quarta-feira, 10 de junho de 2020

Ciclo Palma de Ouro: A Doce Vida (1960)

Mastroianni na praia: entre festas e futilidades. 

Para encerrar o nosso Ciclo com os filmes premiados com o prêmio máximo do Festival de Cannes, eu escolhi A Doce Vida de Federico Fellini -  um daqueles filmes que tenho medo de escrever sobre. Cultuado por cinéfilos do mundo inteiro é uma daquelas pedras angulares do cinema mundial e levou para a casa a Palma de Ouro da 13ª edição (em 1960), deixando para trás os outros vinte e oito concorrentes, entre eles o brasileiro "Cidade Ameaçada" de Roberto Farias, o francês "Sete Dias... Sete Noites" de Peter Brook, o sueco "A Fonte da Donzela" de Ingmar Bergman e o espanhol "Os Delinquentes" de Carlos Saura. Esteticamente irretocável, A Doce Vida surgiu como uma crítica à sociedade do estrelato, dos famosos, dos paparazzi, do sucesso pelo sucesso e envolve tudo isso em uma casca sedutora para revelar o vazio disso tudo. Não por acaso o protagonista da história é um jornalista que gravita em torno de eventos e celebridades, ele já foi um escritor sério e pretende retomar esta carreira, mas está ocupado demais cem festas e eventos nos quais aparece sempre com seu ar entediado, rodeado de belas mulheres e com um copo de bebida na mão. O roteiro é uma colagem sarcástica  de diversos acontecimentos que desnuda o que há de postiço em tudo aquilo e, por incrível que pareça, o título de caráter irônico fez com que muita gente acreditasse que aquela vida realmente fosse doce e, por consequência, ideal. Trata-se de uma pegadinha de Fellini, que tem como maior desafio  aqui se equilibrar para não sucumbir ao universo que critica. Marcello Mastroiani ganha a tarefa de personificar Marcelo, não o ator, mas o jornalista que não consegue ser levado a sério ao longo da narrativa e vive uma série de  desventuras que o ganham cada vez mais um tom decadente. Seja acompanhando uma estrela de cinema internacional (Anita Ekberg), cobrindo um milagre da chuva celebrado por um grupo de crianças que dizem ver aparições divinas e uma série de outras situações que coloca à prova não apenas sua resistência mas, principalmente sua inércia. O auge desta vida sem propósito acontece no ensaio de uma orgia que nunca se concretiza e termina com o que restava da máscara de cavalheiro cair por terra ao constranger uma de suas convidadas que exagera na bebida. A cena é desconfortável e provocadora na medida certa para revelar que aquela vida não é doce. Fellini constrói aqui uma crítica mordaz sobre a sociedade que avistava se aproximar (e permanece atual até hoje e ainda mais frívola com a fama gerada por reality shows e redes sociais). Não por acaso o filme termina com um tubarão morto na praia observado como se fosse um monstro. A face da morte talvez pareça ainda mais assustadora para quem tem uma vida sem propósito. Feito para ser tão fútil quanto seus personagens, A Doce Vida ainda provoca um fascínio ilusório aos olhos dos desavisados, seduzidos pela elegância de seus figurinos (que ganhou o Oscar) e pela linda fotografia em preto e branco. Outros dez filmes agraciados com o prêmio máximo do festival podem ser vistos nesta lista aqui do blog.

A Doce Vida (La Dolce Vita / 1960) de Federico Fellini com Marcelo Mastroianni, Anita Ekberg, Anouk Aimée, Alain Cuny, Yvonne Furneaux, Magali Noël, Annibale Ninchi e Walter Santesso. ☻☻

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