Leila: mulheres em greve!
Uma vez li uma resenha sobre A Fonte das Mulheres dizendo que era sobre a "eterna guerra dos sexos". Não sei muito bem a compreensão que cada um faz da guerra dos sexos, mas com certeza o rótulo provém de uma leitura bastante limitada sobre o filme de Radu Mihaileanu, já que seus personagens ao invés de ficarem discutindo quem é o mais esperto, abordam questões bem mais complicadas como religião, tradição, rompimento de paradigmas, casamento, fidelidade, virgindade e uma penca de outros temas que raramente conseguem aparecer na tela com abordagem tão agradavelmente relevante. Indicado à Palma de Ouro em Cannes2011, o filme aborda um impasse entre maridos e esposas que vivem numa comunidade muçulmana ao norte da África. Sempre que necessário as mulheres precisam atravessar o deserto e subir uma montanha para pegar água e abastecer a casa durante o período de seca que já passa de uma década. O caminho é complicado, os tombos constantes devido ao trajeto pedregoso já renderam vários acidentes com mulheres grávidas que acabam sofrendo a morte dos bebês ainda no útero e uma precoce esterilidade. Quando essa tragédia familiar acontece com Leila (Leila Bekhti) as coisas parecem seguir por outro caminho. Vinda de outro vilarejo e esposa de um professor (Saleh Bakri), Leila se rebela contra aquela situação da comunidade e sugere às mulheres que busquem uma forma para que seus esposos abandonem a inércia e busquem água na fonte, não demora muito para que a ideia de uma greve de sexo apareça! A mulher nem imaginava a confusão que sua proposta iria causar. Os maridos, sustentados pelo discurso que precisam sempre proteger a casa e a família, passam o tempo conversando e bebendo chá enquanto as mulheres fazem o trabalho mais árduo. Esta rotina ainda é embasada numa leitura distorcida do Corão, onde as mulheres são vistas como seres subjugados às vontades de seus maridos - que se tornam verdadeiros objetos de seus esposos. Não demora para a greve despertar a violência dos maridos contra as esposas, além de causar um verdadeiro embate entre todos da vila, fazendo com que Leila sofra represálias assim como seu esposo (afinal, pessoas escarecidas que questionam a ordem estabelecida são sempre ameaça!) e artimanhas sejam usadas constantemente para fortalecer o protesto. Penso que também seria empobrecedor perceber o filme como um manifesto feminista, já que é uma história que beira a fábula (existe até uma citação às história das 1001 noites, onde Sherazade usa várias artimanhas para evitar as núpcias) consegue ser bastante esperta ao explorar várias questões que sempre estiveram presentes naquela comunidade - só que encobertas por gerações foram naturalizadas e ficaram quase imperceptíveis, mas com a greve rendem discussões governamentais e religiosas. A inspiração para o filme foi uma reportagem sobre mulheres da Turquia que fizeram a tal greve para que os maridos resolvessem o problema do abastecimento de água da cidade - fato que o roteiro mistura com a peça Lisístrata (escrita em 411 a.C. por Aristófanes). O romeno Radu Mihaileanu amplia tanto as subtramas do vilarejo (além dos casais em conflito, uma personagem tem problemas com o relacionamento com o filho, a chegada de um repórter provoca ciúmes entre os homens, a troca de bilhetes entre um casal de jovens...) que por vezes pode cansar o espectador, afinal, nem precisava tanto. A Fonte das Mulheres consegue tratar com leveza temas complicados graças à sua mistura de comédia com drama familiar e um inusitado tempero musical (perdi a conta de quantas músicas a mulherada cantou durante o filme), o que contribui ainda mais para o olhar diferenciado que lança sobre as muçulmanas que ficam distante dos estereótipos que conhecemos. A Fonte das Mulheres é um filme que surpreende pelo seu engajamento multifacetado.
A Fonte das Mulheres (La Source des femmes/França-2011) de Radu Mihaileanu com Leila Bekhti, Hafsia Herzi, Saleh Bakri e Hiam Abbas. ☻☻☻☻
A Fonte das Mulheres (La Source des femmes/França-2011) de Radu Mihaileanu com Leila Bekhti, Hafsia Herzi, Saleh Bakri e Hiam Abbas. ☻☻☻☻
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