domingo, 31 de janeiro de 2016

N@ CAPA: Star Wars por Pedro Almodóvar

A Galáxia não é mais a mesma...

Com arrecadação nas bilheterias superior
à quantia de dois bilhões de dólares, 
Star Wars - O Despertar da Força 
se tornou mais do que um sucesso, 
afinal, a incursão de JJ Abrams pelo
 universo de Luke Skywalker 
renovou a força de uma franquia que penou
nas mãos de George Lucas 
nos capengas Episódio I, II e III. 
Abrams abraçou todas as referências
do universo criado por Lucas, 
renovou a saga dos personagens e 
deu força para que toda uma nova série de filmes seja lançada. 
Obviamente que nem apenas de produções oficiais
se vive a fama do filme,
 entre as paródias, sátiras e brincadeiras, 
uma das mais engraçadas foi criada 
a partir da ideia de ter os filmes da série dirigidos 
pelo cineasta espanhol Pedro Almodóvar. 
De Salto Alto (1991) virou "Galáxias Distantes"
o premiado Tudo sobre Minha Mãe (1999)
virou "Tudo Sobre meu Pai"
o oscarizado Fale com Ela (2002)  virou Fale com Leia,
Má Educação (2004) se tornou A Educação Jedi,
 Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988)
deu lugar ao
 Jedis à Beira de Um Ataque de Clones 
e - um dos mais legais - 
ver a semelhança entre o sombrio A Pele que Habito (2011) 
com O Sith que Habito
Até Darth Vader riu com a ideia!

INDICADOS AO OSCAR 2016 - ATOR

Bryan Cranston (Trumbo)
Cranston começou a atuar profissionalmente aos 12 anos na década de 1960, mas somente vinte anos depois começou a aparecer os papéis no cinema. Seus personagens de maior sucesso foram na televisão, culminando na consagração por Breaking Bad (2008-2013), pela qual recebeu vários prêmios. Agora, Bryan recebe a atenção dos grandes estúdios que já o escalaram para filmes importantes como Argo/2012. Cranston recebe sua primeira indicação ao Oscar por sua magnífica atuação como o roteirista Dalton Trumbo - que é perseguido por seu envolvimento com o partido comunista nas décadas de 1940 e 1950. 

Eddie Redmayne (A Garota Dinamarquesa)
Depois de ganhar o Oscar de melhor ator do ano passado por A Teoria de Tudo/2014, o inglês conseguiu sua segunda indicação ao maior prêmio do cinema americano. Ele vive o pintor dinamarquês Einer Weigener, que, no início do século XX, se submeteu à primeira operação de mudança de sexo. Também conhecido como Lili Elbe, o papel exige mais uma vez uma grande interpretação física do ator, que ao ficar atento aos gestos, olhares e tom de voz, agradou a Academia mais uma vez. É o único no páreo premiado na categoria anteriormente. 

Leonardo DiCaprio (O Regresso)
Ao que parece, o ator é o favorito na categoria desse ano, ao viver o desbravador Hugh Glass que em 1820 participou de uma expedição e foi abandonar o por seus companheiros após ser atacado por um urso. Lutanto pela sobrevivência - e por vingança. DiCaprio já concorreu anteriormente ao prêmio de coadjuvante por Gilbert Grape/1993 e melhor ator por O Aviador/2004, Diamante de Sangue/2006 e O Lobo de Wall Street/2013 (filme que ao concorrer na categoria de Melhor Filme também lhe rendeu uma indicação como produtor, assim como O Regresso). DiCaprio já possui seis indicações ao Oscar. 

Matt Damon (Perdido em Marte)
Damon já tem um Oscar na estante pelo roteiro original de Gênio Indomável (1997) filme, que o colocou no radar de Hollywood e da Academia, lhe rendendo sua primeira indicação ao Oscar de ator. De lá para cá, o ator já reinventou sua carreira várias vezes. Pelo papel do astronauta, que tem que lidar com todas as condições adversas do planeta vermelho enquanto o resgate não chega foi indicado novamente. Entre cenas dramáticas, cômicas e de ação, Damon demonstra toda sua versatilidade e ganhou um controverso Globo de Ouro de melhor ator de comédia. Matt também já concorreu ao prêmio de ator coadjuvante por Invictus (2009)

Michael Fassbender (Steve Jobs)
O ator alemão concorreu anteriormente como melhor ator coadjuvante como o vilão de 12 Anos de Escravidão (2013), conhecido por viver o Magneto jovem na franquia X-Men, ele vive aqui o visionário Steve Jobs que é apresentado com grande complexidade no filme de Danny Boyle. Fassbender faz um belo trabalho ao encarnar tudo o que o personagem possui de genialidade, arrogância, orgulho e fúria. Embora tenha poucas chances de levar a estatueta para casa, Fassbender se consolida como um dos melhores atores da atualidade (tanto que possui seis filmes agendados para estrear em 2016). 

O ESQUECIDO: Johny Depp (Aliança do Crime)

Quando começaram os burburinhos para o Oscar, o astro Johnny Depp era o favorito para levar para casa o Oscar de melhor ator. Como o filme não fez o sucesso esperado, a força de sua interpretação como o criminoso James Bulger perdeu eleitorado e o ator foi lembrado somente no prêmio do Sindicato dos Atores. Outro ponto a ser lembrado é que talvez a Academia esteja cansada de atores que usam maquiagem para dar a volta por cima na carreira. Com três indicações ao Oscar no currículo e alguns fracassos recentes, Depp acabou ficando de fora.

Na Tela: Trumbo

Cranston: a morte oficial de Walter White.

Walter White não morreu quando foi ao ar o episódio final da cultuada série Breaking Bad (2008-2013), ele morreu mesmo foi quando saiu a lista de indicados ao Oscar desse ano. Bryan Cranston, o ator veterano que ficou famoso na pele do professor de química da série (que torna-se traficante após descobrir que está com câncer) concorre ao prêmio de Melhor Ator por sua atuação como o brilhante roteirista Dalton Trumbo na interessante cinebiografia dirigida por Jay Roach. Roach ficou famoso como o diretor de comédias como Austin Powers (1997) e Entrando numa Fria (2000), mas era na televisão que demonstrava seu olhar ácido sobre fatos políticos americanos. Foi na telinha que foi celebrado por filmes como Recontagem (2008) e Virada no Jogo (2012), antes de avacalhar com Os Candidatos (2012) no cinema. Agora o diretor volta-se para um período complicado da história do cinema americano, o período onde os afiliados do partido comunista foram perseguidos não apenas pelo governo americano, mas foram banidos pelos estúdios que temiam represálias. Logo no início, percebemos como tudo não passava de uma virada política, já que antes da perseguição, a União Soviética era aliada dos EUA (motivando a inscrição de diversos cidadãos no partido comunista) para depois ser considerada inimiga (e fazer os afiliados serem vistos da mesma forma). É estanho imaginar que um país que sempre propaga o discurso a favor da democracia e da liberdade tenha perseguido pessoas que tinham ideais políticos diferentes. O absurdo era absolutamente real - e Trumbo e vários de seus amigos sentiram isso na pele. A década de 1940 foi marcada por essa perseguição, período que ficou conhecido como de Caça às Bruxas, liderada pelo senador Joseph McCarthy (e perdurou até a década seguinte). Dalton Trumbo (Cranston) e seus amigos pensavam que poderiam fazer as pessoas perceberem o ridículo do que estava acontecendo, mas acabaram presos - além de incluídos numa lista negra que impossibilitava o trabalho na indústria cinematográfica. O filme começa mediano, contendo muito daquele estilo de filme televisivo de antigamente, mas aos poucos ele cresce, sem abrir mão das ironias e torna-se fascinante quando Trumbo trabalha escondido (com ajuda da família e dos amigos) e consegue ganhar dois Oscars através de outros nomes (por A Princesa e o Plebeu/1953 e Arenas Sangrentas/1956). Fortemente valorizado pelo seu elenco, vivendo personagens importantes - com destaque para Diane Lane (como a senhora Cleo Trumbo), Elle Fanning (como a primogênita de Trumbo), Helen Mirren (como a megera Hedda Hooper) e Louis C.K. (como o amigo Alan Hird), além de Cranston que está espetacular na pele de Trumbo (sua presença em cena já emana um brilhantismo que dispensa qualquer adjetivo que possa dizer sobre o roteirista). Apesar de contar um período complicado da história americana, Roach evita fazer um filme sombrio, utilizando o humor do personagem e apostando na força de sua história. Trumbo concorre ao Oscar somente na categoria de melhor ator, mas eu o colocaria fácil em outras categorias cobiçadas.   

Trumbo - Lista Negra (EUA/2015) de Jay Roach com Bryan Cranston, Michael Stuhlbarg, Diane Lane, Helen Mirre, Elle Fanning, Louis C.K., David Maldonado, Alan Tudyk, John Goodman, Roger Bart e Dean O'Gorman. ☻☻☻☻

PREMIADOS SCREEN ACTOR'S GUILD - 2016

Idris Elba: o grande vencedor da noite. 

Apenas eu ou mais alguém sentiu um certo desconforto entre alguns premiados no Screen Actor's Guild que aconteceu ontem? Diante de toda a crítica ao Oscar por não ter atores negros concorrendo esse ano - que gerou outra polêmica sobre as cotas nas próximas indicações - havia um fantasma pairando na festa. Não que os premiados não merecessem, mas era perceptível que alguns pensaram "Sério?". Idris Elba merece todos os prêmios por sua performance em Beasts of no Nation (e, de fato, considero sua atuação melhor do que todos os indicados ao Oscar desse ano), mas quando ganhou o prêmio também pela série Luther seu desconforto era indisfarçável. Outra que não soube o que fazer foi Queen Latifah, escolhida por sua atuação em Bessie. Quando seu nome foi citado ela fez uma expressão mais de desconfiada do que de surpresa. Porém, não dá para suspeitar de Viola Davis, Uzo Aduba e Orange is the New Black repetindo os prêmios de 2015 - afinal, são unanimidades. O efeito colateral de toda essa discussão sobre a diversidade foi colocar sob suspeita a intenção dos votantes da temporada (e não o talento dos premiados, que fique claro). Queriam ensinar uma lição ao Oscar? Vale lembrar que o único negro indicado nas categorias cinematográficas do sindicato era Idris Elba (e embora aparecessem outros atores que não concorrem ao Oscar desse ano, o SAG trocou brancos por outros brancos) e o prêmio mais importante foi para um filme de elenco caucasiano, ou seja, acho que toda essa discussão seria inexistente se Elba estivesse entre os vinte concorrentes ao Oscar desse ano - e o melhor de tudo é que ele ganharia pelo seu próprio talento, sem cotas ou intenções politicamente corretas.  A seguir todos os ganhadores da noite: 

CINEMA

Melhor ator
 Leonardo Dicaprio – “O Regresso”

Melhor atriz
Brie Larson – “Room”

Melhor ator coadjuvante
 Idris Elba – “Beasts Of No Nation”

Melhor atriz coadjuvante
Alicia Vikander – “A Garota Dinamarquesa”

Melhor elenco
 Spotlight: Segredos Revelados 

TV

Melhor ator em série dramática
 Kevin Spacey – “House Of Cards”

Melhor atriz em série dramática
Viola Davis – “How To Get Away With Murder”

Melhor ator em série cômica
Jeffrey Tambor – “Transparent” 

Melhor atriz em série cômica
 Uzo Aduba – “Orange Is The New Black”

Melhor ator em minissérie ou telefilme
 Idris Elba – “Luther” 

Melhor atriz em minissérie ou telefilme
 Queen Latifah – “Bessie” 

Melhor elenco de série dramática
 Downton Abbey 

Melhor elenco de série cômica
Orange Is The New Black

sábado, 30 de janeiro de 2016

Na Tela: Joy - O Nome do Sucesso

Joy (J. Law no alto) e sua família: a queridinha do Oscar. 

A maior prova de que você é um queridinho do cinema é fazer um trabalho apenas "ok" e ser lembrado nas premiações. Com seus últimos quatros filmes aparecendo em categorias do Oscar, todo mundo sabe que David O. Russell é querido pela Academia, mas a única indicação de seu novo filme na premiação desse ano se deve à uma darling maior ainda: Jennifer Lawrence. J. Law (para os íntimos) foi recentemente apontada por uma pesquisa como a sétima maior queridinha da América, ou seja, a moça é adorada pelo público e pelos seus pares na indústria - o que não é para qualquer um (tanto que é a única a conseguir uma indicação por sua atuação esse ano). Isso explica muito o motivo para um filme que não fez grande sucesso lhe render a quarta indicação ao Oscar em seis anos (lembrando que ela tem na estante o Oscar de melhor atriz na estante por seu trabalho em O Lado Bom da Vida/2012 sua primeira parceria com Russell). Joy - O Nome do Sucesso é de fato o filme menos interessante de David O. Russell, mas se levarmos em conta que seu trabalho costuma ser melhor que a média americana, o resultado não chega a ser um desastre. A questão é que a história escolhida não garante muitas possibilidades e ainda corre o risco de cair na velha balela americana de "correr atrás do próprio sonho e vencer na vida" (sem levar em conta a quantidade de pessoas que correm e morrem endividadas), a diferença é que o filme consegue simpático - apesar de sua protagonista ser cercada de um bando de personagens pouco amistosos. Joy (Lawrence) trabalha num aeroporto para sustentar a casa, afinal, além de sustentar os dois filhos pequenos, ela ainda hospeda a mãe que apenas assiste novelas o dia inteiro (Virginia Madsen) e a avó (Diane Ladd) que narra o filme e incentiva Joy a dar voos mais altos na vida. Além disso,  o pai (Robert De Niro) foi despejado pela namorada e terá que dividir o porão da casa com o ex-genro (Edgar Ramirez). O que faz a diferença na vida de Joy é que ela costuma inventar coisas desde pequena, mas nunca conseguiu produzir suas invenções. Eis que em sua vida doméstica ela cria um esfregão que não precisa torcer com as mãos (esse mesmo que você lembrou) e com a ajuda do pai e da nova namorada dele (Isabella Rossellini) ela irá produzir sua criação e tentar fazê-la um sucesso - o que será bem mais difícil do que pensava. David O. Russel tem prestígio suficiente para atrair uma legião de bons atores para o seu filme (outro destaque do elenco é Dascha Polanco, de Orange is the New Black, que acerta o tom no papel da melhor amiga da protagonista), além de ter talento para fazer de uma história insossa um filme agradável de se assistir, mas que não consegue ser muito mais do que isso. Depois do entusiasmo de Trapaça/ esperei durante todo o filme algum momento engenhoso, genial, diferente... mas ele não acontece em momento algum. Ao final, cheguei à conclusão de que o diretor não tinha grandes pretensões para Joy, acho que sua ideia era fazer um filme que investisse na atmosfera das comédias familiares da década de 1980, porém, o que prende a atenção mesmo é a atuação de Jennifer Lawrence (que por melhor que seja, não consegue disfarçar que é nova demais para o papel). Parece que o grande objetivo de lançar o filme na temporada de prêmios era conseguir um lugar para Jennifer e, com isso, ter algum destaque para o filme - e com o aceno do Oscar mais uma vez, os produtores provaram saber das coisas - mas, fica a dica David O. Russell: capriche em seu próximo filme se quiser continuar tão querido quanto antes. 

Joy - O Nome do Sucesso (Joy / EUA- 2015) de David O. Russell com Jennifer Lawrence, Robert De Niro, Diane Ladd, Virginia Madsen, Isabella Rossellini, Dascha Polanco e Bradley Cooper. ☻☻☻

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Na Tela: Carol

Cate e Rooney: o proibido segundo Todd Haynes. 

Trabalhando com cinema desde 1978 o diretor Todd Haynes é um sujeito incomum. Com apenas seis longa metragens no currículo, suas obras sempre soam diferentes para o público que se acostumou ao que Hollywood produz. Nascido em Los Angeles na Califórnia, sua obra sempre deixa claro que ele percebe o cinema como uma arte, seja quando decide fazer adaptações da obra de Jean Genet (como fez em sua estreia em Veneno/1991), falar sobre o mal do século (com o auxílio de Julianne Moore em A Salvo/1995), contar a história do glam rock (Velvet Goldmine/1998) ou das vidas de Bob Dylan (Não Estou Lá/2007). Mesmo quando bebe nos clássicos do cinema, seu cinema surpreende como aconteceu em Longe do Paraíso/2002 (aclamado e indicado a 4 Oscars, incluindo o de melhor atriz para Julianne Moore) e Carol, adaptado da obra de Patricia Highsmith. Nesses dois filmes, Haynes mostra como ama o cinema, especialmente por evocar um glamour que quase não vemos mais na telona (e evocar Marlene Dietrich e Audrey Hepburn em suas protagonistas). No entanto, seu glamour, não é alienante, pelo contrário trata-se de um recurso poderoso para representar como suas personagens parecem divas enquanto sufocadas por convenções sociais. Se em Longe do Paraíso Julianne se apaixonava por um homem negro enquanto descobria que seu esposo era homossexual, em Carol também existe um desejo que causará problemas ao ser revelado. Aclamado desde que foi exibido no Festival de Cannes no ano passado (de onde saiu com o prêmio de melhor atriz para Rooney Mara), Carol é sobretudo uma história de amor que desafia padrões, pelo menos até o momento em que perdas irreparáveis pode ocorrer. O título se refere à personagem de Cate Blanchett, uma mulher madura que está lidando com o divórcio do marido, Harge Aird (incrível como Kyle Chandler encaixa perfeitamente nesses papéis que exigem um galã com estampa de antigamente) e avista problemas pela guarda da filha. Basta ver o olhar que a vendedora Therese (Rooney) direciona para ela e perceber como as fagulhas aparecem no ar. As duas irão se aproximar enquanto a câmera apresenta nuances da personalidade da tímida Therese - que ainda não se convenceu em aceitar o pedido de casamento do namorado (Jake Lacy) - e da exuberante Carol, que sabe exatamente qual é a sua natureza. Trata-se do romance entre duas mulheres diferentes, mas que Todd Haynes tem a gentileza de tratar com a maior elegância. Se você ficar atento aos detalhes da interpretação da dupla de atrizes irá perceber porque o filme recebe tantos elogios por onde passa. Embora tudo seja impecável (fotografia, figurinos, cabelo, maquiagem, direção de arte, trilha sonora...) o incômodo está sempre presente, pesando sobre as duas personagens, disfarçado pela beleza nostálgica da década de 1950. O que mais assusta é que se a história fosse adaptada para os dias atuais, não precisaria de alterações. O andamento seria o mesmo, a consequência seria a mesma e o diálogo de Cate Blanchett diante dos advogados seria de rasgar o coração da mesma forma. No livro que inspira Carol, a autora Patricia Highsmith (que também era homossexual e escreveu o livro sobre o pseudônimo de Claire Morgan em 1953), escreve mais do que o romance de duas mulheres que se apaixonam, descreve também o mundo no pós-guerra que ainda criava sua identidade e precisava refletir sobre o mundo em tranformação. Todd Haynes demonstra isso na cena inicial, quando a câmera procura a história que quer contar entre homens e mulheres, mas é enfeitiçada por Cate Blanchett sentada à mesa com Rooney Mara. A câmera de Haynes sabe das coisas, pena que  a Academia o ignorou mais uma vez, indicando o filme a cinco estatuetas Atriz (Cate Blanchett), atriz coadjuvante (Rooney Mara, que é a protagonista da história mas... tudo por uma estatueta), roteiro adaptado, fotografia e trilha sonora. Até os puritanos deverão concordar que Carol é de uma beleza cênica incomum. 

Carol (EUA / Reino Unido - 2015) de Todd Haynes com Cate Blanchett, Rooney Mara, Kyle Chandler, Sarah Paulson e Jake Lacy. ☻☻☻☻

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

ARQUIVO X: OS FILMES

Mulder e Scully: a conspiração alienígena chega ao cinema.

A série Arquivo-X sempre foi muito elogiada por ter episódios que pareciam filmes, cheio de atmosfera e suspense, por isso muitos a comparavam com a lendária Twin Peaks idealizada pelo cineasta David Lynch (na qual o próprio agente Mulder, ou melhor, David Duchovny atuou interpretando uma travesti), mas Chris Carter sempre deixou claro que sua maior inspiração era o que Jonathan Demme fez no oscarizado O Silêncio dos Inocentes (1991), onde o poder da sugestão fazia o espectador prender o fôlego enquanto preenche as lacunas da narrativa (o que tornava o assustador, mais assustador). Nada mais natural que Arquivo-X  tivesse seu universo transposto para a tela grande, especialmente quando alcançou o auge com prêmios do porte do Globo de Ouro e Emmy em 1997. Em 1998 o primeiro filme chegou ao cinemas envolto em grande mistério. A quinta temporada tinha acabado de passar na TV e os fãs nutriam grande expectativa para o lançamento programado para o verão americano. Em Arquivo X: Resista ao Futuro (1998) o criador Chris Carter e o diretor Rob Bowman (que havia dirigido vários episódios), queriam elevar a série a outro patamar, tanto que ampliaram alguns dos elementos mais empolgantes para a telona - com o cuidado de não complicar a vida de quem nunca acompanhou a jornada dos agentes do FBI Fox Mulder (David Duchovny) e Dana Scully (Gillian Anderson), responsáveis por investigar os casos mais estranhos e sem explicação do FBI. Partindo de um atentado num prédio - com consequências cada vez mais surpreendentes - a trama conta a história do óleo negro, uma substância que já havia contaminado vários personagens durante as temporadas e que aqui tem sua origem revelada, junto com a conspiração que planeja espalhá-lo entre a população mundial. Cheio de suspense e conspirações, o filme ainda explora o tempo inteiro com o amor platônico que emanava entre Mulder e Scully, tornando a cena do (quase?) beijo uma das mais famosas de sua duração. Como tudo relacionado ao programa, se contar demais estraga ao assistir uma trama engenhosa de ficção científica com participações especiais de Blythe Danner, Armin Mueller-Stahl e Martin Landau. Por não causar nenhuma mudança drástica nos rumos da série, Resista ao Futuro agradou sobretudo os fãs que lhe garantiram relativo sucesso mundial, vale lembrar que a trilha sonora também fez sucesso (com nomes em alta na época: Foo Fighters, Cardigans, Filter, Björk, Noel Gallagher...), restava saber o efeito do filme na série. 

Fox e Scully: retorno intimista. 

O clima da série mudou depois do filme, provavelmente para agradar os novos fãs, mas nada que comprometesse seus maiores méritos. Mulder e Scully continuaram suas vidas em meio à monstros, alienígenas e conspirações, até que David Duchovny se despediu do programa na oitava temporada para dedicar-se ao cinema. Com as dificuldades pelas quais o programa passou a partir daí, a ideia de um segundo filme foi engavetada. A série terminou em 2002 e de vez em quando Chris Carter afirmava sua vontade de retomar os personagens em outro longa metragem. Ironicamente, David Duchovny não conseguiu nenhum sucesso cinematográfico fora do programa, ironicamente reencontrou o sucesso no picante seriado Californication (2007-2014). Já Gillian Anderson, continuou realizando trabalhos para a TV que lhe garantiram indicações ao Globo de Ouro, BAFTA  e outros prêmios televisivos (e até atuou em uma produção ganhadora de Oscar: "O Último Rei da Escócia"/2005).  Quando o filme conseguiu sinal verde, os fãs enlouqueceram com a chance de reencontrar Mulder e Scully novamente. O segundo filme, Arquivo X: Eu Quero Acreditar estreou dez anos depois do primeiro, sob a direção do próprio criador... mas teve recepção morna. A grandiloquência do filme anterior havia ficado para trás e a trama investia num tom mais intimista. Carter teve muita coragem de engavetar tudo o que o seriado tinha de mais conhecido e dar destaque aos dilemas de Dana Scully e a sua fé, afinal, após sair do FBI ela começou a trabalhar num hospital de vínculo religioso e brigava pela utilização de células tronco no tratamento de um paciente. No entanto, ela e Mulder são convocados para ajudar numa investigação onde um padre acusado de pedofilia (vivido por Billy Connoly) é o único capaz de ajudar a solucionar misteriosos desaparecimentos investigados pelos agentes  Dakota Whitney (Amanda Peet) e Mosley Drummy (o rapper Xzibit). O desenvolvimento da história é um tanto confuso, mas rende uma homenagem do programa às referências que sempre utilizou de O Silêncio dos Inocentes, basta perceber que aqui um criminoso de índole duvidosa ajuda em uma investigação do FBI. A parte religiosa serve apenas para resgatar aspectos que sempre soaram perturbadores para a cética Scully, mas o resultado parece menos um filme e mais um episódio esticado do programa de televisão. Talvez a ideia fosse contrapor a obsessão de Fox Mulder (retratada no primeiro) com a de Dana Scully neste filme. No entanto, até os fãs mais devotados reclamaram, talvez preferissem novas informações sobre as conspirações alienígenas. Porém, considero que o filme funciona dentro de suas limitações. Com a decepção nas bilheterias, Chris Carter viu sua intenção de fazer um terceiro filme naufragar, mas, ainda assim, a FOX era esperta o suficiente para perceber que o universo de X-Files poderia render ainda muitas outras histórias. Acredito que as ideias que Carter tinha para o filme definitivo estão sendo utilizadas na 10ª temporada de Arquivo-X que começou a ser exibida recentemente no Brasil, após quatorze anos fora do ar. 

Arquivo X - Resista ao Futuro (X-Files: Fight the Future/EUA-1998) de Rob Bowman com David Duchovny, Gillian Anderson, Martin Landau e Blythe Danner. ☻☻☻☻

Arquivo X - Eu Quero Acreditar (X-Files: I Want to Believe/EUA-2008) de Chris Carter com David Duchovny, Gillian Anderson, Billy Connolly, Amanda Peet e Alvin Xzibit Joiner. ☻☻☻

NªTV: Arquivo X - 10ª Temporada

Skinner, Mulder, Scully e Canceroso: belo retorno à TV. 

Arquivo X nunca foi apenas um seriado televisivo, estava mais para um objeto de culto dos anos 1990. A audiência seguia religiosamente os passos do agente Fox Mulder (David Duchovny) e Dana Scully (Gillian Anderson) na busca por explicações dos casos mais estranhos do FBI. Desacreditados, os personagens lidavam semanalmente com mutantes, dimensões paralelas, vampiros e conspirações governamentais e alienígenas. Iniciada em 1993, a série criada por Chris Carter ganhou densidade a cada ano, ao ponto de ganhar mais espaço entre o público, a mídia e as premiações. Em 1995 ganhou pela primeira vez o Globo de Ouro de Melhor Série Dramática, o mesma aconteceu em 1997, 1998 e 1999 (em 1997 e 1999, David e Gillian também ganharam os prêmios de melhor ator e atriz de  série dramática). A coisa começou a desandar no ano 2000, quando David Duchovny abandonou a série para se dedicar ao cinema. A série nunca mais teve o mesmo impacto. Em 2001 a série estreava sua última temporada e, no dia 19 de maio de 2002 foi ao ar o último episódio da série, onde uma conspiração era revelada para que a Terra fosse invadida por alienígenas. Na verdade, a boa vontade do público já havia deixado a série dois anos antes, quando a dupla central da trama foi desfeita e a história se tornou cada vez mais desinteressante. Afinal, por mais que Robert Patrick e Annabeth Gish se esforçassem, não tinham um quinto da química que rolava entre Mulder e Scully (talvez, para a surpresa dos produtores, a legião de fãs da série estavam menos interessada em monstros e conspirações e mais no relacionamento da dupla. Sorte que 14 anos depois, a FOX retoma a série em um formato mais enxuto: seis episódios no formato de minissérie (vale lembrar que a série costumava ter até 20 episódios por temporada), nos dois episódios transmitidos no Brasil, o que percebemos é que tudo volta a ser como era na época de ouro do seriado. Porém, a produção teve a esperteza de situar o público depois de tanto tempo com a narrativa de Mulder sobre a essência do programa. Além disso, existe uma explicação breve sobre o que aconteceu com os personagens depois que eles saíram do FBI, incluindo que fim levou o filho da dupla, William. O primeiro episódio capricha em situar os dois personagens num mundo pós-11 de setembro, contemporâneo do Wikileaks e os pronunciamentos de Edward Snowden. Nessa introdução ao novo Arquivo X o que mais me surpreendeu foi a presença do comediante Joel McHale num papel bem diferente do que vimos em Community (agora exibido pelo canal Comedy Central) - e espero que ele apareça em outros episódios. A trama faz com que Mulder e Scully voltem a trabalhar no FBI numa solução um tanto apressada ao episódio (senti falta de um antológico to be continued). O segundo episódio parece um desvio para quem acreditava que a trama iria se concentrar numa única história ao longo da temporada, mas há quem acredite que tudo está relacionado com um novo rumo da conspiração que Mulder sempre tentou desmascarar. Arquivo X mantém o clima sombrio de suas tramas movediças, o senso de humor obscuro também aparece e o mais saboroso é rever Duchovny e Gillian nos papéis que os transformaram em astros televisivos - mas que não tiveram o mesmo reconhecimento no cinema, sempre encontrando na TV um território seguro para seus trabalhos (ele em Californication, ela em séries como Bleak House e Hannibal). Quando disseram que o terceiro filme relacionado à série não sairia do papel eu imaginei que era a grande chance do programa voltar ao seu berço. Bom que a verdade continua na TV!

Arquivo X - 10ª Temporada (The X-Files - Season 10) de Chris Carter com David Duchovny, Gillian Anderson, Mitch Pilleggi, William B. Davis e Joel McHale. ☻☻☻☻ 

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

10+: Jennifer Jason Leigh


Jennifer Lee Morrow
Celebrada por sua atuação no novo filme de Quentin Tarantino, Hollywood finalmente parece ter redescoberto uma de suas melhores atrizes lançadas na década de 1980. Por Os Oito Odiados, Jennifer Jason Leigh recebeu sua primeira indicação ao Oscar. Mas nem só de Tarantino viveu seu bom ano de 2015, ela ainda está indicada ao Independent Spirit por sua atuação na animação Anomalisa de Charlie Kauffman. Depois de passar uma década participando como coadjuvante de filmes de pequeno orçamento, parece que a atriz finalmente recebe o devido reconhecimento da Academia. Para celebrar eu preparei essa lista com as dez atuações que considero as mais memoráveis da atriz no cinema:

#10 "Picardias Estudantis" (1982) 
de Amy Heckerling
A primeira vez que vimos Jennifer ganhar destaque na telona ela era assim, uma mocinha bochechuda de olhos intensos num rosto inocente. No papel da garçonete Stacy Hamilton, com os hormônios a flor da pele, Hollywood recebia a promessa de uma estrela. 

# 09 "Short Cuts" (1993) 
de Robert Altman
Jennifer já havia deixado claro que não tinha vocação para ser a mocinha de comédias românticas antes de aparecer como a dona de casa que trabalhava para uma linha de tele-sexo enquanto cuidava dos afazeres domésticos. A cena onde ela atende um cliente enquanto troca a fralda suja do bebê é uma das mais famosas de sua carreira. Ao lado de todo elenco foi premiada no Globo de Ouro e no Festival de Veneza. 

#08 "Georgia" (1995) 
de Ulu Grosbard
Cansada de esperar uma indicação ao Oscar, Jennifer resolveu produzir esse roteiro assinado por sua própria mãe, Barbara Turner. Leigh vive a problemática cantora Sadie Flood, que sempre viveu à sombra da irmã famosa Georgia Flood (Mare Winningham). Ironicamente quem foi indicada ao Oscar foi Mare e não Jennifer... a partir daqui a carreira da atriz tomou um rumo decrescente. 

#07 "Margot e o Casamento" (2007)
 de Noah Baumbach 
Pouca gente curtiu esse segundo filme de Baumbach (que na época era casado com Jennifer). A atriz vive Pauline, que prepara-se para casar com um músico quando recebe a visita da irmã amarga, Margot (Nicole Kidman). As personalidades opostas das manas colidem e geram situações de puro humor negro. Depois de viver vários personagens sombrios, a atriz faz de Pauline quase uma hippie.

#06 "Na Roda da Fortuna" (1994)
de Joel Coen & Ethan Coen
No início dos anos 1990, Jennifer estava na melhor fase de sua carreira, recebendo atenção dos grandes estúdios e de diretores renomados. Pena que a comédia dos irmãos Coen sobre a invenção do bambolê não fez o sucesso esperado. Leigh interpreta uma jornalista que percebe que existe algo de estanho na Indústria Hudsucker - e acaba se envolvendo com o ingênuo inventor vivido por Tim Robbins.

#05 "Eclipse Total" (1995) 
de Taylor Hackford
Quando essa adaptação do livro de Stephen King chegou aos cinemas, a crítica clamava por uma indicação ao Oscar de coadjuvante para a atriz, que vivia a advogada Selina St. George - que volta para a cidade natal para ajudar a mãe (Kathy Bates) a se livrar de uma acusação de assassinato. Mas mãe e filha tem outros problemas para resolver... ignorado nas premiações, o filme merece ser redescoberto. 

#04 "O Círculo do Vício" (1994) 
de Alan Rudolph 
Jennifer foi indicada ao Globo de Ouro de melhor atriz dramática por sua atuação como a escritora Dorothy Parker - que participava de um curioso círculo de amigos onde todos se entregavam ao álcool (durante a lei seca de Nova York) e ao flerte. Jennifer tempera uma personagem real (de triste vida amorosa) com cinismo e algum desespero, no que muitos consideram a melhor atuação de sua carreira.  

#03 "Conquista Sangrenta" (1985) 
de Paul Verhoeven
O diretor de Instinto Selvagem/ já demonstrava seu gosto por ousadias nesse épico medieval sanguinário (e devasso) que marcou época quando as locadoras começaram a se tornar populares no país. Hutger Hauer é o líder de um bando de mercenários que, para se vingar do rei, resolve sequestrar a donzela Agnes (Jennifer), prometida do príncipe. Mas Martin e Agnes acabam vivendo um tórrido romance (e a química entre Hauer e Jennifer - com 23 anos - é tão explosiva quanto a de Sharon Stone com Michael Douglas). 

#02 "Mulher Solteira, Procura..." (1992) 
de Barbet Schroeder
Os diretores já tinham percebido a desenvoltura da atriz em viver papéis complicados quando escolheram ela para viver Hedra Carlson - uma moça tímida que responde ao anúncio para dividir o apartamento com a bem resolvida Alisson Jones (Bridget Fonda). O problema é que com Hedra chega também todos os seus problemas psicológicos. Esse deve ser o maior sucesso de bilheteria de  Jennifer Jason Leigh ao misturar duas tendências fortes dos suspenses noventistas: paranoia urbana e  psicopata.  

#01 "Noites Violentas no Brooklyn" (1989) 
de Uli Edel 
Hubert Selby Jr. também é autor do livro que deu origem à Réquiem Para um Sonho (2000) e o efeito da estreia dessa adaptação dirigida pelo  alemão Uli Edel teve efeito bastante semelhante ao longa de Aronofsky no final da década de 1980. Nele, um grupo de personagens vive situações limites entre a corrupção e a violência no bairro do título. Jennifer vive a jovem Tralala, que vê suas ilusões irem embora numa das cenas mais chocantes já vistas numa tela (e Jennifer está excepcional da primeira à última cena).

domingo, 24 de janeiro de 2016

Na Tela: Os Oito Odiados

Roth, Kurt e Jennifer: 'Cães de Aluguel' de época. 

O oitavo filme de Quentin Tarantino (contando Kill Bill/2003-2004 como um único filme e ignorando sua pequena participação na feitura do primeiro Sin City/2005) causou estranhamento por não receber muita atenção da crítica - ainda que o Globo de Ouro o indicasse como candidato a melhor roteiro do ano (enquanto o Oscar ignorou o texto tarantinesco e reconheceu os méritos somente da bela fotografia, da trilha sonora solene de Ennio Morricone e a capacidade da atriz coadjuvante Jennifer Jason Leigh reagir de formas variadas a socos, pontapés, murros, ofensas variadas e jorros de sangue - enfim, sentir na pele tudo o que faz a glória do cineasta cultuado mais tresloucado do cinema americano). É púbico e notório que QT é criativo e ele assumiu um grande risco quando resolveu colocar personagens de caráter duvidoso confinados juntos numa taverna no meio de uma nevasca, afinal, torna-se inevitável lembrar de seu primeiro longa metragem, Cães de Aluguel/1992 (que funciona como um excepcional cartão de apresentação do diretor, seu gosto por violência estilizada, diálogos nervosos e bem lapidados, além de reverenciar clássicos do cinema). Os Oito Odiados começa com a trilha arrepiante de Morricone (que deve levar seu primeiro Oscar), mas aos  poucos demonstra que o filme concentra-se nos diálogos típicos do diretor quando conhecemos o caçador de recompensas John Ruth (Kurt Russell), que capturou a misteriosa Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh) e a leva para as autoridades em meio à neve cada vez mais agressiva. No caminho ele conhece outro caçador de recompensas, Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson) que precisa de carona para entregar os corpos de dois capturados às autoridades na cidade mais próxima. Some a eles o cocheiro e um xerife (Walton Goggins), que ninguém leva a sério, e você terá uma ideia do que está por vir. Devido à nevasca os cinco personagens irão procurar abrigo em uma taverna, mas ao chegar lá, não encontram os proprietários, apenas um grupo de desconhecidos: um empregado mexicano (Demian Bichir), General Sandy Smithers (Bruce Dern), o estranho Joe Gage (Michael Madsen) e Oswaldo Mobray (Tim Roth imitando Christoph Waltz) que afirma ser o responsável pelos enforcamentos da região. Quando todos esses personagens ficam confinados ali, Tarantino perde um pouco do ritmo, até o momento em que a situação foge ao controle. Desavenças do passado e segredos começam a surgir aos poucos diante da suspeita de que existe a intenção de um deles estar ali para libertar a estranha prisioneira. Os Oito Odiados tem o gosto de Tarantino olhando para o passado, mas de forma mais elaborada, principalmente no visual (a direção de arte e os figurinos do filme são impecáveis), mas com a desvantagem de quem já conhece o diretor sentir que está vendo mais do mesmo. Se o banho de sangue ao final de Django Livre/2012 mudava bruscamente o tom ao final do filme, aqui ele faz mais sentido, mas torna inevitável a lembrança. Da mesma forma, as idas e vindas temporais são mais uma vez utilizadas para contar detalhes da história que antes pareciam escondidos, no entanto, o recurso perdeu o frescor. O que antes era inovador, agora parece um truque manjado de QT para contar uma história. No fim das contas, fica fácil entender porque os maiores elogios foram para Jennifer Jason Leigh, a atriz (que sempre foi tão boa quanto subestimada) consegue desenvolver uma personalidade complexa para a personagem, que precede tudo o que acontece no filme habitado por quase caricaturas da história americana.  Sabemos que ela é perigosa e louca (menos pelos comentários dos personagens sobre ela e mais por seus sorrisos e olhares doentios). No desfecho, o filme revela-se mais uma história de vingança sanguinária com a assinatura de Tarantino, a diferença é que o final consegue ser mais incômodo e melancólico. Curioso é que se o cinema tarantinesco já parecia uma colagem de vários filmes diferentes, aqui, o diretor parece realizar uma colagem de sua própria cinematografia. 

Os Oito Odiados (The Hateful Eight/EUA-2015) de Quentin Tarantino com Samuel L. Jackson, Kurt Russell, Jennifer Jason Leigh, Tim Roth, Michael Madsen e Channing Tatum. ☻☻☻

sábado, 23 de janeiro de 2016

PL►Y: Ponte dos Espiões

Rylance e Hanks: elo surpreendente em cena. 

Dá para perceber como Steven Spielberg se diverte ao recriar o clima dos antigos filmes de espionagem para pouco depois revelar que seu filme é diferente de tudo o que ele cita, afinal, não existem segredos rebuscados, intrigas explosivas e cenas de ação mirabolantes. No centro da narrativa estão dois homens e uma verdade que parece nunca revelada. Rudolf Abel (Mark Rylance, indicado ao Oscar de ator coadjuvante) é preso acusado de ser um espião soviético nos EUA. A época era o auge da Guerra Fria pré-muro de Berlim. Diante da situação, ele tem direito à defesa, ainda que nunca admita ser um espião em solo americano. Para cuidar do caso é indicado o advogado James B. Donovan (Tom Hanks), que irá perceber que ninguém espera que inocente tal homem: ele está ali apenas para cumprir uma formalidade. Nesse primeiro ato, Spielberg e o roteiro dos irmãos Coen (em colaboração com Matt Charman) se concentra num julgamento quase de mentirinha, já que desde o início o veredicto já está determinado... ou pelo menos parece. Utilizando cenários, planos e fotografia que evoca a atmosfera de filmes clássicos, o filme prende a atenção da plateia, especialmente quando os dilemas da sociedade perante a tarefa de Donovan aparecem, mas o que Spielberg deseja é algo mais. O segundo ato ganha forma aos poucos, infelizmente de forma forçosamente simétrica na narrativa. Quando somos apresentados ao piloto Francis Powers (Austin Stowell) e ao estudante Frederic Pryor (Will Rogers), sabemos exatamente os caminhos que o filme irá trilhar até o seu final. Em alguns momentos, Ponte dos Espiões recebe um tom farsesco que incomoda (principalmente quando precisa se distanciar do estereótipo dos que não são americanos), em outros se arrasta (com duas horas e vinte minutos de projeção, bem que poderia ser um pouco mais enxuto), a sorte é que o elo formado entre Tom Hanks e Mark Rylance se sustenta durante toda a duração (com direito ao contraste entre a economia cênica de Rylance e o tom irônico de Hanks). Steven Spielberg apresenta uma direção correta, dentro de um estilo que lhe parece um tanto cômodo quando quer fazer filmes sérios e aparecer em premiações. Com bela reconstituição de época e reprodução do período da Guerra Fria, o filme é bastante correto dentro de seu formato clássico (que a Academia parece ter adorado). Porém, Ponte dos Espiões afasta sua frieza somente em poucos momentos, especialmente no final, onde deixa claro, aos desavisados, que o filme era sobre uma época onde os homens honravam suas ideologias até o fim. 

Ponte dos Espiões (Bridge of Spies - EUA/Alemanha/Índia - 2015) de Steven Spielberg com Tom Hans, Mark Rylance, Amy Ryan e Alan Alda. ☻☻☻

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

PL►Y: MAD MAX - ESTRADA DA FÚRIA

Tom Hardy: ofuscado por Charlize Theron. 

Celebrado desde o seu lançamento, Mad Max - Estrada da Fúria colecionou fãs e críticas positivas ao longo de 2015. Não foram poucos os que clamavam indicações ao Oscar ao filme e a obra realmente conseguiu o reconhecimento das premiações! É interessante como o diretor George Miller retorna ao universo que o consagrou em 1979, onde num mundo pós-apocalíptico o misterioso Max (na época vivido por Mel Gibson) se envolve em aventuras com um bando de maltrapilhos violentos). O original tornou-se cult e recebeu duas sequências (em 1981 e 1985), todas dirigidas por Miller. Nos últimos anos, Miller dedicou-se a filmes mais voltados para as crianças que alcançaram grande sucesso junto à Academia - o fofo Babe - O Porquinho Atrapalhado/1998 (que foi indicado ao Oscar de Melhor Filme, lembra?) e a animação Happy Feet/2006 (que ganhou o Oscar de melhor animação), portanto, fica ainda mais interessante que quando o diretor retoma a violência que o consagrou no final da década de 1970, a Academia se curve mais uma vez diante do seu talento. Miller fez questão de lembrar que Mad Max - Estrada da Fúria é tudo que ele gostaria de ter feito no filme original, mas que infelizmente não tinha dinheiro e tecnologia disponível. O resultado é que Estrada da Fúria é um grande delírio visual, com ação desenfreada, barulhos ensurdecedores, efeitos especiais bem trabalhados e uma estética impactante que prende o espectador do início ao fim. Pena que o roteiro não tem nada de especial para quem conhece a série, especialmente se você percebia que a maior inspiração de Miller para realizar a série era... o faroeste. Aqui a trama evoca uma grande diligência num mundo que tornou-se um vasto deserto com pessoas descontroladas por toda parte. Nesse mundo governado por um sujeito insano chamado Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne), uma de suas esposas foge com outras quatro (sendo uma delas grávida). Charlize Theron dá o sangue para a esposa rebelde Furiosa, que deseja voltar para as suas origens, onde mulheres não precisam gerar homens para a guerra. Seu caminho irá cruzar com Max (Tom Hardy) que tenta fugir do destino de ser apenas uma "bolsa de sangue" para o problemático Nux (Nicholas Hoult). Perseguidos, os casal se tornará aliado contra o comando de Joe e seus seguidores. O texto não se preocupa em desenvolver os personagens (e a mudança brusca de Nux é o que mais de deixou cabreiro), deixa que as cenas de ação façam isso para a plateia, no entanto, sempre fica a estranha sensação que o Max está em segundo plano nea história. Hardy se esforça, sabemos que ele é um bom ator, mas é Charlize que domina o filme com seu olhar de desesperança num mundo em ruínas. A atriz é responsável prelo principal material humano de um filme de uma estética impressionante (e que por vezes tenta se equilibrar num desfile de bizarrices) conduzido por Miller com um rigor palpável maior do que estamos acostumados a ver nesse tipo de filme. Com dez indicações ao Oscar, incluindo filme e direção, o filme deve triunfar somente nas categorias técnicas. Miller já revelou que tem mais duas histórias para contar nesse universo repaginado, seu maior desafio será manter o pique e dar mais destaque ao seu protagonista no que vem por aí. 

Mad Max - Estrada da Fúria (Mad Max - Fury Road/Austrália-2015) de George Miller com Tom Hardy, Charlize Theron, Nicholas Hoult e Zoë Kravitz. ☻☻☻

INDICADOS AO OSCAR 2016: ATRIZ COADJUVANTE

Alicia Vikander (A Garota Dinamarquesa)
Ela esteve em quatro filmes em 2015, engatou namoro com Michael Fassbender e foi considerada a revelação do ano. Pode se dizer que o ano passado foi inesquecível para a sueca Alicia Vikander - que caiu no radar da Academia em 2012 com a indicação ao prêmio de filme estrangeiro concedida a O Amante da Rainha (onde vivia a própria). Mas sua indicação no Oscar poderia ser ainda melhor se fosse como atriz por sua atuação em A Garota Dinamarquesa e coadjuvante por Ex-Machina (o que seria justíssimo). Aos 27 anos ela interpreta a artista plástica Gerda Wegener que lida com a mudança de sexo do seu esposo (vivido por Eddie Redmayne). 

Jennifer Jason Leigh (Os Oito Odiados)
Celebrada como uma das melhores atrizes juvenis da década de 1980, Jennifer volta aos holofotes ao ser dirigida por Quentin Tarantino neste bang bang pós-moderno. Ela interpreta a prisioneira Daisy Domergue - que sofre um bocado, sem perder a pose de psicótica. Seria injusto dizer que QT redescobriu a atriz, já que ela nunca parou de atuar, estando sempre presente em produções independentes. Prestes a completar 54 anos, somente agora foi indicada ao Oscar - mesmo com atuações elogiadas em Mulher Solteira, Procura... (1992), O Círculo do Vício (1994), Eclipse Total (1995) e o chocante Noites Violenta no Brooklyn, que quase lhe rendeu uma indicação de coadjuvante em 1990.

Kate Winslet (Steve Jobs)
Kate Winslet já provou há tempos que esse papo de maldição do Oscar não existe com ela, depois do Oscar por O Leitor (2008) ela volta à disputa no páreo de atriz coadjuvante por sua atuação como a voz da consciência, quero dizer, secretária de Steve Jobs. Na pele de Joanna Hoffman, Kate já levou para a casa o Globo de Ouro e tem fortes chances de repetir o feito aqui. A atriz inglesa já concorreu como coadjuvante por Razão e Sensibilidade (1995), e Íris (2001), além de melhor atriz por Titanic (1997), Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (2005), Pecados Íntimos (2006) e O Leitor (2008). Essa é a sétima indicação da atriz inglesa

Rachel McAdams (Spotlight)
O fato é que a atriz canadense sempre foi talentosa (basta ver Diário de Uma Paixão/2004 para notar), o problema era esperar que os papéis de prestígio começassem a surgir. Depois de aparecer em dezenas de comédias e romances bobinhos, a atriz começou a se envolver em produções mais sérias (filmes de Woody Allen, Terrence Mallick, Brian de Palma...) e agora é considerada uma atriz madura... bom que reconhecendo isso, a Academia lhe concedeu sua primeira indicação como a jornalista Sacha Pfeiffer que participa da investigação sobre casos de pedofilia na igreja. 

Rooney Mara (Carol)
Entre tantas estreantes no Oscar, Rooney Mara se destaca por sua segunda indicação (a primeira foi por Os Homens que Não Amava mas Mulheres/2011 na categoria de melhor atriz). O caso de Rooney é semelhante ao de Alicia Vikander, já que também é protagonista, mas resolveram indicá-la como coadjuvante pelo papel da vendedora de uma loja de departamentos que se apaixona por uma mulher madura e rica. Rooney já levou para a casa o prêmio de melhor atriz no festival de Cannes (desbancando seu par e colega de elenco, Cate Blanchett), o prêmio a coloca entre as favoritas no páreo desse ano. 

A ESQUECIDA: Helen Mirren (Trumbo)
Esse ano a Academia deu uma esnobada nas veteranas, deixando de fora atuações elogiadas de Lily Tomlin, Maggie Smith, Jane Fonda... e Helen Mirren. Indicada ao Globo de Ouro pelo papel, Mirren interpreta a atriz e colunista social Hedda Hopper, que assim como o roteirista (e amigo) Dalton Trumbo, se viu envolvida com denúncias anti-comunistas durante o sombrio período de caça às bruxas em Hollywood. Mirren já foi indicada ao Oscar quatro vezes (por As Loucuras do Rei George/1995, Gosford Park/2001 e A Última Estação/2010,  após a premiação como melhor atriz por A Rainha/2006).

Na Tela: Steve Jobs

Stuhlbarg, Fassbender e Kate: três dias na vida de Steve Jobs. 

Ouvi tantas opiniões divergentes quanto ao novo filme de Danny Boyle que fiquei ainda mais curioso de ver sua visão sobre o celebrado Steve Jobs. Não se trata de uma cinebiografia comum (portanto, esqueça qualquer comparação com o insosso filme estrelado por Ashton Kutcher em 2013), afinal, não se preocupa em contar a história do dono da Apple, mas estabelecer, a partir de três momentos distintos de sua trajetória, diálogos e acontecimentos que sirvam para que conheçamos um pouco mais sobre um dos personagens mais importantes do final do século XX. Por isso, vale a pena lembrar, que o texto do roteirista Aaron Sorkin (premiado no Globo de Ouro e ignorado no Oscar) não é para qualquer um, já que estimula a velocidade dos diálogos, estruturados meticulosamente para que a personalidade dos personagens seja desenhada aos poucos para o espectador. A narrativa costura três episódios da carreira de Jobs, o lançamento do Macintosh (1983), da empresa NeXT (1988) e o celebrado iMac (1998). Assim, enquanto se prepara as apresentações dos lançamentos, nos bastidores acompanhamos não apenas as considerações sobre eles, mas a vida pessoal de Jobs sobre grande tensão. Para ajudar na condução da trama, Sorkin utiliza o relacionamento complicado de Jobs (vivido com a eficiência de sempre por Michael Fassbender, indicado ao Oscar) com a mãe de sua filha (Katherine Waterston), que ele teima em não reconhecer, e a própria menina, Lisa. Em cada episódio, essa parte familiar da história sobe um degrau específico e ajuda muito a apresentar a personalidade do personagem, assim como seu relacionamento com a fiel escudeira (e secretária) Joanna Hoffman (Kate Winslet, ganhadora do Globo de ouro e indicada ao Oscar de coadjuvante), os "amigos" John Sculley (Jeff Daniels) e Steve Wozniak (Seth Rogen), além do sempre presente (Michael Stuhlbarg). O filme está (sabiamente) pouco interessado em dizer como  a Apple se tornou uma gigante da informática, mas concentra-se na personalidade de Steve Jobs, seus momentos de brilhantismo, suas ousadias (que não foram poucas), seus tropeços e persistência em enxergar além do senso comum de seu tempo. Por outro lado, também demonstra muito da sua inabilidade social, seu egocentrismo, sua megalomania e arrogância um tanto mesquinha. É justamente no casamento desses dois lados da moeda que o filme se sustenta, apresentando o choque de sua visão de mundo com a de quem o cerca (seja nos negócios ou em sua vida pessoal). É verdade quem em alguns momentos as idas e vindas da edição cansam, que a agilidade dos diálogos às vezes não permitem que o espectador consiga digerir tudo o que está sendo dito e visto, mas diante do resultado final tudo isso parece apenas um detalhe. Danny Boyle, ainda que tenha ficado de fora das premiações (talvez pelos motivos que acabo de citar), realiza outro belo trabalho na condução de seus atores, afinal, todos estão ótimos em cena segurando diálogos, muitas vezes, rebuscados. Para além do trabalho com os atores, a estética do filme também é espetacular, mantendo a assinatura do cineasta quando o filme parece uma espécie de continuação dos mesmos pontos utilizados por Sorkin em A Rede Social (2010) para falar de outro gênio da era pós-moderna (Mark Zuckerberg do Facebook). Steve Jobs, o filme, assim como a pessoa, não irá agradar a todo mundo, mas merece respeito. 

Steve Jobs (EUA-Reino Unido) de Danny Boyle com Michael Fassbender, Kate Winslet, Jeff Daniels, Katherine Waterston, Seth Rogen, Michael Stuhlbarg e John Ortiz. ☻☻☻☻

PL►Y: Cinderela

Blanchett e Lily: um conto de fadas como ele deve ser. 

Se na década de 1990 alguém dissesse que Kenneth Branagh seria responsável por grande sucessos adaptando Thor (2011) e Cinderela para o mundo de carne e osso, provavelmente, esse alguém seria ridicularizado em público. Por isso mesmo, acho muito interessante como Branagh passou de suas celebradas adaptações shakesperianas para filmes pipoca sem complexos (com um enorme hiato no meio). Quem conhece o trabalho do diretor a frente de Henrique V (1989), Muito Barulho por Nada (1993) e até Hamlet (1996) consegue identificar fácil a sua assinatura nos filmes do Deus do Trovão e da mocinha com sapato de cristal, afinal, a intensidade com que o diretor conduz seus personagens é a mesma, independente de quem escreveu a história. Dos embates de Thor com Odin e de Cinderela com a madrasta, percebe-se a diferença de um diretor com a mão firme e a certeza do que é necessário para que a coisa não descambe para o ridículo (até porque ele já caiu nessa armadilha algumas vezes). Em Cinderela, a refilmagem que a Disney preparou para os cinemas em 2015 e que se tornou um sucesso mundial justamente por não modernizar a clássica história da Gata Borralheira, mas por ser fiel à história original. Da abóbora que vira carruagem, dos ratinhos amigáveis, passando pela Fada Madrinha e o sapatinho de cristal está tudo ali, a diferença é uma pequena conspiração palaciana que não altera em nada o andamento da história. Lily James (a prima chatinha da série Downton Abbey) mostra-se uma bela escolha para viver Cinderela, ela consegue ser bondosa e virtuosa na medida certa, sem ter aquele ar de mocinha sem sal de novela da Globo.  Algo que mostra-se essencial, já que o roteiro  se alimenta das virtudes da personagem perante as humilhações sofridas nas mãos de sua torpe madrasta (vivida com gosto por Cate Blanchett) e suas filhas tenebrosas. A história todo mundo já conhece: a bondosa mãe da personagem morre, o pai dela se casa novamente com uma mulher de índole suspeita e ao morrer, sua filha torna-se criada da casa. O filme consegue se sair bem dessa transição de herdeira para empregada da família, assim como no desenvolvimento do romance com o príncipe (Richard Madden, que eu nem reconheci que era o Robb Stark de Game of Thrones), que acontece de forma menos súbita do que conhecemos. No entanto, a parte que eu mais gostei foi o aparecimento da Fada Madrinha vivida por Helena Bonhan Carter, bem humorada e um tanto baratinada, a cena demonstra como Kenneth Branagh não tem medo de abraçar a magia do conto de fadas, com um lagarto transformado em lacaio, um ganso em cocheiro e ratos que se tornam cavalos de uma carruagem de abóbora. Do vestido azul cintilante, ao momento onde tudo se desfaz à meia-noite, o filme se ilumina de uma forma notável. Kenneth Branagh acertou de novo e o motivo é bem simples: levar a sério personagens que pouca gente levaria diante de uma câmera. 

Cinderela (Cinderella/EUA-Reino Unido / 2015) de Kenneth Branagh com Lily James, Cate Blanchett, Helena Bonhan-Carter, Richard Madden, Stellan Skarsgaard, Ben Chaplin e Hayley Atwell. ☻☻☻