sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Na Tela: Fale Comigo

 
Sophie: brincando com espíritos zombeteiros. 

De vez em quando o ano cinéfilo nos presenteia com uma surpresa. Aquele filme de um diretor desconhecido, com atores que nunca ouvimos falar e ideias diferentes que bagunçam clichês de um determinado gênero e consegue entregar algo imprevisível e cheio de frescor. Este é o caso do australiano Fale Comigo, um filme dirigido por uma duplas de irmãos estreantes (os youtubers Danny Phillipou e Michael Phillipou) que começa vendendo a ideia de que fará mais do mesmo, mas aos poucos consegue desenvolver tantas camadas de sua narrativa que ela permanece viva na mente do espectador quando o filme termina. Lançado nos Estados Unidos, o filme se tornou um sucesso de crítica e ganhou o público cada vez mais no boca a boca. A trama é aparentemente simples, com um grupo de jovens às voltas com uma misteriosa mão embalsamada que funciona como uma espécie de portal para conversar com os mortos. O filme não perde tempo com explicações sobre a mão (o que é ótimo), basta segurá-la e dizer "fale comigo" para que a pessoa enxergue a alma penada da vez. Depois ao dizer "eu deixo você entrar" a pessoa é possuída pela alma, mas a "brincadeira" deve durar apenas noventa segundos, caso contrário, o espírito pode gostar de seu novo corpo e não querer sair mais. Se a ideia em si é uma variação de algo que já vimos diversas vezes, é no desenvolvimento dos personagens que a coisa se torna mais assustadora. Logo depois do enigmático início, conhecemos a protagonista Mia (Sophie Wilde) que acabou de perder sua mãe. O relacionamento dela com o pai não é muito bom, o que só piora o processo de digerir a perda da mãe em circunstâncias que nunca ficaram bem explicadas. Ela acaba procurando abrigo na casa de sua melhor amiga, Jade (Alexsandra Jensen) e se tornando cada vez mais próxima do irmão dela, Riley (Joe Bird). Some ao trio o namorado de Jade, Daniel (Otis Dhanji) e você terá o grupo que irá se meter em apuros com a tal mão embalsamada. Os Phillipou sabem exatamente onde querem chegar ao apresentar seus personagens e as relações entre eles e, portanto, quando o filme parece que vai cair na repetição, eles viram do avesso tudo o que você imagina que irá acontecer. No decorrer do filme o que vemos é uma trama de terror sobrenatural mesclada com o suspense de nunca entender ao certo o que está acontecendo (o que é ótimo, já que temos a mesma sensação da protagonista), mas que se torna atrativo justamente por outros pontos que os diretores tocam em seu roteiro: nossa atração pelo desconhecido, o que nos motiva a ver filmes de terror (só para sentir medo) e, sobretudo, a analogia que podemos fazer daqueles instantes em que se toca a mão com o uso de drogas em busca de um conforto efêmero. Fiquei muito assustado com o que vi na tela. Fechei os olhos. Tampei o rosto. Virei a cara e por vezes as pancadas vistas na tela parece ser em nós mesmos. Se Miranda Otto é o rosto mais conhecido em cena como a mãe de Jade, o brilho maior fica por conta de Sophie Wilde (que realmente impressiona ao tratar sua personagem com uma dramaticidade de gigante do cinema) que é seguida de perto por Alexandra e Joe Bird. Fale comigo vale o ingresso e embora termine de forma dramática angustiante e redondinha (somando uma última peça aos segredos da trama) tem material de sobra para gerar outro filme (embora eu prefira que os mistérios permaneçam exatamente como estão). Se o  Chaves (aquele mesmo do seriado clássico que passava no SBT) aparecesse aqui, ele diria que não se deve brincar com espíritos zombeteiros, pena que Mia e seus amigos não assistiam ao programa mexicano . 

Fale Comigo (Talk to Me / Austrália - 2023) de Danny Phillipou e Michael Phillipou com Sophie Wilde, Ari McCarthy, Alexandra Jensen, Joe Bird, James Oliver, Marcus Johnson e Miranda Otto.  

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