Gordon e seus amigos: sexualidade transviada.
Abordar um tema como pedofilia em um longa metragem não é coisa fácil, basta lembrar que até Pedro Almodóvar patinou em gelo fino quando resolveu abordar o tema em Má Educação (2003). Gregg Araki resolveu abordar esse tema em Mysterious Skin e recebeu prêmios em festivais independentes pela coragem de seu filme. Cinematográficamente o filme não é grande coisa. Araki filma de forma seca, tradicional e sem invencionices visuais. Parece que acredita tanto em suas histórias que não se preocupa em capturar o espectador pelo trato que dá às imagens. Aqui ele ainda tinha que buscar uma solução para não afugentar todo o público quando mostrasse as situações desagradáveis em que seus protagonistas se metem quando ainda são crianças. Quando o filme começa Brian e Neil tem oito anos de idade e sofrem abusos de um treinador de beisebol. Crescidos, cada um seguiu um caminho diferente, Neil (Joseph Gordon-Levitt) se tornou um garoto de programa da vizinhança, que aceita clientes sem muito critério e se diverte contando suas desventuras eróticas para os amigos Wendy (Michelle Trachtenberg) e Eric (Jeffrey Licon). Enquanto os amigos percebem que a postura de Neil sobre sua vida sexual e a forma com que lida com o próprio corpo está longe de ser a ideal, a mãe dele (Elizabeth Shue) finge não perceber o submundo em que o filho se meteu. Enquanto isso, Brian (Brady Corbet) acredita que foi abduzido por alienígenas quando era pequeno. Mantendo uma vida assexuada, Brian procura pessoas que acreditam ter passado pela mesma experiência que ele - embora seus pais estranhem um pouco essa história. Araki mistura a crueza da vida de Neil com as fantasias de Brian e parece provocar o espectador perante essas duas formas de enfrentar o mesmo problema. Quando Brian resolve tentar descobrir o que de fato aconteceu consigo mesmo, parte em busca de Neil, mas este já foi parar nas ruas de Nova York. É quando Neil cai na vida na Big Apple que o filme se torna mais sombrio numa jornada ao fundo do poço - onde a violência e o fantasma da AIDS começa a aparecer para um adolescente que vivia num mundinho próprio onde sua autodestuição já estava pré-determinada. Embora parta de uma premissa interessante, o roteiro está longe de ser bem escrito. Tudo é contado a partir de situações que são quase aleatórias na vida dos personagens, mas, estranhamente tudo parece esquemático e simétrico demais para ter o realismo que o diretor quer alcançar até chegar no final que poderia ser emocionante se não soubessemos desde o início o que une os dois jovens. Com relação ao elenco, tirando Joseph Gordon-Levitt, ninguém mostra-se especialmente bem - falta-lhes intensidade para valorizar a história. Ainda que não seja um filme memorável, há de se elogiar a coragem de Araki abordar um tema tão desagradável. No entanto, não sei se a primeira parte do filme precisava se alongar por tanto tempo sugerindo o que todo mundo já sabe o que acontecerá com os meninos. Pelo menos o filme aborda de forma séria um tema que merece sempre incomodar.
Mistérios da Carne (Mysterious Skin/EUA-2004) de Gregg Araki com Joseph Gordon-Levitt, Brady Corbet, Elizabeth Shue, Michelle Trachtenberg e Jeffrey Licon. ☻☻
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