sábado, 31 de março de 2012

DVD: A Inquilina

Morgan para Swank: "Devolve um Oscar minha filha, devolve..."

Hilary Swank deve ficar p*ta da vida quando as pessoas ficam lembrando que ela tem dois Oscars de Melhor Atriz na estante (nem vou relembrar a multidão de grandes atrizes que não tem nem um de coadjuvante) e que, fora os filmes que a premiaram, ela não sabe escolher um roteiro que preste (a exceção  que confirma a regra ainda é Insonia/2001 de Christopher Nolan). Ao mesmo tempo, deve ser muito triste que apesar desses prêmios você não tenha um fã clube capaz de fazer com que seus projetos tenham um mínimo de projeção. Desde Menina de Ouro (2004) dirigido por Clint Eastwood que Swank tem problemas com os filmes que protagoniza (até Conviction/2010, que quase a indicou ao Oscar, lhe rendeu processos e tudo mais), a verdade é que a Academia poderia abrir um processo para confiscar um dos Oscars da atriz - já que, embora oscarizada, qualquer picareta poderia fazer as suas cenas em A Inquilina, suspense paupérrimo estrelado por ela e Jeffrey Dean Morgan (que foi seu par mais caloroso na brincadeira de mau gosto P.S. Eu Te Amo/2007). Curiosamente é que a atuação de Morgan como um voyeur consegue ter momentos mais interessantes do que da celebrada atriz - que confiou tanto no fiapo de roteiro que até bancou a produção! A inquilina é aquele tipo de filme que você vê no cinema quando o ingresso para o filme que queria ver acabou ou quando não sobrou nada na locadora naquele final de semana chuvoso, mas você acaba vendo até o fim para saber como aquela palhaçada termina. Masoquismo? Pode ser!  Juliet (Swank) é uma médica que aluga um apartamento em Nova York por um preço abaixo da tabela de mercado, fica tão feliz que nem se dá conta que é um dos prédios mais sinistros que deve haver por aquelas bandas. Com pouca luz (cineastas pouco criativos acham que não enxergar cria tensão na plateia) e dividindo o espaço com o proprietário solitário Max (Morgan) e o avô adoentado com cara sinistra (Christopher Lee). O que poderia ser um suspense promissor começa a ir para o vinagre quando ao mesmo tempo que flerta com Max ela começa a choramingar por ter pego o noivo na cama com outra (isso sem contar aquele flashback desnecessário quando as coisas esquentam). Como é uma mulher contemporânea (com alma de Amélia) ela fica desorientada ao ponto de gostar de andar com pouca roupa no escuro, sem rádio ou televisão por perto para distrair. Curioso é que Max também não gosta de TV ou rádio, prefere se distrair espiando sua inquilina por um bando de frestas espalhadas pela casa (interessante como esse mundo  clandestino de Max é apresentado cheio de goteiras, canos e luzes vermelhas como se fosse um cenário de Alien). Cheio de esperanças as coisas pioram quando Juliet ameaça reatar com o carinha que despedaçou o seu coraçãozinho. E aí você pode imaginar o que acontece com Max. O mais interessante do filme é que mais uma vez o cinema atual fracassa ao tentar levar para a telona uma trama sobre voyeurismo, um tema interessante (ainda mais em tempos de Big Brother), mas que tem descambado para os caminhos mais óbvios até o desfecho. Max tem algumas ações monstruosas com seu objeto de desejo e a atuação de Jeffrey Dean Morgan consegue lhe dar mais nuances do que um pervertido desse tipo de produção (sua construção é melhor do que a de William Baldwin no igualmente pífio Invasão de Privacidade/1993), pena que no meio do caminho o roteiro prefere descambar para a violência tão deslocada quanto o tom romântico de algumas cenas. Fico pensando o que Swank tem na cabeça quando aparece na tela fazendo caretas como uma garota magricela, de músculos definidos, dentes gigantes e nada mais.  Será que dois Oscars não garantem a uma pessoa ser chamada para projetos mais interessantes do que esse?

A inquilina (The Resident/EUA-2011) de Antti Jokinen com Hilary Swank, Jeffrey Dean Morgan, Lee Pace e Christopher Lee.  

DVD: O Homem do Futuro

Zero: "Eu sou você amanhã"!


Quando disse a uma amiga que vi um filme com Selton Mello e outro com Wagner Moura no mesmo dia, ela demonstrou interesse por eles, mas não deixou de mencionar que acha o cinema nacional muito cansativo. Não por conta das temáticas que explora,  mas por sempre contar com o mesmo grupo de atores (some Lázaro Ramos, Rodrigo Santoro e Cauã Raymond à lista e você terá uma ideia do que ela está falando). O cinema brasileiro realmente tem seus astros, mas é um número pequeno em comparado ao de outros países. Na busca desenfreada por chamar atenção do público acaba cedendo espaço para aqueles bons atores que conseguem dar conta da trama e do interesse da grande mídia. Não vejo grandes problemas nessa situação, mas o fato é que O Homem do Futuro é mais um longa metragem em que Wagner Moura prova por que é tão requisitado, claro que, historicamente ele será sempre lembrado como o famigerado Capitão Nascimento, mas não será por não dar conta de tipos variados. Só nesta nova obra de Cláudio Torres ele encarna o mesmo personagem sob três perspectivas diferentes, muitas vezes na mesma cena. Uma ideia dessas só poderia sair da cabeça do filho de Fernanda Montenegro e seu apego aos episódios de Além da Imaginação (e a única vez que se distanciou disso foi para filmar o horroroso A Mulher do Meu Amigo/2008 com Marcos Palmeira e Mariana Ximenez), desde que estreou na direção com o episódio Diabólica do primeiro longa da Conspiração Filmes (Traição/1999), Cláudio demonstra uma assinatura própria na criação de suas histórias, gosta de reciclar ideias clássicas (seja uma Mulher Invisível/2009, um homem escolhido por Deus para salvar o Brasil em Redentor/2004), o problema é o exagero a que sucumbe em algumas cenas. Desta vez ele recicla a ideia da viagem no tempo para salvar o personagem de um destino decepcionante. Assim como em seus irmãos, o filme consegue inserir efeitos especiais sem perder - e desta vez, os efeitos são realmente caprichados. João, mais conhecido como Zero (Wagner) é um cientista genial e infeliz com a vida, vive lembrando da namorada dos tempos de faculdade e o dia em que ela o humilhou. Ele não esquece o fato nem quando serve de cobaia para uma máquina capaz de gerar uma nova forma de energia, um conversor de partículas, Zero assume o risco e acaba descobrindo que os cálculos de sua amiga de faculdade Sandra, rica e ambiciosa (a sempre ótima Maria Luisa Mendonça, que era a melhor coisa de A Mulher do Meu Amigo) não criaram um gerador de energia, mas uma máquina do tempo. Zero acaba voltando para o único dia em que namorou Helena (Alinne Moraes), uma das garotas mais cobiçadas da faculdade de Física. Claro que ela possuia um namorado com pinta de vilão (Gabriel Braga Nunes)  que estava disposto a atrapalhar tudo e a intenção do Zero mais velho é impedir que isso aconteça. Além de ajudar os pombinhos a ficarem juntos, ele ainda dá dicas de investimentos para seu eu passado para que enriquecer ao lado do amigo de (quase) sempre Otávio (Fernando Ceylão). O problema é que o futuro é alterado, mas não da forma como Zero esperava e... está na hora de consertar as coisas novamente. As idas e vindas temporais garantem bons momentos no filme, criando situações engraçadas num clima divertido durante a sessão. Torres ainda tempera a narrativa com boas doses de nostalgia, como as apresentações da festa universitária, a trilha sonora com clássicos do INXS, Radiohead e destaque para Tempo Perdido da Legião Urbana. Apesar de alguns momentos artificiais (desculpem, mas Alinne Moraes não me convence, ela interpreta cenas e não uma personagem) e caricaturais (o jovem Zero é quase sempre um bobão) o filme é diversão garantida e despretensiosa. (Delírio filosófico: é engraçado como o apelido Zero é de início dado a um sujeito que se julga um nada sem valor e passa a significar alguém que busca um ponto de reinício, um marco zero antes da contagem de sua nova vida... OOOOH!). 
 

O Homem do Futuro  (Brasil/2011) de Cláudio Torres com Wagner Moura, Alinne Moraes, Maria Luisa Mendonça e Gabriel Braga Nunes. 

DVD: O Palhaço

Buscapé e Puro Sangue: Selton em estado de graça. 

O segundo filme de Selton Mello na direção não poderia ser mais diferente do que seu primogênito  Feliz Natal de 2008. Embora ambos tenham as relações familiares como forte elemento  na construção da identidade, em O Palhaço existe a busca por um humor até pueril - enquanto o outro preferia construir uma atmosfera obscura das relações de uma família problemática. A família do novo filme de Selton é formada por uma trupe circense, nela somos apresentados a Benjamin (o diretor Seltom), um palhaço que apesar de provocar risos está em crise com a profissão herdada do pai (vivido pelo exemplar Paulo José). Benjamin é o palhaço Pangaré, filho do dono do circo, o palhaço Puro Sangue (nem vou me aprofundar nas interpretações que esses nomes carregam). Talvez o jovem Pangaré esteja cansado do dinheiro contado, das plateias minguadas, da vida nômade e até do fato de, por ser palhaço, as pessoas nunca o levarem a sério. Apesar de inserir seus personagens em situações que podem parecer excêntricas, Selton tem o maior cuidado de afastá-los de qualquer  tom sombrio, os aproximando sempre de uma conotação ingênua (como o personagem que se identifica com um quadro de bode e especula sobre a sua semelhança com esse bicho, o casal que oxigena os cabelos para se passarem por astros russos), essa necessidade é ainda mais presente quando temos a impressão de observarmos os bastidores da vida daquele grupo pelas lentes de uma criança. O filme constrói suas cenas como se fossemos espectadores do espetáculos, a câmera frontal aos artistas e adicionando cores quentes ao show - os espetáculos da companhia são repletos de muita luz, cores vermelhas e amarelas numa construção cênica acolhedora que contrasta com com a aridez do mundo externo, isento de fantasias e desentendimentos, esse contraste é mostrado de forma sutil e convincente. Com um humor lento, contido e pausado, um olhar ou gesto pode ser tão engraçado quanto triste. Uma cena em que isso se torna claro é quando Benjamin se encontra com a personagem de Fabiana Karla, uma cena de delicada sensualidade brejeira onde ambos brincam com as expectativas desse tipo de encontro. Karla é apenas uma das participações especiais do filme, o diretor ainda consegue momentos memoráveis de Tonico Pereira, Jorge Loredo (intérprete do personagem Zé Bonitinho), Emílio Orcciolo Neto, o envelhecido Ferrugem e Moacyr Franco (na  pele de um  inusitado delegado que lhe rendeu o prêmio de melhor coadjuvante no Festival de Brasília). Selton reserva até um momento revelador com o irmão Dantom Mello (onde ambos disputam a mesma garota, curiosamente, Danton interpretou um personagem chamado Benjamin no filme homônimo de Monique Ganderberg, onde Paulo José fazia seu papel na vida adulta). Essa busca de Benjamin pelo seu próprio caminho tem momentos de genialidade, menos como a certidão de nascimento ou do personagem se descabelando na frente do espelho e mais quando descobre que todos tem seus momentos de fazer graça, mas sem o privilégio de ser um profissional do assunto. Mostrando maturidade na segunda aventura na direção, Mello se despe do seu cinismo e busca uma atuação que equilibre seu lado Chicó (personagem que viveu em O Auto da Compadecida/2000) e o período que dublou Charlie Brown no desenho do Snoopy, o resultado é uma atuação precisamente discreta e generosa com seus parceiros de cena. Muitos ressaltaram o quanto o filme tem uma atmosfera totalmente brasileira ao abordar a alegria em meio às adversidades, mas duvido que o filme queira ressaltar esse estereótipo. O Palhaço é um filme  de minuciosa construção sobre a insatisfação humana - sendo mais rico do que você imagina numa primeira olhada.

O Palhaço (Brasil/2011) de Selton Mello com Selton Mello, Paulo José, Moacyr Franco, Giselle Mota, Teuda Bara e Álamo Facó. 

terça-feira, 27 de março de 2012

DVD: Incêndios

Lubna Azabal: em nome do pai e do filho. 

O filme canadense Incêndios concorreu ao Oscar de Filme em Língua Estrangeira em 2011 e perdeu para o superestimado dinamarquês Num Mundo Melhor. Curioso notar que ambos os filmes tem o gosto por ressaltar que a violência não vai a lugar algum, só que por caminhos totalmente diferentes. Se o filme de Suzanne Bier preferia ficar no conforto superficial das relações de uma família - atirando para todos os lados (internet, bullying, violência infantil, miséria na África) sem acertar nenhum de seus alvos - , o filme do canadense Denis Villeneuve radicaliza a relação de uma mulher com o mundo ao seu redor e a forma como isso influenciou na concepção de seus filhos. Villeneuve filmou um roteiro de tirar o fôlego e que ao chegar ao fim deve causar desconforto pelos acontecimentos mirabolantes que reserva para a família, mas esta história mirabolante se torna crível pela forma implacável como o diretor apresenta os fatos desde o início. Fiquei desconfiado de que algo inesperado fosse acontecer, já que o texto aproveita o fato de Jeanne ser uma matemática para criar (pequenas) metáforas sobre sua situação e a ciência que ela estuda, mas isso é só um detalhe diante das sensações que o filme almeja despertar no seu espectador. Logo no início somos apresentados a um casal, Jeanne (Mélissa Désormeaux-Poulin) e Simon (Marwan Maxim), irmãos gêmeos, filhos de Nawal Marwan (Lubna Azabal) que deixou um testamento inusitado nas mãos do advogado amigo da família Jean Lebel (Rémy Girard). Nos primeiros minutos somos apresentados a este documento, onde ela pede para ser enterrada nua e de costas sem que haja qualquer identificação em seu túmulo - o pedido é apresentado como uma forma de penitência por Marwan não ter cumprido algumas de suas promessas em vida. Não bastasse o estranhamento diante dessas exigências, Joanne e Simon recebem dois envelopes, um deve ser entregue ao pai de ambos e o outro ao irmão de ambos. Dá para imaginar a surpresa dos irmãos que passaram a vida inteira imaginando que o pai morrera nos conflitos da Palestina e que nunca souberam ter um irmão perdido pelo mundo. Apesar das dificuldades imagináveis, somente depois de entregar esses envelopes que ambos receberão um outro que permitirá a colocação de uma lápide sobre o túmulo da mãe. Enquanto Simon se revolta, Jeanne se comove com o pedido da mãe e parte em uma jornada em busca das pessoas que lhe eram até então desconhecidas. A maior parte do filme é centrada no passado de Nawal bem longe da confortável vida no Canadá. Nascida na Palestina, Nawal, que era de uma família cristã, viu seu namorado ser morto diante de seus olhos por puro preconceito e desde então presenciou atos de violência em nome da intolerância religiosa. Tais fatos a transformarão numa espécie de guerrilheira local, um personagem mítico e mal visto naquela sociedade, o que dificultará ainda mais à Jeanne a entrega das cartas na jornada em busca do pai e do irmão. Villeneuve constrói cenas inesquecíveis que retratam magistralmente a tragédia humana que é sobreviver a uma guerra. Cenas como a de Marwan chegando ao orfanato destruído ou do ataque ao ônibus fazem a diferença na construção de uma personagem fascinante e totalmente desconhecida de seus filhos (Simon menciona várias vezes como ela era uma pessoa distante, diante de tudo que vemos é totalmente compreensível). Quanto mais os gêmeos mergulham no passado de sua mãe, mais descobrem suas próprias identidades num emaranhado de relações que fariam ressentimentos brotarem sem qualquer esforço. Existe um bocado de tristeza na trajetória de Marwan, mas também esperança na radicalização do diretor em mostrar que apesar de tanta destruição humana, regada a laços desfeitos e intolerância ainda há espaço para o perdão. É neste momento que notamos que a maior mensagem do filme é que, no fundo, todos somos irmãos.

Incêndios (Incendies/Canadá-2010) de  Denis Villeneuve com Lubna Azabal, Mélissa Désormeaux-Poulin, Marwan Maxim e Rémy Girard.

sábado, 24 de março de 2012

CATÁLOGO: Ensaio sobre a Cegueira

Julianne liderando o elenco: fidelidade ao mestre Saramago. 

Sei que muita gente detesta a versão de Fernando Meirelles para o livro de José Saramago, mas eu confesso que entre os filmes sobre epidemias é o meu favorito - até porque não é somente sobre isso. O romance do único autor de língua portuguesa a ganhar o Nobel de literatura é um dos livros que acabaram com a minha vida - depois que li eu considerava os outros que caiam em minhas mãos completamente sem graça, só fui me recuperar quando encontrei Cem Anos de Solidão de Gabriel García Marquez, mas isso é para comentar em outro momento. Quem conhece sabe que a escrita de Saramago é seca, árdua, com parágrafos que duram um capítulo inteiro e diálogos encadeados um após o outro sem sinalização prévia. Trata-se de uma experiência literária inesquecível composta por personagens sem nomes e que atendem por adjetivos distintos como A esposa do médico, A rapariga de óculos escuros ou O garoto estrábico. Meirelles buscou ser fiel a todas essas referências no filme, conseguiu projeção mundial ao se tornar o primeiro filme a abrir o Festival de Cannes que concorria à Palma de Ouro e amargou críticas divididas sobre sua empreitada. O filme acabou voltando para a edição e estreou mundialmente alguns meses depois. Ainda gozando do prestígio de Cidade de Deus (2002) e o Oscar de Rachel Weisz por seu primeiro trabalho com O Jardineiro Fiel (2005), o diretor conseguiu um elenco magnífico para esta adaptação. O filme se passa num país não especificado (houve locações em lugares como São Paulo e Canadá) e começa com um homem oriental dirigindo seu carro quando subitamente fica cego, seu caminho se cruza com um homem (o canadense Don McKellar, que assina o roteiro do filme) que lhe rouba o veículo e horas depois também deixa de enxergar. Outras pessoas começam a sofrer do mesmo mal, pessoas que se encontravam no consultório de um mesmo médico (Mark Ruffalo, num papel rejeitado por Sean Penn e Daniel Craig) como uma garota de programa (a brasileira Alice Braga), um menino e um homem com tapa-olho (Danny Glover) e que tenha encontrado qualquer um dos contaminados. A cegueira começa a se alastrar, mas ela não é uma doença comum, as pessoas que são contaminadas começam a enxergar tudo como uma camada branca leitosa (e Meirelles utiliza esse recurso em várias cenas). Diante da situação, o governo começa a isolar os doentes e, com a cegueira do esposo médico, a esposa dele (a ótima Julianne Moore) resolve fingir que está cega para continuar próxima dele. Conforme chegam os outros  cegos, ela serve de guia para aquelas pessoas desamparadas que precisam lidar com a sua atual situação e o descaso dos governantes com o espaço em que ficam confinados. Este é o primeiro ato do filme, o segundo se concentra no caos que se instaura naquele espaço quando a higiene começa a ficar precária, assim como a comida é cada vez mais rara. Sei que não é bonito de se ver um bando de gente em uma situação insalubre de vida, mas é tudo feito de forma tão realista que a impressão que temos é que se acontecesse realmente uma situação parecida, seria exatamente assim. Logo começa uma guerra naquele espaço (onde a ala do médico entra em conflito com o Rei da outra - vivido pelo mexicano Gael Garcia Bernal, fique atento à sua rápida aparição como recepcionista de hotel no início do filme). A situação se torna cada vez mais dramática e radicaliza as posturas de sua heroína até que o terceiro ato tem início e existe uma queda brusca no ritmo do filme, tudo se torna mais lento e arrastado, embora a intenção de Meirelles fosse aumentar a melancolia da história num mundo devastado onde o homem retornou à barbárie, falta alguma coisa nessa parte. Acho que toda emoção que Meirelles tenta prender durante a sessão fez falta nessa parte em que ela deveria explodir, como isso não acontece, o final perde um bocado de seu impacto ao ser levado para tela. A fotografia granulada é correta, as atuações são competentes nos perante os dilemas dos personagens, a edição funciona, mas sinto falta de uma trilha sonora mais expressiva do que o minimalismo do grupo Wakti, uma mais vigorosa teria feito toda a diferença ao envolver o espectador.   Ainda assim, Meirelles consegue realizar um belo filme - que é o total oposto do ritmo frenético de Cidade de Deus - que deixou José Saramago comovido ao assistí-lo. Deve ser algo fascinante ver seus personagens ganharem vida numa telona, mesmo que a maioria das pessoas não tenham se dado conta de que a cegueira retratada em sua história é muito mais social do que física (como a maioria das pessoas pensaram ao assistí-lo). Ensaio sobre a Cegueira é uma ode anti-individualismo e o maior mérito do filme, assim como seu maior defeito, é ser extremamente fiel ao livro que o inspirou. 

Ensaio sobre a Cegueira (Blindness/Brasil-Canadá-Japão - 2008) de Fernando Meirelles com Julianne Moore, Mark Ruffalo, Gael Garcia Bernal, Danny Glover, Alice Braga, Don McKellar e Sandra Oh. 

sexta-feira, 23 de março de 2012

DVD: Contágio


Paltrow: elogios como a paciente zero de Contágio.

Steven Soderbergh estava precisando de um sucesso. Sua carreira parecia ir para a geladeira mais uma vez depois de seus experimentalismos não terem agradado muito o público e a crítica. O auge de sua pretensão foi o filme de quatro horas de duração de Che Guevara (em 2008) que poderia ter metade disso que já estaria de bom tamanho. Mas Soderbergh ainda tem prestígio entre a classe artística (todo mundo lembra que foi ele que oscarizou Julia Roberts por Erin Brokovich em 2001, mesmo ano que ganhou o Oscar de direção por Traffic), para Contágio ele escalou atores ganhadores do Oscar como Kate Winslet, Matt Damon, Gwyneth Paltrow e Marion Cotillard, além de outros indicados como John Hawkes, Elliot Gould, Jude Law e Lawrence Fishburne - e outros que ainda não tiveram o seu devido reconhecimento como Jennifer Ehle. Vendo o filme me pergunto se não é exagerar apostar as fichas em mais um filme de epidemia para fazer sucesso. Mesmo apostando num verniz mais politizado, já vimos filmes desse tipo mais de uma dezena de vezes -  caos, ruas desertas, o desespero, a selvageria, o isolamento, lágrimas, despedidas e caridades. O filme mostra o estrago feito por um vírus desconhecido que possui origem na contaminação de um porco por um morcego. É a genética desses dois seres que auxiliam na genética desse ser vivo invisível aos olhos, mas letal. "Em algum lugar o morcego errado encontrou o porco errado" diz a personagem de Jennifer Ehle enquanto corre contra o tempo para encontrar uma cura. Além disso, Soderbergh conta a história de uma dezena de personagens que possuem suas vidas transformadas pela epidemia. Matt Damon é o pai de família que tenta lidar com a morte da esposa (Gwyneth Paltrow, que alguns achavam até que concorreria ao Oscar, um exagero) e do filho. Sendo assim, concentrará seus esforços para preservar filha do primeiro casamento. No meio de tudo isso ele descobre que tem imunidade contra o vírus. Ele é o sujeito comum da trama, que vê o caos que o mundo se torna em meio aos saques e barbárie que se espalha conforme o vírus contabiliza milhões de mortos. Kate Winslet tem como função combater a  a contaminação, Marion Cotillard é a epidemiologista da Organização Mundial de Saúde que vai para Hong Kong atrás das pistas sobre as primeiras vítimas da doença enquanto Jude Law  é um jornalista idealista (e chato) que tem milhões de seguidores em seu blog  - e que se ficasse calado ajudaria muito mais. Soderbergh começa muito bem fazendo o horror de quem tem transtorno obsessivo compulsivo por lavar as mãos (uma vez que dedica essa introdução da história à  forma como o vírus se propaga através do toque em superfícies e objetos contaminados). O diretor peca quando demora a inserir a intervenção governamental efetiva contra a epidemia - o que, da forma como é mostrada, é impossível de acontecer na vida real (nem as desculpas do exagero feito com o H1N1 e evitar o pânico funcionam no roteiro). Quando ela começa existir, o filme vira outra coisa, se concentrando nas saídas individuais para a situação - nessa parte que o filme demonstra seus tons mais originais (mas nem tanto) - explorando o jogo de poder e relações que existem na indústria farmacêutica e agências governamentais, mas acaba se enrolando na própria corda ao perder tempo apontando o dedo para quem é bom ou mal quando no centro do picadeiro está um personagem tão contraditório quanto o blogueiro sensacionalista vivido por Jude Law. Acho que Law é o elo mais fraco do elenco, nunca sai da caricatura, compondo um personagem cheio de tiques e com um dente torto - que deve fazer parte do seu kit EI! EU NÃO SOU UM ROSTO BONITO! Sinceramente, ele não deveria mais se preocupar com isso, o tempo já lhe tirou a estampa de galã e o tornou um ator peguiçoso. Apesar do elenco cheio de estrelas - e reservar algumas cenas importantes para eles - o diretor perde alguns pelo meio do caminho (que final é aquele da personagem de Marion? E Elliot Gould desaparece!), isso mantém como surpresa do elenco a pouco conhecida Jennifer Ehle (uma atriz da qual gosto muito desde que a vi em Sunshine/1999 de István Szabó) como a cientista que pesquisa a vacina da doença. Ela que guia nosso maior interesse por um roteiro extremamente informativo que usa pouco o elenco valioso que possui - talvez por isso, mesmo com o marketing vigoroso (e o lançamento no fatídico 11 de setembro, dez anos depois da catástrofe), o sucesso do filme foi modesto.

Contágio (Contagion/2011-EUA) de Steven Soderbergh com Matt Damon, Lawrence Fishburne, Kate Winslet, Jude Law, Jennifer Ehle, Marion Cotillard, Gwyneth Paltrow e John Hawkes. 

CATÁLOGO: Olhos de Serpente

Russo e Madonna: filmagem dos horrores. 

Sei que um bando de pessoas vão chegar até esta postagem procurando algo sobre o filme de Brian de Palma estrelado por Nicolas Cage, para esses devo dizer que o filme em questão é outro: o dirigido pelo controverso Abel Ferrara, Sempre tive curiosidade pelo filme (ainda mais agora que um bando de cineastas resolveram achar que um ator não deve interpretar, mas viver a cena da forma mais real possível) e alguns críticos chegaram a elogiar a atuação da atriz na época o que é algo raro, já que estamos falando de Madonna! Sei que parece inacreditável, mas realmente ela colheu alguns elogios pelo filme, o que não evitou que ele fosse o maior fiasco de sua carreira como atriz - rendeu pouco mais de 72 mil dólares (acho que nem os cenários custaram isso) o que colaborou muito para que fosse esquecido. Agora, com o lançamento de W.E. (segundo filme dirigido pela popstar) pipocaram cinebiografias da loura e este voltou a ter seus quinze segundos de fama (minutos já me parece exagero). Ferrara é um cineasta que adora polêmicas, seus filmes se concentram especialmente no choque entre o consumo de drogas, religião e violência, mas nada que lhe atribua adjetivos melhores do que um Scorsese de terceira categoria. Olhos de Serpente parte até de uma premissa interessante, mas estraga tudo (por coincidência) pelo mesmo problema de Madonna em W.E., conta duas histórias distintas, mas que não colam nem com superbonder! Com a ideia de mostrar um filme dentro do filme, Ferrara dá um show de pretensão ao criar um retrato sombrio de Hollywood, com o bastidor descontrolado da filmagem de um roteiro pesado. Por algum mistério do universo Harvey Keitel foi considerado o melhor ator de Veneza em 1993 pelo papel do cineasta Eddie Israel, que filma em Los Angeles com o problemático astro Francis Burns (James Russo) e a estrela em ascenção Sarah Jennings (Madonna). Os atores dão vida a um casal em crise, tudo por conta da redenção religiosa de Sarah após uma vida de excessos com drogas e sexo. Enquanto Francis é o tipo de ator que foge da técnica, do método e de qualquer outra coisa que não seja seu descontrole ao improvisar, Sarah é seu total oposto, chegando a se irritar com ele diversas vezes durante as filmagens. Essa tensão só aumenta e o diretor Israel alimenta isso, sem perceber que está criando um grande problema. Enquanto o filme retrata o casal em crise sobra tensão nos exageros utilizados por Ferrara, mas quando o espectador  está imerso naquele conflito angustiante, existe o corte que nos direciona para a vida dos bastidores. O efeito é de um balde de água fria, porque ao contrário do que Ferrara pensava, o que seu alter-ego tem a dizer não é interessante, ao contrário, é apenas irritante. Alimentando a raiva de Burns com todos os clichês que se pode imaginar (a pressão dos produtores, sua decadência artística, a  competitividade com uma estrela em ascensão, o cronograma de filmagens, o affair que acontece entre o diretor e sua atriz...) a vítima dessas investidas acaba sendo Sarah (principalmente nas cenas mais violentas que o seu papel exige), ao ponto de quase acontecer um estupro diante da câmera. O mais curioso é que embora não seja uma atriz de prestígio, Madonna consegue dar conta de sua personagem com muita dignidade - claro que se Ferrara tivesse mais cuidado com os diálogos tudo seria muito melhor. O filme foi um dos primeiros filmes produzidos pela produtora de Madonna,  a Maverick Films e ela fez questão de falar mal dele quando chegou aos cinemas. Existe um motivo pessoal para isso (além de toda a pretensiosa mediocridade do longa), Madonna sofreu um abuso muito semelhante ao que vemos no filme no período em que tentava a vida como estudante de dança em Nova York, o filme mexeu em suas feridas. Seu nervosismo na cena em que conta o abuso sofrido nas filmagens com Francis Burns é evidente por tiques nervosos. Ferrara tentou contar dois filmes em um só, mas seu olhar sobre os personagens é mais interessante do que quando começa a reclamar da vida de cineasta (ora, porque não vai vender batatas?). Com cenas fortes de violência contra a mulher, ironicamente, são elas que tentam salvar o filme de um bando de fiapos masculinos (até a esposa de Abel, Nancy Ferrara, tem  um momento luminoso onde lava a roupa suja com o personagem de Harvey Keitel). Ferrara deveria procurar outra forma de exorcisar seus fantasmas.

Olhos de Serpente (Dangerous Game/EUA-1993) de Abel Ferrara com Harvey Keitel, James Russo, Madonna e Nancy Ferrara. 

quinta-feira, 22 de março de 2012

KLÁSSIQO: Domingo Maldito

Glenda Jackson: um dos abraços mais calorosos do cinema.

Com dois Oscars de melhor atriz na estante (por Mulheres Apaixonadas/1970 e Um Toque de Classe/1974), a inglesa Glenda Jackson foi uma das maiores atrizes de sua geração. Eu não conhecia muito o trabalho da atriz, mas fiquei apaixonado por ela quando vi recentemente sua atuação em Domingo Maldito, filme que lhe rendeu o BAFTA de melhor atriz e sua terceira indicação ao prêmio da Academia de Hollywood. Além da indicação da atriz, o filme concorreu a outras três estatuetas (direção, roteiro e ator para Peter Finch) e não ganhou nenhuma. É mais do que compreensível, já que o filme retrata um tema polêmico, ainda que com muita dignidade e discrição. O filme conta a história de um triângulo amoroso formado por Alex (Glenda Jackson), Daniel (Finch) e o jovem Bob (Murray Head). O filme começa quando Alex (o nome unissex é proposital)  aceita tomar conta de umas crianças ao lado de Bob durante um final de semana. Alex é espirituosa, atraente e desencanada como muitas almejavam ser ser no início da década de 1970. Os casal parece brincar de casinha numa espécie de ensaio para a convenção social do casamento - tendo como momento de privacidade somente os que estão no quarto. Entre as tarefas do lar e a simulação de papéis sociais tradicionais que se espera de um casal, as cenas da dupla são cortadas por cenas do cotidiano do médico Daniel Hirsch. Não fica muito clara a relação que os três personagens possuem, até o dia em que Bob sai da casa para um encontro e deixa a namorada sozinha. Visivelmente enciumada ela nem menciona o nome da pessoa com quem Bob irá se encontrar, é quando percebemos que Bob se divide entre Alex e Daniel, com o consentimento de ambos. Trata-se menos de uma aceitação e mais do medo de perdê-lo que faz com que ambos amantes concordem com esse relacionamento. Não demora para que Bob volte para Alex e voltem a viver seu final de semana de família convencional. O trunfo do roteiro está em lidar com as simbologias de atos cotidianos simples, mas impregnados de significados. Não é por acaso que depois do final de semana brincando de casinha, Alex começa a ver seu relacionamento amoroso com outros olhos e outro sentimento começa a ganhar força dentro dela: a solidão. Ainda que viva momentos tórridos com seu parceiro, Alex percebe que quer algo mais, algo que seu rival Daniel pode até imaginar, mas que os preconceitos e reservas pessoais fazem com que prefira frequentar jantares da família desacompanhado e aguente ser apresentado por mulheres as quais jamais lhe despertarão interesse. John Schlesinger mostra-se um diretor de mão cheia para miudezas das relações humanas e um mestre em construir pessoas complexas diante da câmera (características que gerou o oscarizado Perdidos na Noite/1969) . Por mais simpático que seja, Bob não parece se importar muito com nenhum de seus parceiros, mesmo se relacionando com os dois parece estar sempre preocupado com si mesmo e suas vontades (como a viagem à Nova York, que faz com que seus amantes tenham que lidar com a sensação infeliz de perdê-lo), já Alex começa a desejar alguém sempre por perto enquanto Daniel parece acostumar-se à solidão. Acho que muita gente deve torcer o nariz quando assistir ao filme nos dias de hoje, mas é impossível ficar indiferente às transformações pelas quais passa os personagens durante a semana em que os fatos são narrados. Apesar do trio ser afiado, eu confesso que a Alex de Glenda foi a vértice que mais me chamou a atenção, com seus olhares e sorrisos é mais do que compreensivo porque num momento decisivo, Bob a convida para prosseguir com ele. É neste ponto que Glenda alcança um dos momentos mais brilhantes de sua carreira onde os sentimentos contraditórios compõem cada célula interpretativa de seu corpo. Depois desse filme, Glenda concorreu ao Oscar de atriz mais uma vez por Hedda (1975) ao interpretar a clássica personagem de Ibsen. Só para lembrar, vendo o filme é inacreditável que Schlesinger tenha voltado a abordar um relacionamento entre uma mulher hetero e um homossexual no fraco Sobrou para Você estrelado por Madonna e Rupert Everett (2000).

Domingo Maldito (Sunday Bloody Sunday/Reino Unido-1971) de John Schlesinger com Glenda Jackson, Peter Finch e Murray Head. 

quarta-feira, 21 de março de 2012

DVD: Cowboys & Aliens


Ford e Craig: cadê a diversão que estava aqui?

Alguns amigos reclamam que não costumo ser gentil com filmes pipoca, mas os próprios filmes são os maiores culpados disso. Eu quase vi Cowboys & Aliens no cinema, mas um amigo (que pediu para ser mantido em anonimato) disse para esperar e ver  o filme em casa - e segundo suas próprias palavras: "não é nenhuma Brastemp". Ele tem razão, o problema é que poderia ser um filmão se o diretor Jon Favreau não houvesse perdido a mão. Misturar Cowboys com ficção científica pode parecer uma novidade para a maioria das pessoas, mas quem já teve a oportunidade de ver o programa FanBoy Confessional sobre os Steampunks (tribo urbana que mistura roupas de época com apetrechos punks e futuristas) sabe que existe uma legião de fãs apreciadora dessa mistura. O próprio filme foi baseado numa HQ cultuada por eles (e dizem que manteve pouca coisa de sua escrita original), pena que todos mas devem ter entendido tudo errado já que sobra violência e falta diversão num filme que deveria apenas entreter. Sei que o western é um dos gêneros cinematográficos mais secos que existem (se não for o mais), mas o problema aqui não é esse. Numa cidade do Arizona no final do século XIX, todo mundo parece possuído pela maldade e a coisa começa a cansar antes da primeira hora de duração. Quando os discos voadores aparecem nós pensamos que a coisa vai melhorar, mas aí a coisa fica arrastada até o desfecho. Onde foram parar os alienígenas? o que vemos são draminhas rasos dos personagens e Daniel Craig tentando usar uma arma no punho. Craig passa o filme inteiro com a mesma cara (cada vez mais seca, já que ele deve estar se dedicando bastante às atividades ergométricas na Academia. Dá para acreditar que ele tinha só 42 anos durante as filmagens?) e Harrison Ford tem o papel mais ingrato de sua carreira. Craig é um homem que aparece no meio do deserto sem memória e com um bracelete esquisito preso no braço. Ele vai parar numa cidade onde todo mundo vive sobre a opressão de um fazendeiro (Ford) e seu filho mimado (Paul Dano, outro desperdiçado). Ainda povoam a cidade uma bela misteriosa (Olivia Wilde, linda, mas dona da cena mais ridícula do filme), um xerife (Clancy Brown) e um dono de bar com bom coração (Sam Rockwell, sem muito para fazer) casado com a latina Maria (Ana de La Riguera). Todos  terão contas a ajustar com os alienígenas, seja porque foram abduzidos ou porque querem resgatar alguém querido. O problema é que apesar dos efeitos bacanas o roteiro esquece de desenvolver os personagens deixando todos caricatos, sobrando pouco para rechear o filme - que se estende por duas (looongas) horas de duração. Sobra embromação e falta uma história que preste. Jon Favreau, que foi elogiado como diretor de Homem de Ferro (2008) e menos na continuação (2010),  esqueceu que para fazer um filme não basta juntar duas ideias ou gêneros, é preciso ser bom de corte e custura, deixando tudo bem amarradinho, sem furos, dobras, vincos ou sobras. Cowboys & Aliens tem todos esses defeitos, mesmo para quem quer só se divertir o resultado é decepcionante. O resultado foi uma bilheteria pífia (custou 163 milhões e arrecadou somente 175 milhões até o final do ano passado) que deve ter engavetado as pretensões de uma sequência. Mas, apesar de tudo, o que mais me decepcionou foi a atuação de Harrison Ford, criando um tipo canastrão e preguiçoso (que mãos frenéticas são aquelas?) qualquer ator sem a sua aura de astro poderia ter feito o mesmo (alguns poderiam ter até feito melhor), era melhor ele ter ficado em casa vendo repreises de Indiana Jones na TV! Espero que a lição tenha ficado para os produtores que planejam outros crossovers cinematográficos. Os próximos da lista prometem inserir zumbis em dramas históricos (Abraham Lincoln contra os Zumbis que deve estrear em maio deste ano) e clássicos da literatura (Orgulho, Preconceito e Zumbis que está previsto para 2013). Ai meus miolos...

Cowboys & Aliens (EUA-2011) de Jon Favreau com Daniel Craig, Harrison Ford, Olivia Wilde, Sam Rockwell e Paul Dano. 

DVD: Jane Eyre

Wasikoska para Fassbender: "Fui elogiada por Meryl Streep"!!

Lembro que quando li o romance Jane Eyre de Charlotte Brontë na faculdade. O livro tinha acabado de receber uma versão cinematográfica dirigida por Franco Zeffireli em 1997 - estrelada por Charlote Gainsbourg e Anna Paquin se revesando no papel principal em fases distintas. O filme foi considerado sem graça pela maioria da crítica especializada, passando em branco nas bilheterias e premiações. Antes o livro já servira de inspiração para outras produções como a aclamada versão cinematográfica em 1944 e várias outras para TV (1970, 1983, 1997 e 2006). Ano passado o diretor Cary Fukunaga arriscou fazer outra versão (que concorreu ao Oscar de figurino no último Oscar). Eu não vi todas as outras, mas posso dizer que o longa tem uma quantidade considerável de méritos - e estes não se restringem ao elenco vistoso ou ao cuidado com o visual de época. O livro lançado em 1847 coleciona várias gerações de fãs com sua trama liderada por uma heroína romântica diferente. Jane não é a moça bonitinha, alegre e suspirante que se vê com frequência nesse tipo de história. Sempre apresentada como feia, a personagem ainda é cheia de dramas pessoais - ela é uma órfã criada pela tia, que não demora muito para colocá-la num internato cheio de métodos educacionais baseados em tortura física e psicológica. Depois de crescida, Jane arranja um emprego num castelo sombrio, onde serve de governanta e tutora para uma menina protegida pelo proprietário do lugar - o sisudo Sr. Rochester. Apesar de suas histórias tristes, Jane não se faz de coitadinha, pelo contrário, tem diálogos muito articulados que impressionam seu patrão mal-humorado - e percebemos que o embate entre os dois disfarça sentimentos que cresce gradativamente com o respeito que brota entre ambos. Os dois são personagens fortes e que se complementam na narrativa - que flerta em alguns momentos com elementos sobrenaturais, mas que logo são explicados de forma realista ao descobrirmos o terrível segredo do passado dele. Fukunaga tem mão firme na direção e é bastante fiel à trama, o que lhe dá segurança para embaralhar os tempos da personagem - começa da terceira parte da narrativa (quando se refugia num local afastado servindo de professora para um vilarejo e conhece o jovem St. John vivido por Jamie Bell), retornando ao período em que era governanta do castelo de Rochester (Michael Fassbender) e à infância infeliz. O roteiro é esperto o suficiente para não ficar colocando os dedos nas feridas de Eyre, deixando que a atuação de Mia Wasikowska dê conta dessa parte. Devo ressaltar que a menina merece elogios por sua atuação, fiquei até surpreso com a intensidade de sua performance (acho que fiquei tão decepcionado com a sua cara amuada como a insossa Alice/2010 de Tim Burton que a coisa sobrou até para seu papel de filha em Minhas Mães e meu Pai/2010. Eu achava que ela pensava que atuar era só  fazer cara de enjoo diante da câmera - algo que deve ter aprendido na escola de interpretação de Sean Penn em seus maus dias). Sua atuação foi até elogiada por Meryl Streep no Globo de Ouro, que estranhou sua ausência entre as concorrentes deste ano. Realmente, os olhos tristes de Mia caem como uma luva para revelar o interior da personagem - ao mesmo tempo, suas expressões estão na medida exata quando o texto lhe pede mais emoção. O maior mérito de sua performance é saber contrastar a sua imagem frágil com uma segurança que é própria da personagem. Com mais pé no chão do que vemos nesse tipo de personagem, ela dá conta do ideal de Brontë ao criar Jane Eyre (servir de contraponto para as heroínas de Jane Austen que eram limitadas pelas convenções sociais de sua época), demonstrar que as mulheres também podiam ser fortes, trabalhar fora e que o casamento era apenas uma opção. Espécie de conto de fadas realista, o filme funciona muito bem e o elenco ajuda bastante com a química muito especial entre Mia, Bell (competente num papel mais maduro do que costuma aparecer), Judy Dench (tem bons momentos como a empregada mais próxima de Jane) e Michael Fassbender (que dispensa comentários, 2011 foi definitivamente o ano dele). Claro que os fãs mais xiitas do livro vão achar algo meio apressado no affair entre Jane e seu patrão, mas isso é completamente compreensível dentro do tempo de duração de um filme. Mesmo com todos os predicados filme saiu por aqui direto em DVD. 

Jane Eyre (EUA-Reino Unido/2011) de Cary Fukunaga com Mia Wasikoska, Michael Fassbender, Jamie Bell, Sally Hawkins e Judy Dench. 

segunda-feira, 19 de março de 2012

FILMED+: Festim Diabólico

Quase um crime perfeito: o complexo de super-homem segundo Hitchcock.

Festim Diabólico deve ser o filme mais ousado de Hitchcock, talvez por isso seja um dos meus favoritos. Para começar, ele tenta reproduzir do início ao fim a ideia de que estamos diante de um plano sequência, ou seja, um filme sem cortes. Vale ressaltar que reza a lenda que o diretor realmente não fez cortes, mas apenas emendou um rolo de película no outro, já que não eram produzidos em extensão suficiente para comportar quase hora e meia de narrativa. A saída do diretor foi emendar os rolos com closes nas costas de personagens ou cortes discretíssimos, não que os fãs do diretor se importariam com esses detalhes microscópios no formato vigoroso que cria para a adaptação da peça de Patrick Hamilton. O filme começa com um assassinato num apartamento grã-fino, desde o início sabemos quem cometeu o crime. Dois amigos enforcam um convidado somente pelo prazer da ocasião e a arrogância de provar que são capazes de cometer um crime perfeito. Julgando-se superiores à vítima e boa parte da humanidade, eles realizam o crime como uma façanha que será completada com uma festa logo em seguida, onde estarão presentes o pai e a noiva da vítima. Para completar a afronta, os dois escondem o corpo num baú que servirá de mesa para o jantar. Mesmo diante dessa atrocidade, o diretor consegue manter a elegância durante toda a sessão e constrói um monstro diante de nossos olhos, Brandon Shaw (John Dall) deve ser um dos sujeitos mais amorais que já apareceram num filme e o fato de embasar sua ação em pilares da filosofia (como Nieztsche ao qual faz menção ao conceito de super-homem) só piora ainda mais as coisas. Todas as suas ações, do início ao fim, ajudam a compor o cenário sinistro a que o título se refere. Conhecido pelo seu humor obscuro, o personagem se supera ao emprestar livros ao pai da vítima amarrando-os com a arma do crime. Embora Brandon tenha como cúmplice o parceiro Phillip Morgan (Farley Granger), este por mais que aparenta ser contra suas ações, é de uma passividade tão assustadora quanto a amoralidade de seu amigo. Entrando em conflito com os atos que compactua, a paranóia de Phillip só cresce durante a festa. É notável como Hitchcock constrói a narrativa centrada em um único espaço e oito personagens em cena a maior parte do tempo, há momentos em que todos parecem falar ao mesmo tempo - perdendo o tempo com futilidades típicas dessas ocasiões enquanto se preocupam com David (Dick Hogan), o morto, que nunca chega. Há momentos assustadores como a cena em que Brandon discute com o pai de sua vítima sobre uma certa superioridade que permitiria que alguns homens matassem outros. Esse conceito chega a ser defendido por um professor de filosofia, Rupert Cadell (James Stewart) que desconfia cada vez mais da atmosfera estranha que afeta Brandon e Phillip, mesmo quando eles tentam desviar a atenção de todos em bobagens como jogar a noiva da vítima (a bela Joan Chandler) para um ex-namorado (Douglas Dick) que também foi inesperadamente convidado para a ocasião. Embora tenha apenas oito cortes entre suas tomadas contínuas, Hitchcock mantém uma narrativa ágil e angustiante na expectativa de que descubram que o corpo seja descoberto. Embora tenha sido lançado em  1948, o filme permanece atual em seu humor cortante e alfinetadas em algumas correntes das ciências humanas. Vale lembrar que embora a trama pareça absurda ela foi baseada numa história real, onde dois brilhantes estudantes da Universidade de Chicago  (Richard Loeb e Nathan Leopold) cometeram um crime com detalhes muito semelhantes ao visto no filme.  Com o passar do tempo, o filme recebeu uma polêmica de brinde: o relacionamento entre Brandon e Phillip que muitos atribuem ser mais do que uma simples amizade ancorada na agressividade de um e a passividade do outro. Este foi o primeiro filme colorido dirigido pelo cineasta. 

Festim Diabólico (Rope/EUA-1948) de Alfred Hitchcock com James Stewart, John Dall, Farley Granger, Cedric Hardwicke, Joan Chandler, Edith Evanson e Costance Collier.  

KLÁSSIQO: Um Corpo que Cai

Stewart e Novak: o amor que alimenta a tensão.

Quando eu era pequeno costumava passar filmes de Alfred Hitchcock constantemente na TV, confesso que assisti poucos, mas é sempre bom reencontrar a cinematografia de um mestre. Lembro que na casa de meus pais havia até um livro de contos escritos por ele e alguns deles eram realmente arrepiantes. Embora Psicose/ seja o seu filme mais famoso, o diretor possui uma vasta cinematografia em que experimenta diferentes gêneros e estilos de narrativa sempre temperados com muito suspense. Um Corpo que Cai, ou Vertigo, para os íntimos, é mais do que um suspense, o interesse maior do diretor parece residir no romance que se instaura entre os personagens John Ferguson (James Stewart) e Madeleine (Kim Novak), tanto que é a relação de ambos que alimenta o filme. Stewart interpreta um policial que logo no início do filme fica traumatizado por ter visto seu parceiro cair de  um prédio. Mesmo que estivessem perseguindo um bandido, John atribui a si a culpa do acidente. Afastado do trabalho devido ao infortúnio, John passa o tempo especulando sobre o que poderia fazer na companhia da bela amiga designer Midge (Barbara Bel Geddes). É neste ponto que o protagonista é escalado para vigiar a esposa de um amigo. Ela (Novak) desenvolveu uma verdadeira obsessão por uma pintura, ao ponto de acreditar que esteja possuída pela mulher retratada naquela obra. O marido explica que a mulher desenvolveu hábitos estranhos, ao ponto de se transformar em alguns momentos, modificando sua forma de falar e andar. Existem alguns segredos que podem justificar essa excentricidade, já que há um possível parentesco entre a mulher da pintura e a esposa do magnata. Tudo caminha para o encontro de John e a confusa Madeleine (Novak), mas a atração é aparentemente inevitável (o affair entre os dois me parece meio apressado, mas com o andamento da trama parece que era para ser assim mesmo). Madeleine mostra-se desequilibrada, mas o amor é lindo e cego e não liga para essas coisas, nem quando se trata de adultério. Precisa dizer que as tendências suicidas da mulher trará um fim trágico para o affair? E o pior, irá reavivar o pavor que John possui de altura. As coisas vão ainda ficar mais esquisita quando ele conhecer Judy, mulher muito parecida com a falecida, só que com cabelos castanhos. É neste momento que Hitchcock surpreende no exato momento em que pensamos ter chegado à conclusão da trama, mostrando um caso de amor estranho entre os dois personagens - já que  John pretende deixar sua nova amada cada vez mais parecida com a falecida. O romantismo que viamos até então só torna a trama ainda mais incômoda, já que estranhamos como aquela mulher se submete aos caprichos de um parceiro que insiste em fazê-la parecer com uma morta. É neste ponto que reside o motor do desfecho da trama, enquanto ele quer ter sua amada novamente, Judy vê naquele processo doentio uma forma de espiar as culpas que mantém em segredo. Durante todo o filme, Hitchcock capricha nos enquadramentos e utiliza recursos de câmera vertiginosos (como a incomum perspectiva com que foca a igreja local da tragédia ou as escadas que parecem se aprofundar num efeito 3D), isso sem falar nos detalhes espiralados que distribui em cena desde os créditos iniciais.  Embora a duração pudesse ser mais enxuta, Hitchcock mantém nossa atenção quase por hipnose e nos prega um susto na cena final de um tom quase tragicômico. Multifacetado, Um Corpo que Cai é uma aula de como doses generosas de romance pode acrescentar ainda mais estranheza num bom suspense. 

Um Corpo que Cai (Vertigo/EUA-1958) de Alfred Hitchcock com James Stewart, Kim Novak e Tom Helmore.  

domingo, 18 de março de 2012

Combo: Que Horror!

Renée Zellweger não foi a única oscarizada que padeceu em um filme de terror, várias atrizes premiadas resolveram encher seus cofrinhos com um sucesso perante o público do gênero mas erraram feio. Histórias mal escritas, personagens estapafúrdios ou apenas ritmo inadequado comprometeram produções assinadas até por cineastas consagrados. Deveria haver uma cláusula no Oscar assegurando que uma ganhadora não iria se meter pelo gênero mais ingrato do cinema! A seguir cinco dos casos mais recentes:

5 Água Negra (2004) Ainda não entendi como o Made in Brazil Walter Salles se meteu a fazer uma adaptação de um terror japonês na época em que todo mundo queria um "O Chamado" para chamar de seu. O diretor estava lá e o seu elenco também: Jennifer Connely (que ainda estava no auge após o Oscar de coadjuvante por Uma Mente Brilhante/2001), John C. Reilly, Pete Posthlewaite e Billy Cudrup entraram nessa amparados pelo prestígio do diretor e tiveram de engolir um fracasso de público e crítica. Apesar da ideia interessante - um apartamento assombrado que reflete o estado de espírito (sem trocadilhos) de sua inquilina que tenta juntar os cacos do divórcio - Água Negra é pomposo demais para causar medo. Boas ideias não assustam e o esforço de seus atores foi em vão no maior fracasso da carreira internacional de Salles. 

4 Mutação (1997) O Oscar de coadjuvante ainda estava fresquinho na estante de Mira Sorvino quando ela se meteu no que a crítica chamou de "o melhor filme sobre baratas gigantes da história do cinema", mas também era o único! Você deve estar perguntando quem é Mira Sorvino, ela é a filha de Paul Sorvino e a premiada atriz de Poderosa Afrodite (1995) de Woody Allen. Mutação já deixava claro que Mira não conseguiria manter-se no estrelato por muito tempo. Embora talentosa, a atriz é de uma apatia irritante como a cientista que pensa ter aniquilado as baratas dos esgotos até descobrir que provocou uma mutação nas inimigas número um da mulherada! Apesar de dirigido por Guillermo del Toro, o filme causa mais náusea do que medo e sua atriz não ajudou muito na trajetória do filme. A carreira de Mira foi se concentrando cada vez mais em produções independentes sem importância e filmes para TV.

3 Na Companhia do Medo (2003) Halle Berry havia se tornado a primeira atriz negra a ganhar o Oscar de atriz por A Última Ceia (que ainda lhe rendeu o prêmio de atriz em Berlim em 2001) e deve ter ficado preocupada quando viu que depois de bancar a bondgirl em Die Another Day (2002) e ser a mutante Tempestade em mais um X-Men (2003) a sua aposta pós-Oscar era este terror dirigido pelo francês Mathieu Kassovitz. O elenco ainda conta com Robert Downey Jr e Penelope Cruz antes que alcançassem outro patamar em Hollywood, mas o mico maior é de Halle. No papel de uma mulher confusa acusada de assassinato, presa num manicômio e sem lembrar do que fez, a atriz tem que lidar com um roteiro confuso e entregar algo mais do que a cara de asssustada. Mesmo assim, a atriz desenvolveu um gosto esquisito por trash dirigido por franceses em Hollywood, daí nasceu um horror maior ainda: Mulher Gato  (2003)!

2 A Casa dos Sonhos (2011) Rachel Weisz foi a última a entrar para o clube de micadas em filme de terror. Estimulada pela assinatura ilustre de Jim Sheridan e pela companhia de Daniel Craig (com quem engatou um namoro nas filmagens) e Naomi Watts, a atriz aparece no papel de esposa que guarda um segredo num filme de muitas reviravoltas. Pena que na ânsia de surpreender o espectador nada faz sentido em reviravoltas bruscas e cansativas reservando para Weisz o papel mais idiota dessa lista. Na época que ela era casada com Darren Aronofsky ela pode não ter conseguido sucessos de bilheteria, mas pelo menos conseguia aparecer em filmes bons de se assistir. Ganhadora do Oscar de atriz coadjuvante por O Jardineiro Fiel (2005) a atriz quer reconquistar o prestígio vivendo Jaqueline Kennedy numa produção da Dreamworks. 

1 Colheita do Mal (2007) O que faz esse filme estar em primeiro lugar dessa lista horrorosa é o fato de sua estrela ter não um, mas dois Oscars na estante! Depois do Oscar de Meninos não Choram (1999), Hilary Swank já havia provado que tinha dificuldade em escolher papéis em filmes decentes, pensaram que depois do segundo prêmio da Academia por Menina de Ouro (2004) a coisa iria melhorar. Puro engano. Colheita do Mal é mais um dos filmes que atribuem o mal à uma criança mal assombrada, só que dessa vez ela atrai as pragas do Egito para uma cidadezinha do sul dos EUA. Swank vive uma cética cientista que tenta explicar os fenômenos, o filme começa bem, mas vai perdendo o fôlego, se enrolando em sua própria história - forçando a mal em romances descabidos e ocultismo de boteco num resultado desengonçado. Mas Swank deve ser brasileira e não desistir nunca, ela voltou a investir nos fãs do gênero. Não, não me refiro à PS.: Eu te Amo/2007 (que apesar de se dizer comédia romântica é um horror), mas ao recente A Inquilina que repete os conceitos de uma bando de filmes que você já viu antes. 

DVD: Caso 39


Zellweger: quando a carreira vira um horror. 

Esteja onde estiver, Renée Zellweger deve estar pensando numa forma de colocar sua carreira nos eixos novamente. A atriz se tornou uma das grandes promessas de Hollywood em meados da década de 1990 e quando dividiu a cena com Tom Cruise em Jerry Maguire (1996) sua carreira ganhou um impulso impressionante, somando três indicações ao Oscar (sendo premiada como atriz coadjuvante pelo drama Cold Mountain em 2004). O pior foi que desde que foi premiada, Renée tem custado a conseguir um novo sucesso, algumas pessoas atribuem o fracasso aos cacoetes incorporados de sua atuação como Bridget Jones (que rendeu sua primeira indicação ao Oscar em 2002), outros à overdose de botox que seu rosto sofreu nos últimos anos. Eu fico com o terceiro grupo, aquele que considera que a moça perdeu o gosto por roteiros bons. Em 2009 ela achou que daria uma guinada na carreira, lançou quatro filmes e os quatro fracassaram, um deles foi este Caso 39, uma das aventuras do cineasta alemão Christian Alvart na terra do Tio Sam. O filme ficou mais de um ano engavetado e quando estreou era como se todos já soubessem o resultado. De fato, Caso 39 é um filme decepcionante. Pra começar investe em mais uma trama de terror centrado numa criança. Desta vez ela é uma menina chamada Lilith (Jodelle Fernand) que é o caso do título que cai nas mãos de Emily (Zellweger), uma assistente social de bom coração. Os pais de Lilith são bem estranhos, de uma frieza quase doentia mesmo quando recebem a visita do serviço social. Não bastasse isso o filme não nos poupa de saber que o casal maltrada a garota - em uma das cenas chegam a colocá-la num forno!!!  Comovida com a situação, Emily recebe a guarda da menina pensando que irá dar conta dos traumas da menina. Não é bem assim. Não chega a ser um SPOILER porque um bando de gente deve ter visto o trailer do filme que passou mais de um ano nos cinemas e ele deixava claro que acusavam a menina de ser um demônio. Basta Emily cuidar da menina para uma série de acontecimentos estranhos acontecerem nas redondezas, vitimando até o pretendente com pinta de galã da insossa assistente social (Bradley Cooper antes do estrelato). O problema do filme é investir numa trama gasta sem grandes inovações visuais ou narrativas, todos tem pouco a fazer e Zellweger poderia ser substituída por qualquer desconhecida que o resultado seria o mesmo. Além de tudo ser unidimensional, convencional e previsível, o sono é inevitável - já que perdi a conta do número de vezes que cochilei durante a sessão. Além disso me incomoda a forma como, mais uma vez, uma criança é mostrada como fonte de todo mal. Acho sem sentido e cafona essa história de dizer que filmes influenciam o comportamento das pessoas (penso que as intenções de uma pessoa precedem qualquer filme que tenha visto), mas vendo todas as sandices que o roteiro atribui à Lilith foi invevitável pensar no bando de malucos que andam torturando crianças. Acho que no fundo estes pensam muito parecido com o roteirista Ray Wright que para diminuir a má impressão da "legitima defesa" defendida pelo roteiro troca a jovem atriz por um diabo que parece mais um ET na última cena. Francamente Renée, como você pensava recuperar credibilidade com uma bobagem dessa? Sem projetos desde 2010 (ano em que fez Minha Canção de Amor, recentemente lançado em DVD por aqui) é melhor voltar mesmo a ser Bridget Jones no terceiro filme da franquia baseado na personagem de Helen Fielding (ainda sem data de estreia), assim ela pode lembrar da época que foi a escolhida entre concorrentes do porte de Helena Bonhan Carter e Kate Winslet. Bons tempos. 

Caso 39 (Case 39/EUA-2009) de Christian Alvart com Renée Zellwegger, Jodelle Fernand, Callum Keith Rennie e Bradley Cooper. 

CATÁLOGO: Parceiros da Noite


Pacino: sangue, suor e ambiguidades. 

Tem filmes que são curiosos, não sendo lembrados propriamente pela história e mais pela forma como funcionam como documento histórico de determinado período. Parceiros da Noite de William Friedkin (consagrado por O Exorcista/1973 e Operação França/1971) é um desses casos. Baseado em fatos reais, o filme se inspira na investigação policial para encontrar o assassino responsável pelo encontro de cadáveres e partes de corpos masculinos encontrados próximos ao rio Hudson em Nova York. A polícia passa a investigar os crimes e descobre que se trata de um serial killer que vitima homossexuais, com preferência pelos frequentadores dos bares do West Village. Descobre-se aos poucos que as vítimas tinham gosto mais exótico, sendo adeptos de práticas sadomasoquistas e parceiros variados encontrados nas redondezas. Diante dessas informações, o policial Steve Burns (Al Pacino) é escolhido para se infiltrar naquela comunidade, menos pelo seu prestígio e mais por sua semelhança com as vítimas - por sua vez, Burns vê na tarefa a chance de ingressar na divisão de detetives e abandonar a desprestigiada ronda pela cidade. Apesar de algumas ousadias (como o retrato da comunidade gay local como uma Sodoma e Gomorra contemporânea), enquanto thriller o filme é bem convencional (dos ataques com o rosto do assassino sempre disfarçado na sombra, a faca sempre reluzindo à luz, os espelhos em que o protagonista se vê e até a motivação do assassino que descobrimos no final), a graça mesmo fica por conta da atuação de Al Pacino, que mergulha nas ambiguidades sugeridas pelo seu personagem. Apesar de ter um relacionamento sério com Nancy (Karen Allen) fica evidente que existe uma mudança no comportamento de Steve ao frequentar aqueles espaços do Village. Isso fica mais evidente quando aluga um apartamento nas redondezas e conhece o vizinho Ted (boa atuação Don Scardino que mantém carreira sólida na TV americana), um dramaturgo homossexual que namora um dançarino que vive em turnê. Não demora para que ambos desenvolvam uma amizade sincera que contrasta com o enferninho S&M que Burns deve frequentar para garimpar suspeitos. Friedkin contratou consultores especializados no assunto para compor esses ambientes de iluminação sombria, música pesada, bigodes, peitos peludos, suor e sexualidade agressiva. Essa parte deve desagradar os mais sensíveis - e até hoje gera polêmica pela forma obscura como retrata a comunidade gay (mas que cai como uma luva como retrato de um período pré-AIDS e que facilitou sua propagação ainda conhecida como peste gay). Em determinada cena, Ted diz que se a polícia descobrir o assassino, provavelmente o contrataria para trabalhar para eles e essa tensão, presente no livro homônimo de Gerard Walker, reserva momentos que beiram o surreal na ação da polícia. Fica evidente a intolerância e o preconceito com que tratam um suspeito apenas por ele ser gay (tem uma parte estranha com um fortão de cueca que aparece só para lhe dar tapas na cara e outra pior ainda, onde os policiais o torturam psicologicamente atribuindo sua inocência ou culpa ao fato do testículo boiar na água ou não). Friedkin sempre foi adepto de revirar os nervos da plateia, mas aqui tudo soa exagerado enfraquecendo os pontos fortes do roteiro  - que não estão presentes nos crimes ou na estética, mas nas ambiguidades do personagem Steve Burns. Pacino constrói um personagem complexo que sente atração e repulsa pelo universo que o cerca, seja descobrindo o significado dos lenços coloridos ou flertes com outros homens. A verdade é que Burns torna-se cada vez mais escorregadio, o que remete a uma fala com a namorada antes que comece sua investigação ("Há muitas coisas sobre mim que você não sabe"), a cena em que é amarrado numa cama por um suspeito (e reclama quando a polícia vem resgatá-lo), a enigmática cena em que atende ao convite de um homem rumo à escuridão do Central Park ou a crise de ciúme com o namorado de Ted. São cenas assim que fazem o caminho para o desfecho perturbador quando achamos que tudo está resolvido e existe a suspeita de que Burns se contaminou com a loucura do assassino em matar para abafar um desejo proibido. Apesar das cenas feitas para chocar e os clichês desengonçados, é essa interpretação multifacetada que fica na cabeça quando o filme termina - ainda bem que o papel não ficou com Richard Gere! Para os fãs do seriado Modern Family fiquem atentos ao pequeno papel de Ed O'Neill (o patriarca da família) como um policial. 

Parceiros da Noite (Cruising/EUA-1980) de William Friedkin com Al Pacino, Paul Sorvino, Karen Allen, Don Scardino e Richard Cox. 

sexta-feira, 16 de março de 2012

CATÁLOGO: O Casamento de Muriel

Grifiths e Collette: momento ABBA.

Lembro da primeira vez que vi O Casamento de Muriel do australiano PJ Hogan, lembro que ao fim da sessão eu fiquei num estado de alegria que se repetiu em todas as vezes que assisiti o filme (vale ressaltar que  é um dos que mais revi em minha vida cinéfila, o que, pelos meus cálculos, já deve estar perto de uma dezena de vezes). Acho que um dos maiores méritos do filme é não ter aquela cara das típicas comédias americanas bonitinhas, onde todo mundo é belo e bom numa artificialidade irritante. Apesar de ser uma comédia com um visual que abraça a cafonice sem complexos o filme tem um bocado de melancolia ao acompanhar as desventuras da gordinha Muriel Heslop (a estupenda Toni Collette). O sonho dela é se casar e provar para todos que a cercam que ela não é inútil como pensam - especialmente os pais, sempre eles -  mas as coisas não são muito fáceis. Logo no início do filme, Muriel passa vergonha numa festa de casamento ao ser acusada de furto. O casamento em questão é de uma de suas "amigas" enjoadas que se divertem pegando no pé da jovem que é fã do Abba e que parece ter se acostumado a ser ridicularizada por todo mundo. Naquela época nem se falava de bullying, mas Muriel é uma típica vítima dessa perseguição sistemática que alguns pseudoamigos teimam em fazer para verem alguma (des)graça na vida. Muriel é filha de um político local e seus irmãos não são muito ajustados. Esse núcleo familiar é mostrado de forma disfuncional com um pai rígido (Bill Hunter) e uma mãe submissa (Jeanie Drynan). Parece que todo o filme foi construído para mostrar que naquele ambiente sufocante, Muriel jamais poderia ser feliz - e o fato de suas "amigas" declararem que não querem mais andar com ela ajuda mais ainda nisso. Eis que surge a chance de mudar de vida e numa viagem ela reencontra uma antiga colega de escola, a luminosa Rhonda (a ótima Rachel Grifiths). Ao lado de Rhonda, Muriel terá o incentivo que precisa para mudar de vida, ir para Sidney, trabalhar, perder peso e encontrar o casamento de seus sonhos. Tudo poderia cair no lugar comum se o diretor Hogan sempre deixasse as situações com desfechos surpresa que nunca saem do ritmo com a ajuda de suas talentosas atrizes. A protagonista do filme acaba se envolvendo numa rede de mentiras que possuem efeitos cômicos (como dizer para Rhonda que está fugindo do noivo policial que era muito ciumento) ou dramáticos (o fato de experimentar vestidos de noiva contando histórias tristes para ser fotografada com os vestidos), após alguns acontecimentos ela acaba num casamento que não é o sonhado por ela, mas que consegue despertar nos outros a impressão que de tornou-se uma mulher de sucesso. O mais legal do filme é que o casório em si está em segundo plano, fazendo com que Muriel perceba que mais importante do que ter um esposo é casar-se primeiro consigo mesma. É impressionante como Hogan nunca deixa as coisas passarem do tom (ainda que o filme tenha cores vibrantes e que Hogan repetiu de forma mais branda no sucesso de O Casamento do Meu Melhor Amigo/1997 e no recente Delírios de Consumo de Becky Bloom/2009). O cineasta evita o melodrama, não há vulgaridade mesmo nas cenas mais picantes e sempre mantém o foco na trajetória errônea de Muriel que é defendida com unhas e dentes por Toni.  O filme revelou Toni Collette para o mundo e desde então ela tem enfileirado filme após filme em Hollywood, tendo sido indicada ao Oscar pelo papel da mãe dedicada de O Sexto Sentido (1999) e multipremiada pelo seriado United States of Tara (2009-2010) - neste ano ela repete a parceria com o diretor na dramédia Mental. Mesmo estando fora dos padrões de beleza ela consegue criar uma personagem irresistivelmente humana e até sensual, isso sem contar que a trilha sonora de sua vida é feita de puro Abba. Dizem que o grupo ficou com o pé atrás quando foi solicitado o uso de suas canções - com medo de serem ridicularizadas, mas o resultado é uma homenagem ao repertório açucarado do grupo (o número de Rhonda e Muriel cantando Waterloo é arrepiante, o casamento com I do, I do, I do, Ido é genial e Muriel falando que sua vida é está tão boa quanto Dancing Queen é inacreditavelmente comovente). Diferente do boboca Mamma Mia! (2008), O Casamento de Muriel sabe usar o apelo pop de sua trilha para enfatizar a transformação pela qual passa sua personagem, um patinho feio que pode não virar um cisne, mas que descobre que o fundamental é gostar de si mesma. 

O Casamento de Muriel (Muriel's Wedding/Austrália - 1994) de PJ Hogan com Toni Collette, Rachel Grifiths, Bill Hunter, Daniel Lapayne e Matt Day. 

quarta-feira, 14 de março de 2012

DVD: A Hora do Espanto


Yelchin e Farrell: o bem e o mal no subúrbio de Las Vegas. 

Eu era só um moleque quando vi A Hora do Espanto (1985) com minha irmã mais velha. Ela adorava aquele filme (e filmes de horror em geral) e eu o achava mais divertido do que qualquer outra coisa. Obviamente que a refilmagem capitaneada por Craig Gillespie (que tem como obra-prima A Garota Ideal/2007) tinha um enorme desafio de atualizar a trama do rapaz que descobre que seu vizinho é um vampiro que está atacando a vizinhança. Eu não lembro muito do original estrelado por Chris Sarandon, mas posso dizer que a refilmagem me despertou sensações muito parecidas. Pra começar mantém aquele equilíbrio entre humor e terror que inspirou a série Pânico de Wes Craven  e conta com um elenco mais eficiente do que esse tipo de filme costuma contar. Charley (Anton Yelchin) é o rapaz que tenta ocultar seu passado nerd evitando as companhias de quando era mais jovem, assim ele consegue conquistar o coração de uma cobiçada garota da escola. Sua vida parece estar entrando nos eixos quando o amigo Ed (o ótimo Christopher Mintz Plasse, que é a cara do meu primo Vinícius!) revela desconfiar que o novo vizinho de Charley é um vampiro responsável pelo desaparecimento de alguns amigos da escola.  Claro que ninguém iria acreditar numa sandice dessas. Quando o póprio Ed desaparece, Charley começa a cogitar que as desconfianças do amigo poderiam estar certas. O problema é que o vizinho, Jerry (Colin Farrell) faz o tipo conquistador e deixa até a mãe de Charley (Toni Collette, em mais um papel maternal para sua coleção) atraída por ele.  Descareditado por todos, o jovem rapaz vai tentar encontrar formas de se livrar do garanhão de caninos afiados. Gillespie consegue gerar bons momentos de suspense e ainda perde tempo com os clichês contemporâneos (vídeos da internet, sms...) para atualizar sucessos do passado, mas isso é menos relevante do que a tensão que consegue exalar sempre que Farrell está na tela. O irlandês Farrell está longe de ser um dos meus atores favoritos, mas devo admitir que ele se sai muito bem quando não tenta ser levado a sério como ator, são nesses momentos que consegue ser espontâneo e crível em suas atuações. Pode parecer que na pele de Jerry ele não faz muito mais do que pose e olhares 43, mas é só disso que um autêntico vampiro precisa para a mulherada se render aos seus caninos. Posso dizer que faz tempo que o ator não está tão a vontade num longa metragem. Preocupado em tirar os vampiros da vala em que a saga Crepúsculo os condenou ao ridículo ao trocar a sexualidade desses personagens por pele brilhosa, a refilmagem de A Hora do Espanto consegue um bom resultado, estiloso, coeso e de narrativa fluente. Existem momentos que o filme perde o ritmo - o curioso é que esses momentos acontecem geralmente quando insere o personagem Peter Vincent (David Tennant) na narrativa. Na pele de um caçador de vampiros charlatão que acaba tendo mais razão do que imaginamos, a tensão parece ficar sempre no meio do caminho quando ele aparece. Sem maiores pretensões, o filme é uma boa diversão para quem gosta dos filmes do gênero, poderia ser uns dez minutos mais curto (bastava não esticar demais o final), mas ainda assim consegue um resultado eficiente com algumas cenas mirabolantes e um elenco dedicado. 

A Hora do Espanto (Fright Night/EUA-2011) de Craig Gillespie com Anton Yelchin, Colin Farrell, Toni Collette, Christopher Mintz-Plasse e Imogen Potts.