sexta-feira, 7 de junho de 2019

NªTV: Chernobyl

Jared e Emily: a obra-prima da HBO.

Qual é o preço da mentira? Qual é a dívida que você contrai a cada mentira que você conta? Ainda que muita gente não goste da verdade, ela está lá. Estas são algumas palavras que encerraram a magnífica série da HBO  sobre um dos maiores horrores vividos pela humanidade: a explosão da usina nuclear de Chernobyl em 1986. Os mais xiitas podem até contestar a visão que a série apresenta dos fatos, mas como não perceber ali a mensagem para um mundo que mergulha cada vez mais no discurso superficial das auto-verdades, do desprezo ao rigor científico e à intolerância de quem pensa diferente. O ponto de partida é simples: não é por você não acreditar que uma tragédia é eminente que ela não acontecerá. Mais do que o retrato de um pesadelo real, Chernobyl revela-se uma obra afinada com o nosso tempo. O programa foi criado por Craig Mazin e foi inspirado em histórias reais em torno da tragédia, curiosamente ela começa pelo final e  termina num tribunal onde é didaticamente explicado o que aconteceu no centro da explosão. Ao longo dos episódios vemos como era difícil lidar com a verdade naquele ambiente diante do delicado viés político (e não pense que aquele comportamento perigoso era produzido só na União Soviética, o autoritarismo cegante e seus seguidores são ambidestros e continuam por aí de ambos os lados). Desde o momento em que a usina foi pelos ares qualquer evidência que demonstrasse que havia algo de errado era negada com veemência. Sobrou para o físico Valery Legasov (Jared Harris) explicar (incluindo para a plateia) o tamanho do estrago que estava feito - e se multiplicando a cada minuto com a radiação que se espalhava. Mais complicado do que explicar sobre como a usina se tornou numa bomba nuclear era lidar com as escalas de poder e as politicagens da Guerra Fria. Narrada em cinco episódios, a série nos mergulhou num pesadelo com roupas radioativas, animais domésticos caçados, pessoas se decompondo em vida, cidades fantasmas e candidatos a heróis marcados para morrer. No meio de tudo isso, a sorte foi Valery contar com a ajuda de um homem capaz de compreender o desastre que tinham em mãos, ele era Boris Scherbina (Stellan Skarsgaard), que aos poucos se rende à realidade. Também não posso esquecer de uma mulher consciente da responsabilidade gigantesca que tinham em mãos (Emily Watson), que muitas vezes funciona como ponto equilíbrio para estes dois homens. Harris, Skarsgaard e Emily estão ótimos e suas atuações contidas tornam esta jornada ainda mais nervosa, no entanto, todos os coadjuvantes estão em uma sintonia invejável (como esquecer de Barry Keoghan caçando cachorros no quarto episódio?). Com excelente reconstituição de época e uma precisão cirúrgica na edição, fotografia e trilha sonora, foi curioso ver a série ganhar mais destaque depois que chegou ao final Game of Thrones o hit da HBO. Subitamente Chernobyl se tornou o programa mais comentado na internet - e o mais bem avaliado em sites especializados. Favorita ao posto de melhor produção televisiva do ano, a minissérie conta um trabalho surpreendente do diretor Johan Renck, nada semelhante ao que realizou até aqui (antes ele havia dirigido clipes, outras séries de TV e um filme esquisito chamado Downloading Nancy - que no Brasil se chamou Distúrbios do Prazer/2008) e termina instigando nossa consciência a enxergarmos os tempos sombrios que se aproximam. Simplesmente magistral. 

Chernobyl (EUA-Reino Unido / 2019) criado por Craig Mazin e dirigido por Johan Reck com Jared Harris, Emily Watson, Stellan Skarsgaard, Jessie Buckley, Karl Davis e Barry Keoghan. ☻☻☻☻☻ 

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