Max Fischer: os problemas de ser um visionário precoce.
Se você conhece a obra de Wes Anderson e assiste seu primeiro longa metragem (
Pura Adranalina/1996, nome sem noção de
Bottle Rocket no Brasil) ficará difícil acreditar que trata-se de uma obra do diretor. O humor peculiar está presente, mas o diretor ainda se encontrava, digamos, "no mundo real" que, deixando que apenas alguns momentos permitisse que vissemos os lampejos do universo que criaria depois. Apesar de modesto,
Bottle Rocket ganhou no MTV Movie Awards o prêmio de melhor diretor estrante de 1996. Diante desse reconhecimento o diretor viu que valia a pena extrapolar no que sua estreia tinha de melhor (como a cena de Owen Wilson de bicicleta e o assalto deliciosamente atrapalhado) e mostrar do que sua criatividade era capaz. Rushmore (desculpe, mas recuso-me a chamar o filme pelo seu aguado nome em português -
Três é Demais) é um deleite! Trata-se do nascimento de um verdadeiro artista. Wes Anderson exibe aqui toda sua percepção de como cada música ou objeto em cena é fundamental para a construção de seus personagens, e por consequência, de sua história. O filme gira em torno de Max Fischer (a famigerada estreia de Jason Schwartzman, sobrinho de Coppola, filho de Talia Shire, primo de Sofia, Roman Coppola e Nicolas Cage), Max é aluno da prestigiada escola Rushmore. Quando o filme nos apresenta o personagem (de óculos e aparelho nos dentes) diante de uma equação matemática cabulosa, o diretor está pregando uma peça no espectador. Max está longe de ser um nerd (ou geek, como gostam de ser chamados), sua relação com a escola é menos presa aos conteúdos e mais com as atividades extra-curriculares. Max coleciona alguns títulos no universo
Rushmore ao participar de várias atividades, entre elas é Mestre da equipe de Esgrima, Presidente do Clube de Caligrafia, Segunda Maestro do Coral, Capitão do time de Lacrosse, Vice-Presidente do Clube Filatélico e Numismático, Presidente do Clube de Francês, Editor da Revista Escolar Yankee, Fundador da Sociedade de Astrononomia, participante do Clube de Kung Fu (no qual é faixa amarela), participante da equipe de Decatlo Mirim, Presidente do Clube de Apicultura Rushmore e, o mais expressivo, diretor do Grupo de Teatro Max Fischer, onde realiza as produções mais inimagináveis da história de todas escolas do planeta (incluindo uma polêmica produção de
Serpico), no entanto, é uma surpresa que todo esse currículo seja apresentado ao espectador logo depois que o diretor da escola (Brian Cox) anuncia que Max é um dos piores alunos da escola. É visível que, aos quinze anos, a vida de Max é a escola
Rushmore. Ali que ele se torna um sujeito talentoso, ilustre e influente, ainda que não seja um tipo muito popular entre todos os alunos, por isso, a ameaça de ser expulso da escola pelo seu baixo rendimento nas disciplinas torna-se um grande problema. No entanto, torna-se um problema menor do que sua paixão por uma professora: Rosemary Cross (Olivia Williams). Por ela, Max construiria até um aquário gigante depois de descobrir que ela é admiradora de Jacques Cousteau. Ainda que
Rushmore seja uma escola para ricos, Max está longe de ser um bem nascido. Filho de um barbeiro (que ele sempre diz ser um neurocirurgião), Max chama a atenção do empresário frustrado Herman Blume (Bill Murray), pai de duas amebas que estudam na mesma escola que Fischer. Herman e Max se tornam bons amigos (ou mais do que isso, já que Herman vê em Max tudo que seus filhos jamais serão, nem se comprarem cérebros novos), até que Herman também se apaixona por Rosemary. Apesar do nome brasileiro supervalorizar esse triângulo amoroso, é ele que marca a queda de Max. Da forma como descrevo a história parece um dramalhão sobre o "garoto pobre numa escola de ricos", mas Wes Anderson nos faz o favor de se afastar disso.
Rushmore é sobre a mente de um gênio no corpo de um menino de quinze anos, um sujeito tão precoce que precisa aprender a lidar com seu talento para não afastar quem está ao seu redor. Existe um grande equilíbrio de humor e drama no filme, cada diálogo e cena surreal (a cena de Max agredido por crianças no Halloween é hilária, assim como o ataque de abelhas a Herman ou os diálogos assimétricos com Rosemary) colabora para criar a identidade de Max e de Wes como cineasta. A forma como as mudanças na vida de Max (ir para uma escola pública e recomeçar num universo totalmente novo) contribuem para a construção do seu caráter (inclusive na relação com o amigo assistente Dirk Calloway - vivido com precisão por Mason "
Dennis, o Pimentinha/1998" Gamble) e de novas perspectivas longe do tom moralista que qualquer diretor poderia imprimir.
Rushmore parece um conto sobre ritos de passagem, no caso de Max, o rito é a passagem de um mundo quase fantasioso para a realidade, algo que revela o quanto o personagem tem do diretor. A criatividade de Anderson aqui já se revela uma voz única, que começa a ecoar na "patota cinematográfica" que começou a consolidar. Do filme anterior trouxe o amigo Owen Wilson (que o ajuda nos roteiro) e Luke Wilson, além de encontrar seu ator assinatura (Bill Murray, que ressuscitou a a carreira com sua singela atuação na pele de Herman Blume) e outro cúmplice de peso (Jason Schwartzman, ótimo em cada cena), amigos que sempre aparecem nas obras seguintes do diretor. Não me admiro se num futuro distante, o diretor retomar num projeto futuro os personagens do
Grupo de Teatro Max Fischer e cada um deles receber o nome dos membros de sua adorável patotinha (que hoje soma outros agregados do porte de Anjelica Huston, Adrien Brody, Edward Norton, Willem Dafoe, Tilda Swinton...).
Rushmore - Três é Demais (Rushmore/EUA-1998) de Wes Anderson com Jason Schwartzman, Olivia Williams, Bill Murray, Brian Cox, Mason Gamble, Luke Wilson, Seymour Cassell, Stephen McxCole e Connie Nielsen. ☻☻☻☻☻