sábado, 31 de agosto de 2019

HIGH FI✌E: Julho / Agosto

Cinco filmes assistidos que merecem destaque: 

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N@ Capa: 61 Anos de 2001

2001: cena inesquecível de um clássico. 

Em abril de 1968 entrou em cartaz aqui no Brasil um dos maiores clássicos a ficção científica. 2001 - Uma Odisseia no Espaço de Stanley Kubrick marcou época com seu ritmo lento e reflexivo e fez história com seus mistérios e reflexões que permanecem instigantes até hoje. Mais de sessenta anos depois ainda se é capaz de se impressionar com este filme que parece milimetricamente pensado para deslumbrar o público com o seu visual. Baseado na obra de Arthur C. Clarke, o longa já nasceu clássico e deu ao diretor o Oscar de efeitos visuais. O clássico ainda concorreu aos prêmios de Direção de Arte, Roteiro Adaptado (dos próprios Clarke e Kubrick) e Direção (Kubrick). Esta cena clássica da minha parte favorita do filme está na capa de nosso blog desde março! 

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

PL►Y: Conquistar, Amar e Viver Intensamente

Vincent e Pierre: clima de ressaca. 

Há primeira vista, Conquistar, Amar e Viver Intensamente parece um daqueles títulos estapafúrdios que de vez em quando são criados aqui no Brasil. Na verdade o nome do último filme do cineasta Christophe Honoré é bastante fiel ao original e, ao final da sessão, quase deixa um gosto de ironia no ar. Ambientado nos anos 1990, o filme tem um tom de ressaca após o surgimento da AIDS nos anos 1980, esta atmosfera está bastante presente nas relações dos seus vários personagens masculinos. Demorei um pouco para perceber isso, até que o protagonista Jacques Tondelli (Pierre Deladonchamps) começa a deixar claro que possui uma doença incurável. Jacques é um autor relativamente famoso, tem um filho por conta de um trato com uma amiga e embora tenha charme e lábia suficiente para conquistar rapazes mais jovens, ele ainda lida com fantasmas do passado. O maior deles é o ex-namorado que está com a saúde cada vez mais comprometida e que funciona como um anúncio do que espera por Jacques num futuro próximo. Nos anos 1990, quem tentava sobreviver à doença possuía uma situação mais instável do que nos dias hoje, as pesquisas sobre o HIV e as formas de lidar com ela ainda estavam em fase de descobertas um tanto primárias. Entre os cuidados com a saúde e a carreira, Jacques se envolve com um rapaz mais jovem que parece não ter compromisso, até que conhece um estudante chamado Arthur (Vincent Lancost). Arthur divide o apartamento com um amigo e tem uma namorada, mas ainda não sabe muito bem o que fazer com ela. Ele parece mesmo interessado é no escritor. Honoré ambienta o romance dos dois com cores frias e bastante melancolia alimentada pelas incertezas sempre rondará o relacionamento dos personagens - outro que merece destaque na história é Mathieu (Denis Podalydès), o amigo, vizinho e confidente de Jacques que nutre por ele uma paixão platônica que por vezes o faz ser a voz da consciência do amigo ou então aceitar os maiores sacrifícios. Honoré cria uma narrativa sem pressa, entrelaçando os fios de seus personagens com calma e por vezes parece disperso, mas nunca desinteressante. Para aqueles que se incomodam com filmes de temática queer vão detestas, mas aqueles que preferem a forma como um bom cineasta faz cinema o filme é um deleite. Cheio de referências (principalmente sobre a nouvelle vague) é um filme que transmite a ideia de ser um recorte na vida daquelas pessoas e, por vezes, o nó na garganta é inevitável. Gostaria de ressaltar que um dos maiores motivos para o filme funcionar é o trabalho de Pierre Deladonchamps, o ator cria um personagem cheio de camadas a quem se pode se apaixonar em um instante e detestar nos minutos seguintes, o que transforma o andamento da história sempre imprevisível. 

Conquistar, Amar e Viver Intensamente (Plaire, aimer et courir vite / França - 2018) de Christophe Honoré com Pierre Deladonchamps, Vincent Lancost, Denis Podalydès, Adéle Wismes, Thomaz Gonzalez e Tristan Farge. ☻☻☻☻

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Pódio: Molly Ringwald

Bronze: A Aniversariante Esquecida
Gatinhas e Gatões (1984)
Molly Ringwald tinha 14 anos quando estreou no cinema em Tempestade/1982 de Paul Mazursky. Dois anos depois John Hughes a escolhia para ser o rosto de uma geração em seus filmes para adolescentes. Era uma escolha um tanto diferente, já que a atriz parecia uma adolescente comum e por isso mesmo funcionava tão bem (e ela era adolescente mesmo). Seu ar mal-humorado caía como uma luva em personagens incompreendidas que não conseguiam entender o famigerado mundo teen das escolas americanas. Seu primeiro triunfo foi no meio das trapalhadas deste filme divertido, onde ela sonha com o bonitão da escola enquanto um pirralho está apaixonado por ela e... ninguém lembra que os dezesseis anos dela se aproxima. 

Prata: A Patricinha Legal.
Clube dos Cinco (1985)
Como se trata de uma lista criada por atuação, este clássico de John Hughes ficou em segundo lugar! Este clássico dos anos 1980 conta a história de um grupo de jovens que teve como medida disciplinar ir para a escola num sábado de manhã para realizar uma tarefa. Hughes utiliza este ponto de partida para descascar os estereótipos bastante presentes nos filmes teen americanos (que perduram até hoje). Da aluna esquisita, passando pelo nerd, o atleta da escola e o projeto de delinquente, o papel que coube à Molly foi a garota popular e educada que, assim como os demais, está de saco cheio de como os outros a enxergam. 

Ouro: A Jovem Mãe.
A Cegonha Não Pode Esperar (1988) 
Ao final dos anos 1980, Molly já havia conquistado vários sucessos de bilheteria e era um rosto mais que conhecido em Hollywood. No entanto, ela já estava buscando papéis mais sérios que pudessem lhe render presença em premiações. Com o crescimento da gravidez na adolescência na Terra do Tio Sam, o roteiro deste filme lhe proporcionou material suficiente para que tivesse uma papel mais maduro perante os outros que interpretara até então. Se os prêmios americanos não apareceram, pelo menos ela saiu do Paris Film Festival com prêmio de melhor atriz pelo papel da adolescente que engravida antes do planejado. 

PL►Y: Todas as Pequenas Coisas

Os Sheffild: dramas na mesa de jantar. 

Simples e sincero Todas as Pequenas Coisas é aquele tipo de filme que é irresistível para mim. O filme mistura drama e humor para contar sua história dentro de um recorte bastante específico na vida de seus protagonista adolescente. Howie (Brendan Meyer) tem uma vida comum, até que percebe existe um verdadeiro abismo crescendo no casamento de seus pais. Carla (a musa ruiva dos anos 1980, Molly Ringwald) e Tom (Brian D'Arcy James) parecem apenas morar dentro da mesma casa, o afeto nem consegue aparecer mais diante da rotina e das formalidades da vida a dois. Outra testemunha de que algo está acontecendo é o filho mais novo, Simon (Sam McCarthy) que tenta manter um distanciamento ainda maior do que está acontecendo (ou pelo menos, parece). Se a situação em casa anda estranha, Howie tem lá suas aventuras, passa o tempo pensando bobagem com os amigos da mesma idade e inventa desculpas para faltar às aulas de Educação Física  - e acaba despertando o interesse de uma colega (Harley Quinn Smith) que não sabe muito bem como chamar a atenção do rapazinho. No entanto, o que mais anima o dia de Howie é quando encontra uma mulher mais velha (Jemima Kirke da série Girls) no ônibus e passa a nutrir uma verdadeira paixão platônica por ela. A direção da estreante Melissa B. Miller Costanzo consegue ser bastante emocional e contida na costura dos fatos que sucedem sem pressa, um grande acerto já que a história gira em torno da afetividade um tanto desencontrada dos personagens. Melissa trata os personagens com bastante respeito, especialmente naqueles momentos em que um nó na garganta se instaura. A cena em que Carla e Tom se indagam quando o encontro de um com o outro no fim do dia perdeu a graça é de partir o coração, assim como o momento em que Howie se dá conta da barreira que existe entre ele e sua amada. Todos os atores estão bem em cena. Howie consegue ser bastante terno sem perder o aquele ar inseguro da adolescência e Molly Ringwald me fez pensar que ela deveria ter mais convites para atuar no cinema. A musa de John Hughes amadureceu o talento para equilibrar drama e comédia através do tempo e está bastante convincente como a matriarca da família. Fosse mais sarcástico, o filme seria uma versão de A Lula e A Baleia (2005) de Noah Baumbach, como não o é, resulta numa pérola agridoce que merece atenção por sua simplicidade e ternura no olhar com os personagens. 

Todas as Pequenas Coisas (All These Small Things/EUA-2018) de Melissa B. Miller Costanzo com Brendan Meyer, Molly Ringwald, Jemima Kirke, Brian D'Arcy James, Sam McCarthy e Harley Quinn Smith.  ☻☻☻☻

domingo, 25 de agosto de 2019

4EVER: Fernanda Young

1º de maio de 1970   25 de agosto de 2019

Fernanda de Maria Young de Carvalho Machado nasceu na cidade de Niterói (RJ). Ela chegou a cursar a faculdade de Letras, jornalismo e cursos de Rádio e Televisão, mas era inquieta demais para se formar em qualquer um deles. Se aventurou como atriz ao final dos anos 1980, mas seu gosto mesmo era pela escrita. Se tornou roteiristas em 1995 com a aclamada A Comédia da Vida Privada e lançou seu primeiro romance no ano seguinte (Vergonha dos Pés). Fora dos padrões, preferiu construir um estilo próprio e causou grande estranhamento na crítica especializada.  Fernanda ainda fez sucesso como apresentadora, seja nas polêmicas do programa Saia Justa (2002/2003), no divertido Irritando Fernanda Young (2006-2010) ou Confissões do Apocalipse (2012). Com 14 livros lançados, Fernanda era mais reconhecida por seu trabalho como roteirista em séries de sucesso como Os Normais (2001-2003) e o recente Shippados (2019). Para o cinema ela realizou quatro roteiros, o elogiado Bossa Nova (2000), dois filmes para Os Normais (2003 e 2009) e a comédia Muito Gelo e dois Dedos d'Água (2006). A atriz faleceu em decorrência de insuficiência respiratória por crise de asma. 

Na Tela: Era Uma Vez em Hollywood

Pitt e Leo: boas ideias e roteiro nem tanto.

Era Uma Vez Em Hollywood é o nono filme de Quentin Tarantino e, pela alardeada promessa do diretor, seu penúltimo trabalho. Aguardado com grande expectativa (tanto que obteve sua melhor arrecadação de estreia nos EUA e no Brasil), fui assistir ao filme e foi uma experiência bem mais contraditória do que eu imaginava. Modéstia a parte, me considero com conhecimento suficiente para identificar as referências que aparecem o tempo inteiro, compreendo a admiração por Sharon Tate e sua alegoria de que a morte dela representa o fim da inocência da Era de Ouro de Hollywood. No entanto, com duas horas e quarenta minutos de direção, Tarantino deixa tudo meio frouxo e não conseguiu me empolgar, pelo contrário, eu fiquei bastante cansado com as longas cenas de Brad Pitt dirigindo por Los Angeles. Sei que este é um recurso para encher os olhos com a reconstituição de época, mas lá pela terceira vez eu já estava olhando o relógio para ver se faltava muito para o filme acabar. Pitt vive o dublê, motorista, amigo e faz tudo de um astro que está em decadência, Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) que já teve seus grandes momentos, mas agora tenta recuperar a relevância no cinema após pequenos trabalhos na televisão. Boa parte do filme é sobre seu empenho em voltar a ter prestígio vivendo um vilão num filme que exigiu que ficasse irreconhecível. Dos seus conflitos com esta tarefa emergem alguns dos momentos mais engraçados do filme, menos por DiCaprio e mais por sua coadjuvante, uma menina (a ótima Julia Butters) que fala como se fosse a nova Katharine Hepburn. A química entre Leo e sua comparsa funciona muito bem e confere graça a um filme de alma indefinida. Pitt tem mais sorte ao dar conta do dublê que tem um passado sombrio e que o sinistro parece persegui-lo, afinal, é ele que cruza com os estranhos seguidores do insano Charles Manson num rancho abandonado nos arredores da capital do cinema. A cena em que ele se depara com aqueles personagens esquisitos é um dos pontos altos do filme que mantem a tensão até aquele momento em que as pessoas que conhecem a história de Sharon Tate (vivida por Margot Robbie) ficam com a respiração suspensa. A própria concepção tarantinesca da esposa grávida de Roman Polanski não deixa e ser uma ousadia, já que coloca Margot Robbie como uma espécie de deusa entre os mortais, mas bem que ela poderia ter uma construção mais consistente ao invés de deixar a cargo do talento e carisma de Margot tirar leite de pedra com o que tem. Era Uma Vez em Hollywood pode até funcionar como um retrato de um tempo que não existe mais, porém, deixa a impressão de que Tarantino tinha boas ideias mas não soube costurá-las com a maestria vista em seus melhores trabalhos. Com boa reconstituição de época, trilha sonora caprichada e bons atores, só faltou um bom texto. É verdade que o diretor está mais contido e maduro no trato com as imagens, mas faltou escrever como só ele é capaz. 

Era uma Vez em Hollywood (Once Upon a Time in Hollywood / EUA-2019) de Quentin Tarantino com Brad Pitt, Leonardo DiCaprio, Margot Robbie, Al Pacino, Julia Butters, Dakota Fanning, Bruce Dern, Emile Hirsch, Lena Dunhan, Damian Lewis e Luke Perry. 

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

CICLO NETFLIX: Mindhunter - 2ª Temporada

Gregg, Bill, Ford e Carr: finalmente a segunda temporada!

Se alguém me perguntar qual é a minha série favorita da Netflix hoje eu digo que é Mindhunter. Produzida por David Fincher e Charlize Theron, quando terminei a primeira temporada (2017) eu recebi a notícia de que os novos episódios estreariam somente em 2019... foi um balde de água fria. Eu imaginei que a culpa seria de Fincher (que dirige os primeiros episódios desta nova temporada) que é famoso por estender as filmagens além do cronograma pelo seu perfeccionismo. A angústia foi tanta que ao terminar o último episódio fui à uma livraria comprar o livro de   John E. Douglas e Mark Olshaker que serve de base para o programa. Lançada a segunda temporada, eu a terminei mais rápido do que deveria e agora me resta desejar que minhas preces sejam atendidas e a terceira chegue no ano que vem! Sei que muita gente reclamou que a temporada anterior era lenta e repleta de momentos de anticlímax que poderiam comprometer a experiência de quem está acostumado com programas policiais que exploram a psiquê de assassinos, porém, nenhum faz o horror brotar dos diálogos como Mindhunter faz. Aqui o estudo das mentes dos assassinos mais perigosos dos Estados Unidos continua sendo o foco, mas o prestígio conquistado pelos agentes Holden Ford (Jonathan Groff), Bill Tench (Holt McCallany) e a psicóloga Wendy Carr (Anna Torv) faz com que não precisem mais ficar repetindo a importância do trabalho que realizam. As portas do FBI parecem abertas para o trio e quem lhes acompanhar nesta empreitada - o claudicante Gregg Smith (Joe Tuttle) e o recém chegado Jim Barney (Albert Jones), no entanto a vida pessoal do trio protagonista começa a enfrentar problemas. Quem lembra da primeira temporada sabe da crise de pânico que Ford sofreu ao ser abraçado por Edmund Kemper (o ótimo Cameron Britton que aqui faz uma pequena participação especial). Dali em diante, o moço está à beira do abismo, cada vez mais mergulhado no conhecimento sobre os serial killers que estuda, assim, Ford é um bom moço que se torna cada vez mais distante - e aqui não existe nem sinal de sua namorada. Porém, Ford deixa o centro da narrativa e cede espaço para que a série explore mais os fantasmas de Bill, assombrado por um acontecimento inusitado envolvendo seu filho de sete anos. Esta parte da temporada faz o espectador sentir arrepios - mais até do que o encontro com Charles Manson ou Filho de Sam (cujos intérpretes repetem as assustadoras semelhanças físicas com os verdadeiros criminosos - algo que já se tornou marca da série) e faz a plateia imaginar se é capaz de identificar a origem do mal e se ela ainda pode ser extinta na mente de uma pessoa. Talvez este movimento que cause mais estranhamento da série, o horror é sempre psicológico, interno, um assombro que cria a atmosfera densa a cada episódio. A abordagem do assassino dos meninos negros de Atlanta também ajuda a perceber como Mindhunter é um programa incomum. A história aparece como pano de fundo em alguns episódios até receber destaque mais à frente, sempre enveredando pelo clima noir e as dúvidas que os agentes enfrentam em seu trabalho. Ao final não existe redenção ou catarse deixa, mas aquele sabor incerto de que encontrar um culpado não é o suficiente. Feito para gente grande, Mindhunter bem que merecia maior reconhecimento das premiações que a esnobaram quase completamente quando foi lançada. Usando o suspense para produzir dramas devastadores, a série consegue ser bastante original e envolvente. 

Mindhunter - 2ª Temporada (EUA - 2019) de Joe Penhall com Jonathan Groof, Holt McCallany, Anna Torv, Joe Tuttle, Albert Jones, Stacey Roca, Zachary Scott Ross e Cameron Britton. 

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

CICLO NETFLIX: GLOW - 3ª Temporada

GLOW: aventuras dentro e fora do cassino. 

The Gorgeous Ladies of Wrestling chegaram à sua terceira temporada na Netflix e muita coisa mudou desde que o programa estreou. Se no início o tom de zoeira tomava conta, na segunda temporada o programa indicava começar a levar suas lutadoras cada vez mais a sério fora do ringue. Esta nova temporada explora pouco as batalhas surreais de suas estrelas e mergulha mais em suas vidas pessoais. Depois de todas as dificuldades que enfrentaram nas temporadas anteriores, agora as garotas estão com um show fixo em um Cassino de Las Vegas, o que ajudou muito a não terem mais a incerteza do pagamento no final do mês. No entanto, o peso do sucesso começa a ter efeitos colaterais em suas vidas: Tammé (Kia Stevens) começa a sentir o peso da idade nas lutas que enfrenta toda noite, Rhonda (Kate Nash) começa a perceber que seu casamento com o produtor Bash Howard (Chris Lowell) tem um pequeno imprevisto por conta dos gostos do rapaz, Jenny (Ellen Wong) começa a se sentir desconfortável com os estereótipos que o programa explora... dramas pessoais é o que não falta nesta temporada. Alguns são tratados com graça, outros com ousadia e até melancolia, mas sempre com respeito pelas personagens que já conquistaram o público desde a primeira temporada. No entanto,  o centro da narrativa parece não ser mais Ruth (Alisson Brie) que sofre agora para manter um relacionamento à distância enquanto se descobre cada vez mais interessada pelo diretor Sam Sylvia (Marc Maron) - que está às voltas com o primeiro roteiro escrito por sua filha. O destaque maior está com Debbie Eagan (Betty Gilpin) que de estrela se tornou produtora e agora parece disposta a mudar com as oportunidades que a vida coloca em seu caminho (mas com um pouco de receio pela distância que está do filho pequeno). A cada episódio Glow demonstra que está amadurecendo em meio ao humor multicolorido e cede cada vez mais para abordagem de temas GLSBTQ (a sexualidade de alguns personagens, o fantasma da AIDS nos anos 1980, drag queens e Liza Minelli...). Caminhando para um caminho mais sério em seus dramas, senti falta daquele frescor que a série trazia com os enredos alucinados das lutas - aqui o ringue de mentirinha só recebe devido destaque em dois momentos, numa noite em que as atrizes mudam de personagens e num especial de natal. Amadurecer drenou um pouco da graça do programa e, embora não alcance toda a profundidade que deseja, aponta caminhos que podem ser interessantes no futuro. Sobre as novas aquisições do elenco, os destaques são Geena Davis como a gerente esperta do Cassino em que as moças se apresentam e Kevin Cahoon como uma drag queen ladra de cenas. Aos fãs fica um certo aperto no coração com o desfecho da temporada e a impressão de que a irmandade Glow está prestes a ruir no auge. Aguardem os próximos capítulos.  

Glow - 3ª Temporada (EUA-2019) de Liz Flahive, Carly Mensch com Alison Brie, Betty Gilpin, Marc Maron, Sydelle Noel, Kate Nash, Britney Young, Gayle Rankin, Kia Stevens, Chris Lowell e Jackie Tohn. 

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

CICLO NETFLIX: Orange is the New Black - Temporada Final

Pipper e suas amigas: sentirei saudades. 

Acho interessante como as produções atuais com personagens femininas se sentem na obrigação de falar sobre empoderamento, representatividade, diversidade e encher a trama com frases de efeito feministas. O efeito quase sempre é o de um discurso superficial e pouco criativo. Sorte que Orange is The New Black é de outro tempo. Lançada em 2012, a série nunca precisou se adequar a este tipo de discurso, afinal já estava em sua essência desde o início. A cada temporada termos que ganharam o peso de palavras de ordem, surgiam na trama com uma naturalidade e leveza que a maioria das produções ainda terão que treinar muito para alcançar. A série entrou para o seleto grupo de produções mais premiadas da Netflix e rompeu tantos paradigmas que pode se dizer que chega ao fim marcando época. Pra começar a criadora Jenji Kohan teve a sabedoria de notar o interessantíssimo grupo de personagens que tinha em mãos, sem hesitar de deixar muitas vezes a sua protagonista em segundo plano. Se na primeira temporada Piper Chapman (Taylor Schilling) era o destaque, aos poucos, ela dividiu o protagonismo com a infinidade de mulheres que cruzaram seu caminho enquanto cumpria pena por tráfico de drogas. Com possibilidades infinitas, não foram poucas  as personagens magníficas que apareceram durante a série e se desenvolveram de forma contundente ao longo das temporadas. Elas nos fizeram rir, chorar, sentir raiva, roer as unhas e deixarão saudade. Esta sétima e última temporada é feita como uma homenagem para estas personagens, resgata algumas que ficaram pelo meio do caminho, aponta perdas e esperanças, mas não perde o tom de alfinetada. Não por acaso, dedica a demonstrar como é complicado para algumas personagens se ajustarem à vida fora da prisão, com a solidão, o isolamento e o preconceito sempre por perto. A temporada também dedica bastante tempo ao tratamento aos imigrantes ilegais na terra do Tio Sam, aos laços de solidariedade que se formam e os horrores de viver numa prisão. Como esquecer de Red (Kate Mulgrew), Taystee (Danielle Brooks), Lorna (Yael Stone), Crazy Eyes (Uzo Aduba), Nicky (Natasha Lyonne), Gloria (Selenis Leyva) e tantas outras com seus tropeços e acertos? Sentirei muita falta destas mulheres na Netflix com seu humor ácido, suas doses de melancolia, seus amores e desejos para driblar a vida dentro da prisão. Orange is The New Black já parece que nasceu clássico e ditando referências - e um programa desses não aparece todo dia. Achei sensacional que na última temporada as personagens não estão mais separadas em grupos de latinas, negras, viciadas, são todas mulheres juntas e misturadas com suas histórias e particularidades, fortalecidas por um roteiro que sempre as buscou em suas complexidades.  Orange is the New Black chega ao fim, mas seu discurso permanece. 

Orange is the New Black - Temporada 7 / Final (EUA-2019) de Jenji Kohan com Taylor Schilling, Uzo Aduba, Selenis Leyva, Danielle Brooks, Yael Stone, Taryn Manning, Yael Stone, Natasha Lyonne, Nick Sandow, Jackie Cruz, Jessica Pimentel e Laura Gómez. 

terça-feira, 20 de agosto de 2019

CICLO NETFLIX: La Casa de Papel - 3ª Parte

Os alunos e o Professor: em busca do ouro. 

Eu não gostaria de estar na pele dos roteiristas de La Casa de Papel. A série espanhola ganhou repercussão mundial no ano passado e a fama no Brasil foi gigantesca com sua chegada na Netflix. É verdade que o serviço de streaming deu uma repaginada no material original, alterando a edição, burlando a duração a dividindo em duas partes (o que só aumentou o suspense). A saga do professor (Álvaro Morte) e seus discípulos poderia ser criticada por ser inverossímil, mas  enquanto exercício narrativo para prender a atenção com viradas mirabolantes a série era um primor. Prova disso é o fato de se tornar uma série não americana que se tornou um grande sucesso por aqui. Terminando redondinha ficava a pergunta de o que seria feito para uma alardeada temporada seguinte - ainda mais com o desfecho reservado a um dos seus personagens mais icônicos. O resultado é uma Parte 3 que briga o tempo inteiro para não repetir o que vimos anteriormente, mas sem perder o apelo que os anti-heróis possuem perante o público. Em termos de fio condutor da história, não existe muita diferença entre trocar milhões de notas por barras de ouro - e também existe um plano mirabolante por trás da empreitada que não vale revelar aqui. O bom é que a série dá um passo adiante no desenvolvimento dos personagens. O esquentadinho Denver (Enrique Arce) agora tem um filho com sua comparsa, Estocolmo (Esther Acebo) - e a escolha do nome não é por acaso, o relacionamento de Professor com Raquel (Itiziar Utoño) começa a enfrentar problemas, mas é o laço entre Nairóbi (Alba Flores) e Helsinque (Darko Peric) que merece o título de mais comovente. Falando nisso, Nairóbi é de longe a personagem feminina mais interessante da história - e ela irá partir seu coração nesta temporada. Rio (Miguel Errán) come o pão que o diabo amassou por conta de Tóquio (Úrsula Corbero) que será a personagem mais odiada  de toda série... ou seria se não houvesse uma nova negociadora grávida que é um dos aspectos mais curiosos da temporada - (por pouco o posto quase ficou com  o argentino Rodrigo de La Serna, ator que vive Palermo, amigo íntimo de Berlim (Rodrigo Alonso) que tem perde o destaque no decorrer dos episódios. De modo geral a trama segue o mesmo esquema da anterior (inclusive a quebra narrativa quando a ação chega ao auge e deixa o fôlego suspenso para a quarta parte), porém se beneficia ao embaralhar os relacionamentos dos personagens (mas desperdiça a maioria dos novos personagens). É verdade que a edição continua envolvente, a trilha sonora se tornou mais lapidada e ainda tem ideias muito bem sacadas (aproveitar o culto em torno dos personagens por exemplo) e colocar Arturo (Enrique Arce) como palestrante motivacional (brilhante, (sobretudo em sua utilização no primeiro episódio). No fim das contas, a terceira parte de La Casa de Papel não se distancia muito do que vimos antes, mas continua sabendo o que fazer de maneira envolvente. 

La Casa de Papel - 3ª Parte (Espanha/2019) de Alex Pina com Úrsula Corbero, Itiziar Utoño, Álvaro Morte, Pedro Alonso, Alba Flores, Miguel Errán, Jaime Lorente, Rodrigo de La Serna, Najwa Nimri, Enrique Arce, Darko Peric e Esther Acebo. ☻☻

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

CICLO NETFLIX: Stranger Things - 3ª Temporada

Eleven (ao centro) com a galera no shopping: montrengo Cronnenberg. 

Não sei se estou ficando velho ou se realmente as produções cinematográficas deste ano estão pouco empolgantes. Confesso que não tive vontade de rever nenhuma versão live action recente da Disney e me atrapalhei tanto em compromissos que acabei perdendo Toy Story 4 nos cinemas. Recentemente me dei conta que passei muitas horas vendo séries da Netflix. Também não sei se é por acaso, mas a gigante do streaming (que começa a ver uma crise no horizonte com as concorrentes que se anunciam) lançou alguns de seus títulos mais importantes recentemente. Nesta semana irei comentar cinco produções que estavam entre as minhas mais aguardadas. Começarei pela terceira temporada de Stranger Things que quase recebeu uma postagem no mês passado, mas fiquei bastante hesitante em dar meu parecer sobre as aventuras de Eleven e seus amigos. É verdade que a série é cultuada ao redor do mundo (e eu até comprei uma camisa da série para desfilar por aí), mas a primeira temporada continua sendo a minha favorita. A terceira demorou bastante para entrar em cartaz e desta vez decidiu explorar o crescimento dos personagens. O clima de anos 1980 continua conferindo charme inconfundível à série dos irmãos Duffer, as cores vibrantes, a trilha sonora, está tudo onde deveria estar (menos a canção de História Sem Fim/1984 que... deixa pra lá). O elenco também continua bastante correto - e até Winona Ryder ajustou o tom exagerado da temporada anterior, mas ganhou a tarefa ingrata de lidar com a ênfase no tom de comédia romântica dela com o xerife Hopper (David Harbour). É verdade que os dois atores tem carisma e química para dar conta do recado, mas não sei se a fagulha da primeira temporada resistiu à passagem do tempo. Por outro lado, resolveram que todo o elenco juvenil (antes infantil) recebesse a obrigatoriedade de arranjar um relacionamento amoroso, o que deixa um sabor repetitivo em algumas subtramas. Millie Bobby Brown continua dando conta de sua Eleven, aqui recebendo cores de aluna desgarrada dos X-Men ao lidar com um inimigo que é resquício de tudo que a ex-pacata cidade enfrentou nas temporadas anteriores. A originalidade aqui está por conta da concepção de um monstrengo composto de carne em decomposição que lembra um bocado as criações de David Cronenberg nos primórdios da carreira. O resultado é tão assustador quanto nojento e ainda flerta com clássicos como Invasores de Corpos (os russos não são coincidência, assim como a ideia do shopping como point para as futuras gerações). Embora tenha um bom suspense conduzindo os episódios, considero que a trama demora para engrenar, deixando o melhor para os últimos episódios. A grande surpresa da temporada é a participação de Maya Hawke, atriz que prova ter herdado o talento dos pais (Uma Thurman e Ethan Hawke), mas, de resto, Stranger Things começa a demonstrar sinais de que o ponto final precisa estar mais próximo para não virar uma paródia de si mesma. 

Stranger Things - 3ª Temporada (EUA/2019) de The Duffer Brothers com Winona Ryder, David Harbour, Finn Wolfhard, Millie Bobby Brown, Caleb McLaughlin, Natalia Dyer, Gaten Matarazzo, Charlie Heaton, Cara Buono, Joe Keery e Maya Hawke. ☻☻

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

4EVER: Peter Fonda

23 de fevereiro de 1940  16 de agosto de 2019

Por algum tempo Peter Fonda foi considerado o membro menos prestigiado de um dos clãs mais famosos de Hollywood. Filho de Henry Fonda, irmão de Jane e pai de Bridget, Peter sempre foi visto como a ponta mais problemática da família - o que deixou muitas vezes seu talento ofuscado e a carreira em segundo plano quando lembrado pela mídia. Ainda que tenha realizado mais de cem produções ao longo da carreira, iniciada nos anos 1960, poucos filmes tiveram reconhecimento. O maior sucesso de toda sua carreira foi Easy Rider (1969), clássico da contracultura assinado por Dennis Hopper que fez o ator ser lembrado por décadas. O filme lhe valeu a primeira indicação ao Oscar pelo roteiro (dividido com Hopper e Terry Southern). O Oscar só reconheceu o talento do moço como ator por seu trabalho em O Ouro de Ulysses (1997), papel que lhe rendeu um Globo de Ouro pelo papel de um pai com problemas familiares. O ator faleceu em decorrência de um câncer de pulmão. 

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Na Tela: Simonal

Ísis e Fabrício: casal Simonal. 

Pode se dizer que Wilson Simonal foi um dos grandes nomes da música brasileira, até que, por conta de alguns tropeços num período conturbado em nosso país, ele foi boicotado pelo público e pela mídia. Esta parte mais sombria da história do cantor ficou mais conhecida com o documentário Wilson Simonal - Ninguém Sabe o Duro que eu Dei (2007) e doze anos depois, a mesma história chega ao cinema em versão dramatizada com atuação inspirada de Fabrício Boliveira na pele do artista. Ainda que os dois sejam bastante diferentes fisicamente, Fabrício tem o bom senso de fazer mais do que imitar o cantor, ele incorpora a alma de Wilson. Seu charme malandro, sua ginga, os trejeitos e uma certa inquietação diante de um mundo que não estava preparado para ter uma estrela de seu quilate com a pele negra -  o que o filme não deixa de registrar, ainda de forma leve, que era bastante incômodo. Dirigido por Leonardo Domingues (montador de documentários como A Pessoa é Para o que Nasce/2004) o filme tem um tratamento narrativo bastante envolvente e um grande cuidado com o ritmo (algo que se tornou incomum com as pretensões intelectuais de diretores que consideram que um filme para ser sério tem que ser arrastado e com roteiro preguiçoso). Não satisfeito com o corte a costura de sua obra, Leo ainda brinda a plateia com dois planos sequência que devem estar entre os melhores do cinema brasileiro. O cineasta também demonstra bom trabalho na condução dos seus atores, se Fabrício merece destaque, ele ainda é seguido de perto por Ísis Valverde que nunca me convenceu tanto na telona ou na telinha, mas aqui funciona muito bem! A atriz é responsável por dar vida à Tereza Puglesi, esposa do cantor que atravessa com ele a boa e má fase da carreira. O roteiro acompanha o início da carreira de Simonal, sua participação em grupos até que consegue partir para carreira solo com grande sucesso. O filme sabe aproveitar muito bem os hits do cantor, que embalam o filme de forma bastante orgânica e ajuda a entender o grande apelo que ele tinha perante o público. Boliveira capta o magnetismo do cantor e ajuda a torcer por ele mesmo quando ele mete os pés pelas mãos, seja na bebida, nos conflitos do casamento ou até quando cai na besteira de utilizar contatos perigosos para resolver um problema com seu contador. Além de contar a história de um artista, o filme não perde de vista o pano de fundo político de nosso país durante a carreira dele. Tempos sombrios que produziram uma história que colocou tudo a perder. O filme trabalha bem esta transição do festivo para o sombrio, torna-se denso em sua reta final e parte o coração quando o cantor se apresenta diante de uma plateia vazia. Bem realizado e com um roteiro eficiente, Simonal é um dos destaques do cinema nacional em 2019. 

Simonal (Brasil/2019) de Leonardo Domingues com Fabrício Boliveira, Isis Valverde, Leandro Hassum, Caco Ciocler, Silvio Guindade e Mariana Lima. 

domingo, 4 de agosto de 2019

.Doc: Bergman - 100 Anos

Bergman: genial e genioso. 

O sueco Ingmar Bergman é considerado um dos precursores do cinema moderno e basta assistir a um dos seus filmes para entender o motivo. Repletos de ângulos interessantes, conflitos psicológicos, recursos narrativos diferentes, metáforas e simbologias, seus filmes são ricos e dignos de culto até hoje. Considerado um verdadeiro patrimônio do cinema, não é surpresa que sua vida e obra rendesse um documentário. Realizado por Jane Magnusson e exibido no Festival de Cannes no ano passado, o filme tenta desvendar um pouco da genialidade e do temperamento difícil de Ingmar. Desde o início do filme demonstra sua admiração pelo cineasta, especialmente pela sua alta produtividade, não por acaso utiliza como ponto de partida a importância do ano de 1957 para sua carreira. Segundo o documentário, foi a partir daquele ano que sua carreira atingiu outro patamar com o lançamento de dois dos seus filmes mais cultuados: O Sétimo Selo e Morangos Silvestres. Naquele mesmo ano ele realizou um filme para a televisão, peças de teatro e trabalhos para rádio. O nome dele era trabalho. Por outro lado, tanta obsessão por produzir deixava sua vida particular bastante conturbada. Além de vários casamentos e envolvimento com suas atrizes favoritas (incluindo Bibi Andersson e Liv Ullman), Ingmar demonstrava grande sensibilidade, mas também uma irritabilidade que se intensificou com o tempo. Se a sua intensidade pode ser vista em sua obra, havia alguns acontecimentos familiares que o deixaram profundamente marcado para o resto da vida. O filme cita seu complicado relacionamento com o pai rígido e religioso, além do delicado laço com o irmão mais velho, no entanto, estas questões familiares serviram de inspiração para vários de seus filmes - culminando com Fanny e Alexander (1982), indicado a seis Oscars (ganhou quatro), que apresenava uma alegoria sobre sua infância e que se tornou seu último filme para o cinema. O filme também aborda como Ingmar dificultava a vida dos que tentavam compreender o homem por trás do artista, seja com  entrevistas cheias de ambiguidades ou as autobiografias que mais confundiam do que esclareciam, além de apresentar como o ego se tornou gigantesco ao se tornar um unanimidade perante público e crítica. Foi neste período que ocorreu um dos episódios mais controversos de sua carreira, a discussão com o promissor Thorsten Flinck nos bastidores do teatro sueco. Assistindo ao documentário, conseguimos até entender um pouco mais sobre o artista que ao final da vida preferiu viver numa ilha isolado e tornando-se cada vez mais recluso. Realizado para comemorar cem anos do nascimento deste ícone, o filme conta com entrevistas de vários artistas que trabalharam com ele e vários admiradores, além de contar com cenas de arquivo e comentários preciosos sobre sua obra. Documentário imperdível para quem é fã e obrigatório para quem quer conhecer uma dos criadores mais interessantes da sétima arte. 

Bergman - 100 anos (Bergman: Ett år - ett liv / Suécia - Noruega / 2018) de Jane Magnusson com Ingmar Bergman, Lena Endre, Elliot Gould, Barbra Streisand, Liv Ullman, Bibi Andersson, Thorsten Flinck e Lars Von Trier ☻☻☻☻

KLÁSSIQO: Sonata de Outono

Liv e Ingrid: relacionamento desastroso. 

Ingmar Bergman é um dos meus cineastas favoritos, mas sei que preciso de cautela para assistir seus filmes. A densidade absurda da relação entre seus personagens por vezes pode ser bastante perturbadora. Some isso ao meu hábito de assistir dramas europeus em dias chuvosos e você terá uma ideia ampliada do que estou tentando dizer. Diante de toda economia que pode ser vista na produção, Sonata de Outono é a prova de que o diretor pode fazer muito com poucos recursos em cena. A ideia é bem simples: Charlotte Andergast (Ingrid Bergman), uma pianista famosa, resolve visitar sua filha, Eva (Liv Ullman) após vários anos de distância. Charlotte acaba de perder seu parceiro de vários anos e as dores nas costas sempre aparecem para atrapalhar (ou elas seriam apenas a manifestação do incômodo diante do reencontro). Eva está visivelmente tensa com a visita da mãe, mas consegue sorrir a maior parte do tempo e transparecer disposta a fazer tudo para agradar. O esposo de Eva, Viktor (Alvak Björk) parece ter ciência do que aquela visita representa e tenta manter uma distância segura do que está prestes a acontecer. O primeiro grande desconforto é a presença da outra filha de Charlotte na casa, Helena (Lena Nyman) que precisa de cuidados especiais e desde o início motiva na mãe uma sensação de desconforto que apenas se amplia com o tempo. Não vai demorar muito para que a proximidade daqueles dias faça com que antigos ressentimentos apareçam e transbordem quando Eva e Charlotte estiverem mais vulneráveis. Indicado ao Oscar de roteiro original, o filme traz alguns dos diálogos mais duros já travados entre mãe e filha, em certo momento Eva até afirma que "mãe e filha não poderia ser uma combinação mais desastrosa". Os anos de ausência da mãe, o fracasso do matrimônio dos pais, a sensação de que nunca uma foi boa o suficiente para a outra pesam, mas pesam de verdade com a atmosfera do filme que utiliza closes sufocantes das duas atrizes. Liv Ullman, musa de Ingmar, encontra aqui um dos seus papéis mais oscilantes e perde aos poucos a doçura quase infantil de sua personagem para se tornar uma verdadeira bomba de ressentimentos. Já sua parceira de cena, Ingrid Bergman fez aqui sua despedida do cinema em grande estilo. Uma das grandes musas de Hollywood, ganhadora de três Oscars e indicada outras três vezes, conseguiu aqui sua sétima indicação com um papel difícil, bastante intimista, já que ao contrário de Eva, a dor de Charlotte é toda para dentro, silenciada e até comovente. Ainda que tenha todo um estilo teatral por trás (o duelo de atrizes, o cenário único, algumas narrativas...) Ingmar faz um filme que é puramente cinematográfico em seu formato. Reza a lenda que o filme foi inspirado no complicado relacionamento do cineasta com o pai. Arrepiante. 

Sonata de Outono (Höstsonaten/Suécia - Alemanha - França / 1978) de Ingmar Bergman com Liv Ullman, Ingrid Bergman, Lena Nyman e Halvar Björk. ☻☻☻☻

sábado, 3 de agosto de 2019

4EVER: D.A. Pennebaker

15 de julho de 1925 ✰ 1 de agosto de 2019

Don Alan Pennebaker, mais conhecido como D.A Pennebaker nasceu no estado de Illinois (EUA) e se tornou um dos mais renomados documentaristas da história. Um dos precursores do chamado "Cinéma Verité" e que privilegiava políticos e artistas performáticos em seus trabalhos. Fundador de de sua produtora nos anos 1960  ao lado de alguns amigos, seus trabalhos se tornaram referências no gênero. Em 1965 ele lançou o antológico "Don't Look Back" (1965) que se tornou o primeiro grande documentário da história do rock ao abordar o fenômeno Bob Dylan na cultura pop. Pennebaker ainda realizou trabalhos sobre Jimmy Hendrix e David Bowie, além de trabalhos políticos bastante influentes como Primarias (1960) sobre a campanha de John Kennedy para a presidência dos Estados Unidos. Pennebaker faleceu de causas naturais em sua residência em Long Island e seu novo filme, Rebirth ainda não tem data de estreia.  

NªTV: Crônicas de San Francisco

Tales of the City (1993): marcando época. 
O escritor Armistead Maupin ficou famoso ao escrever a coluna Tales from the City no jornal San Francisco Chronicle em 1978. A coluna começou de forma despretensiosa pelas mãos do autor nascido em Washington, mas que ficou cada vez mais atento ao que acontecia ao seu redor. A efervescência do período com a liberdade sexual e os efeitos da cultura hippie, tornaram o cenário de San Francisco bastante peculiar para o conservadorismo do Tio Sam. Aos poucos seus textos se tornaram um espelho para a cidade olhar para si. O sucesso foi tão grande que Maupin lançou uma coletânea e depois outros oito livros sobre aqueles personagens. Com a popularidade em alta criou-se uma série em 1993, que aos poucos chamou atenção por suas qualidades revolucionárias. A série falava abertamente sobre sexo, gays e uso de drogas, mantendo a atmosfera de meados da década de 1970 - período em que as histórias aconteciam. Embora o papel de protagonista fosse de uma jovem recém chegada do interior Mary Ann Singleton (Laura Linney antes do estrelato), ela servia de  ponte entre o espectador e aquela realidade diferente do mundo em que vivia. Mais diversa e livre, San Francisco lhe apresenta a pós-hippie Mona Ramsey (Chloe Webb famosa por seu trabalho posterior em Sid & Nancy/1997), o jovem gay Michael "Mouse" (Marcus D'Amico) e o conquistador Brian (Paul Gross). O quarteto habita a mesma pensão capitaneada por Anna Madrigal (a ótima Olympia Dukakis (que já tinha um Oscar na estante por seu trabalho em Feitiço da Lua/1987) e se torna uma família incomum e em Barbary Lane, nº28 (localidade que é vista como um refúgio para a população LGBTQ+ do país). Mantendo uma atmosfera quase novelesca, a série amplia as histórias daqueles personagens e suas aventuras amorosas sem perder a chance de humanizá-los. O resultado é um grupo de personagens com qualidades e defeitos,  que os torna bastante reais. Cancelada em seu sexto episódio, Crônicas de San Francisco teve o cuidado de fechar seu arco da primeira temporada, deixando no ar o mistério que tornaria Anna Madrigal como uma das personagens mais inovadoras da história da televisão. Cinco anos se passaram até que foi lançado Mais Crônicas de San Francisco (1998) em que voltamos a encontrar aqueles personagens. A história parte quase do ponto em que a outra parou. Mary Ann aparece mais a vontade em sua nova casa, Michael (agora vivido por Paul Hopkins) se tornar mais livre, leve e solto - mas ainda às voltas com seu relacionamento com o médico Jon Fielding (Billy Campbell), o que costuma coloca-lo às voltas com dilemas constantes sobre seu apetite sexual. O segredo de Anna Madrigal é mais explorado nesta temporada, assim como o histórico familiar de Mona (vivida pela bem mais jovem Nina Siemaszko). 

Mais Crônicas de San Francisco: alguns atores diferentes e mesma essência. 

Agora que todo mundo já sabia do que a série tratava, a produção se tornou bem mais ousada, com direito a mais cenas de nudez masculina e maior intensidade no contexto homossexual de alguns personagens. No entanto, o saldo da série foi mais do que positivo, já que se a primeira temporada foi lembrada em duas categorias no Emmy (roteiro e minissérie), esta segunda foi  indicada a cinco categorias (minissérie, roteiro, figurino, direção de arte e atriz para Olympia Dukakis). No entanto, a terceira adaptação dos livros (feita em 2001 e ambientada em 1981) foi bem mais enxuta com apenas três episódios com duração hora e meia cada. Ainda que o elenco seja esforçado e seja mantido um mistério para conduzir a narrativa (envolvendo a socialite Dede e seus filhos), a temporada vale mesmo por ver Mary Ann, Michael e Brian  (Whip Hubley) ajeitando suas vidas amorosas e dando corpo para o que vemos nesta quarta temporada produzida pela Netflix. Ambientada quase quarenta anos depois da terceira, desta vez temos o acerto de contas de Mary Ann com a família que deixou para trás ao priorizar a carreira em Nova York. Neste hiato nos damos conta de que Michael (agora interpretado por Murray Bartlet) contraiu o vírus HIV e mantém um relacionamento com um rapaz mais jovem (Charlie Barnett). Brian (novamente vivido por Paul Gross) se tornou um pai zeloso e assombrado pelo que sente por Mary Ann e Anna Madrigal completa noventa anos tendo seu lar ameaçado por uma chantagem. Ponto diferente desta temporada é a apresentação de um conjuntos de novos personagens, mas nem todos funcionam como deveriam. A personagem de Ellen Page é inexpressiva e difícil de engolir, assim como a de Zosia Mamet, que continua se esforçando tanto para não ser cômica depois de Girls que parece interpretar um robô. Os irmãos gêmeos que vivem postando coisas no Instagram também não conseguem ir além da caricatura, deixando o posto de melhor nova aquisição para o casal formado pelo trans Jake (Garcia) e Margot (May Hong). Além de criar pontos de relação com as temporadas anteriores (a cena do jantar com Michael, a lista de desejos escrita por ele, a gênese do movimento LGBTQ+, o resgate da personagem de Parker Posey - que sempre ficou de lado na trama), a temporada tem como ponto alto seu oitavo episódio em que se aprofunda na história da nonagenária Anna Madrigal. Vivida quando jovem por Jen Richards e tendo como amiga a espanhola Daniela Vega (ambas excepcionais) o capítulo se torna um verdadeiro marco dentro do universo da série. No entanto, para além do clima festivo dos anos anteriores, a série me pareceu mais melancólica na forma como enxerga o presente. 

Crônicas de San Francisco (2019): maior diversidade e maior melancolia.
Crônicas de San Franscisco ( / EUA-1993) de Alaister Red com Laura Linney, Olympia Dukakis, Paul Gross, Chloe Webb, Marcus D'Amico, Billy Campbell, Thomas Gibson, Barbara Garrick, Parker Posey e Donald Moffat. ☻☻☻☻

Mais Crônicas de San Francisco (EUA-1998) de Pierre Gang com Olympia Dukakis, Laura Linney, Paul Hopkins, Nina Siemaszko, Whip Hubley, Jackie Burroughs, Billy Campbell, Colin Ferguson e Thomas Gibson. ☻☻☻☻

Outras Crônicas de San Franscisco (EUA-2001) de Pierre Gang Olympia Dukakis, Paul Hopkins, Laura Linney, Barbara Garrick, Billy Campbell, Whip Hubley, Mary Kay Place, Henry Czerny, Sandra Oh e Parker Posey. ☻☻

Crônicas de San Franscisco (Tales of the City / EUA-2019) de  Lauren Morelli com Laura Linney, Olympia Dukakis, Paul Gross, Murray Bartlett, Charlie Barnett, Ellen Page, Zosia Mamet, Garcia e May Hong. ☻☻☻☻

PL►Y: O Mau Exemplo de Cameron Post

Chloe: tratamento de "cura gay". 

Ganhador do prêmio do júri no Festival de Sundance do ano passado, O Mau Exemplo de Cameron Post conta a história de uma adolescente que após o namorado a encontrar tendo relações com uma outra garota é enviada para uma instituição capaz de fazê-la deixar de ser homossexual, ou pelo menos, é este o objetivo. A ideia que parece absurda curiosamente também rendeu outro filme no ano passado, só que em versão masculina, Boy Erased de Joel Edgerton. Os filmes têm várias semelhanças, mas este aqui é bem mais ousado, porém o desenvolvimento o roteiro é bem mais simples. Cameron (Chloe Grace Moretz) é uma adolescente como tantas outras, só que sente-se atraída por uma amiga. É em flashbacks que conhecemos a relação entre as duas - e o filme aproveita para ter bastante cenas de meninas fazendo algo mais do que se beijar. Aos poucos descobrimos um pouco mais sobre Cameron e os outros jovens que estão naquela mesma situação - mas nenhum deles recebe um desenvolvimento muito profundo (aquela dinâmica do iceberg é um instrumento interessante, mas não me satisfez muito). Chloe Grace Moretz já provou antes que é uma boa atriz e aqui ela capricha nas expressões de perplexidade diante do que acontece à sua personagem. Colabora muito para isso os diálogos ao seu redor e os métodos utilizados para que ela sufoque o desejo que sente por pessoas do mesmo sexo. Além de apontarem motivos para sua conduta (que a própria Cameron não se vê encaixando, afinal, ela nem havia pensado se era hétero ou gay diante do que sentia) existe ainda um bocado de tortura psicológica com um bando de jovens que ainda estão construindo suas identidades. Evitando ser maniqueísta, o filme consegue compor de forma interessante o casal responsável pelo tal "tratamento", a atuação de Jennifer Ehle (ótima atriz e sempre pouco lembrada) é na medida para criar alguém que acredita realmente em sua proposta e seu parceiro John Gallagher Jr. também compõe um sujeito que finge não perceber o que fez a si mesmo. Se você não curte filmes sobre o tema é melhor nem assistir, já que a diretora Desiree Akhavan a partir do livro de Emily M. Danforth deixa claro os efeitos colaterais que este tipo de terapia pode provocar. Akhavan também escreveu o roteiro e tornou a história bem mais enxuta que no livro (com 500 páginas e contando a história de Cameron de 11 aos 17 anos). Acima da questão da sexualidade, o filme me fez pensar muito na solidão daqueles personagens que em pleno sexo XX (o filme é ambientado nos anos 1990) tem a sexualidade rejeitada pelas pessoas que mais deveriam amá-las. 

O Mau Exemplo de Cameron Post (The Miseducation of Cameron Post/EUA-2018) de Desiree Akhavan com Chloe Grace Moretz, Quinn Shephard, Jennifer Ehle, John Gallagher Jr., Forrest Goodluck e Owen Campbell. ☻☻

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Pódio: Ethan Hawke

Bronze: o policial novato. 
Dia de Treinamento (2001)
Reza a lenda que, no início de carreira, Ethan Hawke criou para si uma competição com River Phoenix para saber quem seria mais talentoso. Infelizmente a carreira de River acabou cedo e Ethan continuou sua busca por reconhecimento. Sempre fugindo do rótulo de galã, o texano conquistou sua primeira indicação ao Oscar por sua performance como policial novato deste filme. Lembrado na categoria coadjuvante, o ator provou de vez que era um bom ator ao lado da performance oscarizada de Denzel Washington. Seu papel aqui é ser o bom moço que sofre nas mãos de um policial que está longe de ser o exemplo da corporação. 

Prata: o músico atormentado. 
Se o filme não tivesse sofrido tantos problemas para entrar em cartaz, provavelmente o ator seria um dos favoritos na temporada de prêmios por seu trabalho comovente como o lendário Chet Baker nesta biografia reimaginada por Robert Budreau. Ainda que o filme tenha aquele jeitão de telefilme, o diretor consegue fugir das armadilhas do gênero e constrói uma história sólida e realmente envolvente - e muito sofrida. O trabalho de Hawke é de partir o coração e merecia bem mais reconhecimento do que recebeu. Outro destaque é a ótima Carmen Ejogo - que é parecidíssima com a esposa real do músico. 

Ouro: o religioso em crise. 
Faz tempo que Hawke encontra abrigo seguro em produções independentes para criar personagens interessantes, no entanto, sempre vê problemas para os filmes entrarem em cartaz. Este demorou um ano para chegar às telas americanas! Com quatro indicações ao Oscar no currículo (duas como ator coadjuvante -  a segunda foi por Boyhood/2014 - e outras duas como roteirista), Hawke quase recebeu mais uma neste ano pelo trabalho como religioso em conflito neste drama sombrio de Paul Schrader. Em um trabalho difícil, ele demonstra maturidade como ator e aumenta a torcida para que em breve receba uma estatueta. Atualmente, Ethan Hawke não precisa provar mais nada para ninguém. 

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

PL►Y: Fé Corrompida

Ethan Hawke: perdendo a fé. 

Muita gente considerou que Ethan Hawke seria lembrado no Oscar por seu trabalho em First Reformed, um dos filmes mais elogiados do ano passado. Seu trabalho acabou celebrado somente em festivais e premiações indies - o que culminou nas quatro indicações do filme ao Independent Spirit deste ano (concorreu a ator, filme, primeira produção e roteiro). Com problemas de distribuição nos Estados Unidos o filme foi lembrado somente na categoria de melhor roteiro original pelo Oscar. O roteiro e a direção são de Paul Schrader, especialista em criar tipos deslocados em seus trabalhos (Taxi Driver/1976, Gigolô Americano/1980, Temporada de Caça/1997, Auto Focus/2002...). Aqui ele gira em torno de Toller (Hawke), um líder religioso que atua numa pequena congregação nos arredores de Nova York.  De início não existe nada demais naquela realidade apresentada sem grandes atrativos. A coisa começa a mudar quando uma mulher grávida  (Amanda Seyfried) se aproxima dele e revela que seu esposo insiste para que realize um aborto.  Diante da angústia daquela jovem, Toller se aproxima do casal e tenta fazer com que o marido dela mude de ideia. Acontece que o moço tem uns pensamentos estranhos. De comportamento radicalista, o problema domiciliar é apenas um dos pontos de conflito entre os dois personagens. Schrader compõe um roteiro que se desenvolve aos poucos, enriquecendo detalhes sobre os personagens, especialmente sobre o protagonista que começa a questionar aspectos de seu papel. O filme fala um pouco de política, da forma como o homem se relaciona com o mundo e a natureza, além de fazer Toller revisitar os próprios fantasmas e o renascimento do desejo (que precisa ser sufocado a todo custo). Schrader consegue imprimir uma alma viajante no filme, ainda que seus planos e enquadramentos tenham uma rigidez bem cuidada em fotografia quase sem cores. Este aspecto reflete com fidelidade os conflitos de Toller, que sempre busca o equilíbrio sob o fio da navalha. Me arrisco a dizer que Hawke tem aqui o seu melhor trabalho,. Contido a maior parte do tempo, seus olhos são capazes de expressar um desespero genuíno como alguém que aos poucos perde suas certezas. Lançado por aqui com o nome de Fé Corrompida, o filme de Paul Schrader fala de uma fé muito maior do que a religiosa, trata-se de fé na própria humanidade e, por isso mesmo, seu final em aberto parece ainda mais certeiro. 

Fé Corrompida (First Reformed/EUA-2017) de Paul Schrader com Ethan Hawke, Amanda Seyfried, Cedric The Entertainer, Victoria Hill, Philip Ettinger, Bill Hoag e Frank Rodriguez. ☻☻☻☻

PL►Y: Halloween 2018

Jamie: reencontrando o algoz.

Lançado em 1978 com a assinatura de John Carpenter, Halloween - A Noite do Terror se tornou um clássico do gênero e inspirou dezenas de filmes onde um assassino trucida o elenco com mortes elaboradas. Fazia parte do horror do filme o fato dele dar continuidade a uma história que ninguém assistiu, afinal, o assassino Michael Myers escapava de um sanatório quinze anos depois de ter matado a irmã - e esta ideia prévia só aumentava o horror. Se o filme provocava arrepios, suas inúmeras continuações caíram na repetição caça-níqueis. Em 1998 a coisa recebeu um caráter especial com Halloween  H20 que contava a história do alvo favorito do assassino vinte anos depois do massacre original. A perseguida Laurie Strode (Jamie Lee Curtis) estava com a vida até confortável, tentando educar o filho (na época vivido por Josh Hartnett), com uma vida amorosa ativa e aparentemente bem resolvida até que seu algoz aparece para destruir tudo. H20 está longe de ser um clássico, mas cumpria sua missão com eficiência. Além de Jamie Lee Curtis, o filme ainda contava com Janet Leigh (mãe de Jamie) em uma participação especial e um elenco jovem interessante que contava ainda com Michelle Williams, Adam Hann-Byrd e Joseph Gordon-Levitt.   Pois esqueça tudo sobre H20, o décimo filme da franquia (que chegou aos cinemas no ano passado) faz de conta que o filme nunca existiu e confesso que senti certa decepção com isso. Laurie aparece aqui paranoica, reclusa e plenamente preparada para seu último confronto com Michael Myers. Ela aparece como uma pessoa tão estranha que sua presença é visivelmente desconfortável para a família, especialmente para a filha (Judy Greer). Sim: filha. Pois é, mudaram o sexo do filho da protagonista. De resto, o filme conta como Michael foge do sanatório mais uma vez, desta vez instigado por uma dupla de documentaristas que cutucam o serial-killer com vara curta, ou melhor, com a horrenda máscara que serve de gatilho para sua loucura. Daí em diante ele foge e mata os personagens sem critério algum até reencontrar Laurie - que se recusa a ser vítima desta história. O filme tem alguns momentos de bom suspense e uma ou duas cenas que impressionam (particularmente eu gosto da cena dos loucos caminhando à noite no meio da estrada), mas no geral é bastante enfadonho. Existem referências ao filme original e a ideia de prestar homenagem ao clássico, mas achei uma produção bem insossa e não via a hora de terminar. Considerei muito estranho o filme ser dirigido por David Gordon Green (O que te faz mais forte/2017 e Príncipes da Estrada/2013), que já provou se dar bem em dramas mais intimistas e aqui trabalha definitivamente fora da linguagem que domina. 

Halloween (EUA/2018) de David Gordon Green com Jamie Lee Curtis, Judy Greer, Andi Matichak, Will Patton e Rhian Rees.