terça-feira, 28 de setembro de 2021

NªTV: Missa da Meia-Noite

 
Hamish (ao centro): manipulando a verdade. 

Todo ano, um padre já idoso e calejado viaja para Jerusalém graças à contribuição de seus fieis. É verdade que ele não anda muito bem de saúde, mas de forma geral, a sua comunidade também já viveu momentos melhores, afinal, a paróquia fica na Ilha Crocket, uma ilha isolada a cinquenta quilômetros de qualquer lugar que possui pouco mais de cem habitantes. Com boa parte da economia local sendo ao redor da pesca, a cidade ainda não se recuperou de um vazamento de óleo e as complicações posteriores que transforma, aos poucos, a ilha em uma cidade fantasma. Parece que todo mundo que tem a chance de sair de lá, o faz assim que possível. O resultado são pessoas que sentem saudades de quem partiu ou dos bons tempos daquela comunidade. Se a ilha tem sua cota de tragédias, os jovens de lá tentam dar um jeito de se divertir, na maioria das vezes, escondidos dos pais - geralmente indo para outra parte da ilha habitada por dezenas de gatos (que serão fundamentais para o início das situações estranhas no local). Nada demais acontece na Ilha Crocket, pelo menos até a chegada de um jovem padre substituto que ficará por lá até que o veterano se recupere de uma enfermidade contraída na viagem. O jovem Padre Paul (Hamish Linklater) provocará uma verdadeira revolução no local, que acaba de receber de volta um dos seus filhos pródigos, Riley Flynn (Zach Gilford), que depois de passar um tempo preso por conta de um grave acidente, ele retorna para viver com os pais (e fique atento aos pôsteres de filmes presentes no quarto dele). No primeiro episódio conhecemos melhor os personagens, vemos a ameaça de uma tempestade e um visitante misterioso... a partir daí, coisas muito estranhas começam a acontecer, mas são incorporadas a uma interpretação religiosa equivocada pela maioria dos personagens - especialmente por Bev Keane (Samantha Sloan), mulher que tem uma leitura muito particular sobre os textos religiosos. Seria bastante empobrecedor imaginar que Missa da Meia-Noite é sobre religião, na verdade o testo lida com algo bem mais complexo, que é a interpretação do que se vê, afinal, em vários momentos o real cede espaço para interpretações subjetivas sobre o que está acontecendo, muitas vezes, com base em distorções para que determinados objetivos sejam alcançados. Assim, o comportamento de manada, o desprezo a tudo que é dissonante e a histeria coletiva, aos poucos ganha espaço e o que se vê é o apocalipse (nome do último episódio da série). Criado e dirigido por Mike Flanagan, arrisco dizer que esta é sua obra mais complexa e uma espécie de redenção para o diretor que depois do sucesso absoluto de A Maldição da Residência Hill (2018), não obteve o mesmo sucesso com o filme horroroso Doutor Sono (2019) e a série A Maldição da Mansão Bly (2020). Missa da Meia-Noite consegue fazer do terror um artifício dramático poderoso, valorizado ainda mais por um elenco que sabe exatamente o que fazer. O tom é melancólico e pessimista, mas deixa uma pequena dose de esperança no episódio final. E pode aguardar indicações a prêmios para Samantha Sloan, que compõe uma beata insuportável e, especialmente, Hamish Linklater que cria um personagem bem distante dos personagens simpáticos que interpretou até aqui (quem lembra do irmão de As Aventuras de Christine irá se surpreender) e que torna os sentimentos da plateia em torno dele bastante ambíguos. Criada enquanto minissérie, arrisco dizer que este grande acerto da Netflix aparecerá em várias listas de melhores produções do ano. 

Missa da Meia-Noite (Midnight Mass / EUA -2021) de Mike Flanagan com Hamish Linklater, Zach Gilford, Kate Siegel, Kristin Lehman, Samantha Sloan, Rahul Kohli, Anabeth Gish, Henry Thomas, Alex Essoe, Michael Trucco e Annarah Cymone. ☻☻☻☻☻

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