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Simone e Javier: aprendizagem cheia de química. |
Não lembro se já escrevi por aqui que Clarice Lispector está no top 3 de meus autores favoritos de todos os tempos (ao lado de Saramago e Gabriel García Márquez. Lembro quando comecei a ler sua obra na adolescência e fiquei instigado com a forma única como ela desenvolve a trama enquanto nos apresenta o que ela chama de "geografia interna da personagem". Esta maneira única de construir a escrita coloca seus livros entre os mais surpreendentes da Literatura. Recentemente até a Cate Blanchett citou o quanto ficou maravilhada de conhecer a obra da escritora. Por isso, admiro bastante a coragem de quem se aventura a realizar uma adaptação de sua escrita para as telonas. A cineasta Suzana Amaral (1932-2020) executou a tarefa com maestria na versão de A Hora da Estrela (1985), que rendeu o prêmio de melhor atriz para Marcélia Cartaxo no Festival de Berlim. Quem se aventurou recentemente foi Marcela Lordy (A Musa Impassível/2011) ao adaptar Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres, vale dizer que a cineasta trouxe para si um desafio e tanto. A obra está entre as mais reflexivas da escritora ao contar a história de Lóri (Simone Spoladore), uma professora do ensino fundamental que resolveu viver longe do pai e dos irmãos e se mudar para o Rio de Janeiro. Sua rotina se divide entre o trabalho com as crianças e as noites com os parceiros sexuais que encontra pelo caminho. No entanto, Lóri não se envolve emocionalmente com nenhum deles. As coisas mudam quando conhece Ulisses (Javier Drolas) que se recusa a se envolver sexualmente com ela, até que os sentimentos entre os dois estejam em um outro estágio. A hesitação de Ulisses deixa Lóri inquieta, mas a faz pensar na forma como ela se relaciona com as próprias emoções. Este é o processo de aprendizagem que está no título do livro, mas que ficou de fora do título do filme. Lordy faz uma opção arriscada de privilegiar os longos silêncios durante a narrativa, o que me fez sentir falta de boa parte da escrita de Clarice ao longo do filme. No entanto, a diretora fez uma ótima escolha ao escalar Simone Spoladore para viver a protagonista que é menos segura de si do que imagina, outra escolha acertada foi escolher o argentino Javier Drolas para viver o objeto de desejo da personagem. Confesso que no livro eu considerava Ulisses um personagem bastante irritante, aparentemente traçando joguinhos de sedução com a personagem, mas Javier consegue dissipar esta impressão ao longo do filme e estabelece ao lado da atriz uma sintonia que cresce em desejo até o desfecho. Lordy ainda constrói belas saídas para situações descritas no livro e ainda constrói imagens belíssimas com uso de espelhos (que poderiam ser utilizadas até mais vezes durante a produção). O Livro dos Prazeres adapta uma obra complicada de maneira correta, mas o que torna ainda mais surpreendente a narrativa é perceber que é baseado em um livro editado pela primeira vez em 1969 e trata a sexualidade feminina com a naturalidade que merece. Te amo, Clarice.
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