David e Paul: lidando com as angústias da alma humana
Quando vc vê chegar nos cinemas da sua cidade o novo filme do Stallone ao lado de um filme nacional que parece um filme do Stallone, está na hora de procurar novas alternativas... foi assim que não hesitei em ver Almas à Venda quando estava há algumas horas de distância. Trata-se de um filme que pensei que só iria ver daqui há alguns anos quando desse a sorte de ver um DVD dando sopa por aí. O filme foi um dos mais elogiados do ano passado, mas acabou estreando no Brasil no mês passado após ser desprezado no Oscar e no Globo de Ouro. Pura maldade, acho que atualmente quando alguém cria um roteiro que flerta com o surreal, as pessoas o comparam à obra de Charlie Kauffman e o filme acaba sendo esquecido pelos seus méritos próprios. O mesmo aconteceu anos atrás quando Mais Estranho que A Ficção - recebeu elogios e ficou só nisso. Mas Almas à Venda já está na minha listinha de melhores lançamentos que pintaram por aqui nesse ano. Pra começar a diretora Sophie Bartes criou um roteiro mirabolante sobre as conotações que a alma tem em nossas vidas. Toda a culpa, angústia, divindade e identidade que atribuímos à ela pode ser vista no filme, ou melhor, no genial trabalho de Paul Giamatti, que interpreta ele mesmo nas incertezas de atuar no clássico Tio Vânia de Tchecov. É no meio dessa crise de composição de personagem que o ator resolve extrair a alma e se decepciona desde o início ao ver que ela se parece com um grão de bico. Desalmado, o efeito da extração em seu trabalho é desastroso e a coisa parece melhorar somente quando escolhe uma alma de poeta russo para atuar do jeito que quer. O problema é o bando de efeitos colaterais que começa a sentir - a ausência de sentimentos - para logo depois sofrer com uma alma de poeta -, a pele escamosa, a sensação de vazio... - resolvido a ter sua alma de volta as coisas complicam ao saber que ela foi roubada e enviada para Rússia. Além de Giamatti chama atenção a presença da "mula" Nina (a boa Dina Korzum, indicada em Sundance ao prêmio de atriz coadjuvante), responsável pelo transporte das almas para outros países. Entre piadas (uma atriz que quer a alma de Al Pacino, Robert Redford ou Sean Penn...) e momentos de pura reflexão (que sentido damos à nossa alma?) o filme demonstra inteligência e perspicácia em produzir uma narrativa fluente para um roteiro que poderia ser incompreensível. Sim, as referências à Charlie Kauffman estão ali, assim como as voltadas para o cinema de Sofia Coppola, Woody Allen ou à literatura russa. Longe de ser uma colagem, o filme ainda atraiu atores do porte de David Strathairn (indicado ao Oscar por Boa Noite, Boa Sorte - num papel bem diferente do que costuma fazer) e Emily Watson (depois de duas indicações ao Oscar aparece, mais uma vez, como coadjuvante de luxo). Curioso é que toda essa viagem criativa é inspirada num relato de sonho de Woody Allen, onde ele havia visto que sua alma era do tamanho de um grão de bico. Sophie Bartes escreveu o roteiro pensando em oferecer a Allen, mas imaginava que ele não aceitaria atuar em seu filme de estréia. Bartes antes havia dirigido um curta onde o protagonista queria comprar a felicidade. Essa menina deve frequentar uns shoppings bem estranhos - mas as salas de cinema devem passar filmes muito bons.
Almas à venda (Cold Souls/EUA-Rússia-2009) de Sophie Bartes, com Paul Giamatti, David Straithairn, Emily Watson, Dina Korzun e Lauren Ambrose. ☻☻☻☻☻
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