Scarlett, Azhy e Adam: palavras afiadas.
O cineasta Noah Baumbach caiu nas graças da crítica com seu terceiro filme, A Lula e a Baleia (2005) que marcou sua estreia no cinema autoral e rendeu sua primeira indicação ao Oscar pelo roteiro original de uma família que tenta juntar os cacos após o divórcio. Elogiado pelo frescor de seu filme (embora o tom fosse bastante pessimista), o cinema de Baumbach ficou ainda mais denso em suas obras seguintes, embora eu goste bastante de Margot e o Casamento/2007, considero O Solteirão/2010 um dos filmes mais insuportáveis da história - pelo menos este filme serviu para colocar Greta Gerwig no caminho de Noah. Depois que Greta se tornou sua musa, seja na tela ou fora dela, com Frances Ha (2012) o cinema de Noah seguiu por outros caminhos e, embora sua ironia permaneça a mesma, agora ela está mais colorida. Portanto é ainda mais interessante que ao revisitar o tema da separação, desta vez o tom é completamente diferente e até mais verdadeiro. Em sua segunda parceria com a Netflix (a anterior foi Os Meyerowitz/2017), Noah conta a história de um casamento com os dias contados. Charlie (Adam Driver) é um consagrado diretor de teatro em Nova York e Nicole (Scarlett Johansson) é sua esposa e atriz de suas peças já faz algum tempo. No começo do filme os dois estão numa sessão de terapia e este é o ponto de partida para o espectador conhecer um relacionamento que está desgastado. Aos poucos conhecemos os sentimentos que começaram a tomar conta daquela relação, as renúncias, as mágoas, os desentendimentos e aqueles pontinhos que vão se juntando e contaminando a rotina até que ela não faz mais sentido. No princípio os dois tentam se separar amigavelmente, mas tão logo a justiça aparece num complicado processo de divórcio aguçado ainda mais pela guarda do filho do casal (Azhy Robertson), a situação vira uma verdadeira guerra. Nas atuações precisas de Scarlett e Adam vemos a dissolução daquele relacionamento, mas sem perder de vista os detalhes que demonstram que o afeto permanece ali, ainda que soterrados por toneladas de mágoas e diálogos pesados. Baumbach cria aqui o seu melhor texto. Os diálogos espertos sempre foram sua marca, mas aqui ele constrói um encaixe perfeito das tensões entre os personagens, não apenas entre o casal protagonista, mas também em quem está ao redor (com destaque especial para a soberba atuação de Laura Dern que levou para casa os prêmios mais importantes de atriz coadjuvante da temporada pela advogada de Nicole). A coisa funciona tão bem que em vários momentos parece que estamos diante da destruição de um casal de verdade. Dói. Incomoda e comove com os momentos mais ternos que Baumbach já concebeu. Scarlett e Adam mereceram suas indicações ao Oscar e poderiam até ter levado para casa suas cobiçadas estatuetas, assim como Baumbach poderia ter sido lembrado na categoria de melhor diretor. Aqui ele demonstra personalidade e, se em alguns momentos seus roteiros lembram muito a escrita de Woody Allen, aqui ele incorpora um pouco de Ingmar Bergman também com muito discernimento na profundidade de seus personagens. História de um Casamento é o filme mais maduro do cineasta, ouso dizer que é sua obra-prima.
História de Um Casamento (Marriage Story/EUa-2019) de Noah Baumbach, com Adam Driver, Scarlett Johansson, Laura Dern, Azhy Robertson, Alan Alda, Merritt Wever e Ray Liotta. ☻☻☻☻
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