terça-feira, 29 de abril de 2014

4EVER: Bob Hoskins

(26 de outubro de 1942 / 29 de abril de 2014)

Nascido na Inglaterra, Robert Williams Hoskins Jr. estreou no cinema em 1972 ficando associado rapidamente aos papéis de homens brutos, gangsteres e psicóticos, chegando a ser indicado ao Oscar pelo personagem do clássico Mona Lisa (1986) de Neil Jordan. Não satisfeito com o estereótipo, Bob começou a interpretar personagens mais leves e cômicos como o detetive Eddie Valiant em Uma Cilada Para Roger Habbit (1988) e Smee em Hook - A volta do Capitão Gancho (1991). Hoskins se aposentou em 2012 ao descobrir que possuía doença de Parkinson logo após de participar de filmes como Branca de Neve e o Caçador (2012) e Revolução em Dagenham (2010). Hoskins faleceu vítima de complicações de uma pneumonia aos 71 anos.  

segunda-feira, 28 de abril de 2014

DVD: Sem proteção

Redford e Jenkins: manchas do passado na militância. 

Faz tempo que Robert Redford tinha aquele rosto perfeito que provocava suspiros na plateia, no entanto, aos 77 anos ele continua trabalhando com fôlego. Ele sabe que seu nome já está escrito na história do cinema e pode relaxar em frentes variadas. Se ele ainda tem prestígio suficiente para carregar um filme nas costas com Até o Fim (2013) ele também pode chamar atenção numa participação especial em Capitão América 2 ou por dirigir filmes como esse Sem Proteção. Em seus últimos filmes como cineasta, Redford mostra-se mais politizado, motivando discussões em torno do "discurso dominante" sobre histórias de prismas variados. Foi assim com o fiasco Leões e Cordeiros (2007) sobre as implicações da guerra no Afeganistão no congresso americano, com o elogiado Conspiração Americana (2010) sobre os meandros da morte de Abraham Lincoln e Sem Proteção prefere abordar um grupo de militantes que na década de 1970 tornou-se procurado pelo FBI por um assalto a banco que causou a morte de um homem. Os membros do grupo militante conhecido como Weather Underground desapareceram do mapa sendo incorporados à sociedade com identidades variadas. Quando Sharon Solarz (Susan Sarandon), uma pacata dona de casa, é presa, uma série de ligações a relaciona com o advogado Jim Grant (Robert Redford). As ligações entre os dois personagens mostram-se mais profundas conforme um jovem jornalista (Shia Labeouf) começa a investigar de onde os dois se conhecem, não demora muito para que descubram que Jim na verdade era o ativista Nick Sloan, que viveu no anonimato por 30 anos, casando-se e criando uma filha, que agora completa doze anos. Ciente da encrenca iminente, Nick corre em busca de seus ex-companheiros para encontrar provas que possam reconciliá-lo com o passado. Redford faz um filme bastante convencional, que torna cansativa a jornada em busca dos amigos do protagonista. É verdade que o time de veteranos é do mais respeitável, além de Redford e Sarandon o time de ativistas aposentados ainda conta com Richard Jenkins, Nick Nolte e Julie Christie - e  os personagens ainda encontram Stanley Tucci, Brendan Gleeson e Chris Cooper pelo caminho - mas não há talento que dê conta de uma narrativa de encontros e surpresas a cada dez minutos. A partir de certo momento o filme parece se estender demais nesse formato e resta ao público saborear as discussões entre os personagens. Redford tem a sabedoria de não tomar partido no tema espinhoso que está abordando, mas consegue abordar a militância sob diversos focos para não tornar seus personagens em simples heróis ou vilões. Sabendo que a ideologia que os movia tornou-se mais complexa com o passar do tempo, o roteiro ainda explora o papel da imprensa na forma como lida com suas fontes e informações e, principalmente, o efeito do passado no presente dos personagens. Sharon Solarz diz que os filhos mudaram sua forma de ver o mundo, Nick tem em sua relação com a filha um ajuste de contas com o passado... talvez Redford encontre na trama do livro de Neil Gordon uma forma de expressar sua preocupação em deixar um legado, uma marca no mundo.  Nesse ponto o filme funciona, o problema é a parte da investigação (no qual gasta mais tempo) já que o jornalista vivido por Shia Labeouf consegue estabelecer a lógica dos passos de Nick com uma facilidade impressionante - enquanto o FBI levou 30 anos para fazer o mesmo. 

Sem Proteção (The Company You Keep/EUA-2012) de Robert Redford com Robert Redford, Shia Labeouf, Julie Christie, Susan Sarandon, Nick Nolte, Stanley Tucci, Terence Howard, Richard Jenkins, Chris Cooper e Anna Kendrick. ☻☻☻

DVD: A Face Oculta

Cillian e Susan: "Psicose" light. 

O diretor estreante Michael Lander merecia melhor sorte com seu longa de estreia, A Face Oculta foi rejeitado pelos distribuidores e foi lançado somente em DVD em vários países (incluindo os EUA). Se chegasse aos cinemas, possivelmente, o filme teria rendido a Cillian Murphy e Ellen Page indicações a prêmios por suas atuações em papéis complicados. Cillian interpreta o bancário John Skillpa, que vive na pequena cidade de Peacock no estado de Nebraska. Apesar de preferir passar-se por invisível, John é visivelmente tenso, cheio de tiques e Cillian consegue construir um personagem que aprendeu a sufocar suas intenções pagando um alto preço por isso. Mas o que um sujeito aparentemente tão comum poderia esconder? Isso descobre-se quando um trem desgovernado atravessa o seu quintal enquanto John pendura roupas no varal. Não haveria problema algum se John não gostasse de se vestir de mulher enquanto cuida da casa... nos minutos em que ficou inconsciente perante o acidente, John é visto por vários vizinhos que acreditam que o que viram era a esposa dele. Esse é o ponto de partida para um filme estranho e sombrio sobre um personagem que poderia sofrer de dupla personalidade (ou não?). Mais do que falar sobre a provável homossexualidade do personagem, o filme mergulha na mente de seu protagonista e seu dilema em ter que lidar com Emma, sua personalidade feminina. Diante das situações que o trem gera na casa de Skillpa, Emma começa a aparecer cada vez mais, mais até do que John - e isso o aborrece bastante. Se John é arredio e antissocial, Emma é seu total oposto. No início ela é bastante reservada, mas conforme percebe que consegue ser aceita por pessoas como a primeira dama da cidade (Susan Sarandon), ela torna-se mais forte do que John. Colabora ainda para que Emma domine a cena a aparição de Maggie (Ellen Page), uma jovem sofrida que teve um filho com John e que precisa de dinheiro para as despesas - e que o instinto maternal de Emma pretende ajudar. Lander faz um filme cria uma atmosfera bastante opressora e consegue jogar com bastante competência com sua maior referência, o clássico Psicose (1960) de Hitchcock. Além do protagonista estranho, a maior influência do filme está na presença fantasmagórica da mãe de John, uma mulher capaz de atrocidades e que, de fato, colaborou para a personalidade dissonante de seu filho. A Face Oculta pode irritar alguns com sua narrativa lenta e a presença de Cillian Murphy querendo convencer que todos acreditam que, quando vestido de Emma, ele é uma mulher, mas o filme consegue envolver em sua estranheza que culmina num final aberto que é quase uma prisão para o personagem. Vale lembrar que Murphy já se travestiu em Café da Manhã em Plutão (2005) e aqui ele apresenta uma atuação totalmente diferente. 

A Face Oculta (Peacock/EUA-2010) de Michael Lander com Cillian Murphy, Ellen Page, Susan Sarandon, Bill Pullman e Josh Lucas. ☻☻☻

domingo, 27 de abril de 2014

N@CAPA: Noé

Russel Crowe contempla o dilúvio do filme de Aronofsky. 

A Capa do mês de abril foi do novo filme de Darren Aronofsky,  Noé, que era um dos filmes mais esperados do ano e, desde sua produção, sabia-se que geraria polêmicas pela abordagem do personagem bíblico. Apesar da crítica mundial ter se dividido nas opiniões sobre o filme - e o público (ainda) se surpreender com o cinema de Aronofsky, o filme que custou 125 milhões (o orçamento mais inchado do diretor) já arrecadou quase isso somente nos cinemas americanos. Sem se contentar em fazer um filme religioso, o diretor criou um filme que fala muito sobre problemas do nosso tempo - a exploração dos recursos naturais, a religiosidade cega, o individualismo exacerbado - e traz belas cenas pesadelescas orquestradas pelo cineasta (afinal, essa é sua especialidade). O filme aborda as temática favorita do diretor (a sensação de viver no limite) e decola quando aborda o lado mais sombrio dos personagens. Vale lembrar que foi por conta do projeto que Darren abandonou a produção de Wolverine 2 (que faria em favor ao amigo Hugh Jackman) e que jamais o filme seria possível sem o sucesso de Cisne Negro (que arrecadou mais de 200 milhões pelo mundo, tendo custado somente 13 milhões). Ainda assim, o filme teve vários problemas para chegar ao corte final, mas entre corta daqui e retira dali o filme chegou aos cinemas envolto de grandes expectativas (e as polêmicas só ajudaram na publicidade). 

Na Estante: A Culpa é das Estrelas

A Culpa é Das Estrelas de John Green é um desses livros em que subitamente parece estar em toda parte. Lembro quando o livro foi lançado no Brasil em 2012 e uma resenha na mídia me chamou atenção por se tratar de um romance entre dois jovens com câncer. Era uma época estranha, onde uma série de produções procuravam ver com bom humor a cruel doença. Talvez por ser mais ou menos a mesma época dos filmes O Ruído do Gelo (2010) e 50% (2011), além da série The Big C (2010-2013), o livro não motivou que eu o lesse naquele exato momento - talvez eu mesmo devesse digerir meus preconceitos com relação à uma abordagem menos trágica ao assunto. Foi na minha visita à Bienal do Livro do ano passado que me rendi ao livro. Terminei de acompanhar a saga de Hazel Grace e Augustus Waters no mês passado e fiquei impressionado com a capacidade de John Green tratar de forma leve a história de personagens tão jovens lidando com a morte à espreita. Sem fazer dramalhão, Green tem a habilidade necessária para temperar o romance de seus personagens com bastante cultura pop. Eles sempre mencionam games, livros, estrelas de cinema (o livro sempre tenta criar uma semelhança de Hazel com Natalie Portman), bandas... enfim, seus personagens são jovens e se comportam como tal -  e por essa identificação o livro agradou tanto e está prestes a ganhar sua versão no cinema. O livro não é brilhante, mas cria truques interessantes que funcionam bem na cabeça do espectador, seja a sensação de que Hazel (que aos 16 anos tenta lidar com a metástase no pulmão gerada por um câncer de tireóide) e Augustus (vítima de Osteosarcoma) poderão falecer a qualquer capítulo ou a obsessão de Hazel com o destino de uma personagem de seu livro favorito (que a leva a conhecer o autor da obra) que revela muito de si mesma. O mais interessante é que Green não cria vítimas em seu livro, Hazel e Augustus tem suas qualidades e defeitos, são adolescentes que ainda constroem sua identidade e o olhar sobre o mundo, têm passagens de rebeldia, desobediência, estranhamentos... e ficarei feliz se o filme dirigido por Josh Boone (que antes realizou Ligados Pelo Amor/2012 com a estreia sempre adiada no Brasil) conseguir manter essas características que sempre afastam dos personagens a pecha de "coitadinhos" (coisa que Hazel e Augustus detestam). Simpático e melancólico, a versão cinematográfica do filme chegará aos cinemas brasileiros em 05 de junho de 2013 e trará um elenco inspirador formado por Shailene Woodley (Hazel), Ansel Elgort (Augustus), Laura Dern (na pele da atenciosa mãe de Hazel) e Willem Dafoe na pele de um autor cultuado por Hazel até que... bem, melhor ler o livro - nem que seja para comparar com o filme. 

A Culpa é das Estrelas (The Fault in our Stars) de John Green, tradução de Renata Pettengill. Editora Intrínseca, 2012.

Shailene e Ansel: Hazel & Augustus no cinema. 

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Na Tela: Capitão América 2 - O Soldado Invernal

Capitão e seu algoz: continuação coerente, mas sem o brilho do longa anterior. 

Quando o primeiro filme do Capitão América (2011) foi lançado eu ficava até irritado com todo o burburinho gerado pelo medo do antiamericanismo prejudicar as bilheterias do filme. A preocupação era tanta que o fato dele ser o "Primeiro Vingador" ficava mais evidente em alguns cartazes do que propriamente o nome do herói. Triste era ver que apesar de todo o cuidado na produção, o filme se tornou um dos menos rentáveis da fase pré-Vingadores elaborada pela Marvel (tanto que o encontro dos heróis na telona tinha até um flashback da origem do herói patriota). Se o primeiro filme trazia uma estética irresistivelmente retrô (e um roteiro bem costurado que brincava com a imagem realista do Capitão América com as fantasias que ele evoca), no mundo depois de Os Vingadores/2012, o herói deveria apresentar um novo conceito. O caminho mais óbvio era investir no choque de Steve Rogers ao viver num mundo completamente diferente ao que estava acostumado, já que no final de sua primeira aventura solo ele é descongelado várias décadas depois e escalado pela S.H.I.E.L.D. para lutar contra inimigos variados. O mais curioso é que os filmes do Capitão são os que mais possuem elementos para as aventuras do grupo de heróis, foi assim no primeiro filme com a descoberta do misterioso Triceracto que se torna o objeto das batalhas com Loki em Vingadores e, agora, o filme gira em torno da provável queda da S.H.I.E.L.D. perante a ameaça da organização nazista que o Capitão lutava contra em sua primeira aventura, a Hydra. Apesar do segundo filme ser bastante diferente do anterior, sua trama consegue ser bastante coerente com o que vimos anteriormente, já que Steve Rogers (mais uma vez vivido por Chris Evans) começa a perceber que as relações entre o bem e o mal nos dias atuais é bem mais confusa - e as coisas só pioram quando a vida de Nick Fury (Samuel L. Jackson) é colocada em risco. Rogers acaba sendo acusado de algo que não cometeu e conta apenas com a ajuda de Viúva Negra (Scarlett Johansson) e o novo amigo Sam Wilson (Anthony Mackie) a maior parte do tempo para descobrir o que a Hydra está tramando. Sabe-se apenas que a organização conta com a ajuda do misterioso Soldado Invernal (cujo a identidade eu suspeitava desde que lembrei do primeiro filme)  para fazer o serviço sujo. O mais interessante é quando nos damos conta de como os vilões estão armando seu novo plano - algo assustadoramente verossímil, contemporâneo e que somente alguém com um olhar crítico potencializado por ser de outra era seria capaz de perceber. É absurdamente funcional o paradoxo entre liberdade e segurança que o filme apresenta, no entanto, apesar das cenas de ação elaboradas, o filme demonstra ser menos coeso que o anterior. Eu não entendi muito bem como o filme foi cair nas mãos dos irmãos Russo (Anthony e Joe) que são mais conhecidos pela produção da sitcom Community (2009-2012). Eles parecem fazer o filme engasgar várias vezes no meio do caminho - e as dezenas de frases engraçadinhas que aparecem na narrativa  não ajudam (aquelas sobre uma pretendente para o Capitão chegam a enjoar). Mesmo não tendo um roteiro tão bem construído como o anterior, o filme consegue ser relevante dentro do universo construído pela Marvel (sem aquele ar de história improvisada para faturar milhões que podemos perceber em Homem de Ferro 3) e reforça a boa índole do Capitão como um herói em estado puro como se pedia antigamente - o mais incrível é como Chris Evans encarna seu herói com insuspeita perfeição. 

Capitão América 2 - O Soldado Invernal (Captain America 2: The Winter Soldier/EUA-2014) de Anthony Russo & Joe Russo com Chris Evans, Samuel L. Jackson, Robert Redford, Scarlett Johansson, Anthony Mackie e Hayley Atwell. ☻☻☻

Combo: Dogma 95

O Dogma 95 deve ser o último movimento cinematográfico mais badalado mundialmente. O D95 foi lançado em 13 de março de 1995 através de um manifesto assinado pelos dinamarqueses Lars Von Trier e Thomas Vinterberg. No manifesto, havia dez regras de verdadeiro "celibato cinematográfico" (que configuraram uma espécie de vanguarda técnica no final do século XX), as regras incluíam o não uso de cenários montados, captação direta do som (incluindo a trilha sonora), uso de câmera na mão, ausência de iluminação especial e até ausência do nome do diretor nos créditos. Essa tentativa de construir filmes mais realistas recebeu vários adeptos pelo mundo, inclusive no Brasil que lançou Funeral em Família/2009. Alguns dos preceitos podem ser vistos em vários filmes de diretores que posam de "estilosos" do cinema atual, mas se você quiser conhecer a origem de tudo isso precisa conhecer alguns filmes importantes do movimento:

05 Fuckland (2000) escrito e dirigido por José Luis Márques o filme foi totalmente realizado em câmera digital e seguindo vários preceitos do Dogma 95 para contar a história de Fabián Stratas, um mágico e comediante argentino que resolve criar um plano até ingênuo: engravidar mulheres de uma localidade de domínio dividido entre o Reino Unido e a Argentina (a Falkland Island, de onde saiu o trocadilho do título). O filme teve grande repercussão mundial (inclusive no Brasil) e criou mais burburinho por ser feito clandestinamente, sem autorização do governo de Flakland e sem contar à namorada de Stratas suas verdadeiras intenções de guerrilha!

04 Italiano para Principiantes (2000) Antes de partir para Hollywood e fazer filmes como o ótimo  Educação/2009 e o nem tanyo Um Dia/2011 Lone Scherfig ganhou fama com esse filme sobre um jovem pastor que chega numa cidade dinamarquesa e aceita a sugestão de frequentar um curso noturno para aprender a italiano. As aulas servirão para que ele ajude um grupo de pessoas com histórias de vida complicadas, mas que aos poucos irão aprender a superar seus problemas. Lone foi a primeira mulher a aderir ao movimento Dogma 95 e foi premiada no Festival de Berlim por introduzir doses generosas de otimismo o movimento. 

03 Mifune (1999) Soren Kragh-Jacobsen sabia que os filmes do movimentos não deveria se restringir a gêneros, mas diferente dos seus colegas que faziam filmes pesadões, ele pegou um ponto de partida bastante dramático para criar uma comédia romântica memorável: um homem que interrompe a lua-de-mel devido a morte do pai - que vivia numa fazenda decadente acompanhado de um filho problemático. Para dar conta do casamento e seus novos afazeres, ele contrata uma empregada linda e delicada (papel de Iben Hjejle que depois fez Alta Fidelidade/2000 com John Cusack) - o que ira gerar algumas situações tragicômicas durante a sessão. Quem está acostumado com o tom pesaroso dos dogmáticos pode estranhar a sessão... 

02 Os Idiotas (1997) Antes de jogar as regras do movimento para o espaço (e fazer um musical com Björk), Lars Von Trier criou a experiência mais radical do Dogma 95 ao contar essa história sobre um grupo de pessoas que busca o "idiota anterior" para perder suas inibições. Assim, eles começam a se comportar como se fossem... idiotas! - uma forma de desafiar as convenções sociais e o tratamento pouco criativo e pouco desafiador dado à inteligência. São quase duas horas de provocações do diretor, incluindo cenas de nudez e sexo explícito. Para quem acha que o que ele faz em Ninfomaníaca/2013 é novidade em sua carreira...

01 Festa de Família (1998) Thomas Vinterberg caiu nas graças da crítica mundial com o filme mais cultuado do D95. O uso da câmera trêmula diante de um episódio familiar chocante foi fundamental para o sucesso do filme. Afinal, a câmera nos faz sentir um convidado diante do turbilhão de emoções vivido pela família que precisa lidar com uma terrível revelação: de que o patriarca da família (Henning Moritzen) abusou sexualmente de seus filhos por muito tempo (um deles até se suicidou). Filmado e escrito de forma crua, Festa de Família chegou como uma bomba nos cinemas e foi indicado a vários prêmios (incluindo o Globo de Ouro de filme estrangeiro). Pena que só recentemente, Vinterberg acertou a mão novamente com A Caça/2012. 

segunda-feira, 21 de abril de 2014

DVD: A Caça

Mads: preso num labirinto de acusações. 

A Caça é o tipo de drama que mais parece um filme de terror. O dinamarquês Thomas Vinterberg conta a história de Lucas (Mads Mikkelsen, excelente e premiado em Cannes), um professor de creche que tenta reconstruir sua vida depois de um divórcio. Além dos desentendimentos com a esposa e a briga pela guarda do filho, Lucas passa o tempo na companhia de sua adorável cadelinha Fanny e dos amigos com quem caça de vez em quando. Apesar dos dramas familiares, a vida de Lucas pode ser considerada tão tranquila quanto a cidade em que vive. O melhor amigo de Lucas é Theo (Thomas Bo Larsen) que de vez em quando se desentende com a esposa e deixa a filha de oito anos, Klara (Annika Wedderkopp) meio de escanteio. Nos momentos de crise familiar, é o sereno Lucas que serve de porto seguro para a menina. É nesse desenvolvimento inicial que podemos ver  quanto Klara admira o amigo de seu pai. Percebendo isso, Lucas conversa com Klara e ela sente raiva suficiente para comentar com a diretora que "odeia Lucas" porque "ele é bobo, feio e tem pipi". Misturando referências que ouviu seu irmão adolescente conversando com amigos, ela complementa seus comentários de forma que a diretora acredita que Lucas molestou a menina na escola. Daí em diante, Lucas mergulha num inferno astral onde de bom sujeito ele se transforma num pedófilo perante a comunidade - sem nunca ficar muito claro do que está sendo acusado. O filme constrói lentamente o drama do personagem, que começa a ser rejeitado por toda a comunidade, perde o emprego, as chances de ficar com o filho e se torna alvo de ações violentas de quem antes considerava ser seus amigos. Cria-se entre os personagens uma estrutura sufocante, onde a verdade nunca consegue aparecer numa histeria coletiva onde o que importa é execrar Lucas e quem está perto dele. Econômico em sua narrativa, mas pleno no domínio de cada cena, Thomas constrói um drama pesado num ritmo de pesadelo onde a condução de um comentário é capaz de acabar com a vida de alguém. Vendo o filme lembrei de O Processo de Kafka e de As Bruxas de Salém de Arthur Miller, mas A Caça ganha vida própria ao lidar com uma paranoia atual de forma bastante contundente. O filme serve como modelo exato de como não lidar com um caso desses, a diretora nunca faz as perguntas certas à menina, deixa sempre lacunas para que seus próprios medos possam preencher, da mesma forma, nunca é clara com a comunidade, deixa o imaginário de todos aumentar ainda mais o comentário da menina, expõe vítimas, o suspeito e seus familiares, vizinhos, crianças, escola... transformando toda a cidade num campo onde quem é considerado "pessoa de bem" precisa estar disposto a cometer alguma selvageria. A tensão é crescente e a reflexão sobre como a "civilidade" se transforma facilmente em "selvageria" quando borramos os conceitos de vingança e justiça é certeira em seus objetivos. Há de se exaltar as atuações de todo o elenco, sobretudo da menina Annika e de Mads que está excepcional na pele de Lucas (há nele algo de Jó, que fica ainda mais evidente na catártica cena da igreja).  Vinterberg cria aqui o seu melhor filme, curiosamente, abordando uma tema parecido com do longa que o revelou para o mundo (o controverso Festa de Família/1998). Além da boa condução da jornada de Lucas, o filme mostra-se brilhante quando, ao final, tudo parece se acertar de forma incômoda ao espectador - até que uma surpresa (que remete diretamente ao título) mostra que, por mais que a verdade tenha aparecido, a mancha permanecerá para sempre na vida de seus personagens.   

A Caça (Jagten/Dinamarca-2012) de Thomas Vinterberg com Mads Mikelsen, Annika Wedderkopp, e Thomas Bo Larsen. ☻☻☻☻

§8^) Fac Simile: Jennifer Garner

Jennifer Anne Garner Affleck
Fac Simile é o repórter imaginário do blog que de vez em quando conseguirá entrevistas falsas com algum astro do cinema. A vítima eleita de sua estreia foi a atriz Jennifer Garner, a esposa de Ben Affleck. Ele a encontrou numa premier de seu novo filme "Draft Day" e teve o direito de fazer cinco perguntas para Jen. Fac não perdeu tempo:

§8^) Você participou de dois filmes independentes que foram indicados ao Oscar de Melhor Filme (Juno/2007 e Clube de Compras Dallas/2013) e que houve até especulações de ser indicada como coadjuvante, mas você nunca foi. Como se sente diante disso? 

Jen: O quê? É essa mesmo a pergunta? Bem... eu me sinto... esquecida! Mas depois que o filme de Ben (Argo/2012) foi indicado em sete categorias, ganhou quatro, incluindo melhor filme, e ele não foi lembrado na categoria de diretor eu aprendi que coisas piores acontecem o tempo todo. 

§8^) Acha que isso ainda é reflexo pelo seu fracasso em Elektra/2005 ?  

Jen: ... [risos] Acho que não, afinal era um filme tão ruim, será que alguém ainda lembra dele?

§8^) Bem... sou eu que faço as perguntas por aqui...

Jen: Ok. Ok. Acredito que não!

§8^) Afinal, você foi apresentada como a nova Julia Roberts e Julia foi indicada ao Oscar pela primeira vez com 22 anos por Flores de Aço (1989) e ganhou o Oscar aos 33 por Erin Brockovich (2000), você está com quantos anos mesmo? 

Jen: Acabo de completar 42... mas sempre achei uma estupidez essa comparação. Nem considero que somos parecidas... e tenho três filhos para criar, tenho mais com o que me preocupar. 

§8^) Eu imagino... Quais são os seus novos projetos no cinema?

Jen: Estou no novo filme do Jason Reitman, "Men, Women & Children" ao lado de Emma Thompson, acho que será um filme interessante sobre as relações humanas e a influência da internet na identidade das pessoas. Estou também em "Imagine" de Dan Fogelman onde um músico tenta se reconectar com a família, fiquei muito feliz de trabalhar no filme ao lado de Al Pacino, Michael Caine, Annette Bening, Christopher Plummer... eles são meus ídolos desde que eu era pequena. Além disso estou em "Alexander and the Terrible, Horrible, no Good Very Bad Day" de Miguel Arteta em que atuo com Steve Carrell. Mas vocês devem assistir primeiro A Grande Escolha (Draft Day) em que atuo com Kevin Costner. O filme acabou de estrear nos cinemas dos EUA. 

§8^)  Quanto trabalho! Qual a pergunta mais idiota que você já teve que responder? 

Jen: Além das suas? Deixe-me ver... uma vez me perguntaram "Nunca achou estranho seu esposo ter um namoro tão comentado com Jennifer Lopez e ele, de repente... casa com outra Jennifer?"

§8^) E você respondeu?

Jen: Querido, o acordo era para cinco perguntas...

sexta-feira, 18 de abril de 2014

DVD: Butter - Deslizando na Trapaça

Garner: espécie de Desperate Housewive psicótica.  

Não é fácil ser Jennifer Garner. Depois de protagonizar um dos melhores seriados de ação da década passada (a celebrada Alias que durou de 2001 até 2006 sob a batuta de J.J. Abrams), receber prêmios e ser apontada como a nova Julia Roberts (sempre tenho a impressão que Hollywood procura isso, não sei exatamente o motivo, mas Sandra Bullock e Julia Ormond também ouviram a mesma coisa) ela foi deixada meio de lado depois de protagonizar filmes que não decolaram (sobretudo a personagem dos quadrinhos Elektra/2005, mais conhecida como namorada do Demolidor/2003 de Ben Affleck). Se a carreira tem seus tropeços, Jennifer parece feliz no casamento com Ben Affleck (que já dura nove anos, uma eternidade para os astros do cinema) e seus três filhos (duas meninas e um menino) para cuidar. Entre uma licença maternidade e outra, Jennifer encontra refúgio em filmes independentes que costumam funcionar (basta lembrar de Juno/ 2007 ou o recente Clube de Compras Dallas/2013 ambos indicados ao Oscar de Melhor Filme). Em 2011 ela chegou a produzir esta comédia de costumes que tinha a ambição de lhe garantir, pelo menos, um lugar no páreo do Globo de Ouro, mas o filme teve problemas com a distribuição durante a temporada de ouro nos EUA e acabou sendo exibido somente em festivais, - sendo exibido em poucas salas, obtendo uma carreira inexpressiva no cinema. Dito isso, o filme pode até assustar, mas Butter está longe de ser um desastre, mas talvez a ideia de chamar um filme de "manteiga" e contar uma história ambientada em concursos de esculpir o laticínio não tenha rendido uma boa campanha de divulgação. O diretor Jim Field Smith acerta no tom de deboche com que apresenta seus personagens e mostra que não  se pode levar a sério quem vê um concurso desses como sua única forma de subir na vida - esse é o problema de Laura (Jennifer Garner). Debaixo de sua casca de esposa perfeita, percebemos que existe algo meio fora do eixo em sua vida quando dela decide assumir a carreira do esposo, Bob (Ty Burrell), que ficou famoso por criar esculturas inovadoras em manteiga. Com Bob aposentado, ela acredita ter técnica suficiente para derrotar seus oponentes, até que uma criança (a carismática Yara Shahidi) torna-se sua maior oponente. Se Laura não consegue convencer nem a enteada (que a detesta), imagina como ela enfrenta uma menina fofa, talentosa e com histórico de vida cheio de dramas (foi abandonada pela mãe, viveu em orfanato é adotada... o que rende um hilariante discurso sobre os ganhadores do American Idol). Enquanto a menina encontra os pais adotivos que pediu a Deus - vividos por Rob Corddry e... Alicia Silverstone (!!!) em um bom momento -, o roteiro demonstra que nem tudo é perfeição na vida de Laura e Bob (ela está prestes a cair na lábia de um ex-namorado vivido por Hugh Jackman e Bob é amante de uma stripper vivida por Olivia Wilde). Quando a competição deixa Laura a beira do surto resta a ela apelar para o que o título anuncia. É verdade que o diretor não poupa os personagens de um tom caricatural, mas a coisa funciona de forma bastante eficiente. Apesar do filme não ter alcançado o sucesso que esperava, Jennifer Garner consegue construir uma personagem bastante interessante, uma espécie de irmã mais nova da personagem de Annette Bening em Beleza Americana/1999 (o filme em geral parece um irmão menor do celebrado longa de Sam Mendes), já que Laura não tem noção do quanto está deslocada no universo que escolheu para si e, por isso mesmo, faz Butter ser mais interessante do que ambiciona. O filme também vale a pena para ver Hugh Jackman num papel mais cômico do que estamos acostumados a vê-lo. 

Butter - Deslizando na Trapaça (Butter/EUA-2011) de Jim Field Smith com Jennifer Garner, Yara Shahidi, Ty Burrell, Olivia Wilde, Hugh Jackman, Alicia Silverstone e Rob Corddry. ☻☻☻

CATÁLOGO: As Patricinhas de Beverly Hills X Emma


Rudd e Alicia: No tempo das Patricinhas de Beverly Hills. 

Ainda lembro que quando Amy Heckerling lançou As Patricinhas de Beverly Hills ela dizia que era uma versão contemporânea de Emma de Jane Austen. Eu achava que se tratava de um golpe publicitário dos mais espertos da diretora que ficou famosa com a série Olha Quem Está Falando (1989). Minha desconfiança continuou até quando Douglas McGrath resolveu fazer a adaptação literal do livro de Austen, mas recentemente quando revi Emma (ao lado dos suspiros costumeiros de minha irmã), EUREKA!!! Heckerling realmente fez uma versão do livro de Austen - e devo admitir que foi bastante fiel em sua transposição de uma jovem inglesa rica do início do século XIX para o berço de ouro americano de Beverly Hills nas portas do século XXI. Emma Woodhouse (vivida por uma jovem Gwyneth Paltrow em um de seus melhores momentos) é bonita, inteligente, rica e... mimada. Ela se considera tão esperta que julga-se capaz de manipular as pessoas e situações ao seu redor para conseguir o que acredita ser melhor para os outros.  Emma considera que é boa em escolher maridos para as amigas desde que conseguiu unir sua governanta Miss Taylor (Greta Scacchi) com Sr. Weston (James Cosmo). Ainda que as intenções de Emma sejam boas, ela não tem a capacidade de perceber como ao utilizar as convenções de sua época ela pode ser bastante arrogante e preconceituosa. A graça da obra de Austen é apresentar Emma como uma heroína, quando na verdade ela poderia ser considerada uma personagem até detestável, afinal, ela pode estragar a felicidade de pessoas como sua amiga Harriet Smith (vivida por Toni Collette) apenas por não considerar que o  Robert Martin (Edward Woodall) não é um bom partido para ela. Da mesma forma, Emma julga-se tão astuta em suas crenças que é incapaz de perceber que o amor está tão perto dela mesma - afinal, ela mantém um relacionamento bastante próximo com Sr. Knightley (Jeremy Northan), irmão do esposo de sua irmã. É Knightley que de vez em quando tenta trazer um pouco de criticidade para a postura de Emma. Apesar de pouco conhecido, o diretor Douglas McGrath tem uma indicação ao Oscar por escrever ao lado de Woody Allen o roteiro de Tiros Sobre a Broadway (1994) - e com exceção de Não sei como Ela Consegue (2011) com Sarah Jessica Parker seus filmes são bem legais - e faz de Emma um filme bastante agradável de se assistir diante da ambiguidade de sua personagem (que é vivida com leveza por Gwyneth, antes do peso do Oscar na estante).  

Gwyneth e Jeremy: o mundo tradicional de Jane Austen.

Enquanto Emma segue os moldes de um filme de época tradicional feito para agradar o público feminino, As Patricinhas de Beverly Hills foi moldado à imagem e perfeição para fazer sucesso entre os jovens do mundo todo (e fez, tanto que além do sucesso virou série para a TV). Para começar a protagonista era Alicia Silverstone, que chegava ao auge depois de alguns filmes menores e a participação em clipes da banda Aerosmith. Alicia vive a jovem rica Cher, assim como Emma ela também não tem mãe, vive com o pai, gosta de criar relacionamentos entre as pessoas que estão ao seu redor e tem à sua volta alguém que quer que ela perceba o que as convenções que ela abraça com tanto gosto tem algo de fútil e prejudicial para a formação de seu caráter. Aqui ele não é irmão do seu cunhado, mas o enteado de seu pai, Josh (Paul Rudd, antes de ficar cômico e acreditando que podia ser galã), que por estar na faculdade lê Nietzsche e percebe que Cher ainda tem salvação. Tal e qual Gwyneth, Alicia consegue construir uma personagem bastante gostável, com a vantagem que Cher tem seus preconceitos atrelados às tribos da escola, o que suaviza a antipatia que a plateia poderia sentir por ela. É curioso ainda que o rumo dos acontecimentos seja o mesmo - o casamento arranjado por Cher é de um casal de professores, sua amiga Tai (a saudosa Brittany Murphy no momento de descoberta) é sempre alvo de namoros arranjados por Cher, inclusive um com Elton como no livro de Jane Austen (vivido por Jeremy Sisto em Patricinhas e Alan Cumming em Emma). Se Douglas McGrath consegue recriar a época de seu filme com bela fotografia, belas paisagens e figurinos apropriados, Amy Heckerling faz o mesmo. Tudo em Patricinhas é colorido, shoppings são templos sagrados, celulares são indispensáveis e as roupas parecem estar sempre em destaque entre Cher e suas amigas. Além disso, a trilha sonora (com Radiohead, Luscious Jackson e outras bandas badaladas dos anos 1990) ajudavam a criar o clima de uma Beverly Hills idílica, onde tudo é confortável apesar dos momentos de crise de sua protagonista (ela não consegue ser levada a sério, não consegue dirigir e quase surta quando descobre-se apaixonada por Josh). Entre as semelhanças entre os filmes, vale ressaltar o humor que ambos possuem perante a realidade de suas personagens e o fato de que podem ser considerados momentos memoráveis na trajetória de suas atrizes. Gwyneth e Alicia podem não viver seus melhores momentos atualmente, mas ambas brilharam como grandes promessas de Hollywood em meados da década de 1990. 

Emma (Reino Unido-EUA/1996) de Douglas McGrath com Gwyneth Paltrow, Jeremy Northan, Greta Scacchi, Toni Collette, Sophie Thompson, Ewan McGregor, Polly Walker e Alan Cumming. ☻☻☻

As Patricinhas de Beverly Hills (EUA-1995) de Amy Heckerling com Alicia Silverstone, Stacey Dash, Paul Rudd, Britany Murphy, Donald Faison e Jeremy Sisto. ☻☻☻

DVD: O Labirinto de Kubrick

Jack e o labirinto: colagem de referências ou de subjetividades?

Não sei o efeito que os filmes de Stanley Kubrick têm sobre você, mas tenho consciência de que eu sou hipnotizado por eles. Posso até não gostar quando os assisto pela primeira vez, mas  sinto vontade de vivenciar as experiências que proporcionam mais de uma vez - e quando os assisto novamente consigo apenas enxergar qualidades. Talvez seja por esse motivo que Kubrick seja considerado um mestre, um dos poucos cineastas capaz de enfileirar uma obra-prima depois da outra e, por isso mesmo, um documentário sobre a sua obra era quase inevitável. Room 237 causou alguma polêmica quando foi exibido em Sundance, talvez pela forma bastante subjetiva como recebe o formato documental quando, na realidade, seja uma coleção de interpretações sobre um dos filmes de maior sucesso de Kubrick: O Iluminado. Lançado em 1980, o filme é considerado um dos melhores filmes de terror de todos os tempos, o que torna mais curioso perceber que embaixo da trama esconde-se uma série de referências que tornam o filme mais rico. São essas referências que renderam o título nacional de O Labirinto de Kubrick. O cineasta mescla simbologias de forma quase inconsciente na mente do espectador. Dentro dos vários olhares que o filme apresenta, a única que eu havia percebido é a forma como o diretor apresenta o hotel como um verdadeiro labirinto de percepções (é como se os cômodos tivessem vida própria, movendo-se de um lado para o outro, confundindo o espectador entre cortes e sobreposições precisas. O Hotel nunca parece o mesmo quando se anda dentro dele - é quase como se os personagens e o espectador se perdessem em seu sistema digestório). Há indícios de que Kubrick queria provocar o espectador a perceber o quanto é fácil ser enganado pelas imagens e isso o torna bastante instigante. No entanto, esse é apenas um dos itens utilizados pelo diretor para enriquecer essa adaptação da obra de Stephen King (que, como dizem no filme, odiou a adaptação devido as alterações que o diretor realizou em sua história original). A trama mostra um escritor Jack (Jack Nicholson) que se isola num hotel junto com a família e enlouquece aos poucos sob a influência das assombrações que habitam aquele lugar - dizer mais do que isso pode estragar a sessão. De acordo com os entrevistados, a trama aparentemente simples, servia como uma luva para as ousadias narrativas que o diretor queria utilizar depois de sua insatisfação com o resultado alcançado em Barry Lyndon (1976). Se Lyndon pode ser considerado um filme "tedioso feito por um homem entediado",  Kubrick queria se recuperar em sua obra seguinte, realizando um filme que explorasse o poder da imagem sobre o espectador, misturar referências que iam desde o genocídio dos índios americanos, o holocausto, desejos sexuais, mitologias e a forma como a humanidade destrói sua família sobre a terra. Debaixo de todas essas camadas que rondam a cabeça do protagonista (e do diretor), ainda há os que acreditam que O Iluminado esconde a confissão de Kubrick sobre seu envolvimento na farsa das imagens divulgadas da viagem da Apollo 11 à Lua (essa confissão estaria presente em diálogos, na camisa usada pelo filho de Jack, no número do quarto presente no título - que corresponde à distância entre a Terra e a Lua). O diretor Rodney Ascher faz em seu primeiro longa-metragem (antes havia realizado somente curtas e tinha experiência em efeitos visuais) uma colagem curiosa das obras de Kubrick (além de O Iluminado, ainda utiliza várias cenas de 2001 - Uma Odisseia no Espaço/1968, Lolita/1962, De Olhos bem Fechados/1999...) com filmes antigos e outros nem tanto (como a versão de O Iluminado feita para TV em 1997 em forma de minissérie) para ilustrar o que seus entrevistados tem a dizer. Chama a atenção o fato de nenhum deles ser famoso e que em momento algum o rosto deles é revelado, trata-se de um grupo de pessoas diversas que admiram o diretor e sua obra - e que constuíram ao longo do tempo interpretações interessantes para um filme. É interessante conhecer essa colagem subjetiva de impressões, mas dificilmente suas afirmações irão ser lembradas quando o espectador estiver mergulhado na narrativa de O Iluminado mais uma vez. Prometo que assistirei a O Iluminado novamente e escreverei sobre ele ao efeito do que ouvi sobre esses 102 minutos. 

O Labirinto de Kubrick (Room 237/EUA-2012) de Rodney Ascher com entrevistas de Bill Blakemore, Geoffrey Cocks, Juli Kearns e Jay Weidner. ☻☻☻

quinta-feira, 17 de abril de 2014

ETERNO: Gabriel García Marquez

6 de março de 1927 - 17 de abril de 2014

Dois livros mudaram completamente a forma como me relaciono com a literatura, um deles foi  o inigualável Cem Anos de Solidão (publicado pela primeira vez em 1967) de Gabriel García Marquez - considerado um dos maiores escritores do mundo, com mais de 40 milhões de livros vendidos e vendido em 36 idiomas. Em 1982 recebeu o Nobel de Literatura pelo conjunto de sua obra que inclui várias preciosidades, entre elas algumas ganharam versões para o cinema como Erendira (1983) dirigido por Ruy Guerra (e estrelado por Claudia Ohana), O Amor nos Tempos do Cólera (2007) de Mike Newell (estrelado por Javier Barden e Fernanda Montenegro), De Amor e Outros Demônios (2009) de Hilda Hidalgo, o elogiado Ninguém Escreve ao Coronel (1999) de Arturo Ripstein (e estrelado por Marisa Paredes), entre outros. Além do fascínio que sua obra gerava em cineastas de diversas nacionalidades, Rodrigo Garcia, filho do escritor, tornou-se um reconhecido diretor de cinema e televisão nos EUA. Gabriel nasceu em Aracataca na Colômbia e tornou-se reconhecido por inaugurar o chamado "realismo mágico" na literatura latino-americana. O escritor faleceu aos 87 anos na Cidade do México pelas consequências de uma pneumonia enquanto lutava contra a reincidência de um câncer. 

DVD: A Porta

Mads: nem sempre o passado é mais seguro. 

Existem filmes que dariam um ótimo episódio seriado Além da Imaginação, o dinamarquês A Porta é um desses. O filme funciona bem no seu misto de drama e suspense, conseguindo manter o interesse mesmo quando sua trama fica mais estapafúrdia. Tenho que ressaltar que ter no alto dos créditos um ator do porte de Mads Mikkelsen ajuda bastante a desbravar o filme. Ele encarna David, um artista plástico que coleciona amantes, apesar de ser casado e ter uma filha. David é um sujeito tão descarado que tem um caso até com a vizinha sem que a esposa desconfie. É por conta de um desses encontros secretos que ele deixa a filha sozinha em casa... e ela morre num acidente. Cinco anos se passam e vemos que David ainda não se recuperou da perda e da culpa que sente. Além disso, sua carreira foi pelo ralo, a esposa o deixou e resta a ele vagar por aí até que sua vida termine. Eis que numa dessas noites de depressão, David encontra uma caverna que revela-se uma espécie de fenda no tempo. Passando por ela, David retorna ao dia fatídico que mudou sua vida e consegue mudar o rumo das coisas ao salvar a filha do terrível acidente. O problema é que nem tudo são flores, já que, David encontra consigo mesmo no dia em que retorna ao passado e após uma briga acaba sendo o único David a existir (?!). Ficou confuso? A coisa piora depois. A filha dele observa que algo estranho aconteceu e resta a ele convencer a esposa (Jessica Schwarz) que tudo continua como antes. Baseado no livro de Akif Pirinçci, o roteiro de Jan Berger consegue ser bastante engenhoso ao não deixar claro ao espectador se tudo o que acontece é um delírio de David ou se realmente está acontecendo. Essa ambiguidade faz o que o filme tem de mais surreal funcionar amparado pelo desejo do espectador de mudar algo em seu passado, voltar a um ponto onde poderia mudar o rumo dos fatos e deixar tudo mais feliz, ou pelo menos, aparentemente. Na jornada de David pelo passado, ele ainda tem algumas coisas a acertar, já que seus casos extraconjugais ainda se mostram pedras no caminho de seu relacionamento com a esposa - que já precisava ser resgatado. Mads (que deve ter um dos rostos mais exóticos do cinema) consegue demarcar as emoções do personagem com precisão a cada transição do personagem, sempre deixando claro que ele esconde um doloroso segredo perante os que o cerca. O filme fica mais complicado quando a vida no passado é menos confortável do que parece, não apenas por conta das ações do protagonista, mas porque outras pessoas voltaram ao passado e precisaram se livrar de sua versão de cinco anos atrás - o que coloca em riscoa vida de todos, inclusive de sua esposa. Enquanto utiliza os dramas dos personagens para construir o suspense o filme funciona bem, quando começa a parecer um filme de terror com assassinatos e conspirações o filme perde um pouco do fôlego, se parecendo com vários outros do gênero, ainda assim, o filme comprova que a Dinamarca anda com uma cinematografia bastante interessante.

A Porta (Die Tür/Dinamarca-2009) de Anno Saul com Mads Mikkelsen, Jessica Schwarz, Tim Seyfi e Valeria Einsenbart. ☻☻☻

segunda-feira, 14 de abril de 2014

DVD: Uma Ladra sem Limites

Bateman e Melissa: frutos de uma dura transição. 

Ainda que hoje pareça que não existe tanto preconceito do artista que transita do cinema para a televisão, o inverso ainda não é tão evidente. A TV está aberta para astros do porte de Woody Harrelson, Kevin Bacon, Matthew McConaughey e Al Pacino, mas o cinema ainda resiste em abrigar os talentos da telinha. É verdade que existem artistas que dão sorte e conseguem uma transição tranquila de uma mídia para outra, já outros nem tanto. A comédia Uma Ladra Sem Limites  traz dois exemplos do árduo processo de ganhar a vida na tela grande: Jason Bateman e Melissa McCarthy. Bateman ficou famoso com a elogiada série Arrested Development, que em 2013 foi ressuscitada. Jason está sempre fazendo filmes, mas  seus papéis são sempre muito parecidos, ou seja, conseguiu fincar um tipo entre os produtores de Hollywood e quando conseguir subvertê-lo irá surpreender e ganhar prêmios. O difícil é conseguir sair da camisa de força que é o estereótipo no cinema... já McCarthy deu mais sorte, depois de utilizar seu tipo rechonchudo para construir personagens adoráveis na televisão (como em Gilmore Girls ou em Mike & Molly), no cinema ela prefere investir em personagens diferentes do que a TV gosta de apresentá-la. Foi assim que ela conseguiu vaga nas premiações como a madrinha abrutalhada de Missão Madrinha de Casamento (2011) e tem ganho o pão em produções como essa. Melissa tem se mostrado ótima em construir tipos diferentes para si e aqui ela se torna a maior graça de um filme que estica sua única piada ao limite. Sandy Patterson (Bateman) é o cara certinho que descobre que seu nome está manchado por conta da ação de um ladrão que clonou sua identidade - e o fato de ter um nome unissex facilita ainda mais a empreitada. Diante da burocracia da ação da polícia ele só poderá tomar alguma providência depois que cassar o estelionatário por sua própria conta e risco. É assim que ele encontra uma vigarista (McCarthy) que acostumou-se a ganhar a vida contraindo dívidas através de identidades falsas. Apesar a habilidade habitual de Jason, é Melissa que garante as risadas em cenas absurdas e até sórdidas (a noite no motel com um convidado especial da série Modern Familly é bastante estranha). Ainda que o roteiro saiba explorar a situação com tudo que ela pode proporcionar de absurdo no início, aos poucos o filme humaniza sua vilã e a mostra quase como uma vítima do sistema. Fosse feito nos anos 1980, Uma Ladra Sem Limites poderia ser uma diversão ainda mais radical com a disposição que sua atriz tem para arrancar gargalhadas da plateia. Conforme caminha para seu final previsível após a constante perseguição que vitima seus protagonistas (o casal é perseguido por assassinos profissionais), o filme perde um pouco do ritmo. No entanto, Melissa deixa claro que tem  um lugar garantido para ela em comédias despretensiosas na telinha ou na telona. 

Uma Ladra Sem Limites (Identity Thief/EUA-2013) de Seth Gordon com Melissa McCarthy, Jason Bateman e Robert Patrick. ☻☻

MTV MOVIE AWARDS 2014

Josh, Liz e J.Law: redimindo o Movie Awards.

Parece que o MTV Movie Awards voltou aos eixos. Depois de uma temporada destacando o que Hollywood fazia de pior para o público jovem, parece que o púbico do canal se renovou e começaram a escolher melhor. Há que se considerar que os candidatos ao melhor do ano melhoraram consideravelmente! O fato de ter indicados ao Oscar em várias categorias, só ressalta que a temporada 2013 também foi de grandes sucessos que agradaram público e crítica. É verdade que Jogos Vorazes - Em Chamas foi o grande vencedor da noite, mas ver entre os indicados artistas consagrados (além de Joan Rivers e William B. Jordan) e ideias bem sacadas como a categoria Melhor Transformação  e colocar Zac Efron em seu devido lugar prêmio, mostram que a premiação mais descolada do cinema voltou a ter estilo e bom senso (apesar do prêmio recebido por Rihanna). A seguir os ganhadores e os seus respectivos concorrentes:

Melhor Filme
Jogos Vorazes – Em Chamas
(12 Anos de Escravidão - Trapaça - O Hobbit: A Desolação de Smaug -  Lobo de Wall Street)

Melhor Ator
 Josh Hutcherson / Jogos Vorazes – Em Chamas
(Bradley Cooper/Trapaça - Chiwetel Ejiofor/12 Anos de Escravidão - Leonardo DiCaprio/O Lobo de Wall Street - Matthew McConaughey/Clube de Compras Dallas)

 Melhor Atriz
Jennifer Lawrence / Jogos Vorazes – Em Chamas
(Amy Adams/Trapaça - Jennifer Aniston/Família do Bagulho - Lupita Nyong’o/12 Anos de Escravidão - Sandra Bullock/ por Gravidade)

Maior Revelação
Will Poulter / Família do Bagulho
 (Liam James/O Verão da Minha Vida - Margot Robbie/O Lobo de Wall Street - Michael B. Jordan /Fruitvale Station: A Última Parada - Miles Teller/The Spectacular Now)
  
Melhor Aparição sem Camisa
Zac Efron / Namoro ou Liberdade
 (Chris Hemsworth/Thor: O Mundo Sombrio - Jennifer Aniston/Família do Bagulho - Leonardo DiCaprio/O Lobo de Wall Street - Sam Claflin/Jogos Vorazes – Em Chamas)
  
Melhor Luta
Orlando Bloom e Evangeline Lilly vs. Orcs / O Hobbit: A Desolação de Smaug
 (Jason Bateman vs. Melissa McCarthy/Uma Ladra Sem Limites - Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson e Sam Claflin vs. Macacos Mutantes/Jogos Vorazes – Em Chamas / Jonah Hill vs. James Franco e Seth Rogen / É o Fim  - O elenco de Tudo Por um Furo)

Melhor Beijo
Emma Roberts, Jennifer Aniston e Will Poulter, por Família do Bagulho 
(Ashley Benson, James Franco e Vanessa Hudgens/Spring Breakers – Garotas Perigosas -  Jennifer Lawrence e Amy Adams/Trapaça - Joseph Gordon-Levitt e Scarlett Johansson / Como Não Perder Essa Mulher - Shailene Woodley e Miles Teller / The Spectacular Now)
  
Melhor Vilão
Mila Kunis, por Oz, Mágico e Poderoso
(Barkhad Abdi / Capitão Phillips -  Benedict Cumberbatch/Além da Escuridão - Donald Sutherland/Jogos Vorazes – Em Chamas - Michael Fassbender/12 Anos de Escravidão
  
Melhor Momento Musical
 Backstreet Boys, Jay Baruchel, Seth Rogen e Craig Robinson/É o Fim
(Jennifer Lawrence/Trapaça - Leonardo DiCaprio/O Lobo de Wall Street - Melissa McCarthy/Uma Ladra Sem Limites - Will Poulter/Família do Bagulho) 

Melhor Perfomance Cômica
Jonah Hill/O Lobo de Wall Street
(Jason Sudeikis/Família do Bagulho - Johnny Knoxville/Vovô sem Vergonha - Kevin Hart/Ride Along - Melissa McCarthy/As Bem-Armadas)

Melhor Transformação em Tela
Jared Leto/Clube de Compras Dallas
(Christian Bale/Trapaça - Elizabeth Banks/Jogos Vorazes – Em Chamas - Matthew McConaughey/ Clube de Compras Dallas - Orlando Bloom/O Hobbit: A Desolação de Smaug)
  
Melhor Participação Especial
Rihanna/É o Fim
(Robert De Niro/Trapaça - Amy Poehler e Tina Fey/Tudo Por Um Furo - Kanye West /Tudo Por Um Furo - Joan Rivers/Homem de Ferro 3)

domingo, 13 de abril de 2014

Combo: O Evangelho Segundo a Discórdia

Com Noé colocando a tolerância dos religiosos para ferver não há como não lembrar de outros filmes que deram o que falar ao abordar personagens religiosos. Em 2014 parece que filmes religiosos estão em alta, depois de Russell Crowe construir a arca sob a batuta de Darren Aronofsky, em breve, Christian Bale irá guiar os hebreus rumo à terra prometida em Exodus, novo longa de Ridley Scott. Bale já interpretou Jesus num filme para a TV em 1999 e em dezembro chegará às telas na pele de Moisés. Será que a polêmica irá prejudicar suas investidas na temporada de ouro? A seguir cinco filme que ficaram famosos pelas polêmicas e bilheterias milionárias. 

05 O Código DaVinci (2006) Esse deve ser o filme mais insosso da lista, sempre fico pensando qual seria o tamanho de seu sucesso se não fosse toda a polêmica que ronda o livro de Dan Brown. O filme risca a trilha de pólvora com a premissa de que Jesus Cristo tinha um caso com Maria Madalena e deixou sua descendência sobre a Terra. O problema é que a narrativa cheia de segredos, suspeitas e tiro n'água de Brown pode até funcionar num livro, mas num longa metragem tudo soa covarde demais. Apesar da bilheteria abençoada,  o diretor Ron Howard, o astro Tom Hanks (na pele do pesquisador Robert Langdon) e a francesa Audrey Tautou ainda não se recuperaram desse pastel de vento em suas carreiras. 

04 Jesus Cristo Superstar (1973) Baseado no álbum conceitual de Andrew Lloyd Weber e Tim Rice, além do motivador sucesso na Broadway, o filme de Norman Jewison conta os últimos dias da vida de Cristo (vivido por Ted Neeley) de uma forma anacrônica através dos olhos de Judas (Carl Anderson). Lançado em 1973, o filme ambienta a jornada de Cristo por Jerusalém até sua crucificação em meio a gírias, alusões políticas e comportamentais da época em que a cultura hippie estava no auge. Quem embarcou na brincadeira gostou da ideia, mas a ambiguidade em torno de Cristo não agradou muita gente - ainda assim o filme ganhou aura cult com o passar dos anos. 

03 A Paixão de Cristo (2004) Não são poucos os que consideram que o diretor Mel Gibson exagerou nas tintas violentas ao contar a passagem bíblica nas telonas. Se Gibson radicalizou ao fazer seu elenco falar em aramaico, a coisa ficou mais pesada com a violência realista empregada no filme. Jim Caviezel está mais do que convincente na pele de Jesus, talvez por isso cada chibatada, jorro de sangue ou pedaço de pele que solta de seu corpo doeu ainda mais na plateia. O Evangelho Hardcore de Mel Gibson faturou milhões ao redor do mundo, mas deixou muita gente chocada com o tom agressivamente épico de sua narrativa. 

02 A Vida de Brian (1979) A mistura de comédia com religião costuma ser explosiva, mas o grupo Monty Python foi esperto ao contar a história de um homem judeu chamado Brian Cohen (Graham Chapman) que nasceu no dia de Natal e se alia a grupos de luta contra os romanos... e que é confundido com Jesus! Considerado o Messias ele é perseguido, cultuado e crucificado. O tom de palhaçada não evitou que os mais conservadores vissem no filme uma grande blasfêmia (ainda que a vida de Brian fosse mostrada paralelamente à vida do verdadeiro Messias). Ainda assim, o filme é considerado um dos melhores longas de todos os tempos. 

01 A Última Tentação de Cristo (1988) Se você achava que a história do affair entre Cristo e Madalena é uma novidade, você precisa conhecer este polêmico filme de Martin Scorsese que humaniza a história do Messias. Apresentando Cristo como um homem de inseguranças, desejos e falhas, o longa mexeu num verdadeiro vespeiro. Apesar de lançado em 1988, a trama foi escrita em 1951 pelo grego Nikos Kazantzákis num controverso romance. Willem Dafoe encarna Jesus, Barbara Hershey era a tentadora Madalena (pelo papel, Hershey foi indicada ao Globo de Ouro) e Harvey Keitel encarna Judas. Apesar de tanta polêmica, Scorsese faz um filme solene e até respeitoso que lhe rendeu a única indicação do filme ao Oscar: melhor diretor. Mexe com quem tá quieto...

Na Tela: Noé

Lerman e Crowe: Salvando o que restou de um mundo corrompido. 

Quem conhece o trabalho de Darren Aronofsky jamais pensaria que ele faria um filme bíblico tal e qual o grande público espera. Por isso, é bom deixarmos a "surpresa" pelo resultado de Noé para os não iniciados à cinematografia do homem que já dirigiu Réquiem para Um Sonho (2000) e Cisne Negro (2010). É verdade que Darren parece voltar aqui para as suas intenções no espinafrado (e bastante interessante) Fonte da Vida (2006), mas toda a embalagem e expectativa nos fazem acreditar que trata-se mais do que um filme bíblico, mas um verdadeiro blockbuster. Na verdade o filme tem a intenção de ser mais do que um filme religioso (talvez só o seu início que engana a maioria dos desavisados), trata-se de uma alegoria épica sobre problemas bastante contemporâneos, onde uma humanidade desgovernada não pensa muito na forma como explora as reservas naturais de onde vive, tão pouco as relações com os outros de sua espécie. Existe um forte jogo de poder entre os personagens, seja motivado por motivos mundanos ou de fanatismo religioso - é justamente nesse embate que o filme se sustenta em seus melhores momentos. Apesar das citações religiosas em seus filmes anteriores (seja o judaísmo na estreia em Pi/1998, crenças maias ou cristãs em Fonte da Vida/2006 ), descobri recentemente que Aronofsky é ateu, o que só ressalta a curiosidade e distanciamento na abordagem dessas temáticas. Noé trata do famoso trecho bíblico que conta a missão do personagem (vivido com gana por Russell Crowe) que recebe uma missão do Criador:  construir uma arca para abrigar casais de animais que precisam ser salvos diante de um grande dilúvio que irá destruir a humanidade corrompida. Vendo a terra sem vida, devastada pela ação predatória do homem é fácil perceber que faz tempo que a humanidade parou de zelar pela sua casa. As relações humanas ásperas propagadas pelos descendentes de Caim também justificariam a infelicidade do Criador perante a criatura que era para ser sua imagem e semelhança. A trama se aproxima e afasta da história que conhecemos por diversos momentos, investindo nos dilemas do protagonista perante a missão e investindo em algumas liberdades. Para aumentar a tensão na familia de Noé, o roteiro retira as noras de cena, deixando que o protagonista tenha a companhia da esposa Nameeh (uma inspirada Jennifer Connelly), dos filhos Shem (Douglas Booth), Cam (um eficiente Logan Lerman) e Jafé (Leo McHugh Carroll). As noras de Noé, foram substituídas por Illa (a cada vez melhor Emma Watson), filha adotiva histéril do patriarca. Quando o fim do mundo é anunciado, o maior medo de Naameh é que seus filhos não possam ter a chance ter esposas e filhos. Quanto à isso, Noé sente uma certa resignação que só aumenta o contexto para alguns dos momentos mais polêmicos do filme - já que o salvador dos animais não perceber que sua missão seja salvar a espécie que corrompeu a obra do criador (fato que pode levá-lo a tornar sua missão ainda mais dolorosa e afastá-lo para sempre de sua família). Aronofsky lida bem com os traços mais sombrios do roteiro escrito por ele e Ari Handel (baseado na Bíblia e textos antigos como os Pergaminhos do Mar Morto, O Livro de Enoque e o Livro dos Jubileus), mas destoa quando escancara o tom de fantasia usando o ancestral de Noé, Matusalém (um preguiçoso Anthony Hopkins) e a ajuda dos anjos caídos (castigados por Deus e transformados em gigantes de pedra). No entanto, Darren consegue criar um universo bastante harmônico ancorado num período de milagres e intervenções divinas bem demarcadas. Outro aspecto que desperta polêmica é a presença do vilão Tubal-Cain (Ray Winstone), que é mostrado sem muitas nuances, mas que cita pensamentos bastante atuais sobre a forma como o homem lida com o mundo em sociedade. Apesar de todas as críticas, o filme consegue se equilibrar entre a provocação e o respeito aos textos religiosos, prova disso são as belíssimas cenas da construção do mundo em sete dias (destaque para a colagem multifacetadas de Cains matando Abéis, ontem e hoje...), a vinda dos animais para a Arca e o próprio dilúvio, mostrado com todo o horror do povo que desejava ser salvo da inundação. O filme deve se tornar um sucesso mundial  e consolidar Darren como um dos diretores mais talentosos do cinema atual (ainda que eu considere que são nos momentos mais pesadelescos que sua mão se torne mais plena de bilhantismo). Noé mostra-se o passo seguinte (muito melhor do que seria ter quebrado o galho para o amigo Hugh Jackman dirigindo o pífio Wolverine 2 no ano passado), vale lembrar que antes o diretor fizera um indie de 13 milhões (Cisne Negro) que  arrecadou mais de 250 milhões pelo mundo, foi multi-indicado ao Oscar e levou um para casa. Nos 138 minutos da saga claustrofóbica da Arca, posso perceber o quanto custou para o diretor embarcar em sua primeira super-produção, cada tropeço da narrativa, cada ousadia, cada nó ou personagem com (ou sem) tridimensionalidade, transborda as angústias de Darren para completar sua missão de diretor autoral dentro da caixinha de um grande estúdio. O fato é que Noé funciona dentro das intenções do diretor (trabalhar personagens numa situação limite - uma obsessão em sua cinematografia) e merece ser visto como uma releitura de uma História antiga, capaz de refletir muito do mundo atual. 

Meo, Connely, Booth e Emma: a subjetiva leitura dos milagres do criador.

Noé (Noah/EUA-2014) de Darren Aronofsky com Russell Crowe, Jennifer Connelly, Emma Watson, Logan Lerman, Ray Winstone, Anthony Hopkins e Douglas Booth. ☻☻☻☻

segunda-feira, 7 de abril de 2014

The Hannibal Lecter Collection.

Hannibal: Lecter encontra uma Clarice diferente. 

Depois de O Silêncio dos Inocentes ter se tornado uma obra prima, obviamente que todo mundo queria ver (e lucrar) mais um pouco com o personagem canibal Hannibal Lecter (personificado com perfeição por Anthony Hopkins no filme de 1991), a começar pelo criador do personagem, Thomas Harris. Harris havia criado Dr. Lecter para ser coadjuvante em uma série de livros policiais. O primeiro deles era Dragão Vermelho, que publicado em 1981 virou filme dirigido por Michael Mann cinco anos depois. Sob o nome de Manhunter o filme não empolgou nas bilheterias, ainda que contasse com um elenco eficiente, a começar por Brian Cox que vivia o canibal que auxiliava o FBI em investigações (que no filme era chamado de Lektor), mas que tinha lá suas pendengas com o agente especial Will Graham (William Petersen). Independente da repercussão do filme, Harris utilizou Lecter posteriormente no sucesso editorial O Silêncio dos Inocentes, que chegou às livrarias em 1988. Hollywood ficou de olho no potencial do livro e resolveu passar a borracha no filme anterior e criar um universo próprio para a nova obra. Nascia um clássico do cinema, que dita referências para os filmes e séries de suspense até hoje. Com a consagração de Lecter e a agente Clarice (imortalizada por Jodie Foster nas telonas), Harris buscou inspiração para criar um livro que abordasse as entranhas de um dos maiores vilões do cinema. Assim, foi lançado em 1999 o aguardado livro Hannibal. Para quem esperou tanto tempo, a obra mostrou-se decepcionante. Talvez por estar fascinado pelo seu personagem, Harris foi criticado pelas descrições indigestas e a agressividade presente em seu novo livro. Desde o início começou a ser anunciada uma continuação para o sucesso de 1991, mas, diante do conteúdo da nova obra, Jonathan Demme e Jodie Foster não se mostraram interessados a se envolver. Hollywood se viu com um abacaxi nas mãos e convidou Ridley Scott (que anunciava seu retorno ao topo com Gladiador/2000) para dirigi-lo. Com Hopkins dentro do projeto, restava encontrar uma atriz à altura do desempenho colossal de Jodie. O convite foi para Julianne Moore. O resultado chegou aos cinemas em 2001 coberto de expectativas e disposição de gerar bilheterias milionárias. A bilheteria não decepcionou, mas quem esperava um filme à altura do anterior teve que se contentar com uma trama mal costurada e de gosto duvidoso. 

Dragão Vermelho: hora de reciclar. 

Enquanto Hopkins tentava dominar o personagem, sua colega de elenco tinha que dar conta de uma Clarice endurecida e com menos nuances que a anterior. Essa diferença até que convence na mudança física da agente, que se mostra mais cansada com um FBI burocratizado e massacrante  - enquanto Lecter é considerado um dos dez assassinos mais perigosos do mundo. Lecter e Starling tem poucas cenas juntos e sobram cenas grotescas com vísceras e cérebro à mostra enquanto um vilão mal explicado (vivido por Gary Oldman) quer se vingar há tempos do amigo canibal. Longe de ser memorável, o filme serviu apenas para reencontrar os personagens anos depois, o problema é que o passar do tempo lhes fez muito mal. O problema da franquia estava instalado! O próprio autor, o cinema e o público (que deu a Hannibal uma bilheteria maior que o filme anterior) entenderam que esse era o mundo do personagem, com muito sangue e carnificina, deixando para trás o que era mais bacana: o jogo psicológico traiçoeiro entre os personagens e o público. Cientes de que o filme havia passado dos limites, mas sedentos de bilheteria robustas, convidaram Brett Ratner para baixar o tom na refilmagem de Manhunter, agora devidamente batizado de Dragão Vermelho - tal e qual o livro que lhe deu origem. Lançado em 2002, Dragão Vermelho fez sucesso, ainda que modesto se comparado aos filmes anteriores. Lecter voltava a ser coadjuvante e Will Graham (agora vivido por Edward Norton) vivia uma espécie de Clarice Starling de calças que precisava lidar com suas pendengas pessoais com o canibal enquanto buscava o assassino do título (vivido por Ralph Fiennes). Apoiado por um bom elenco (que ainda contava com Emily Watson e Harvey Keitel), Dragão Vermelho era um filme modesto, mas que consegue entreter o público melhor do que a versão anterior do livro. Apesar disso, os fãs percebiam que nenhum outro filme conseguiria chegar ao nível de O Silêncio dos Inocentes. Assim, Anthony Hopkins disse não voltar  a personificar o famoso personagem. Diante disso, os fãs mais ferrenhos queriam mais Hannibal em cena e Thomas Harris teve a brilhante ideia de voltar à juventude do psiquiatra erudito e psicótico. Lançado em 2006, o livro Hannibal Rising, contava a infância e adolescência do personagem. Assim sabemos que o personagem enfrentou os horrores dos últimos dias da Segunda Guerra Mundial na Lituânia, perdendo os pais na guerra e a irmã caçula num ataque de soldados canibais (?!). Hannibal cresce e busca vingança, torna-se estudante de medicina e se envolve com a viúva oriental de seu tio. 

A Origem do Mal: Hannibal meio francês.

Se a história já parecia perder de vista o personagem que conheciamos, a coisa ficou mais complicada quando escolheram o francês Gaspard Ulliel para viver o personagem no cinema na versão lançada em 2007. Diante de nenhuma semelhança de Ulliel com Hopkins o filme parecia anunciar um reinício para o personagem. A fraca atuação de Ulliel só evidencia como Harris perdeu o poder sobre o personagem, já que ao invés de ser um dos vilões mais celebrados do cinema, Hannibal torna-se quase um herói numa trama estapafúrdia. Nem podemos culpar o diretor Peter Webber que tinha pouco a fazer com a trama desengonçada. Diante da decepção geral de público e crítica, o personagem parecia engavetado por um bom tempo. Em 2013 os detentores dos direitos do personagem perceberam que não podiam deixar um sujeito tão interessante de lado e lançaram a série Hannibal, que aos poucos encontra o tom mais acertado do que as últimas produções do canibal na telona. 

Manhunter - Caçador de Assassinos (EUA-1986) de Michael Mann com William Petersen, Brian Cox, Kim Greist, Joan Allen e Stephen Lang. 
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O Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs) de Jonathan Demme com Anthony Hopkins, Jodie Foster, Scott Glenn e Ted Levine. 
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Hannibal (EUA-2001) de Ridley Scott com Anthony Hopkins, Julianne Moore, Ray Liotta e Gary Oldman. 
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Dragão Vermelho (Red Dragon - EUA/2002) de Brett Ratner com Edward Norton, Ralph Fiennes, Emily Watson e Anthony Hopkins. 
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Hannibal - A Origem do Mal (Hannibal Rising/EUA-2007) de Peter Webber com Garspard Ulliel, Gong Li e Rhys Iphans.

Cox, Hopkins, Ulliel e Mikkelsen: as faces do mal.