. ☻☻☻☻☻

DVD: Ruby Sparks

Zoe e Paul: por que tentamos controlar quem amamos?

Ruby Sparks está na minha lista de comédias românticas favoritas. Minha mãe diria que o filme está lá por que eu adoro um filme doido, mas eu não ligo para isso, eu já me acostumei a ter uma atração por qualquer obra em que os envolvidos olham para fora da caixa (ou da caverna, como preferem os platônicos - ou seria platonistas?). O mais interessante é que o filme marca a estreia de Zoe Kazan (neta do lendário Elia Kazan), que protagoniza o filme ao lado do namorado Paul Dano. Dano, por sua vez, retoma a parceria com o casal de diretores Johnatan Dayton e Valerie Ferris, o casal responsável pelo sucesso Pequena Miss Sunshine (2006), que aqui repete o mesmo estilo leve do filme anterior. No entanto, assim como em Sunshine, conseguem colocar alguma coisa séria no que parece ser apenas uma comédia inofensiva. Calvin Weir-Fields (Dano) é um jovem escritor consagrado em sua primeira obra. Desde então escreve contos e crônicas enquanto faz análise e espera a inspiração para escrever seu segundo livro. A vida social de Calvin é um fracasso, seu melhor amigo é o irmão, Harry (Chris Messina, num contraste genético interessante com o protagonista), e ele ainda não se recuperou do rompimento com sua ex, Lila.  Quando o analista lhe passa um exercício de escrita, Calvin começa a colocar no papel uma uma personagem com quem sonhou certa vez, Ruby Sparks. Sua devoção à personagem a fará se materializar aos poucos diante dele, até que ele não consigam mais viver sem ela. Ruby (Zoe Kazan) é adorável, com seu jeito meio adolescente, meio inconsequente, mas ainda assim apaixonante. Embora o roteiro siga por uma série de situações que parecem seguir algum manual de roteiros (a solidão de Calvin, o encontro, o processo de negação, o fato dela nãos er uma alucinação coletiva, a apresentação à família, a crise no relacionamento...), Zoe consegue lidar com as situações propostas com um frescor incomum que só alguns iniciantes podem proporcionar ao texto. O mais interessante do filme acontece quando Calvin percebe que seu Haroldo (desculpem, eu não resisti)  Ruby tem opinião própria, e nem sempre semelhante a dele. É aí que o filme deixa de ser só mais uma comédia romântica para se tornar uma provocação interessante sobre a forma como tendemos a querer modificar e controlar aqueles que amamos. O que era amor passa a ser posse e o que era bom torna-se uma espécie de prisão para os dois - ainda mais para Ruby. Embora Harry não queira abordar as questões éticas envolvidas na relação entre Calvin e Ruby, são elas que passam em nossa mente enquanto vemos o personagem manipular as emoções do outro, até que a situação torna-se insustentável. Paul Dano merece, mais uma vez, os parabéns por dar conta de um personagem complicado, sem ter medo de abraçar seus sentimentos mais obscuros. Da mesma forma, Zoe mantem seus olhos brilhando da primeira à última cena. Além da química entre o casal, o filme conta com bons coadjuvantes (o único problema é o péssimo Antonio Banderas como padrasto de Calvin) e trilha sonora moderninha com muito pop francês escolhido a dedo pelos diretores. Agradável de assistir e capaz de gerar reflexões em casais apaixonados, o filme foi indicado ao prêmio de melhor roteiro no Independent Spirit deste ano - só pela catártica cena final o filme já merecia alguns prêmios, a cena poderia ser engraçada, mas consegue ser trágica ao exibir a necessidade de Calvin se auto-afirmar como homem genial. Não é Ruby que diz aquelas falas, mas o ego inchado que se esconde debaixo da figura inofensiva de Calvin. Algo assim, não se vê todo dia...

Ruby Sparks - A Namorada Perfeita (Ruby Sparks-EUA/2012) de Jonathan Dayton e Valerie Ferris com Paul Dano, Zoe Kazan, Chris Messina, Annette Bening, Steve Coogan e Antonio Banderas. ☻☻☻☻

DVD: O Bom Coração

Cox e Dano: amigos opostos e complementares. 

De início, o diretor e roteirista Dagur Kári parece ter em mãos um ponto de partida pouco promissor para uma comédia: o encontro de um velho moribundo com um jovem suicida. Esse é o início do simpático  O Bom Coração, que mostra que esses personagens são tão diferentes quanto complementares. Já de início, o mal humorado Jacques (Brian Cox) se irrita com uma fita de relaxamento que embola em seu toca-fitas. Ele acaba tendo um infarto. Ao que parece, ele já é famoso no hospital pelas inúmeras vezes em que esteve internado. Como não costuma ser muito simpático, ele funciona quase como um repelente de pessoas. Sobra então para o seu parceiro de leito, o jovem sem teto Lucas (Paul Dano). Lucas é tão gentil e dócil que sua tentativa fracassada de suicídio serve apenas para ressaltar seu tom trágico. O rapaz é tão gente boa que após receber doações dos funcionários do hospital para recomeçar sua vida, ele acaba perdendo os tostões arrecadados distribuindo paro os outros sem teto da vizinhança (tendo que voltar para sua casa de papelão e ver que perdeu sua única companhia, um gato filhote). Ao descobrir que Lucas recebeu alta, Jacques vai atrás dele, com a intenção de formar uma espécie de herdeiro para seu bar soturno: Casa das Ostras (mesmo tendo deixado de servir ostras há muito tempo). Lucas irá perceber que a caridade na visão de um senhor tão sisudo tem seu preço (e lições carregadas de uma visão distorcida do mundo). Kári consegue fazer um filme extremamente simpático, mesmo com a difícil tarefa de flertar o tempo todo com o drama da relação entre esses dois personagens que se aproximam e repelem até o final - ainda que com o acréscimo mal desenvolvido da personagem April (vivida por Isild Le Besco), uma comissária de bordo fracassada por ter medo de voar (?!). Há quem considere que o filme exagera na caricatura, seja extremamente tolo em sua história e até ridículo em sua proposta de procurar o humanismo da dupla principal, no entanto, eu não acho nada disso. O Bom Coração é um filme estranhamente circular -apesar dos desvios que parece tomar pelo caminho. Chegando ao desfecho, percebe-se que ele estava o tempo todo ali à espreita dos personagens. Além desse mérito (que os mais xiitas chamarão de "previsível"), o filme consegue criar um universo bastante particular naquele bar de pouca luz onde sempre se atende as mesmas pessoas e um pato espera o dia de ir para a panela. Dagur Kári constrói um mundo de regras próprias, onde um cão pode entrar no hospital usando propés (o que só poderia vir de uma Nova York filmada na Islândia, aterra do cineasta). O mais interessante é que com toda a aspereza de Jacques e todo o tom escuro (quase sem cor da fotografia), Paul Dano parece preencher o longa com um dos personagens mais bondosos (e por isso mesmo difícil) que vi no cinema recente. O Bom Coração soa tão ingênuo como a mais improvável das amizades e por isso mesmo, é uma ousadia.

O Bom Coração (The Good Heart/EUA-Dinamarca-França-Alemanha/2010) de Dagur Kári com Brian Cox, Paul Dano, Isild Le Besco, Nicolas Bro, Damian Young e Stephanie Szostak. ☻☻☻

DVD: Bel Ami

Pattinson e Ricci: experimentando o amor de verdade. 

Não é novidade que fora da franquia Crepúsculo a carreira de Robert Pattinson não conseguiu gerar um sucesso nas telonas. Se nem as fãs histéricas colaboram, imaginem o que a má vontade da crítica  pode fazer! Devo dizer que do trio protagonista daquela bobajada, ele é o único em que consigo perceber um verdadeiro esforço em ser respeitado como ator. Kirsten Stewart tem que nascer de novo  para conseguir interpretar um ser vivo, Taylor Lautner parece se contentar em tirar a camisa em filmes de ação futuramente, já Pattinson ousa escolher papéis em que a maioria dos mortais não gostaria de vê-lo (dá para imaginar o que passou pela cabeça dele quando aceitou atuar num romance ambientado num circo ao lado de dois atores ganhadores de Oscar? Pois é, se Água para Elefantes/2010 não foi bem nas telonas, em DVD ele teve seus méritos água com açúcar descobertos). Seu empenho culminou com os elogios recebidos em Cosmópolis (2012) de David Cronenberg, um filme destinado a ser cult  e que prometo comentar em breve. Entre um e outro, o inglesinho interpretou o anti-herói do clássico mordaz Bel Ami do escritor francês Guy de Maupassant. Publicado em 1885 o interesse pelo livro atravessa gerações ao contar em tom de crítica social os três aspectos que podem promover a ascenção social: mérito, herança ou sexo. Girando em torno do jovem Georges Duroy (vivido por Pattinson), a trama mostra como esse rapaz de origem humilde, mesmo sem conseguir escrever direito, consegue galgar uma posição na sociedade parisiense no final do século XIX. Como ele consegue isso? Se envolvendo com as esposas de alguns dos homens mais influentes da sociedade local. No início, Duroy é apenas um ex-soldado que tenta a carreira de jornalista na capital francesa com a ajuda do ex-colega do exército, Charles Forrestier (Phillip Glenister). Até ali, o personagem mora num quarto bolorento, se relacionando com prostitutas de forma que não existe nada de atrativo em sua vida. Mas tudo muda quando ele conhece Madeleine Forrestier (Uma Thurman em papel que seria de Nicole Kidman), que o ajuda a escrever artigos para o jornal de seu esposo - e ensina a Georges a pular de cama em cama até chegar aonde quiser. O que poderia ser uma obra que faria páreo com Ligações Perigosas (1988), mostra-se desengonçado ao alterar a essência de seu protagonista. Era de se esperar que em pouco mais de hora e meia de projeção, muito das quatrocentas páginas da obra ficasse de fora da adaptação realizada pela roteirista Rachel Bennette, mas, ao que parece, até ela caiu na lábia do personagem ao retratá-lo como um coitado. Caindo nessa armadilha, os diretores Declan Donnellan e Nick Ormerod conseguem entregar um protagonista que desperta mais pena do que sedução. Parecendo ingênuo, inseguro e ignorante, ele é mais uma peça nos jogos de intrigas traçados por Madeleine. É por conta dela que Georges se envolve com a jovem Clotilde de Marelle (uma ótima Cristina Ricci) e a certinha Virginie Rousset (Kristin Scott Thomas). É até interessante como o sexo com cada uma dessas personagens significa algo diferente na trama: com Madeleine parece um jogo de submissão (dele por ela), com Clotilde ele experimenta o amor sincero (por mais que seus interesses não permitam uma união plena) e com Virginie é apenas uma vingança pessoal. Pena que os diretores não consigam aprofundar essas relações, muitas vezes as situações acontecem de forma episódica graças à ausência de fluência narrativa. No entanto, vale registrar, que Pattinson ainda não é um grande ator, mas deixa evidente o seu esforço em desbravar um personagem difícil e cheio de nuances. Perdendo a ingenuidade do início entre as expressões vilanescas de outrora, para o rapaz deve haver vida em Hollywood depois que deixou de ser o vampiro mais certinho da história do cinema. 

Bel Ami - O Sedutor (Bel Ami/Reino Unido-França-Itália/2012) de  Declan Donnellan e Nick Ormerod com Robert Pattinson, Christina Ricci, Uma Thurman e Kristin Scott Thomas. ☻☻