Adam e Pryce: boas atuações em filme conturbado.
No Grande Livro da História do Cinema deverá haver um capítulo somente para se falar de O Homem que Matou Dom Quixote, não necessariamente o filme em si, mas sobre a odisseia que o diretor Terry Gillian atravessou para a produção chegar às telas. Começando a ser delineado em 1998, o filme contaria a história de um publicitário desiludido que viajaria no tempo através de fantasias e encontraria um sapateiro que acredita ser Sancho Panza. Aos poucos o filme misturaria realidade e ficção de forma que os personagens e a plateia não saberiam mais distinguir o que era real ou imaginário. O publicitário era vivido por Johnny Depp, sua musa seria Vanessa Paradis (que durante as atribulações casou com Depp, juntos tiveram dois filhos e permaneceram casados até 2012 - antes de toda confusão do casório de de Depp e Amber Heard). No papel do fidalgo estava Jean Rochefort, que no meio das filmagens sentia fortes dores e foi diagnosticado com dupla hérnia de disco, o que piorava com as cavalgadas nas filmagens. Se os trabalhos já estavam atrasados, por conta da captação de som em um ambiente próximo de uma base aérea da Espanha, tudo piorou quando uma tempestade destruiu os cenários e parte dos equipamentos. Trata-se de uma das produções mais azaradas de todos os tempos e os produtores resolveram engaveta-la para evitar prejuízos maiores. A situação foi tão impressionante que rendeu até um documentário, "Perdido em de La Mancha" (2002). Em 2010 a produção seria retomada, mas problemas com o orçamento e Johnny Depp fora tornou a captação de recursos ainda mais complicada (e o falecimento de John Hurt também atrasou um pouco mais as coisas). No entanto, terminar o longa se tornou questão de honra para Gillian que encontrou apoio em seu novo protagonista, um jovem ator em ascensão chamado Adam Driver. Quando o filme ficou pronto, Gillian teve problemas na justiça por conta de um produtor português que se considerava o dono do filme... quando o filme foi exibido no Festival de Cannes em 2018 eu imagino a emoção do cineasta ao ver sua obra realizada depois de tantas atribulações. O roteiro passou por algumas modificações e agora conta a história de um diretor, (Adam Driver) que vai rodar um filme sobre Dom Quixote na Espanha e no meio de algumas confusões, reencontra atores que trabalharam em seu primeiro projeto sobre a obra de Cervantes, realizado quando ainda cursava a faculdade. Este olhar sobre o passado lança uma luz melancólica e um tanto nostálgica sobre a história, especialmente quando aparece o sapateiro (Jonathan Pryce) que trabalhou na produção e que acredita ser realmente Don Quixote desde então. A história mistura fantasia, sonho e realidade com aqueles toques surrealistas que Terry Gillian sabe trabalhar com naturalidade desde sempre, mas aqui ele incrementa ainda mais a narrativa com uma reflexão sobre o impacto da arte em vidas áridas e a responsabilidade de um artista sobre o que produz. Não é coisa pouca. Em alguns momentos o filme parece se enrolar nas intenções e o que era um belo delírio soa apenas como uma grande confusão., mas a estética do filme ajuda a prender a atenção, assim como as boas atuações. Vale destacar os bons trabalhos de Adam Driver, num raro papel cômico desde que se tornou reconhecido por Hollywood e, mais ainda, a atuação de Jonathan Pryce como um senhor que encontra na fantasia (ou seria na loucura?) uma justificativa para sua existência. Fica ainda mais interessante se você acompanhou a última temporada de prêmios e viu os atores em trabalhos completamente diferentes (respectivamente) em História de Um Casamento (2019) e Dois Papas (2019), filmes que os colocaram no páreo de melhor ator no Oscar pela primeira primeira vez. Embora ainda considere Os Doze Macacos (1996) a obra-prima de Terry Gillian, este aqui recebe um sabor especial por tantos percalços e sua obstinação em concretizar algo que parecia cada vez mais impossível de ser realizado.
O Homem que Matou Dom Quixote (The Man Who Killed Don Quixote/Espanha - França - Reino Unido - Portugal - Bélgica / 2018) de Terry Gillian com Adam Driver, Jonathan Pryce, Stellan Skarsgård, Olga Kurilenko, Joana Ribeiro, Rossy de Palma e Sergi López. ☻☻☻
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