sexta-feira, 5 de junho de 2020

Ciclo Palma de Ouro: Elefante (2003)

John e Elias: não era um dia qualquer. 

O diretor Gus Van Sant divide sua carreira entre filmes de apelo ao grande público (Gênio Indomável/2008 e Milk/1997 lhe renderam até indicação ao Oscar de direção) e outros feitos para causarem estranhamento (Gerry/2002 e Últimos Dias/2005). Elefante se enquadra neste segundo grupo, no entanto, deve ser o melhor do gênero que o diretor conseguiu realizar até hoje. O filme segue a rotina de um grupo de estudantes de uma escola americana no que parece ser um dia qualquer com seus encontros, conversas e trabalhos triviais. A narrativa fragmenta o cotidiano destes personagens e o costura de forma embaralhada e parece que nada demais está acontecendo. O ritmo é lento, arrastado mesmo em tom quase documental. O roteiro não se preocupa em desenvolver muito aquelas relações, apenas apresentar um pequeno recorte diário daqueles adolescentes naquele ambiente vivido de forma bastante naturalizada. Cabe a nós imaginar o que cada um deles é ou poderia ser. Enquanto a vida segue na escola, acompanhamos uma dupla de estudantes que destoam dos demais e resolvem comprar armas pela internet. É neste momento que sabemos exatamente do que se trata Elefante. Inspirado pelos acontecimentos trágicos da escola de Columbine, estamos diante do anúncio de uma tragédia, algo capaz de acabar com vidas que estavam repletas de possibilidades dentro de um espaço que deveria inspirar segurança. O filme não explica muito as motivações dos dois meninos (como se algo fosse justificar aquela atrocidade), mas sugere o que pode se passar naquelas mentes confusas. O filme também capricha nos longos silêncios e na ambientação naqueles longos corredores vazios, o que pode gerar tanto a sensação de paz como de angústia e até solidão. Um filme único, triste e necessário para repensar nossas relações com a juventude (assim como suas ansiedades, inseguranças, intensidades...) e o apelo das armas de fogo. O estranhamento foi tão grande que ao ser exibido no 55º Festival de Cannes o filme surpreendeu em meio aos outros 19 filmes que disputavam a  Palma de Ouro - deixaou para trás Sobre Meninos e Lobos de Clint Eastwood, As Invasões Bárbaras de Denys Arcand, o brasileiro Carandiru de Hector Babenco e o favorito Dogville de Lars Von Trier (o controverso Brown Bunny de Vincent Gallo também estava no páreo mas não tinha chances).  O prêmio no entanto não impediu que o filme tivesse problemas de distribuição nos Estados Unidos, sendo vendido para a HBO que o exibe em sua grade de programação até hoje. Sobre o título enigmático, ele se refere a uma parábola budista em que um grupo de cegos busca definir um elefante sem nunca ter visto um na vida. Fica a reflexão. 

Elefante (Elephant/EUA-2003) de Gus Van Sant com Alex Frost, Eric Deulen, John Robinson, Elias McConnell, Jordan Taylor e Nicole George. 

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