Ao final do século XX os filmes com foco nas famílias passaram por uma recauchutada que seguiru até o início do século XXI. A família no cinema se tornou mais mordaz, cínica e com toques de humor negro - o que serviu para revigorar um gênero que estava gasto e com excesso de açúcar. Por isso lembrei de cinco filmes que representarão para sempre essa repaginada:
5 Heróis Imaginários (2004) O menos aclamado do gênero não merece menos atenção por conta disso. Existem muitos méritos no filme do cineasta Dan Harris, a começar pelas atuações de Jeff Daniels, Sigourney Weaver e Emile Hirsch. Retratar a vida de uma família depois da morte de um filho não é novidade, mas não lembro de nenhuma obra ter uma abordagem com tantos toques de ousadia como esse aqui. Enquanto a filha (Michelle Williams) sai de casa para cursar a faculdade, o caçula (Hirsch) precisa enfrentar os seus conflitos com a figura do irmão falecido - nadador que preparava-se para ir para a olímpiada. Enquanto Daniels interpreta mais um intelectual barbudo pedante, Weaver é a mãe que gosta de dar uma relaxada fumando maconha. Tempere os assuntos citados com outros segredos e a falta de comunicação familiar que você terá uma ideia do que verá.
4 Felicidade (1997) Depois de Bem Vindo à Casa de Bonecas (1995) o cineasta Todd Solondz quis radicalizar ainda mais o seu humor cruel com este Felicidade em que acompanha a história da família Jordan e suas três irmãs que precisam lidar com um pai hipertenso (Ben Gazarra) que faz tudo que o médico manda não fazer (um suicida mesmo). Helen (Lara Flynn Boyle) é a típica escritora esnobe bem sucedida que tem como admirador um tímido esquisito (Phillip Seymour Hoffman), Trish (Cynthia Stevenson) nem imagina que seu esposo (Dylan Baker) é um pedófilo e Joy (a ótima Jane Adams) está às voltas com um imigrante russo interesseiro (Jared Harris). Solondz atira para todos os lados (sobra até para o tamagotchi do filho de Trish) e, não satisfeito, retomou alguns dos personagens em O Amor Durante a Guerra que teve o roteiro premiado no Festival de Veneza em 2010.
3 Festa de Família (1998) Até a Dinamarca resolveu colaborar nessa revolução nos filmes família. O primeiro longa realizado dentro dos preceitos do movimento Dogma95 (ou seja, sem luz artificial, trilha sonora somente ambiental e filmado com câmera digital), Tomas Vinterberg realizou seu filme de maior repercussão e polêmica. Apesar do formato, o filme deixou claro que os seguidores do manifesto dogma estavam longe de ser amadores ao fazer cinema. Ambientado num hotel fazenda durante o aniversário de 60 anos do patriarca, a confusão começa quando o filho mais velho faz um brinde e declara ter sido abusado pelo pai durante a infância. A partir daí uma série de conflitos emergem enquanto a festa atravessa a noite. Ganhador do prêmio do Júri em Cannes, Independente Spirit (de filme estrangeiro) e indicado ao Globo de Ouro, é uma daquelas obras que provoca barulho sempre que é visto.
2 Tempestade de Gelo (1997) Em sua segunda empreitada em Hollywood, o taiwanês Ang Lee mergulhou na ebulição causada pela revolução sexual dos anos 1970 no âmbito familiar. Baseado na obra de Rick Moody, o filme acompanha dois casais (Kevin Kline & Joan Allen / Sigourney Weaver & Jamey Sheridan) e seus respectivos filhos (Christina Ricci & Tobey Maguire / Elijah Wood e Adam Hann-Byrd) num período em que a liberdade sexual começava a ser tão atraente quanto assustadora. Enquanto adultérios e iniciações sexuais ganham mais atenção do que o escândalo Watergate nas casas do subúrbio americano, uma tempestade de gelo se aproxima e promete fazer mais estrago do que a famosa festa da chave (onde uma mulher casada sorteia a chave do marido de outra para passar a noite). As atuações excepcionais e o roteiro premiado em Cannes valem cada minuto da sessão.
1 Beleza Americana (1999) Ainda acho que a estreia na telona rendeu o melhor filme de Sam Mendes. Ganhador de cinco Oscars (filme, diretor, ator, roteiro original e fotografia), Beleza Americana é de uma exuberância narrativa impressionante. Olhando para além da superfície dos valores consumistas da sociedade americana, o filme acompanha os conflitos de Lester Burnhan (Kevin Spacey) e sua esposa, Carolyn (Annette Bening) que enfrentam uma crise de valores no casamento, Colabora ainda para o estado da família a relação da filha rebelde (Thora Birch) com o filho esquisito (Wes Bentley) do vizinho nazista (Chris Cooper). Virando os personagens do avesso, o filme tornou-se um dos favoritos do Oscar em todos os tempos com sua história que mistura adultério, drogas, virgindade, homossexualismo e um crime que serve apenas para dizer que amanhã pode ser tarde demais para dizer que aquela pessoa é tão especial.
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