sexta-feira, 31 de maio de 2019

BREVE: Sorry to Bother You

Tessa e Lakeith: comédia maluca com algo a dizer. 

Faz algum tempo que o desempregado Cassius Green (Lakeith Stanfield) vive na garagem do tio Sergio (Terry Crews) e seus melhores momentos são ao lado da namorada, Detroit (Tessa Thompson), uma artista performática que está longe de fazer o sucesso esperado. Quando Cassius é contratado para trabalhar com telemarketing, o que poderia ser o início de uma fase melhor na vida se torna a mais confusa (graças ao roteiro inventivo do estrante Boots Riley). Embora receba crédito por alguns trabalhos como compositor em produções variadas, este é o primeiro longa metragem dirigido por Riley, que busca sempre o caminho mais inesperado para sua história, beirando o surrealismo em vários momentos. Pelo trabalho ele foi indicado ao prêmio de cineasta estreante no Prêmio do Sindicato de Diretores dos EUA. Ele utiliza tantos artifícios para contar a ascensão e queda de Cassius que em alguns momentos soa caótico, afinal, o mundo construído pelo filme é por si só distópico em sua abordagem sobre o trabalho no século XXI. Embora estejam lá a ambição pela promoção e as manifestações por melhores condições de trabalho, por outro lado, está a organização que promove a contratação vitalícia de seus empregados, lhe oferecendo um lugar para dormir e comida tendo em troca a disponibilidade constante para serviços - e esta é apenas a superfície de  uma estratégia produtiva de contornos absurdos. Também não posso esquecer da estratégia praticada pelo protagonista para ser promovido, a "voz de branco" para causar "maior identificação" com quem está do outro lado da linha" (e o filme não se inibe a mostrar o rapaz invadindo literalmente o ambiente dos possíveis clientes com suas ligações, mesmo nos momentos mais impróprios). Cheio de alfinetadas sobre preconceitos e explorações, Sorry to Bother You é de uma criatividade que eu não via desde Quero Ser John Malkovich (1999), embora seja menos "sutil" que as loucuras que Spike Jonze apresentava naquele filme, ele tem lá o seu charme no visual colorido e um verniz que faz lembrar outro filme protagonizado por Tessa Thompson, o pouco visto Cara Gente Branca (2014) e seu enredo que se equilibrava sobre o fio da navalha (prova disso é o rap sem vergonha improvisado por Cassius na pior festa de sua vida). É engraçado como a trama parece se desenvolver de forma improvisada em seus diálogos e acontecimentos bizarros, mas ao final da sessão o filme revela-se bastante contundente sobre o mundo atual e seus discursos que se montam e desmontam para criar verdades aceitáveis (por mais canhestros que pareçam), das celebridades surgidas ao acaso (?) num vídeo viral da internet, nas humilhações apresentadas na televisão, nos absurdos que são aceitos como salvações (repare os efeitos das denúncias feitas contra o visionário empreendedor vivido por Armie Hammer). Sorry to Bother You tem lá suas mancadas (as criaturas que ganham espaço na história parecem feitas de borracha e algumas atitudes de personagens não levam a lugar algum...), mas sua criatividade destrambelhada cria um filme surpreendente (e com direito à cena pós-crédito). 

Sorry to Bother You (EUA-2018) de Boots Riley com Lakeith Stanfield, Tessa Thompson, Armie Hammer, Jermaine Fowler, Steven Yeun, Terry Crews e Danny Glover.  

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