quinta-feira, 10 de outubro de 2024

PL►Y: Planeta Janet

Julianne e Zoe: um verão de mãe e filha.

Janet (Julianne Nicholson) é uma mãe solo que vive com a filha, Lacy (Zoe Ziegler), de onze anos. Elas vivem na zona rural de Massachussetts, juntas, as duas levam uma rotina bastante comum que é atravessada por algumas pessoas que cruzam a vida de ambas. São as pessoas que surgem no meio da narrativa que dão título às partes que compõem o filme da diretora e roteirista Annie Baker que conseguiu críticas positivas com sua estreia como cineasta. Baker adota um estilo sem firulas, bastante realista e direto, como se sua câmera estivesse espreitando a vida daquelas pessoas como se não estivesse ali. A trama não tem vilões, grandes acontecimentos ou revelações, mas se constrói na relação de proximidade entre mãe e filha de forma bastante sutil e até poética, mas sem afetação. No início Janet tem um namorado que a faz repensar sobre que tipo de relacionamento deseja. Depois ela reencontra uma amiga (Sophie Okonedo) que entre uma conversa aqui e outra ali, aprofunda a reflexão sobre os homens que atravessam o seu caminho, mal sabe ela que está aproximando Janet de outro relacionamento. O filme se concentra no desenho interno da personagem e o faz de forma bastante tranquila se desviando dos clichês do gênero, apresentando Janet como uma mulher comum e ao mesmo tempo interessante. Vale dizer que a protagonista é vivida por uma ótima atriz que ainda não recebeu o devido reconhecimento de merece do público. Juliane Nicholson chegou a roubar a cena de Meryl Streep e Julia Roberts como a irmã mais nova de Álbum de Família (2013), brilhou na pequena participação como a treinadora dedicada de Eu, Tonya (2017)  e recebeu prêmios por seu trabalho memorável em Mare of Easttown (2021) ao lado de Kate Winslet. Em todos os seus papéis, a atriz consegue construir personagens bastante palpáveis e interessantes, de forma que dificilmente a Janet do título nos deixaria instigados se fosse vivida por outra atriz. A pequena Zoe Ziegler que interpreta sua filha consegue compor na exata medida uma menina que cresce ao lado da mãe curiosa sobre o a vida e o mundo (e sobre o que ambos lhe reservam). As duas apresentam diálogos bastante francos que tornam Planeta Janet um filme interessante justamente por ser tão simples. Não é um filme arrebatador, mas uma produção a que se assiste com certa curiosidade e que nos absorve para o cotidiano de personagens que, magicamente, parecem existir de verdade. 

Planeta Janet (Janet Planet / EUA - 2023) de Annie Baker com Julianne Nicholson, Zoe Ziegler, Sophie Okonedo, Elias Koteas, Will Patton e Luke Phillip Bosco. ☻☻☻

KLÁSSIQO: Primavera de Uma Solteirona

Maggie e suas pupilas: a influencer de seu tempo.
 
A notícia de que Dame Maggie Smith havia falecido, entristeceu milhares de fãs de todas as idades. Os mais jovens conheciam a grande atriz por conta de seu trabalho como a professora Minerva dos filmes da série Harry Potter, outros lembram dela como a Lady Violet da cultuada série Downton Abbey. Com uma carreira que acumulou mais de cinquenta prêmios nos palcos e no cinema, Maggie foi indicada seis vezes ao Oscar (a primeira vez em 1966 por Othello e a ultima por Gosford Park/2021) sendo duas vezes premiada, colecionando uma estatueta como coadjuvante por Califórnia Suite (1978) e outra como melhor atriz principal por este clássico Primavera de Uma Solteirona (1979). Maggie já era um rosto conhecido no teatro e no cinema quando foi escalada para viver a protagonista desta adaptação do livro de Muriel Spark.  O título nacional é bastante pejorativo (o livro é chamado A Primavera da Senhorita Jean Brodie) que tem o maior orgulho de ser solteira e investir em suas aventuras amorosas. Jean Brodie (Maggie Smith) considera estar no seu auge enquanto leciona História em uma escola somente para garotas. Ela tem uma forma bastante peculiar de passar seus conhecimentos, muitas vezes expondo seu olhar pessoal sobre os conteúdos de sua disciplina. Entre as alunas de sua classe, Jean escolhe um grupo seleto de meninas para que sejam suas seguidoras. São elas que costumam andar com ela pela cidade, desfrutando de sua companhia e visão peculiar de mundo. Algo que chama bastante atenção das  alunas e a vida amorosa da professora que, até então muito discreta, teve um caso com o professor casado de artes (o charmoso Robert Stephens, então marido de Maggie) e um namorico com o professor de música (Gordon Jackson). O triângulo amoroso desconjuntado oferece ao filme as cores de uma comédia romântica, mas que fica em segundo plano quando os aspectos mais controversos da personagem vem à tona. Jean é declaradamente simpatizante de Mussolini e sua influência entre as alunas oferece uma mistura bastante perigosa, cujas consequências vemos na reta final do filme. Não apenas a simpatia da professora pela extrema direita torna o filme dotado de polêmicas, mas a relação de uma aluna com um professor e uma cena de nudez demonstra que o filme de 1969 estava  disposto a desafiar as convenções da época. No entanto, a direção de Ronald Neame (veterano que iniciou seus trabalhos como diretor de fotografia em 1933) trata tudo com muita leveza, belíssima fotografia e um senso de humor bastante refinado que torna alguns diálogos divertidos até hoje. Maggie Smith está perfeita no papel título, despertando a simpatia da plateia mesmo que algumas de suas posturas sejam bastante condenáveis. Com o charme inteligente que a atriz confere à personagem, nos sentimos na pele de suas seguidoras, ainda que, por vezes, alguns pontos provoquem um choque em nossa relação com a personagem. Maggie já demonstrava aqui um estilo bastante próprio de atuar, com uma maneira pomposa de dizer as coisas mais absurdas que se tornaram a sua marca registrada. Entre cenas cômicas e momentos dramáticos, a personagem é um daqueles presentes que uma atriz sonha interpretar um dia. Embora seja um filme lançado há 65 anos, Primavera de Uma Solteirona tem uma esperteza que o torna especial até hoje - e o fato da personagem ser seduzida pelo discurso da extrema direita, oferece ao filme uma atualidade ainda mais inesperada. 

Primavera de Uma Solteirona (The Prime of Miss Jean Brodie / Reino Unido - 1969) de Ronald Neame com Maggie Smith, Gordon Jackson, Robert Stephens, Pamela Franklin, Celia Johnson, Diane Grayson e Shirley Steedman. ☻☻☻☻ 

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

PL►Y: Entrevista com o Demônio

Dastmalchian e seus convidados: tudo pela audiência.
 
Já está disponível na Netflix um dos filmes mais comentados do ano. Entrevista com o Demônio é um terror independente, feito com baixo orçamento (três milhões de dólares), gerou um lucro considerável aos envolvidos (só na segunda semana o filme já havia rendido o dobro) e comprovou que ideias diferentes fazem a diferença. O que pouca gente sabe é que o filme é baseado em uma história real, no caso, o programa especial da BBC chamado Ghostwatch que foi ao ar no Halloween de 1992. O programa apresentado por Michael Parkinson aterrorizou o público ao ser gravado em uma casa mal assombrada repleta de acontecimentos estranhos. No entanto, a BBC esqueceu de  avisar que era uma obra de ficção, o que gerou uma grande polêmica em rede nacional pela guerra da audiência (e que fez o programa ser banido, nunca  havendo uma reprise na emissora). A ideia do filme assinado pela dupla Cameron e Coilen Cairnes segue a mesma base e se beneficia pela forma dinâmica como conta sua história. O filme ambientado nos anos 1970 começa como um pequeno documentário sobre a ascensão do apresentador Jack Delroy (David Dastmalchian) e seu programa televisivo, Corujões. Bastante popular e indicado a prêmios, Delroy sempre se ressentiu de ficar em segundo plano (à sombra do ícone Johnny Carson), ao ponto de até se aproveitar da presença de sua esposa doente para conseguir ficar em primeiro lugar pela audiência. Aos poucos seu programa se tornou cada vez mais apelativo e perdeu espectadores, eis que ele se apropria de um crime que chocou o país para conseguir liderar a audiência na noite de Halloween de 1977. Naquele dia das bruxas ele resolve levar ao ar a única sobrevivente de uma seita, Lilly (Ingrid Torelli) uma adolescente que todos acreditam ser possuída pelo capeta. Ela comparece ao programa acompanhada de uma parapsicóloga, Drª June Ross-Mitchell (Laura Gordon), que se tornou sua tutora e que escreveu um livro baseado na triste história da garota. Entre as atrações daquela noite, está um especialista (Ian Bliss) em desmascarar  pessoas que fingem ter contato com o mundo paranormal, ou seja, a tensão está posta. Os diretores capricham na reconstituição de época com figurinos, penteados, cenário, trilha sonora e cada detalhe feito para deixar o espectador com a sensação de que está realmente diante de um programa de televisão. Este cuidado confere um charme a mais ao filme, que investe num tom cômico que, por contraste, destaca ainda mais quando o filme investe no que pode haver de mais sinistro na proposta do programa. Paira no ar uma ideia de que tudo é uma grande fraude, algo que somado aos tormentos do apresentador confere ao que se vê uma ambiguidade que é bem trabalhada durante a narrativa. Some isso à presença estranha de Lilly (um ótimo trabalho da novata Ingrid Torelli) e alguns detalhes baseados no clássico O Exorcista (1973) e você até deseja que a coisa vá por um caminho ainda mais horripilante (e ele experimente isso no desfecho do programa). Outro trunfo do filme é David Dastmalchian e sua aparência peculiar que cai como uma luva para o renomado apresentador, confesso que torço para que ele receba papeis de maiores destaques no cinema, faz um tempo que o rapaz já demonstrou que pode alçar voos muito interessantes em Hollywood. Criativo em sua estética e formatação, a produção consegue trazer novidade para um tema gasto no terror. No entanto, quem prefere ver mais do mesmo irá se decepcionar com a proposta do longa. 
 
Entrevista com o Demônio (Inteview with the Devil  EUA - 2024) de Cameron e Coilen Cairnes com David Dastmalchian, Laura Gordon, Ian Bliss, Fayssal Bazzi, Ingrid Torelli, Rhys Auteri e Georgina Haig. ☻☻☻

terça-feira, 8 de outubro de 2024

PL►Y: Lobos

Pitt e Clooney: dupla experiente.

Se você me dissesse que um filme estrelado por Brad Pitt e George Clooney seria lançado diretamente no streaming, eu diria que você está louco. Diante do lançamento de Lobos exclusivamente na AppleTV eu percebi que louco é aquele que não consegue perceber que mudaram os parâmetros de Hollywood nos últimos anos. Basta lembrar que recentemente Alien: Romulus deixou de ser uma produção para streaming e fez sucesso nas bilheterias mundiais. O motivo do sucesso foi que os produtores acharam que o filme funcionaria muito bem numa telona, já com Lobos deve ter acontecido o contrário e, diante da trama (que parece tirada de um sucesso dos anos 1990), os produtores acharam melhor não arriscar com várias cópias, marketing e divisão de lucros com exibidores. O filme conta a história de dois profissionais que são especialistas em sumir com evidências de crimes (o que inclui corpos), são os chamados "faxineiros", uma profissão que prima pelo trabalho solitário na ilegalidade. No entanto, por conta de um acidente do destino, dois desses profissionais terão que trabalhar juntos, tudo por conta de uma conceituada promotora (Amy Ryan) que se viu com o corpo de um jovem rapaz morto ao lado de sua cama de hotel.  Desesperada, ela liga para um contato (Clooney) a ser usado somente para caso de emergência extrema. Acontece que a dona do Hotel (voz de Frances McDormand) também contratou um serviço semelhante diante do imprevisto, obviamente que o concorrente (Pitt), não é visto com bons olhos pelo outro (e vice-versa). No entanto, os dois precisam trabalhar juntos para livrar a tal promotora da enrascada. Só que nada sai como o esperado. A situação se complica cada vez mais em uma noite em que os dois irão reencontrar velhos conhecidos, antigos clientes e um bando de traficantes dispostos a gastar suas munições durante o filme. Com direção de Jon Watts (dos últimos filmes do Homem-Aranha), Lobos se garante mais pela química entre seus dois astros do que propriamente pelo roteiro bem humorado cheio de surpresinhas. O texto em si não tem nada demais, segue a cartilha já explorada por várias outras produções que misturam ação e piadinhas, sendo feito para agradar todos os públicos sem arriscar muito (tanto que a cena mais violenta do filme é apresentada somente perante as suas consequências). A conhecida química entre os amigos Brad e George já é mais do que testada e aprovada e aqui recebe uma conotação de pendenga entre duas gerações diferentes e implicâncias com experiência, idade e novidade. Quem acrescenta um frescor à trama é Austin Abrams na pele do "serviço" da dupla, um rapaz comportado que se meteu na noite mais complicada de sua vida e resta saber se ele vai resistir até o final desta jornada. Jon Watts conduz o filme com sua energia habitual regada à produção bem cuidada e uma certa ingenuidade, mas falta aquele sabor de novidade para colocar o filme em um patamar acima do que ele está. No entanto, Lobos é um filme redondinho que pode agradar quem procura um filme somente para passar o tempo e lembrar de um tempo em que cinema podia ser só entretenimento sem resquícios de culpa.
 
Lobos (Wolves / EUA - 2024) de Jon Watts com George Clooney, Brad Pitt, Austin Abrams Amy Ryan e Frances McDormand. ☻☻☻

PL►Y: Meu Amigo Robô

 
Os dois amigos: bela animação europeia.

Meu Amigo Robô é uma animação feita em co-produção entre a França e a Espanha e que surpreendeu muita gente quando cravou uma indicação ao Oscar de melhor animação em 2024. Na verdade, surpreendeu só quem não assistiu (ou tinha ouvido falar do filme), já que é muito fácil notar todas as virtudes premiáveis do longa metragem assinado por Pablo Berger, virtudes estas que às vezes valem mais do que lobby milionários. O filme acabou "tirando" a vaga de Wish, aquela animação sem graça que a Disney resolveu lançar ano passado em homenagem ao seu centenário (acho que nem postei minha resenha após ver o filme). Toda a falta de personalidade que faltava naquele filme, sobra neste aqui com aquele sabor do espectador estar diante de uma obra única. A história é aparentemente simples: um cãozinho está cansado de viver sozinho na cidade e resolve comprar um robô para lhe fazer companhia. Os dois logo ficam muito unidos, mas precisam lidar com um grave imprevisto depois de passarem um dia na praia. Metal e água salgada não combinam (e isso não é um SPOILER, ou é?) e os dois amigos vão ter que aprender a passar o tempo sozinhos novamente. O roteiro de Berger e Sara Varon parte desta situação para falar sobre solidão e amizade, mas a história se aprofunda e o que poderia ser uma alegoria sobre como a tecnologia pode atenuar a nossa solidão se torna em algo muito mais profundo quando o filme caminha para o final. Ambos procuram caminhos para passar o tempo, se o cãozinho até investe em outras relações, o robô usa sua imaginação para driblar a lenta passagem do tempo (e daí o nome original do filme, Robot Dreams). Com toda a fofura do traço e o uso meticuloso das cores utilizadas, o diretor ousa fazer uma animação isenta de diálogos, deixando a trama e as expressões dos personagens falarem por si só. Outro destaque do filme é a trilha sonora (sempre que ouvir September do Earth Wind & Fire vou lembrar do filme) que completa o verniz nostálgico do desfecho - que revela uma bela história sobre relacionamentos em vidas que precisam seguir sem amarguras e com boas lembranças.  O filme é um grande acerto e não parece que é a primeira animação de Pablo Berger. O longa fez sucesso graças à uma ótima campanha boca a boca nos cinemas brasileiros e agora está disponível na MUBI. 

Meu Amigo Robô (Robot Dreams / Espanha - França - 2023) de Pablo Berger. ☻☻☻☻

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

4EVER: Emiliano Queiroz

1º janeiro de 1936 04 de outubro de 2024

Emiliano de Guimarães Queiroz nasceu em Aracati no Ceará em uma família com origens portuguesas e holandesas. Sua motivação para se tornar ator veio aos quatro anos de idade quando assistiu sua primeira peça no teatro e aos 14 anos entrou para o Teatro Experimental de Arte. O menino precoce logo já trabalhava na Ceará Rádio Clube. Aos dezessete foi morar em São Paulo, onde começou a ter papéis importantes no teatro, como na peça O Pagador de Promessas, mas voltou para o Ceará e se formou em Arte Dramática na Universidade Federal do Ceará. Seu trabalho na televisão teve início em 1964, com participação em clássicos da teledramaturgia como A Moreninha (1965), Véu de Noiva (1969), Irmãos Coragem (1970), Pecado Capital (1975), O Bem Amado (1980-1984), Que Rei sou Eu? (1989), Anos Rebeldes (1992), Hilda Furacão (1998) entre muitos outros. Seu último trabalho na televisão foi na novela Além da Ilusão (2022). No cinema fez filmes importantes como Navalha na Carne (1969), Dois Perdidos numa Noite Suja (1970), O Xangô de Baker Street (2001), Madame Satã (2002) e O Lobo Atrás da Porta (2014). Seu último trabalho na telona foi como Sr. Mário em Avenida Beira-Mar (2024). Emiliano é um dos artistas em que a carreira se confunde com a história da televisão brasileira.  O ator faleceu no Rio se Janeiro devido a complicações com um infarto.