sábado, 5 de agosto de 2023

Na Tela: Oppenheimer

 
Cillian e seus parceiros: Os dilemas nos olhos. 

Lançado com grande repercussão ao lado de Barbie nos cinemas, o novo filme de Christopher Nolan demonstrou fôlego no embate com o cor-de-rosa. Os dois filmes não poderiam ser mais diferentes, já que Oppenheimer é cinzento por opção, até mesmo no tom, que mesmo depois de sua contundente cena final pretende ampliar o tom fúnebre. Faz tempo que Nolan demonstra apreço por temas científicos, mas depois do insosso Tenet (2020) eu fiquei um tanto preocupado com sua ambição em contar a história do "pai da bomba atômica". Quando soube a duração do filme, imaginei o tormento que seria ver três horas do diretor repetir seu erro anterior e gastar todo o tempo explicando "como fazer sua bomba atômica". Talvez ciente da insatisfação dos fãs com sua obra anterior, Nolan disse em entrevistas que seu filme não era sobre a bomba, mas sobre J. Robert Oppenheimer. Balela. Boa parte do filme é sobre a construção da bomba, o interesse científico em sua construção, os interesses políticos que se instauram em torno de seu desenvolvimento, os dilemas em torno da descoberta e a responsabilidade de quem bancou a ideia. É neste último ponto que o filme busca seu equilíbrio, já que por vezes compra a ideia de que a bomba, e por consequência seu criador, foram os responsáveis por terminar a Segunda Guerra Mundial. Porém, esse "heroísmo" se choca com todo o horror das mortes encadeadas pela explosão e radiação nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, respectivamente nos dias 06 e 09 de agosto de 1945. Para apaziguar essa dicotomia o diretor opta por contar seu filme em três tempos distintos. Um sobre a construção da bomba, outro com uma espécie de julgamento de Oppenheimer por conta de suas declarações polêmicas e outra em torno de Lewis Strauss (vivido por Robert Downey Jr.), uma figura política importante em todo o experimento e, ao mesmo tempo, vaidoso o suficiente para se incomodar ao se tornar uma nota de rodapé na História. No meio de tudo isso, a tal história sobre o físico novaiorquino Julius Robert Oppenheimer (1904-1967) fica nas entrelinhas, seja na simbólica cena em que envenena uma maçã (e se arrepende ao pensar nas consequências) ou em sua relação com as mulheres que gravitavam ao seu redor. Seja a amante Jean Tatlock (Florence Pugh) ou a esposa, Kitty (Emily Blunt), que descobre não ter muitos dotes  para a maternidade, deixam a sensação de que Nolan ainda precisa aprender a dar mais corpo e alma para suas personagens do sexo feminino, aqui muito do interesse que as duas possam despertar no espectador se deve mais ao talento das atrizes do que no texto que ambas possuem. Com tantos aspectos para desenvolver, Nolan investe num tom de paranoia para prender a atenção do espectador. O embrião da Guerra Fria no pós-guerra é mostrado a todo instante, o que não impede que o filme transborde frieza em sua execução. Se Pugh e Blunt aparecem pouco em cena, e dão conta de criar personagens interessantes, pode se dizer que com tempo de tela de sobra, as interpretações de Cillian Murphy e Downey Jr. se tornam as melhores costuras para as intenções do diretor. Ambos estão bastante contidos em cena, mas os olhos e expressões de Cillian demonstram todos os tormentos deste Oppenheimer cinematográfico. É palpável não apenas a sua obstinação mas também a sua capacidade de juntar um grupo de cientistas no meio do nada para bancar sua ideia devastadora. Por outro lado, está Robert Downey Jr na melhor atuação do filme (e de sua carreira também) como um sujeito escorregadio e que representa os outros interesses perante a descoberta que está a ser feita. O sempre lembrado Homem de Ferro soa como o Salieri (que rendeu o Oscar para F. Murray Abraham) de Amadeus/1984 com o misto de inveja e mesquinharia correndo nas veias. A tensão poderia ficar ainda melhor se Matt Damon, na pele do responsável pelo projeto Manhattan não me desse a impressão que toda hora quisesse me arrancar uma risada com seus exageros nervosos (é engraçado que um assustador Casey Affleck consegue muito mais em menos tempo de tela do que Matt Damon). Como todos os filmes de Nolan, o filme é tecnicamente perfeito, especialmente quando lembramos que o cineasta opta por não utilizar CGI e prefere locações reais. Embora eu tenha restrições com a paleta de cores utilizada e figurinos protocolares, o filme os utiliza para construir uma certa esterilidade que funciona perante o impacto da cena da explosão, em que o som chega ao espectador somente minutos depois do ocorrido. Existe uma sensação real de pânico diante do desconhecido, pena que seja tanto capricho para uma cena tão rápida. Em termos de montagem, aqui o resultado é menos truncado do que em outras obras do diretor, mas não consegue disfarçar a sensação que de pelo menos meia hora de filme ficou de fora. A primeira hora é tão frenética, com tantas cenas, planos e diálogos sem pausa que se torna um exercício bastante exaustivo, sorte que nas horas seguintes o filme consegue respirar e o espectador agradece. Ainda que seja gélido em demasia (mesmo nas cenas mais lascivas) acredito que estamos diante daquele que será o filme mais indicado ao Oscar do próximo ano, seja por seu caráter de reconstrução histórica ou detalhes da produção. Se a Universal fizer tudo direitinho, provavelmente Oppenheimer chegará ao ápice da temporada de ouro como o filme a ser batido no Oscar 2024. 

Downey Jr.: rumo ao primeiro Oscar da carreira. 

Oppenheimer (EUA-2023) de Chritopher Nolan com Cillian Murphy, Robert Downey Jr., Emily Blunt, Matt Damon, Florence Pugh, Josh Hartnett, Benny Safdie, Jason Clarke, Dane DeHaan, Rami Malek, Jack Quaid, Casey Affleck, Matthias Schweighöfer, David Dastmalchian, Gustaf Skarsgård, Michael Angarano, Tom Conti, Kenneth Brannagh e Gary Oldman. ☻☻☻☻

Nenhum comentário:

Postar um comentário