sábado, 30 de junho de 2012

DVD: Apollo 18

Owen: dando o sangue pelo filme. 

Sem dúvida os filmes de terror com formato "documental" servem como uma luva para os tempos de crise nas bilheterias. Pra começar, quanto mais desconhecidos forem os atores maior será o efeito "reality", além disso toda a campanha de divulgação costuma ser feita pela internet com cenas que dizem ser verdadeiras (o que poupa uma verdadeira fortuna em campanhas virais) e, principalmente, pelas cenas fingirem que são recortes de uma determinada história real, o roteiro não precisa se preocupar muito em desenvolver personagens, ter diálogos milimétricamente encadeados e outros quesitos básicos para manter o interessa da plateia. Basta dar pequenas pistas de que no final a carnificina será inevitável! Depois de Atividade Paranormal (2007) esse tipo de produção ganhou grande fôlego e chegou até a ir para o espaço na mente do roteirista estreante Brian Miller. Por que o homem nunca mais voltou à Lua? Por que só trazem pedras lunares nas missões? Essa é a premissa de Apollo 18 que teve um orçamento modesto (cinco milhões de dólares) e lucro considerável (17 milhões só nos Estados Unidos) com a história fictícia da última missão lunar da NASA. Historicamente a missão nunca existiu, mas quem se importa quando o filme começa com aquele clima de que o tempo todo a NASA ocultou a missão por saber que havia algo errado em território lunar? O filme acompanha três astronautas: Ben Anderson (o cara de galã Warren Christie), Nate Walker (Lloyd Owen) e John Grey (Ryan Robbins) que são designados para ir até a Lua numa missão secreta, que não deve ser compartilhada nem com seus familiares mais próximos. Fiel ao subgênero que pertence, ao chegar no satélite a história começa a se arrastar com a paisagem tediosa do espaço. As coisas só mudam  quando acontecimentos estranhos evidenciam que não são as únicas formas de vida presentes ali. Para aumentar o nível de horror, descobrem um astronauta russo morto e uma nave destruída. Da metade da sessão em diante o filme melhora consideravelmente, já que a paranoia dos astronautas caminha para o auge (e a sensação de isolamento causado pelas paisagens lunares amplia ainda mais suas angústias). Embora o roteiro empregue todo o clichê espacial que se pode imaginar em sua reta final (a NASA esconder dados importantes para os astronautas, a agência espacial hesitar na hora de resgatar sobreviventes, apresentar Ben como mocinho pelo seu apelo "família"...) o resultado consegue prender mais atenção do que todos os Atividades Paranormais juntos. A direção do espanhol Gonzalo López Gallego pode não ser nenhuma maravilha, mas resulta eficiente quando o roteiro coopera na tensão e para de investir em diálogos bobocas. No fim das contas o destaque fica é do ator Lloyd Owen na pele do contaminado Nate, mesmo contando com uma maquiagem nojenta Lloyd dá (literalmente) o sangue pela insanidade do personagem.

Apollo 18 (EUA/2011) de Gonzalo López Gallego com Lloyd Owen, Warren Christie e Ryan Robbins ☻☻ 

DVD: A Mulher de Preto

Radcliffe: procurando a maturidade. 

Com o fim da saga do bruxinho Harry Potter, o ator Daniel Radcliffe está disposto a mostrar que não é ator de um papel só. Enquanto a carreira no teatro vai muito bem (ele protagonizou um dos grandes sucessos da temporada 2011: "Como Vencer na Vida sem Fazer Força") chegou a hora de voltar à telona num papel bem diferente do que o consagrou. A escolha de Radcliffe foi o jovem viúvo protagonista do romance A Mulher de Preto  de Susan Hill. Não foram poucos os que reclamaram que o rapaz era jovem demais para o papel, mas quem conferir o filme verá que Radcliffe consegue convencer como um advogado cheio de fantasmas pessoais e uma casa mal assombrada. Produzido pelo lendário estúdio Hammer (que no pós-guerra foi sinônimo de terror elegante e em 2008 retomou suas atividades), o filme investe numa atmosfera gótica que deve agradar os fãs do bruxinho, apesar do tema ser bem mais adulto. Arthur Kipps (Radcliffe) ainda não se recuperou com a morte da esposa no parto de seu primeiro filho, passaram-se alguns anos, mas continua desmotivado a retomar sua rotina. Como uma espécie de punição acaba sendo encaminhado para cuidar da venda de uma casa num vilarejo que costuma ficar isolado durante a maré cheia. Diante da hostilidade da população local, Arthur percebe que existe alguma coisa errada por ali - e o fato de crianças morrerem misteriosamente só aumenta seus arrepios. Quando conhece a tal casa, Arthur começa a ser assombrado por um fantasma, uma mulher vestida de negro que morava na casa e que, por vingança, vitima as crianças da população local. O diretor James Watkins, apesar do pulso meio frouxo,  faz um filme à moda antiga, cheio de climas e segredos escondidos que aos poucos se revelam. Ambientado no início do século XX, o protagonista londrino já pode ser considerado um sujeito urbano e  cético perante as crendices sobre o fantasma local, mas Daniel Radcliffe confere grande dignidade à resignação de seu personagem diante do desconhecido. É interessante como Radcliffe cresceu como ator, achoque no fundo estava cansado de ser Potter. Existem cenas em que seu olhar já é suficiente para expressar todos os sentimentos que povoam o interior do atormentado Kipps. Sua atuação é, por exemplo, melhor do que a da consagrada Janet McTeer que exagera na pele de uma das habitantes mais esquisitas da cidade. Com todo o cuidado com os figurinos, a fotografia e os efeitos sonoros, A Mulher de Preto bebe no tema dos grandes filmes de terror, onde a mortes são menos interessantes do que o protagonista assombrado que projeta seu passado nos acontecimentos que presencia. O fantasma, em sua vestimenta negra e banhada de ressentimento com a morte de um ente querido, reflete muito das angústias de Arthur Kipps e, por isso mesmo, a morte pode até ser vista como um final feliz e redentor. Se este filme é um prenúncio de como a carreira de Radcliffe será conduzida nós podemos ficar despreocupados. 

A Mulher de Preto (Woman In Black/Reino Unido-2011) de James Watkins com Daniel Radcliffe, Ciarán Hinds, Janet McTeer e Cathy Sara. ☻☻☻

CATÁLOGO: Se7en - Os Sete Crimes Capitais

Pitt e Freeman: caçando um serial killer religioso. 

A década de 1990 deu ao cinema americano uma espécie de xodó nos filmes de suspense: o serial killer psicótico. Quase toda semana estreava um filme com algum lunático que se divertia matando parte do elenco, obviamente que o que viamos nos filmes não era o que se percebia na vida real. Os psicopatas pareciam aqueles vilões indestrutíveis das histórias em quadrinhos - e se fizesse sucesso receberia até uma continuação. Quando David Fincher lançou o seu segundo longa, houve uma espécie de marco no gênero, uma vez que o diretor alçou o serial killer a outro patamar, um mais estratégico, estiloso e angustiante para o espectador. Depois de Se7en os outros diretores teriam que se esforçar mais para conseguir, pelo menos, empatar com sua trama de elaboradas crueldades. O ponto de equilíbrio para as sandices que o vilão comete durante é a vida, até então, sossegada dos policiais que o perseguem. Um deles é o veterano William Somerset (Morgan Freeman em um grande momento) que está prestes a se aposentar quando se torna parceiro do recém chegado agente Mills (Brad Pitt, quando começava a ganhar alguma popularidade). Enquanto Somerset já está cansado de toda a violência que assola a cidade de Nova York, Mills ainda possui disposição para uma longa carreira na polícia, mesmo que isso desagrade sua esposa (Gwyneth Paltrow, namorada de Pitt na época e em seu primeiro papel de destaque). O aparecimento de um assassino incomum que cita os pecados capitais em seus crimes instiga os policiais a reavaliar os rumos de suas vidas, na medida em que começam a se sentir ameaçados por um psicopata astuto e mais inteligente que a maioria. Os Sete Crimes Capitais é essencialmente um filme policial, onde a dupla de tiras persegue um bandido, mas existe um bocado de ingredientes que fazem a diferença durante toda a trama. Pra começar a atmosfera sombria e apocalíptica transborda desde os créditos iniciais e só ampliam o horror das vítimas castigadas pelos seus excessos gerados pela gula, preguiça, avareza, luxúria, vaidade, além da  inveja e ira que compõem o desfecho surpreendente para a época. A ideia de um assassino motivado por ideias religiosas gerou um monte de outros filmes e livros, ou seja, além do sucesso de bilheteria, Se7en tornou-se a referência na construção de obras como Jogos Mortais (2004), Rios Vermelhos (2000) e até a trilogia Millenium. Claro que nada disso funcionaria se não existisse por trás o perfeccionismo de David Fincher que antes tivera problemas na concepção de Alien3 (1992) após uma carreira bem sucedida no ramos dos video clipes (você sabia que ele foi fundamental na transformação de Madonna em rainha do pop?), mas aqui encontrou sua consagração pelo total domínio cênico, da arriscada fotografia escura e uso de barulhos perturbadores. tudo para transmitir o desconforto e angústia ao espectador. Seu olhar atento a cada detalhe nas cenas é  notável, seja nas atuações (os olhos desiludidos de Freeman, a doçura de Paltrow, a impetuosidade de Pitt) ou na concepção dos cenários dos crimes mais sádicos do cinema. Sempre alternando o que deve e o que não deve ser mostrado. Realizado de forma independente (de forma ao diretor ter mais autonomia na condução da história), Se7en tornou-se uma pérola do suspense e mostrou que Fincher possuía um interesse bastante peculiar para o lado mais obscuro do ser humano - aspecto que tornou-se sua principal marca até o século XXI.

Se7en - Os Sete Crimes Capitais (Se7en/EUA-1995) de David Fincher com Morgan Freeman, Brad Pitt, Kevin Spacey e Gwyneth Paltrow.
☻☻☻☻

sexta-feira, 29 de junho de 2012

DVD: Millenium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres

Craig e Mara: mais vulnerabilidade e elegância em Millenium. 

Depois de fazer filmes com cara de Oscar e quase ganhá-lo de fato em 2011 com A Rede Social (2010), David Fincher voltou às suas origens ano passado com sua versão para o sucesso editorial Millenium de Stieg Larsson. A Garota com Tatuagem de Dragão torna-se mais uma vez Os Homens que não Amavam as Mulheres em terras tupiniquins. A trilogia de Larsson tem seguidores fervorosos que cultuam a hacker Lisbeth Salander como se fosse uma divindade, foram eles que garantiram uma série televisiva sueca baseada na trilogia e, mais tarde, três filmes estrelados por Noomi Rapace e Mikael Nyqvist. O primeiro foi até lançado nos cinemas daqui, mas o público parece não ter digerido bem aquela mistura de investigação e violência sexual. Quem conferiu o filme podia perceber que a estética devia muito à atmosfera soturna da cinematografia Fincheriana - especialmente ao já clássico  Se7en (1995) - e quando soubemos que David Fincher preparava a sua versão da história não era difícil imaginar a tarefa ingrata que tinha pela frente. O filme não chega a ser uma refilmagem da versão sueca, mas tem semelhanças suficientes para não empolgar quem viu o original. Claro que o cineasta confere um visual arrojado ao longa, com fotografia escura e trilha sonora envolvente criada por Trent Reznor e Atticus Ross (ganhadores do Oscar por A Rede Social), além de explorar as atuações de um elenco comprometido com a história que tem em mãos. Quem viu o longa sueco, ou leu o livro, deve estranhar algumas mudanças na reta final e, especialmente, na ênfase que o relacionamento sexual da hacker Salander e o jornalista Michael Blomkvist recebeu. Blomkvist (Daniel Craig) é um dos principais envolvidos na cultuada revista Millenium e responde à uma acusação de difamação. Recebendo atenção da mídia ele nem suspeita que é alvo de uma investigação por parte da prodigiosa Lisbeth (Rooney Mara) que, entre outros aspectos, destrincha seu relacionamento amoroso com a editora da revista, Erika Berger (Robin Wright). A história de ambos é contada em paralelo, aos poucos somos apresentados ao cotidiano da antisocial Lisbeth, seu mundo em enferninhos, invasões cibernéticas e a relação problemática com o novo tutor nomeado para administrar seus bens. Enquanto isso, Blomkvist é contratado para investigar o paradeiro da sobrinha do rico empresário Henrik Vanger (Christopher Plummer), desaparecida há décadas. Na investigação em que conhece os subterrâneos da família Vanger ele se aproxima de Lisbeth numa busca onde crimes com embasamento religioso, incesto, misoginia e sadismo se misturam. Particularmente, a matéria prima da trilogia Millenium não me encanta, mas a química entre a punk e o jornalista asseado consegue manter o interesse, ainda que Fincher nunca ultrapasse sua zona de conforto. Claro que quem já conferiu A Menina que Brincava com Fogo/2010 e A Rainha do Castelo de Ar/2010 conseguem entender melhor as entranhas da personagem que deu a Rooney Mara uma controversa indicação ao Oscar de atriz deste ano - que pode parecer um exagero, mas que ressalta que a moça conseguiu imprimir à personagem uma personalidade distinta da impressa por Noomi Rapace. A Lisbeth de Mara é mais vulnerável, ainda que tenha mais humor por tratar com fina ironia a loucura que diz ter. Esta concepção lhe confere uma elegância que pode soar incoerente para alguns fãs. Seja na nudez despojada ou nos piercings de seu visual agressivo, Mara concebeu uma heroína que beira o romantismo num flerte torto com o feminismo - talvez seja por isso que muitos consideraram o olhar de Fincher um tanto conservador sobre a trama (e a cena final retrata bem isso). Ainda que exista um sabor de retorno às origens (o diretor até abre o filme com um clipe conceitual de Immigrant Song na voz de Karen O para lembrar os velhos tempos em que reinava na MTV, ele ainda impressiona na sua capacidade de sintetizar em imagens, de poucos minutos, as suas intenções), Fincher não é mais aquele provocador de outrora, está mais controlado e preocupado com o desenho dos personagens, pena que sem encontrar o ponto de equilíbrio entre o romance e a violência o filme não empolgou nas bilheterias e comprometeu os outros dois filmes made in USA baseado na trilogia. 

Millenium - Os Homens que não amavam as Mulheres (The Girl with The Dragon Tatoo/EUA-Suécia- ReinoUnido- Alemanha/2011) de David Fincher com Daniel Craig, Rooney Mara, Christopher Plummer, Stellan Skarsgard, Robin Wright e Joely Richardson. ☻☻☻

DVD: Soul Kitchen

Adam e Moritz: irmãos em conflito.

Sou chato demais para gostar de comédias. Tive certeza disso quando uma amiga me perguntou sobre uma boa comédia que assisti recentemente. Pensei por longos minutos...  e enquanto escrevo no blog não consigo lembrar qual foi que citei naquele momento. Eu poderia ter falado de Soul Kitchen, que  me fez dar boas risadas quando assisti. O diretor alemão descendente de turcos Fatih Akin (do premiado Contra a Parede, que ainda não me perdoo por não ter escrito sobre) gosta de misturar etnias, trilhas e situações curiosas em seus filmes. Alguns acusam do cineasta constar sempre o mesmo tema com gêneros diferentes - preciso citar outros que fazem a mesma coisa sempre e que todos fingem não perceber? Deixando essas implicâncias de lado, Soul Kitchen é uma ótima surpresa - afinal, quantas chances de rir com uma comédia alemã você teve em sua vida? Sucesso cult em festivais, o filme é despretensioso e, por isso mesmo, bastante interessante. Zinos (o bom Adam Bousdoukos que também assina o texto) é descendente de gregos e dono do restaurante que dá nome ao filme. Bem, chamar aquele lugar de restaurante é praticamente um favor, já que seus pratos consistem basicamente em descongelar e fritar coisas para os seus fregueses pouco exigentes. A vida de Zinos parece ter alcançado um ponto cômodo, mas as coisas começam a sair dos eixos quando sua namorada resolve ir trabalhar em outro país e espera, ansiosamente, para que Zinos a encontre. Quando a moça vai embora ela parece deixar a porta aberta para que novos personagens cruzem o caminho de seu namorado. Um deles é o irmão dele, Ilias (Moritz Bleibtreu) que precisa de uma ajuda para dizer que trabalha no restaurante enquanto cumpre sua pena de regime semiaberto na prisão. Se Ilias pelo menos fingisse que está trabalhando as coisas seriam mais fáceis (mas não vai demorar para que a garçonete marrenta do lugar comece a se interessar pelo prisioneiro). Outro que entra para a família Soul Kitchen é um chef de cozinha que prentende ensinar aquele bando de gente a apreciar uma culinária mais elaborada (e que faz o restaurante entrar em crise) e finalmente, Thomas Neumann (Wotan Wilke Möhring), um especulador imobiliário que está disposto a acabar com o restaurante para que possa comprá-lo e revendê-o a um preço exorbitante. Fatih Akin se preocupa pouco em criar um fio condutor para a história, preferindo explorar as situações que se passam entre os personagens, seja as graças, delírios ou romances. Ganha espaço na história a hérnia  de disco de Zinos, a carreira de DJ de Ilias (ou seus problemas com jogo) e o sucesso que o restaurante passa a fazer quando abre uma escola de música na vizinhança. Soul Kitchen pode ser apresentado como uma anúncio da fenomenal trilha soul que embala a trama, mas também como a premissa de um filme com uma alma jovem e moderna, bem diferente da imagem sisuda que as pessoas fazem dos alemães. Há quem diga que os vilões (imobiliários) do filme (além do louro Möhring tem a cara nazista de Udo Kier) personifiquem essa imagem negativa de uma Alemanha que perdeu espaço nos últimos anos, mas se você não se preocupa com nada disso e quer apenas se divertir você vai adorar os ingredientes fraternais misturados na cozinha cheia de alma de Fatih Akin. 

Soul Kitchen (Alemanha/2009) de Fatih Akin com Adam Bousdoukos, Moritz Bleibtreu, Birol Ünel, Anna Bederke, Wotan Wilke Möhring e Udo Kier. ☻☻☻☻ 

Combo: Animal

De vez em quando aparece um coadjuvante especial que rouba a cena num filme: o bicho de estimação! Geralmente eles não tem diálogos e estão ali só para despertar a simpatia do público, mas alguns conseguem algo mais e criar cenas memoráveis. Fazer essa lista foi um bocado complicado e utilizei inúmeras variáveis, levando em conta a originalidade das cenas em que aparecem, carisma e expressividade. Os cinco campeões foram:

5 Fúria de Titãs (1981) Sei que não se trata de um animal de verdade, mas quem não gostava quando aparecia na tela a coruja de Atena no Fúria de Titãs original? Feita de metal e cheia de efeitos sonoros ela está sempre disposta a observar a jornada de Perseu e informar aos deuses as últimas proesas do protagonista. Uma ideia que pode até parecer tosca nos dias atuais (e foi até ridicularizada na refilmagem desse clássico), mas trata-se de uma das criações mais carismáticas do diretor Ray Harryhausen que ficou famoso pelos seus efeitos especiais em stop-motion. De todos os filmes baseados na mitologia grega, esse é o meu favorito e talvez a simpática coruja tenha alguma relação com isso. 

4 Alien - O Oitavo Passageiro (1979) Em tempos de Prometheus eu revi o clássico de Ridley Scott e fiquei fascinado com aquela cena do close no felino que sobrevive ao lado da Tenente Ripley (Sigourney Weaver). Precisa contar a história? A tripulação de sete astronautas é dizimada por uma criatura desconhecida que possui ácido correndo nas veias e consegue ser gerado dentro do organismo de suas presas. A única que mostra-se páreo para ele é a durona Tenente Ripley (você sabia que o personagem foi concebido para ser feito por um homem?) - testemunhando a bravura da protagonista está o bichano arregalando os olhos. A mistura de ficção científica com terror foi uma novidade que gerou diversas cópias e ainda consegue conquistar novos fãs. 

3 Água para Elefantes (2011) Embora Robert Pattinson e Reese Witherspoon não tenham feito desse filme de circo um sucesso, eles conseguiram conquistar uma legião de fãs quando o longa chegou em DVD. Feito à moda antiga pelo diretor Francis Lawrence, um dos grandes trunfos é a elefanta que consegue unir os dois pombinhos num romance proibido. Maior e mais expressiva do que muito ator de Hollywood, ela possui cenas em que parece disputar o coração de Pattinson com a legalmente loura. Com o carisma que pesa uma tonelada as cenas em que sofre nas mãos do proprietário do circo e a que se rebela ao fim da sessão valem mais do que qualquer beijinho dos protagonistas

2 Cavalo de Guerra (2011) No livro de Michael Morpurgo a Primeira Guerra Mundial é mostrada sob o olhar de um cavalo. O livro, ainda que voltado para o público infanto-juvenil, denuncia a matança de milhões de cavalos durante a guerra. Spielberg preferiu focar em outros aspectos e concentrar-se na relação do cavalo Joey com seu dono Albert (Jeremy Irvine). Sobra boas intenções e bons atores ingleses no filme, mas o que vale mesmo é o cavalo que consegue expressar toda sua opinião sobre o mundo com seu olhar desiludido. Ou será que é Spielberg que consegue editar tudo de forma que o cavalo esbanja expressividade?

 1 Toda Forma de Amor (2010)  O filme de Mike Mills teve a ideia genial de legendar os pensamentos do cãozinho do personagem principal - e o mais engraçado é que o cachorro parece estar pensando aquilo mesmo. Trata-se de um Jack Russel Terrier, um cão que costumava ser utilizado em caças mas que foi domesticado - e que cai como uma luva para os dilemas vividos pelo designer interpretado por Ewan McGregor (que tenta lidar com um novo amor pouco depois da morte do pai vitimado pelo câncer). Christopher Plummer ganhou vários prêmios pelo papel do patriarca, mas o cãozinho merecia alguns também por conta de pérolas como o momento em que pergunta ao seu dono se eles finalmente se casaram!

domingo, 24 de junho de 2012

DVD: Cavalo de Guerra

Irvine: montando o protagonista. 

O ano passado tinha tudo para ser o ano de Steven Spielberg, além de lançar a animação As Aventuras de Tintim com produção de Peter Jackson, ainda arrumou tempo para fazer um daqueles filmões que sempre aparecem indicados para uma penca de Oscars. Cavalo de Guerra chamou atenção do diretor quando chegou ao teatro com base no livro de Michael Morpugo, o diretor ficou fascinado com o texto que retrata o olhar de um cavalo sobre a 1ª Guerra Mundial - e a montagem utilizando bonecos tornou a experiência ainda mais interessante. No cinema, o criador de ET sabia que era mais do que arriscado atribuir a narrativa a um bicho, por isso preferiu deixar que as cenas com o cavalo Joey falassem por si só. Ciente de que o público poderia rejeitar um filme protagonizado por um cavalo pensante, ele resolveu ampliar a participação do primeiro dono do equino na trama, o jovem Albert (o estreante Jeremy Irvine). Albert é filho de um camponês (Peter Mullan) que foi herói de guerra e possui problemas para manter a casa ao lado da esposa (Emily Watson). Para piorar a situação ao invés de comprar um cavalo forte o suficiente para arar a terra, ele acaba comprando o inexperiente Joey. Enquanto todos acham que Joey jamais será capaz de realizar a tarefa, Albert acredita que com o treinamento certo o cavalo dará conta do arado. Embora Spielberg não seja muito original ao contar essa história de superação, o cavalo consegue ganhar nossa simpatia mais do que qualquer coisa. Irvine demonstra menos vigor do que deveria e serve apenas como escada para o animal. Talvez pela inexperiência ele passa quase todas as cenas com os lábios abertos e os olhos apertados como se tentasse entender o que está acontecendo na história. Fora isso, ele ainda lembra  Ethan Hawke quando era adolescente, o que torna ainda mais forte a sensação de que já vimos aquelas caras antes. Não vai demorar muito para que as dificuldades da família de Albie superem seu apego ao bicho e faça com que a família venda o cavalo para um militar de bom coração (papel que não passa em branco somente pela dedicação habitual de Tom Hiddleston), mas nem adianta se apegar ao bondoso Capitão James Nicholls, logo Joey terá outros donos - entre eles uma dupla de irmãos (Leonard Carow e David Kross), uma menina com ossos de vidro que vive com o avó numa fazenda. Nessa passagem por vários donos, a narrativa perde força, talvez porque todos aparecem por pouco tempo, sem que tenhamos a oportunidade de nos apegar a eles. Neste momento o filme chega em seu ponto morto (algo me diz que o olhar do cavalo sobre esses personagens deve tornar tudo mais interessante, mas no filme a ausência dessa narrativa  incomum fez falta). O filme só ganha força depois que Joey promove uma trégua - e Spielberg perde a chance de criar uma cena inesquecível se perdendo em piadinhas que não ajudam muito ao clima do arame farpado. Neste momento já esperamos que Albert e Joey se reencontrem, mas o dá algumas voltas tão desnecessárias que são resolvidas apressadamente. A esse aspecto junta-se o fato da produção bagunçar um bocado os envolvidos na guerra, afinal, todos falam inglês (com sotaques ridículos)! No final das contas, Cavalo de Guerra é até um bom filme, mas menor do que seu diretor esperava. Bela fotografia e edição são prejudicadas pela trilha sonora melosa e uma direção acomodada que perdeu o principal tema do filme: a morte oito milhões de equinos durante a 1ª Guerra Mundial. Ironicamente, no fim das contas (com todo o requinte da produção) salva-se o cavalo. Ele nem precisasse falar mesmo.

Cavalo de Guerra (War Horse/EUA2011) de Steven Spielberg com Jeremy Irvine, Emily Watson, Peter Mullan, Tom Hiddleston, Benedict Cumbertbatch, David Thewlis e David Kross. ☻☻☻

quinta-feira, 21 de junho de 2012

DVD: As Aventuras de Tintim

Haddock e Tintim: o personagem clássico encontra a tecnologia. 

Devo confessar que nunca fui muito fã das história de Tintim. Quem já se deparou com o personagem pioneiro das HQs criado pelo belga Hergé não deve ter demorado muito para notar que ser animado não é propriamente uma peculiaridade dele. Lançado em 1929, trata-se de um clássico. Lembro quando Spielberg juntou-se a Peter Jackson na criação de um longa metragem de animação com o personagem utilizando a captura de movimentos - um recurso moderno na criação de efeitos visuais que Jackson alçou a outro patamar quando criou Smigle com a dedicação de Andy Serkis (que tornou-se uma espécie de referência no assunto desde a trilogia do Senhor dos Anéis/2001) . O que me preocupava é que faz tempo que Spielberg não me empolga (desde Inteligência Artificial/2001 que já pecava naquele final meloso) e Jackson também não fez nenhuma maravilha em Um Olhar do Paraíso/2010 seu último e pior filme. Misturando tudo eu até consegui ter boa vontade com a versão para a telona de Tintim, mas não a suficiente para conferir o filme em 3D nos cinemas. Sorte minha. Apesar no esmero da produção o resultado me soou vazio até o osso. São tantas cenas de ação e correria que chega a cansar vendo aquele rapazinho correndo para lá e para cá atrás... do que mesmo? Lá pela primeira meia hora de filme parece que até Spielberg esqueceu o que estava fazendo e se rendeu a muitas cenas de tiroteio, confrontos e o maior índice de violência que já vi numa animação com censura livre. Claro que os fãs exaltaram "o resgate da inocência das histórias de Hergé"! Bem, acho que eles assistiram a outro filme, já que logo no início um dos personagens é metralhado na porta de casa. Apesar do colorido e dos traços que lembram os desenhos clássicos de um livro infantil, Spielberg sucumbiu aos encantos de criar uma espécie de Indiana Jones em versão desenho animado - se ele não deu conta de empolgar nem com o último Indiana, imagine nesta paródia. Tudo bem que Tintim é um personagem clássico, mas custava apresentá-lo de forma decente ao público? Afinal, o que aquele adolescente com cara de menino faz armado se misturando com piratas e bandidos? Spielberg pensa que a cena em que Tintim é desenhado por um artista de rua em seus traços tradicionais basta para apresentá-lo ao público. Não é bem assim. Tintim (interpretado por Jamie Bell) é um jovem repórter que tem como fiel companheiro o cão terrier Milu como parceiro, a aventura começa quando Tintim compra um barco em miniatura que guarda um segredo e é cobiçado por um homem refinado e estranho que está em busca de um navio naufragado chamado Licorne, que fora comandado pelos ancestrais do capitão Haddock (Andy Serkis). Este é o ponto de partida para muitas perseguições, brigas e cenas de ação elaboradas que se repetem exaustivamente até o final. Além dos nomes citados, Spielberg convenceu Daniel Craig, Simon Pegg, Nick Frost e Cary Elwes a participarem do filme. Ainda não sei qual é a graça para um ator conhecido emprestar seu corpo para uma técnica como essa, no fim das contas todos parecem dubladores e ponto. Seja como for, quem viu o filme nos cinemas e reparou essas carências nem deve ter estranhado ignorou o filme na categoria de Melhor Animação (vale lembrar que o filme ganhou o Globo de Ouro nesta categoria).

As Aventuras de Tintim (The Adventures of Tintim/EUA, Bélgica, Nova Zelândia-2011) de Steven Spielberg com Jamie Bell, Andy Serkis, Daniel Craig e Simon Pegg. ☻☻

DVD: Dois Coelhos

Negrini e Fernando: ação, romance e cajadadas moderninhas. 

Somente quando chega um filme como Dois Coelhos nos cinemas, percebemos como o cinema nacional ainda é meio quadrado. O filme de Afonso Poyart incomodou muita gente pelo tom moderninho de sua narrativa, pelo exagero de efeitos visuais usados para contar uma história cheia de reviravoltas e digressões. O efeito pode não ter sido o mesmo como o de Cidade de Deus/2002, mas injeta ânimo na forma como o cinema nacional está acostumado a filmar. Apesar de tanta pompa, Dois Coelhos tem uma trama até simples temperada com história de amor, tiroteios e redenção. Edgar (Fernando Alves Pinto), um sujeito meio sem rumo na vida, que cria um plano mirabolante para pegar dois coelhos com uma cajadada só (ou "caixa d'água", como diz o personagem): trata-se de um político corrupto (Roberto Marchese) e Maicos (Marah Descartes) um bandido da pesada que tem seus caminhos cruzados por uma promotora pública de escrúpulos questionáveis (Alessandra Negrini) e seu parceiro (Neco Villa Lobos). O plano de Edgard ainda envolve um bandido disfarçado de motoboy (o músico Thaíde) e Walter (Caco Ciocler), um professor universitário que tenta superar uma tragédia familiar. Não satisfeito com a teia de personagens, Poyart mistura essas histórias com edição picotada e idas e vindas temporais bem costuradas - mas que vez por outra pode deixar os mais desatentos perdidos. Apesar de pretensamente moderninho, o roteiro flerta o tempo inteiro com uma sensação bem comum aos brasileiros de combater a corrupção com as próprias mãos. Ao mesmo tempo que a violência jorra realista (com toques de humor negro) existe um bocado de fantasia de HQs na trama onde os mocinhos parecem verdadeiros heróis a prova de bala (o que o texto fará o favor de ressaltar que não existe na vida final). Há de se elogiar que o roteiro capricha nas nuances do casal principal, evitando que sejam mostrados como figuras exemplares, já os vilões (apesar de servirem de escada para cenas de algum humor) são vilões e pronto. A velocidade pop com que Poyart conta sua história deve perder um bocado do impacto em DVD, mas deve agradar os mais exigentes como a cena em que desenhos representam as pretensões profissionais do protagonista ou a cena em que Radiohead ajuda na tristeza de uma cena fúnebre. Devo admitir que há cenas em que as coisas beiram o ridículo (como a cena em que a cabeça de Edgar vira um monte de cacos ou quando a personagem de Alessandra Negrini parece ter saído das cenas mais surreais de Sucker Punch/2011), mas o diretor consegue fazer tudo soar coerente e atrativo ao público. Apesar de ainda querer dar uma intelectualizada na coisa (tanto que essa parece ser a função principal do professor Walter) , ele é superior ao bando de filmes brasileiros que se contentam em ser um bando de versões pobres de Tropa de Elite. Ao contrário dos outros, Poyart não engasga ao misturar referências que qualquer adulto ou adolescente são capazes de identificar e embarcar. Por trás de todo humor e modernice existe um bocado de provocação, além da condução firme em cenas de ação como aquela do tiroteio perto da melhor cena de perseguição de carro que vi num filme brasileiro. Dois Coelhos pode não ser perfeito, mas me lembra um bocado aquele vigor de Danny Boyle quando lançou Trainspotting (1996) e Bryan Singer com Os Suspeitos (1994) em ser realisticamente delirante.  

Dois Coelhos (Brasil/2012) de Afonso Poyart com Fernando Alves Pinto, Alessandra Negrini, Marah Descartes, Caco Ciocler, Thaíde e Aldine Muller. ☻☻

domingo, 17 de junho de 2012

CATÁLOGO: Gilbert Grape

Depp e DiCaprio: muito antes de Jack Sparrow e Titanic.

Bons tempos quando o nome do sueco Lasse Hallström era sinônimo de filmes inesquecíveis. Embora seus filme mais recentes tenham encontrado algum sucesso (Sempre ao Seu Lado/2009 e Querido John/2010), eles estão bem longe do brilhantismo de Minha vida de Cachorro (1985) e deste Gilbert Grape. Costumo recomendar este aqui para todo mundo que não considera Leonardo DiCaprio um bom ator, sei que depois de Titanic (1997) a carreira do moço enfrentou momentos difíceis, mas aos poucos ele parece ter reconquistado o respeito dos tempos em que era um dos jovens mais promissores de Hollywood. Se você é um desses que nunca entendeu o motivo de todo mundo confiar tanto no potencial do rapaz, está na hora de você assistir sua impressionante atuação como o autista Arnie, irmão do personagem do título. O ator tinha 19 anos e conseguiu atribuir ao personagem um carisma irresistível com seus gestos nervosos e uma ingenuidade infantil que lhe rendeu a merecida indicação ao Oscar de coadjuvante.  Hallström sempre curtiu trabalhar com a poesia do cotidiano em seus filmes e o resultado alcançado neste filme é notável. O título se refere ao jovem Gilbert (Johny Depp, num papel que está há léguas dos tipos que enchem sua conta bancária hoje em dia), um rapaz que trabalha num mercadinho e que carrega a família nas costas depois que seu pai lhe deixou toda a responsabilidade de ser o homem da casa. Gilbert tem uma mãe (Darlene Cates) que de tão gorda nem consegue sair de casa, ainda tem duas irmãs (a mais nova é uma peste) e um irmão caçula que é autista (Leonardo DiCaprio).  Os dilemas de Gilbert são os elementos que movem a trama, seja o  fato do irmão se pendurar num reservatório de água sempre que possível, de ter o caso com uma mulher casada e mais velha (Mary Steensburgeen) ou um novo mercado comprometer seu trabalho são fatos comuns que dão ao personagem a impressão de que está sempre preso no mesmo dia, numa rotina de uma cidade pequena onde nada acontece. As coisas mudam quando Becky (Juliette Lewis, no seu papel mais normal) chega à cidade. Com seu jeito diferente, ela o faz pensar nos rumos que Gilbert deu até ent]ap aos rumos de sua vida. É marcante a cena em que ela pergunta o que Gilbert deseja e ele enumera coisas destinadas a sua família: "E para você, não quer nada?" - ela pergunta. Embora inofensivo e com aquele ritmo simpático dos filmes do início de carreira de Hallström, o filme toca em questões delicadas, especialmente referentes aquele momento em que percebemos que temos um caminho a seguir independente do que a família espera de nós (e apesar de toda a tristeza do desfecho de sua mãe, é toda a simbologia presente naquele lar que importa ao final). Entre pequenas aventuras e tragédias do cotidiano, o filme desenha seus personagens sem pressa até o inevitável momento que nos despedimos deles. Além de todos os cuidados técnicos sempre exibidos pelo diretor, existe um carinho pela forma como os personagens são apresentados que merece ser reconhecida mesmo nos momentos mais excêntricos. Baseado no livro de Peter Hedges (que muitos consideram ser de auto-ajuda),  o filme é uma dessas pequenas pérolas que merecem ser redescobertas.

Gilbert Grape - Aprendiz de Sonhador (What's eating Gilbert Grape/ EUA-1993) de Lasse Hallström com Johny Depp, Leonardo DiCaprio, Juliette Lewis, Darlene Cates, Mary Steenburgen, Crispin Glover e John C. Reilly. ☻☻☻

DVD: J. Edgar

DiCaprio e Hammer: mais do que amigos.

Quando se anuncia que farão a biografia de uma figura pública, começam as especulações sobre o que ficará de fora e o que será incluído. A pior parte fica por conta das polêmicas que personalidades controversas podem causar. J. Edgar Hoover foi o homem que consolidou o FBI como conhecemos, foi o visionário que incorporou a ciência nas investigações - ele intensificou a busca de digitais na caça aos criminosos, a análise minuciosa das cenas de crime e tornou a seleção de agentes ainda mais rígida. Vendo o filme temos a impressão de que sem ele não existiria CSI! Obviamente que houve aspectos pouco lisonjeiros na vida dele,  a perseguição aos comunistas e militantes em geral que se pronunciassem contra o status quo de sua pátria. Abordar uma figura tão interessante, cultuada por alguns e odiada por outros, já seria um material para um filme interessante, mas o roteiro de Dustin Lance Black quer mais. Além de abordar o profissionalismo de Hoover, ainda tenta desvendar mistérios de sua vida pessoal. Para isso, valoriza bastante os coadjuvantes em cena, afinal, são nessas relações que conhecemos os aspectos mais humanos do homem que revolucionou o FBI - que antes dele era bastante desacreditado.  Sendo assim, as figuras de sua fiel escudeira Helen Gandy (Naomi Watts, ótima), do companheiro Clyde Tolson (Armie Hammer, indicado ao prêmio do sindicato de ator coadjuvante) e a mãe severa Annie Hoover (Judy Dench) servem para desvendar o homem por trás do mito. Acredito que esta seja a melhor atuação de Leonardo DiCaprio desde que foi revelado para o mundo como o autista de Gilbert Grape (1993). O roteiro de Dustin mescla alguns dos casos mais importantes no início da carreira de Hoover com um fio condutor sobre sua vida pessoal: a relação com o agente Tolson. Enquanto procura dar maior seriedade ao FBI fica evidente que seu apego ao advogado novato tem algo mais do que a busca por competência, mas o roteiro trata a relação dos personagens de forma bastante discreta, se apoiando principalmente na química da dupla DiCaprio e Hammer - talvez seja por isso que fica a cargo da dupla as duas cenas mais emocionais do filme. Dustin Lance Black é homossexual assumido e quando disse que escrevia sobre a vida de Hoover todos ficaram com a pulga atrás da orelha. Dono de vários prêmios pelo roteiro de Milk (2008), fica evidente que o rapaz (além de militante) tem um estilo próprio de escrever, mas que precisa de um diretor dos bons para torná-lo interessante. Clint Eastwood andava meio em baixa depois que lançou aquela chatura Além da Vida (2010) e este filme poderia ter colocado seu nome em alta novamente se o público e a crítica não houvesse rejeitado seu trabalho sobre uma das figuras mais polêmicas da história americana. É compreensível, já que muita gente não conhece e nem quer conhecer o homem que deu permissão para descascar a vida dos cidadãos em investigações e que brigou para que agentes federais portassem armas, ainda mais se um filme  desses não tem cenas de ação ou piadinhas para segurar duas horas de duração. No entanto é bastante empobrecedor imaginar que J. Edgar seja um filme sobre um homem, o ideal seria compreender sua trajetória como a história de um país, seus ideais e paranoias. É desta forma que o filme funciona melhor -  principalmente pelo vigor de seu protagonista. Na pele de  Hoover, DiCaprio abraça todos os aspectos mais nobres como os mais egocêntricos e reacionários desta figura histórica. Apesar de conseguir alcançar todas as notas necessárias na construção de um ser humano complexo, o ator contou com um problema que acabou custando os prêmios da última temporada: a maquiagem.  DiCaprio passa boa parte do tempo com uma verdadeira máscara para representar os últimos anos de vida de Hoover a frente do FBI. O efeito só não é mais constrangedor do que o trabalho feito em Armie Hammer - que parece um boneco na pele de Tolson idoso (é impressionante como vemos o ator brigando com aquela maquiagem). A maquiagem que alcança o melhor efeito é de Naomi Watts, que graças (em parte) ao tom discreto que imprime à sua personagem, consegue não ser prejudicada como os seus parceiros de cena. Parece um detalhe, mas não é. Nos momentos finais, onde Hoover passa a ser perseguido por Nixon (que desejava os arquivos secretos sobre si), a maquiagem atrapalha bastante nas nuances das últimas cenas da  dupla de atores. Mesmo com os tropeços da maquiagem, considero o filme muito interessante em seu tom solene e não hesitante a abordar aspectos mais obscuros do personagem. Sei que muita gente reclama que há muita sujeira de Hoover que ficou de fora do filme, mas estes deveriam preferir que fosse realizado uma minissérie sobre o homem. Como diretor, Eastwood realizou mais um trabalho notável com atuações marcantes de seu elenco - além de um bocado de coragem para polemizar (algo raro em diretores veteranos ainda na ativa). 

J. Edgar (EUA-2011) de Clint Eastwood com Leonardo DiCaprio, Armie Hammer, Naomi Watts, Judy Dench e Josh Lucas. ☻☻☻

sábado, 16 de junho de 2012

DVD: Vidas Cruzadas - A vida íntima de Pippa Lee


Wright e Reeves: o melhor filme de Rebecca Miller

Por um certo tempo Robin Wright incorporou o nome do seu esposo, Sean Penn ao nome artístico. Desde 2010 ela deixou de ser conhecida como Robin Wrigth Penn e isso não faz a mínima diferença em sua carreira. A maioria das pessoas podem até não lembrar dela, mas a loura possui uma personagem inesquecível no currículo: Jeannie, a namorada do já clássico Forrest Gump (1994). Pelo papel, Robin foi indicada ao Globo de Ouro de atriz coadjuvante - e foi solenemente esnobada no Oscar. Ela fez vários filmes desde então, mas ela bem que merecia mais atenção quando apareceu em Vidas Cruzadas, filme de  Rebecca Miller. Lembro até que Sean Penn apareceu no Oscar reclamando que a esposa havia sido esquecida mais uma vez. Robin Wright interpreta Pippa Lee, uma dona de casa dedicada, mas que diante dos filhos crescidos, passa a maior parte do tempo zelando pela saúde do esposo (Alan Arkin). Quando ela começa a suspeitar que o marido está ficando senil, Pippa acaba tendo uma desagradável surpresa que a faz refletir sobre os caminhos percorridos por ela mesma. Robin consegue compor uma esposa perfeita, mas que esconde grande tensão sobre a fase atual de sua vida. Quando conhecemos a juventude desregrada da personagem (onde é encarnada por Blake Lively) entendemos um pouco os seus dilemas, especialmente depois que conhece Herb Lee (Arkin)  - que se torna um porto seguro depois de um período conturbado em sua vida, por ele é capaz de deixar de lado o sobrenome exótico Sarkissian. Embora o filme se concentre num assunto gasto em longas destinados ao público feminino, o roteiro se beneficia ao explorar os personagens curiosos que estão ao redor da protagonista (especialmente a amiga chorona vivida por Winona Ryder). Quando ela conhece o filho confuso de uma vizinha (e ele aparece com a cara de Keanu Reeves), podemos imaginar o que irá acontecer. O filme segue numa cadência sem grandes surpresas, mas Rebecca Miller consegue imprimir certa sinceridade que cai muito bem ao realismo que a história inspira. No entanto, o passado de Pippa só empolga mesmo em sua reta final - principalmente quando conhece a esposa temperamental de Herb (vivida por Monica Bellucci). Fica claro que a escritora Rebecca Miller (filha do consagrado dramaturgo Arthur Miller e esposa de Daniel Day Lewis) finalmente entendeu que para fazer um filme bacana ela precisa pensar como uma cineasta e não como uma escritora (afinal o Pippa Lee deve ser sua personagem mais popular por atrair tantos nomes conhecidos para o elenco). Rebecca consegue imprimir um ritmo coerente com a história que tem em mãos, no entanto, ainda falta aquele toque especial - aquele capaz de tirar Keanu Reeves de sua apatia e imprimir um originalidade numa história que já vimos algumas vezes. A produção é bem cuidada, mas dificilmente o filme colheria elogios se não contasse com a boa atuação de Robin Wright, que mesmo quando exagera na pele de Pippa Lee é por um bom motivo (afinal, que mulher se esconde à sombra daquele casamento?). Com humor, ironias, culpas e golpes do destino o filme deve agradar principalmente o público feminino. 

Vidas Cruzadas: A vida íntima de Pippa Lee (The Private Lives of Pippa Lee/EUA-2009) de Rebecca Miller com Robin Wright, Alan Arkin, Blake Lively, Maria Bello, Ryan McDonald, Winona Ryder, Keannu Reeves e Julianne Moore ☻☻☻

quinta-feira, 14 de junho de 2012

CATÁLOGO: E Sua Mãe Também

Verdú, Luna e Bernal: controlando os hormônios

Lembro dos tempos em que estudava na Universidade Federal Fluminense e esperava ansiosamente pela retrospectiva de fim de ano que o pessoal do Cineart organizava. Eram filmes de encher os olhos e, na maioria das vezes, difíceis de encontrar no circuito comercial de Niterói. Esse filme mexicano de Alfonso Cuarón foi um dos objetos de culto de uma das retrospectivas e lembro que não pude assistí-lo por algum motivo que nem me recordo. Nunca me perdoei. Desde então o persegui, mas só consegui vê-lo recentemente. Talvez pela expectativa que gerei por todos esses anos, o filme me pareceu menos do que todo mundo falava - mas isso não quer dizer que seja ruim. Existe muitas qualidades nele, especialmente quando percebemos que a história trata a adolescência como um período onde (aos trancos e barrancos) caminhamos para o amadurecimento -  aquele estranho momento em que começamos a ver nossos sentimentos de forma diferente e alteramos a forma de lidar com o mundo ao nosso redor. É uma missão e tanto que Cuarón cumpre com certa leveza, apesar  das conotações sexuais (inclusive do título enigmático que surge abruptamente numa bebedeira entre o trio de amigos). O diretor precisa agradecer aos seus protagonistas: Gael García Bernal, Diego Luna e  a espanhola Maribel Verdú pela complexidade que conseguem atribuir aos personagens (que revelam-se mais  em sutilezas do que em tudo que está explícito nas cenas). A primeira cena de Tenoch (Luna) é uma cena de sexo em ritmo de despedida, já que sua namorada vai para Europa, o mesmo pode se dizer da cena de estreia de Júlio (Bernal) que tem seu momento íntimo de despedida atrapalhado pela mãe da namorada que também está prestes a viajar. Ambos tem 17 anos, estão prestes a ir para a faculdade e possuem aquelas características que são facilmente atribuídas aos adolescentes: falam de sexo o tempo inteiro, fumam baseado de vez em quando, se masturbam e as conversas são as mais bobas possíveis. As coisas começam a mudar quando conhecem  Luísa (Verdú), a esposa do primo de Tenoch, que após receber uma triste notícia embarca numa viagem com os dois amigos em busca de uma praia paradisíaca chamada Boca del Cielo. Os dois só esquecem de dizer para a moça que eles não sabem onde fica a tal praia (que eles nem, sabem se realmente existe) e, principalmente, que inventaram o passeio apenas para dormir com ela. Preciso dizer o quão metafórica é essa viagem dos três? Nenhum sabe muito bem o rumo que deve tomar na vida, os três seguem caminhos que imaginam levar para um lugar especial (e que os fara sentir bem, mas nada é tão simples). Aos poucos o triângulo amoroso de forma e segredos surgem para abalar a amizade dos amigos (e num dos melhores momentos Luísa indaga por que  os dois valorizam tanto o sexo se gastam tão pouco tempo quando estão fazendo?). Enquanto os rapazes não se dão conta da ansiedade, imaturidade e inconsequência (ou seja, de que precisam controlar seus hormônios), Luísa está mais interessada em apreciar as paisagens e a cultura mexicana, que considera muito mais bonita do que a espanhola. Existem acordos e combinados que revelam sentimentos que os personagens pensam esconder de si mesmos, até o momento que encontram o destino não só geográfico, mas de suas relações, ou "o lugar onde mar e céu se encontram"  Apesar de todo empenho de todos os envolvidos, o fortalece o filme entre tantos outros sobre ritos de passagem é a conclusão. Gradativamente podemos notar que a relação entre os três personagens confere à narrativa mais seriedade e melancolia (talvez esse seja o motivo da narrativa em off explicar tudo de cada coisa que cruza o caminho dos amigos), é como se finalmente entendessem que o tempo está passando e precisam tomar um rumo na próxima etapa que se anuncia - mas nada se compara ao final, um tanto amargo cujo a única alegria parece estar num segredo que precisa permanecer oculto. Uma espécie de pacto de amizade onde os envolvidos se comportam como desconhecidos. Esse parece ser o ponto em que a jornada transformadora conduz os personagens: um ponto onde tudo ganha novo sentido, mas que deve permanecer escondido. Vale lembrar que suas simbologias valeram ao filme uma indicação ao Oscar de roteiro original (porém, curioso mesmo, é imaginar que depois desse filme Cuarón foi convidado a dirigir o terceiro filme da saga de Harry Potter, tendo como resultado um dos melhores da série: O Prisioneiro de Azkaban/2004).

E Sua Mãe Também (Y Tu Mamá También - México/2001) de Alfonso Cuarón com Maribel Verdú, Gael García Bernal e Diego Luna. ☻☻☻

quarta-feira, 13 de junho de 2012

DVD: O Último Dançarino de Mao

Cunxin Li: bela história, filme mediano. 

Existem histórias que poderiam render filmes magníficos, mas vai entender o que se passa pela cabeça de um diretor para realizá-lo da forma mais burocrática possível. Este é o caso deste filme assinado pelo veterano Bruce Beresford. Hoje seu nome pode ser pouco conhecido, mas este cineasta australiano é o responsável pelo sucesso oscarizado Conduzindo Miss Daisy (1989) e do recente sucesso no Festival de  Sundance, Paz, Amor e Muito Mais estrelado por Jane Fonda a ser lançado em setembro por aqui. O Último Dançarino de Mao tinha tudo para se tornar um sucesso, tem uma história edificante inspirada em fatos reais, intrigas políticas, superação, romance, atores corretos, mas o resultado é surpreendentemente morno. Adaptado da autobiografia do dançarino chinês  Cunxin Li o filme explora pouco as possibilidades do roteiro, talvez por evitar polêmicas o filme pareça superficial nas problemáticas que aparecem pelo caminho de seu protagonista. O único momento em que a apatia se altera é quando o filme aborda o impasse na embaixada chinesa, onde Li tornou-se refém de uma situação absurda. Cunxin Li (quando adulto vivido pelo carismático Chi Cao, bailarino principal do Birminghan Royal Ballet desde 2002) foi descoberto num pobre vilarejo do interior da China comunista liderada por Mao Tsé Tung. Escolhido para estudar balé aos onze anos, o garoto enfrentou várias dificuldades mas sua determinação fez com que se destacasse e fosse escolhido em 1979 foi selecionado para participar de um intercâmbio cultural, aprimorando seus estudos no Texas. O filme explora pouco o choque cultural de Li com o país em que passa a viver, prefere ressaltar os contornos ameaçadores que os burocratas chineses viam no contato de um socialista com a cultura capitalista. Talvez o diretor considerasse que as cenas que contrastam os dois países já fosse suficiente, mas muita gente vai reclamar um bocado sobre a parcialidade do roteiro que mostra mais uma vez a Terra do Tio Sam como um país de oportunidades, redenção e blábláblá. No entanto, não podemos perder de vista que a história é contada pelo ponto de vista do personagem que percebeu contradições entre as lógicas econômico-sociais que observava.  O filme deixa a política de lado para arranhar a amizade de Li com o tutor americano Ben Stevenson (vivido por Bruce Greenwood) e o relacionamento com a namorada - que causa um problema diplomático quando decidem se casar. Existe por trás de todo filme um material riquíssimo para discutir a forma como a arte era valorizada no regime maoísta, a questão da disciplina e da liberdade que a arte inspira (se de um lado chega a ser obrigada a ostentar armas num palco, por outro lado um chinês pode encarnar um espanhol com grande desenvoltura num espetáculo) constrasta com o regime que se torna literalmente uma prisão para os cidadãos. Essa contradição de oferecer recursos em troca de inibir qualquer comportamento dissonante poderia ser o trunfo do filme em seus momentos mais cruciais, mas Beresford opta por abordar apenas um indivíduo quando, na verdade, o mais interessante é toda a estrutura que está em volta dele. Ao fazer tudo girar somente em torno do umbigo de Cunxin Li o filme perde muito de sua força, de forma que nem as vezes que aborda questões de preconceito ou reencontro do personagem com seus pais chega a empolgar. Tudo parece exageradamente certinho, ensaiadinho demais. Nem adianta apelar para flashbacks  e pesadelos durante a narrativa, o resultado é  apenas trivial. Se existe realmente um aspecto a se destacar no filme é o fortmato datado que a produção  possui, da fotografia, passando pelos figurinos e a atmosfera retrô, o filme fala de uma época passada como se realmente fosse pertencente à ela. No entanto, O Último Dançarino de Mao é apenas a sombra do grande filme que poderia ter sido. 

O Último Dançarino de Mao (Mao's Last Dancer/Austrália-2009) de Bruce Beresford com Chi Cao, Amanda Schull, Bruce Greenwood e Kyle MacLachlan. ☻☻

terça-feira, 12 de junho de 2012

DVD: Distante Nós Vamos

Krasinski e Maya: um lugar para chamar de lar.

Era 1999 quando Sam Mendes ganhou o Oscar de direção com seu filme de estreia, o aclamado Beleza Americana, embora não tenha repetido o sucesso deste nos anos seguintes, o inglês descendente de portugueses consolidou uma cinematografia onde examina a sociedade estadounidense com o distanciamento que só os estrangeiros podem ter. Dez anos depois de colecionar os prêmios mais prestigiados do cinema, Mendes lançou o seu filme mais modesto e, que por isso mesmo, foi o que teve menos atenção da mídia e do  público. Isso não quer dizer que Away We Go seja desinteressante. Lançado no Brasil com o título um tanto desconjuntado de Distante nos Vamos, o filme apresenta o único casal feliz da carreira do diretor. Se na estreia de Mendes, Kevin Spacey e Annete Benning se debatiam entre o ser e o ter nas portas do século XXI, a coisa não era muito diferente na década de 1950 com Leonardo DiCaprio e Kate Winslet vendo o casamento naufragar em Foi Apenas um Sonho (2008). Burt (o altão John Krasinski da série The Office) e Verona (Maya Rudolph, a noiva de Missão Madrinha de Casamento) não tem a situação financeira confortável como os já citados, mas alimentam as esperanças de quem está prestes a trazer ao mundo o primeiro filho. Diante disso começam a pensar que a vida a dois precisa de algumas mudanças, especialmente no que se refere à moradia. A premissa é simples: o casal resolve visitar os estados americanos para escolher qual seria o ideal para criar o bebê. O estopim para essa busca é a despropositada viagem de dois anos dos pais de Burt (vividos por Catherine O'Hara e Jeff Daniels) quando o bebê estiver prestes a nascer. "Viemos morar aqui para ficar perto dos seus pais!", Verona ressalta ressentida, para pouco depois demonstrar o quão livre se sente em poder escolher um lugar para criar seu filho distante de qualquer fantasma que possa ter. As referências do casal são amigos e parentes que servem como uma espécie de cartão de apresentação das cidades - mas que podem ter um efeito tão negativo quanto positivo nas escolhas (exemplo disso é a, digamos, "espontânea" Lil vivida por Alisson Janney - que não é o tipo de pessoa que você gostaria de ter sempre por perto). O roteiro e a direção não forçam efeitos cômicos, elas apenas surgem pelo caminho de Burt e Verona, num equilíbrio entre o cômico e o dramático que se desenvolve  sem pressa numa narrativa simples e eficaz que, por vezes, lembra alguns seriados americanos. Nessa proposta, colabora muito a simpatia que os atores emprestam a personagens tão comuns quanto a maioria da humanidade. Pelo caminho, mais do que encontrar a cidade ideal para viver, Burt e Verona se deparam com diferentes formas de lidar com a cara metade e com os filhos. Seja de forma fria ou afetivamente extremada (como personifica tão bem Maggie Gyllenhaal como a prima intelectual riponga), o roteiro promove uma espécie de vitrine de relações humanas até o ponto em que o casal se rende à ideia de que são eles que construirão aquilo que poderão chamar de lar. Embora o texto reserve momentos para Verona reclamar do seu estado físico, desabafar as preocupações com o batimento cardíaco do bebê (que gera uma piada que se repetirá várias vezes na história) além de rejeitar os pedidos de oficializar o casamento com seu marido, Maya e Krasinski conseguem demonstrar o amor que seus personagens sentem com valiosos gestos, um toque aqui, um sorriso ali, um olhar carinhoso acolá e o efeito é mais forte do que qualquer cena de sexo. Embora não seja o tipo de filme que mobiliza multidões e fatura milhões de bilheteria, fica difícil não se identificar com os personagens e a procura do lugar adequado para aumentar a família. Apesar do final descaradamente nostálgico, Away we Go é um filme capaz de dialogar com qualquer público e época. 

Distante Nós Vamos (Away We Go/EUA-Reino Unido/ 2009) de Sam Mendes com Maya Rudolph, John Krasinski, Maggie Gyllenhaal, Catherine O'Hara, Jeff Daniels, Alisson Janney, Melaine Linskey e Chris Messina. ☻☻☻

sexta-feira, 8 de junho de 2012

FILMED+: Magnólia

Tom Cruise: de raspão no primeiro Oscar de sua carreira. 

Dizem que na porta da geladeira de Tom Cruise existe uma lista com os melhores cineastas em atividade e que, gradativamente, ele risca os nomes presentes ali. É fácil entender o motivo dessa anedota, ele já trabalhou com Francis Ford Coppola (Vidas sem Rumo/1983), Martin Scorsese (A Cor do Dinheiro/1986) Steven Spielberg (Minority Report/2002 e Guerra dos Mundos/2005), Brian dePalma (Missão Impossível/1996), Stanley Kubrick (De Olhos Bem Fechados/1999) e da safra mais recente Cameron Crowe (Jerry Maguire/1996),  Bryan Singer (Operação Valquíria/2008) e Paul Thomas Anderson (Magnólia/1999). Neste último chegou mais perto do que nunca do primeiro Oscar de sua carreira na pele de um misógino que ensina como os homens devem tratas as mulheres como uma espécie de, digamos, recipiente de fluídos masculinos. Acho que nem o matador profissional de Colateral (2004) consegue superar o personagem como o mais antipático da carreira de um ator que construiu a carreira com papéis heróicos e destemidos. Mas existe um motivo para seu personagem Frank MacKey ser tão desagradável, assim como existem motivos diversos para que os outros sete protagonistas de Magnólia sejam do jeito que são. Parece que Paul Thomas Anderson apresenta estereótipos à plateia e aos poucos descasca esses personagens expondo suas angústias e fraquezas, embaralhando seus rancores e destinos como se fossem coincidências. No entanto, Magnólia está longe de ser um filme comum. Não pelo fato de seguir a escola caleidoscópica de Robert Altman, mas, principalmente, por romper com o realismo tão presente nesse tipo de filme - num momento depressivo todos os personagens cantam a melancólica Wise Up de Aimée Mann (que por coincidência estava na trilha de Jerry Maguire) e perto do final, o roteiro faz chover sapos sobre Los Angeles como se a história ocorresse no Egito do velho testamento. O mais curioso é a forma como Anderson consegue costurar tantos personagens com maestria num filme de três horas de duração onde cada minuto é crucial para a trama (fique atento para perceber como a edição sempre retoma a trajetória de um personagem exatamente onde havia parado a cena anterior). Com a história ambientada em apenas um dia, o roteiro (indicado ao Oscar de roteiro original) consegue desenvolver seus personagens com uma eficiência rara. Depois de um dos melhores epílogos da histórias do cinema (onde tramas sobre coincidências são apresentadas) conhecemos a história de Earl Partridge (Jason Robards) que está nos momentos finais da luta contra o câncer. Earl é casado com Linda Partridge (Julianne Moore) e está aos cuidados do enfermeiro Phil Parma (Phillip Seymour Hoffman) que está convencido de que precisa reencontrar o filho de Earl antes que o paciente deixe este mundo. Earl é o produtor de um consagrado programa de TV onde as crianças respondem perguntas de conhecimentos gerais - se no passado o programa fez a glória do prodígio Donnie Smith (vivido por William H. Macy quando crescido) - que acabou sendo atingido por um raio - , o favorito da temporada atual é Stanley Spector (Jeremy Blackman) , um menino que tem um relacionamento complicado com o pai (que o enxerga apenas como uma forma de ganhar dinheiro). O tal programa é apresentado pelo veterano Jimmy Gator (Phillip Baker Hall) que tem problemas com a filha (Melora Walters) - que desperta o interesse de um policial de bom coração (John C. Reilly). Onde o personagem de Tom Cruise entra nessa história? Se contar, estraga. Por sempre fugir do convencional, o filme divide opiniões desde que ganhou o Urso de Ouro de Melhor Filme no Festival de Berlim em 2000. Curioso é que os personagens foram inspirados nas canções da cantora Aimée Mann (que compôs a bela Save Me - que concorreu ao Oscar de canção e merecia ter ganho) e o resultado tornou-se original e envolvente pela forma como desenvolve sua narrativa cheia de personagens complexos e auto-referências (não é por acaso que o programa se chama "O que as crianças sabem?" ou aparece a placa "Tudo precisa ir embora" antes do momento mais surreal do filme). Magnólia é o nome de uma avenida de Los Angeles, mas não foi por acaso que Anderson escolheu o nome de uma flor para entitular seu terceiro filme. Existem estudos que dizem que as magnólias sejam as primeiras flores a existirem no planeta. Essa busca pela sobrevivência através do tempo é o que o título expressa de seus personagens. Entre mágoas, tropeços, perdão e recomeços a vida continua - mesmo para os que precisam vestir uma máscara para prosseguir.

Magnólia (EUA-1999) de Paul Thomas Anderson com Tom Cruise, Julianne Moore, Phillip Seymour Hoffman, Jason Robards, Melora Walters, John C. Reilly e Phillip Baker Hall. ☻☻☻☻☻


os personagens: versão cartoon.

terça-feira, 5 de junho de 2012

QUADRILOGIA MISSÃO IMPOSSÍVEL

Protocolo Fantasma: Missão Impossível reencontra o sucesso. 

Acabou de chegar em DVD o quarto longa-metragem estrelado por Tom Cruise na pele do agente Ethan Hunt - e este não deve ser o último. Lembro que estava no Segundo Grau quando assisti o que Brian dePalma havia aprontado com o seriado clássico que foi ao ar de 1966 até 1973. No elenco de apoio, nomes robustos como Vanessa Redgrave, John Voight, Emanuelle Beárt e Kristin Scott-Thomas ajudavam a dar o clima de conspiração da história. Como se tornou de praxe nos episódios, o filme começa no meio de uma missão, uma festa refinada em Praga, até que tudo começa a dar errado. Hunt percebe que seus colegas foram alvos de uma armadilha. Ele acredita ser o único sobrevivente da missão - e por isso começa a ser suspeito de traição, até que descobre outra agente (a francesa Emanuelle Beárt) que sobreviveu e está disposta  desvendar o que havia por trás daquela missão junto com ele. Mais do que em qualquer longa da série, a atmosfera noir é a que toma conta do roteiro confuso - mas que serviu para  apresentar as características que dariam corpo à série: máscaras de disfarce, a modernizada trilha clássica pelas mãos de Adam Clayton e Larry Mullen  (U2), duas ou três cenas de ação de tirar o fôlego, os companheiros de origem duvidosa de Hunt (incluindo Ving Rhames na pele de Luther Stickel que sempre aparece como amigo de Hunt), um ator veterano consagrado como mentor e os apetrechos fascinantes que os agentes dispõem para fazer o serviço. A bilheteria robusta garantiu para Cruise uma verdadeira mina de ouro em sua carreira (tratava-se de sua estreia na produção ao lado de sua então agente Paula Wagner). Não é todo dia que cai uma franquia de sucesso em suas mãos - e muito menos originária de um programa de TV. Com o custo de 80 milhões e arrecadação mundial de mais de 450 milhões, o filme credenciou a produção de uma sequência. Pena que Missão Impossível 2 é o pior da série. Diante de um roteiro fraquinho chamaram John Woo para dar uma vitaminada na narrativa. Para Woo é fácil prender a atenção com cenas de ação elaboradas, mas quando se trata de explorar o que há entre elas a coisa complica!  O vilão é Sean Ambrose (Dougray Scott), que possui um vírus letal  e precisa ser detido por Ethan e seus dois parceiros - o já conhecido Luther e Billy vivido por John Polson, ambos aparecem pouco durante o filme. O roteiro força a exploração de um triângulo amoroso formado por Hunt, Ambrose e a ladra Nyah (uma pouco inspirada Thandie Newton) que não dá liga. Se o roteiro do primeiro longa parecia confuso, este aqui torna-se cheio de reviravoltas que escondem a falta de assunto. Os esforços de Woo e do marketing pesado (até na trilha sonora cheio de bandas pesadas como Limp Biskit, Metallica e até os brasileiros Raimundos) serviu para o longa arrecadar 565 milhões de dólares ao redor do mundo - mas o custo inchado de mais de 120 milhões e as críticas mornas fizeram todos perceberem que alguma coisa precisava ser revista nas aventuras do agente. 

Hunt em sua estreia: missão menos confusa que a segunda. 

Cruise penou um bocado para encontrar o diretor adequado para o terceiro filme da franquia. Seu sonho de consumo era David Fincher, depois se contentou com Joe Carnahan (Narc/2002) que desistiu pouco depois. Parecia que o astro não conseguiria tirar o filme do papel. Na época sua imagem começava a dar sinais de desgaste e um sucesso de bilheteria era tudo o que precisava para colocar a carreira nos eixos. Como os cineastas convidados não toparam, Cruise resolveu convidar um diretor vindo da TV, JJ Abrams que estava no auge com o sucesso da cultuada série Lost. Abrams já provara que entendia desse negócio de agente secreto (já que criou o aclamado seriado Alias que revelou Jennifer Garner na pele de uma espiã). Abrams conseguiu dar o trato no roteiro que a franquia precisava, resgatando aspectos que o segundo filme havia ignorado  (mas que eram capazes de agradar os fãs): abordou a vida pessoal do protagonista, deu mais destaque aos personagens que compõem a equipe de Hunt (como acontecia no seriado), colocou um vilão inesquecível na trama e mostrou como as lendárias máscaras de disfarce são produzidas. Como de costume, o filme começa com uma missão que serve de anúncio para as outras que aparecem no roteiro - além de apresentar o vilão traficante de armas Owen Davian (Phillip Seymour Hoffman). Embora sombrio, trata-se do filme mais bem costurado da franquia e o mais fiel ao clima do seriado original ao destacar os parceiros de Hunt na trama -  Declan (Johnatan Rhys Meyers) e Zhen (Maggie Q). Claro que as cenas de ação ajudam a não perceber alguns aspectos repetitivos dos filmes M:I (a conspiração dentro da agência Missão: Impossível e sempre colocando Hunt como alvo de perseguição quando mais precisa de ajuda),  aspectos que podem ter colaborado para o filme não ser um sucesso. Com orçamento de 150 milhões, o filme só conseguiu o dobro disso nas bilheterias mundiais, tornando-se a menor bilheteria do agente Tom Cruise. Mesmo assim, ao final de 2011 foi lançado Missão Impossível: Protocolo Fantasma, com direção assinada por Brad Bird (da oscarizada animação Os Incríveis/2004). Bird se sai muito bem em sua primeira aventura com atores de carne e osso, conseguindo imprimir bom ritmo na narrativa e inserindo mais humor na trama. Para anabolizar o elenco, Cruise escolheu o astro em ascensão Jeremy Renner (para viver um analista que entra quase de penetra na missão), o britânico Simon Pegg (para ficar responsável pelas partes cômicas) e a linda Paula Patton (como a agente que exala sensualidade e inteligência em iguais proporções). Com os agentes ganhando ainda mais espaço na trama (com conflitos e dramas pessoais), o problema ficou por conta de Michael Nyqvist (da trilogia sueca Millenium) que tem quase nada para fazer como vilão disposto a destruir o mundo numa explosão nuclear. Mais uma vez, Hunt precisa agir fora da  burocracia da agência que faz parte, assumindo riscos cada vez maiores ao se confrontar com acusações, uma vida pessoal em frangalhos e uma mercenária que pode colocar tudo a perder. Cenas como a fuga da prisão, o encontro de Rachel com a tal mercenária e da tempestade de areia valeram a compra do ingresso com respaldo da crítica. Com orçamento de 145 milhões e o triplo disso em bilheteria mundial, o filme colocou a franquia novamente nos eixos. Protocolo Fantasma ainda traz uma série de novos elementos que revitalizam a franquia - fique atento às pistas de que na próxima trama a vida pessoal de Hunt voltará a entrar em pauta. 

Hoffman na terceira missão: o melhor vilão da franquia. 

Missão: Impossível (Mission: Impossible / EUA-França/1996) com Tom Cruise, Emanelle Beárt, Henry Czerny, Jon Voight, Vanessa Redgrave, Ving Rhames, Kristin Scott Thomas e Emilio Estevez. ☻☻☻

Missão: Impossível 2 (M:I 2 / Alemanha-EUA/ 2000) de John Woo com Tom Cruise, Thandie Newton, Dougray Scott, Anthony Hopkins, Ving Rhames e John Polson. ☻☻

Missão: Impossível III (Mission: Impossible III - EUA-China-Alemanha / 2006) de J.J. Abrams com Tom Cruise,  Phillip Seymour Hoffman, Maggie Q, Johnatan Rhys Meyers, Keri Russel, Michelle Monaghan, Billy Crudup e Simon Pegg. ☻☻☻

Missão Impossível: Protocolo Fantasma (Mission: Impossible - Ghost Protocol/EUA- Emirados Árabes / 2011) com Tom Cruise, Jeremy Renner, Paula Patton, Simon Pegg, Michael Nyqvist e Josh Holloway.
☻☻

CATÁLOGO: Superbad

Cera, Hill e Plasse: mais do que hormônios. 

Superbad de Greg Mottola é o tipo de filme que costuma ignorar solenemente. Existe algo mais cretino do que filme americano sobre adolescentes que querem perder a virgindade? Acho que não preciso mencionar a lista de filmes que inclui Porky's (1982),  O Último Americano Virgem (1982) e American Pie (1999) que pertencem a esse subgênero cinematográfico. Eu poderia passar a minha vida sem ver Superbad se eu não começasse a ver seu trio protagonista em mais filmes do que eu esperava - e o pior, percebendo que os três são talentosos. O gorducho Jonah Hill foi até indicado a vários prêmios neste ano como o coadjuvante de Brad Pitt em O Homem que Mudou o Jogo (2011) e anda fazendo dieta para se aventurar por novos papéis. Michael Cera é o mais solicitado do elenco, tendo no currículo Juno (2007) e Scott Pilgrim (2010) no currículo, apesar de sempre apresentar variações do mesmo papel, o rapaz tem lá o seu fã-clube. O meu favorito é Christopher Mintz-Plasse com sua cara de nerd assumido, ele já apareceu em Kick Ass (2010) e no remake de A Hora do Espanto (2011) e aqui ganhou um apelido do público e da crítica, McLovin (devo admitir que é o nome mais cool já criado para esse tipo de filme). Hill, Cera e Plasse são os motivos de eu ter assistido o filme - e me fizeram rir um bocado com as desventuras de três adolescentes com a missão de comprar bebida para a festa de uma amiga. A premissa simples é puro pretexto para o roteiro enfileirar situações de puro non-sense, às vezes exagera na baixaria, mas em sua grande maioria são momentos bem divertidos que fazem lembrar filmes como Depois de Horas (1985) e Uma Noite Fora de Série (2010) onde pessoas inofensivas se deparam com situações inesperadas e até assustadoras. Evan (Cera) e Seth (Hill) são dois amigos de infância que estão prestes a se separar com a ida de Evan para a faculdade quando surge uma espécie de rito de passagem no caminho de ambos, o interesse amoroso de Seth, Jules (Emma Stone que começou a chamar atenção nesse filme) prepara uma festa junto com a amiga Becca (Martha MacIsaac). Para impressionar as moçoilas, ambos contarão com a ajuda de  Foggel (Plasse), um moleque com a mesma idade deles mas que possui uma identidade falsa - com o nome de McLovin (dizendo que tem 25 anos) - e que poderá ser muito útil na tarefa! O problema é que quando o plano é posto em prática, Voggel acaba encontrando dois policiais (Bill Hader e Seth Rogen) mais inconsequentes que os seus amigos  e que aumentarão as confusões até chegar a tão aguardada festa. Seth Rogen escreveu o roteiro inspirado em suas próprias experiências de adolescência e o diretor consegue temperar o humor do filme carregando o trio principal com emoções bastante fiéis ao público teen. Seja pela amizade, pelo amor platônico, a inadequação ou problemas de auto-estima, os adolescentes do filme convencem ao propor mais nuances do que um grupo descerebrado que só pensa em sexo. Existe um bocado de hormônios no filme, mas não são eles que predominam no meio das situações engraçadas que o filme apresenta.

Superbad - É Hoje! (Superbad/EUA-2007) de Greg Mottola com Jonah Hill, Michael Cera, Christopher Mintz-Plasse, Emma Stone, Bill Hader e Sth Rogen. ☻☻☻