terça-feira, 30 de setembro de 2014

N@ CAPA: O Fantástico Sr. Wes Anderson

O mundo de Wes por Max Dalton

O mês de setembro passou e O Grande Hotel Budapeste continua em cartaz no Brasil (além de ganhar cada vez mais força, no exterior, para conseguir algumas indicações preciosas nas premiações que se aproximam). Durante o mês que precede a temporada de outono no hemisfério norte (onde os filmes mais ambiciosos dão o ar da graça com mais vigor), o Diáriw Cinéfilo deixou em sua capa a arte do artista gráfico Max Dalton feita a partir dos personagens do diretor Wes Anderson. É público e notório que o estilo de Wes é notável em seus personagens de carne, osso ou animação (no caso de O Fantástico Senhor Raposo/2009, responsável pelos bichinhos que aparecem na figura acima) em seu senso cool de lidar com suas problemáticas emoções, no entanto, todos são tratados com grande carinho pelo diretor - e esse deve ser o seu maior diferencial em lidar com o que poderia gerar verdadeiros dramalhões. Wes surgiu no cinema independente com Pura Adrenalina (nome enganoso para Bottle Rocket) em 1996 e chamou atenção com o ótimo Rushmore (1998), depois foi indicado ao Oscar de roteiro original por Os Excêntricos Tennenbaums (2011) - o qual escreveu junto com um de seus parceiros favoritos (o ator Owen Wilson). Depois dividiu opiniões com A Vida Marinha com Steve Zissou (2004) e Viagem à Darjeeling (2007) para depois mostrou como seus personagens funcionavam em sua cabeça com O Fantástico Sr. Raposo (2009), indicado ao Oscar de melhor animação. A adaptação do livro de Roald Dahl lhe deu novo ânimo, voltando seu olhar para a aventura nostálgica Moonrise Kingdom (2012), um dos filmes mais queridos de 2012 e que lhe valeu outra indicação ao Oscar de roteiro original (dessa vez escrito com outro amigo, Roman Coppola). Os personagens de O Grande Hotel Budapeste não aparecem na gravura de Max Dalton, já que foi criada antes, mas vale ressaltar que Budapeste agrega novos elementos na cinematografia do diretor (que conta com uma patota respeitável de amigos atores (Owen Wilson, Bill Murray, Jason Schwartzman, Willem Dafoe, Adrien Brody, Anjelica Huston, Edward Norton, Tilda Swinton, Bob Balaban...) que se construiu aos poucos a cada filme. Além de ter inspirado o trabalho de Dalton, a obra do diretor já gerou até uma exposição de quadros chamada Bad Dads realizada em outubro de 2010 em São Francisco  (inspirada pelas fortes figuras paternas de seus filmes) . Algumas dessas obras baseadas na obra do fantástico Sr. Wes Anderson estão logo abaixo: 

Os personagens andersonianos

Cartaz da exposição criada por Ibraheem Yousef em 2010

Releitura de alguns cartazes dos filmes de Wes.

Tennenbaums em verão animada.

O kit de sobrevivência de Moonrise Kingdom

Outra coleção dos personagens de Wes

domingo, 28 de setembro de 2014

Na Tela: Chef

Família culinária: a cozinha de Jon Favreau!

Se eu morasse em Hollywood, acho que Jon Favreau seria meu amigo. Quando as pessoas descobrissem isso, provavelmente me perguntariam desde quando eu o conheço e eu diria que nos conhecemos desde que ele escreveu Curtindo a Noite (Swingers/1996), um dos filmes independentes mais legais da década de 1990! Favreau escreveu o filme, deixou que Doug Liman o dirigisse e ainda permitiu que Mathew Vaughn o estrelasse. Dezoito anos depois os três envolvidos estão bem distantes do filme que os revelou para o mundo.  O ambicioso Vaughn contenta-se em fazer sempre o mesmo papel em comediotas! Liman foi absorvido pelos filmes de ação, lançando recentemente No Limite do Amanhã (2014) - estrelado por Tom Cruise - e Favreau quase foi pelo mesmo caminho depois que fez sucesso atrás das câmeras com os dois primeiros filmes da franquia Iron Man. Porém, no meio do caminho tinha um abacaxi chamado Cowboys & Alienígenas (2011), que em nada lembrava o jeito descolado de Favreau fazer cinema. Eu me incluiria no grupo de amigos que diria para ele dar um tempo nos orçamentos milionários e investir nos filmes pequenos, assim como fazia do início da carreira. Favreau pensaria no sucesso, no fracasso e em algo que gosta muito (comida) e mostraria a mim o roteiro de Chef e eu diria que ele deveria filmar sua nova criação! Eu o ajudaria a convencer outros amigos a embarcarem no projeto (eu ligaria para minha amiga latina Sofia Vergara, enquanto Favreau convenceria Os Vingadores Scarlett Johansson e Robert Downey Jr. para embarcar no projeto). Chef, em sua concepção sem explosões, efeitos especiais e todo o aparato espalhafatoso de um blockbuster, estreou e fez sucesso com público e crítica e agradou com seu bom humor e receitas (altamente) calóricas e desprovidas de culpa (um toque surreal não faz mal a ninguém, rs). Favreau criou um feel good movie que serve para exorcizar a crise que as críticas ruins fizeram meu amigo digerir. Favreau vive Carl Casper, homem bonachão que comanda a cozinha do restaurante de Riva (Dustin Hoffman), flerta com a hostess charmosa (Johansson) e tem crises com os cozinheiros (John Leguizamo e Bobby Cannavale). Esse universo funciona bem até que um crítico (Oliver Platt) publica uma resenha destruindo seus dotes culinários na internet. Casper fica enfurecido (afinal, como todo bom chef, tem um ego digno de uma diva), mas ele conta com a ajuda do filho, Percy (o adorável Emjay Anthony), para lidar com o poder da internet... o que só complica as coisas. Casper precisará da ajuda dos amigos (somando aí a ex-mulher vivida por Sofia Vergara) para colocar a carreira nos eixos... se esse filme não é sobre Favreau tentando lidar com suas ambições e as cobranças de Hollywood eu não sei sobre o que é. Chef é um filme fácil de assistir (exceto se você estiver de estômago vazio) com seus personagens simpáticos e Favreau revelando seu cuidado em construir os laços entre os personagens de carne, osso e boas intenções num filme que merece atenção por conter o sabor simples dos sanduíches que Casper prepara em seu trailer. Além de colocar astros renomados como coadjuvantes e provar, mais uma vez, que tem carisma para carregar um filme nas costas, Favreau volta às origens dos temperos de sua carreira no cinema. É amigo Jon, você acertou a mão em 2014!

Chef (EUA-2014) de Jon Favreau com Jon Favreau, Emjay Anthony, Sofia Vergara, John Leguizamo, Dustin Hoffman, Oliver Platt e Scarlett Johansson. ☻☻☻

Na Tela: Frank

Maggie, Fassbender e Gleeson: música, amizade e loucura.

Nenhum filme anunciado para o Festival do Rio 2014 me fez salivar tanto quanto Frank. Se você acompanha o blog sabe que o estranho filme estrelado por Michael Fassbender estava na minha lista de prioridades do segundo semestre - mesmo sem ter data para estrear nos cinemas tupininquins (possivelmente o fará quando a produção figurar nas premiações de fim de ano). Exibido nesse final de semana, Frank é inspirado no personagem criado pelo inglês Chris Sievey (1955-2010), um músico e comediante que se escondia debaixo de uma cabeça gigante feita de papel machê para cantar à frente da banda Freshies no final dos anos 1970 e início dos anos 1980. Na pele, quero dizer, na cabeça de Frank Sidebotton, Chris dava um toque de nonsense no mundo da música pop e muitos percebiam ali uma ironia com o culto ao mundo das celebridades que ainda engatinhava. No entanto, Chris tinha uma vida própria sem aquela cabeça, realizando trabalhos para a televisão (inclusive na produção do desenho Pingu que fez muito sucesso no Brasil). O escritor Jon Ronson (de Homens que Encaravam Cabras/2009) era amigo de Chris e chegou a tocar com ele durante o período em que a banda existiu, portanto, era de se imaginar que convites para escrever um filme Frank o perseguia há um bom tempo. Ronson chegou a conversar com Sievey sobre o filme, mas Sievey pediu para não fazer uma biografia não convencional, mas que criasse uma história sobre o personagem que, aproveitasse a mitologia que girava em torno de sua identidade secreta. Esse foi o caminho seguido por Ronson, no roteiro com tons de comédia que flerta com o surrealismo e caminha para uma abordagem psicológica sobre o processo criativo, amizade e loucura. Ambientado nos tempos atuais (com a ajuda das redes sociais para divulgar o mito de Frank), o filme é narrado por Jon (Domhnall Gleeson, um bom ator saído da série Harry Potter), um rapaz insatisfeito com o trabalho e que percebe que sua carreira musical precisa de um empurrão gigantesco! É meio que por acaso que ele cruza o caminho de Frank, que enfrenta problemas sérios com o tecladista de tendências suicidas. Jon passa a tocar teclado na banda e fica instigado com aquele personagem cabeçudo que é o líder da banda - isso enquanto escuta histórias sobre Frank nunca tirar o cabeção e ter criado a banda depois que saiu de um sanatório. A banda faz o estilo psicodélico experimental (coisa que Jon irá descobrir com mais ênfase quando participar do interminável retiro da banda para gravação do primeiro disco), mas é perceptível como a música, assim como a cabeça, serve para o homem que se esconde ali comunicar-se com o mundo... ou seria proteger-se? O diretor Lenny Abrahamson compõe o filme com leves esquisitices que podem fazer rir e incomodar a plateia, principalmente quando está em cena a estranha banda. Maggie Gyllenhaal está ótima como (a quase psicótica) Clara (fiel escudeira do vocalista e que merece o Oscar de mal humorada do ano) e bem acompanhada por François Civil e Carla Azar que recebem menos destaque, mas ajudam a compor um painel interessante sobre músicos à procura da sonoridade perfeita. Com a chegada de Jon o equilíbrio do grupo entra em risco enquanto Frank terá que se esforçar para não perder o controle. O filme começa com cara de comédia e aos poucos aprofunda o drama do seu personagem defendido com brilhantismo por Michael Fassbender! As cenas finais, onde nos é revelado quem é o verdadeiro Frank, conseguem ser comoventes sem ser piegas e culmina numa das cenas musicais mais desconcertantes do cinema, uma declaração de amor mútua na simbiose de duas canções bem diferentes em seu som e doses de fúria. Frank pode não ser para todos os gostos (principalmente por seguir a cartilha do humor inglês e não hollywoodiano), mas funciona como uma bela homenagem a um artista que queria promover às plateias uma estimulante dose de estranhamento. 

Frank (Reino Unido/2014) de Lenny Abrahamson com Domhnall Gleeson, Michael Fassbender, Maggie Gyllenhaal, Scoot McNairy, François Civil e Carla Azar. ☻☻☻☻

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

DVD: Capitão Phillips

Hanks e Abdi: quase um espelho.  

Capitão Phillips é o tipo de filme em que preciso esperar passar todo o burburinho para assistir, já que debaixo de todos os elogios recebidos, minhas expectativas chegam às alturas e o maior prejudicado é o próprio filme que não é apreciado pelo que é, mas pelo o que os outros me fizeram acreditar que ele fosse. Depois de seu aclamado lançamento no Brasil ao final de 2013, passando pelas indicações a vários prêmios (incluindo Oscar e Globo de  Ouro), Phillips chegou às locadoras exigindo todo o respeito que merecia. Devo concordar que merece mesmo. Contando a história real do navio Maersk Alabama (que em 2009 carregava alimentos para a Somália sob o comando do capitão Richard Phillips que foi sequestrado por piratas somalis), o cineasta Paul Greengrass acerta mais uma vez ao utilizar uma narrativa ultrarrealista para explorar aspectos que outros diretores poderiam deixar passar em branco. Greengrass foi esquecido em sua categoria no Oscar (onde o filme concorreu a seis estatuetas, incluindo melhor filme), mas o seu trabalho é o mais notável ao deixar a plateia com a respiração suspensa por suas duas horas de projeção. Além disso, as cenas da pirataria precária tomando toda a estrutura do navio capitaneado por Phillips é uma assustadora mostra do poder da violência. Os méritos do filme estão justamente nas estratégias de dois capitães e sua tripulação. Encarnado por Tom Hanks, Phillips surge menos como um herói e mais como um homem comum que precisa manter a calma numa situação limite, seja para o bem de sua tripulação ou dele mesmo. Ao mesmo tempo, ele tem um antagonista à altura vivido por Barkhad Abdi (único do elenco presente em todas as premiações e que quase levou o Oscar de coadjuvante para a casa). Abdi vive Muse, um somali recrutado para a pirataria sendo chamado de magrelo pelos seus companheiros. Graças a Abdi, Muse nem parece um vilão com os sentimentos que ficam estampados em seu rosto. Muse é o mais hesitante dos piratas, ao mesmo tempo que percebe que existe um jogo de estratégias a serem travadas na decisão de quem será o vencedor da disputa travada ali. Apesar de toda a ação, suspense e tensão, Capitão Phillips deve sua força à relação áspera de dois mundos que colidem, provocando o choque de seus personagens em defesa de ideologias que talvez nem lhes pertençam. As cenas iniciais evidenciam bem isso, seja por Phillips cansado das viagens e preocupado com os filhos que crescem distantes de seus olhos ou por Muse num ambiente miserável sem condições básicas de sobrevivência e que lhe serve de inspiração para que desrespeite o direito dos outros. Nas premiações, o filme ganhou a conotação de um conto de fadas ao evidenciar Abdi e toda sua história de superação na mídia, mas não se engane: ainda que sustentado por personagens antagônicos memoráveis, Capitão Phillips merece reconhecimento por evidenciar o encontro áspero entre dois mundos que parecem tão distintos, mas que se sustentam na mesma realidade sócio-política e econômica mundial, seja  em suas riquezas ou mazelas. 

Capitão Phillips (Captain Phillips/EUA-2013) de Paul Greengrass com Tom Hanks, Barkhad Abdi, Faysal Ahmed e Catherine Keener. ☻☻☻

DVD: HAWAII

Mateo e Eugenio: as engrenagens de um sentimento proibidamente consentido.  

Em tempos onde tudo parece ter que ser o mais explícito possível (seja pelo gosto da plateia ou do diretor), torna-se ainda mais interessante encontrar um filme que aposta em detalhes e pequenos sinais para contar sua história. Foi meio que por acaso que encontrei esse filme argentino que foi exibido no Festival do Rio no ano passado, mas que nem chegou a ser lançado nos cinemas - um tanto por conta de sua temática, outro tanto por conta do tratamento bastante sutil com que o diretor Marco Berger pontua o reencontro entre dois amigos de infância que não se viam há muito tempo. Berger usa uma narrativa de poucos saltos para narrar os sentimentos que passam a existir entre Martín (Mateo Chiarino) e Eugenio (Manuel Vignau), o que pode resultar num martírio para quem espera cenas polêmicas, tórridas ou uma narrativa mais abrasiva, já que Hawaii é quase arrastado, mas funciona numa precisão perfeita na engrenagem composta por um único cenário e o entrosamento entre seus dois protagonistas.  Eugenio é um escritor que passa alguns dias na casa de campo dos tios. Solitário para desenvolver sua obra, ele recebe a visita de Martín, que desempregado e sem lugar para ir, procura um trabalho. Com algum custo, Martín convence Eugenio a realizar pequenos reparos na casa, cuidar do quintal, da piscina entre outras tarefas de caseiro. Não demora muito para que Martín reconheça Eugenio como um dos meninos que costumava brincar com ele naquela mesma casa. Sem se ver por muitos anos, existe uma certa desconfiança entre os dois, mas a companhia que um encontra no outro, além de um certo sentimento nostálgico colaboram para que a amizade volte a aparecer entre os dois. Martín guarda o segredo de dormir ao relento todos os dias após o trabalho, ao mesmo tempo, Eugenio mostra-se cheio de reservas. É evidente que Berger evidencia a cada momento de seu roteiro que existe um sentimento mais forte surgindo entre os dois personagens, mas que ambos hesitam em dizê-lo ou admiti-lo. Nesse ponto, há de se elogiar as atuações de Chiarino e Vignau, que utilizam alguns olhares e leves toques para pronunciar o que seus personagens ainda querem esconder, mesmo quando o roteiro lhes reserva situações mais provocantes, os dois mantêm o tom contido que a história sugere. É como se existisse um jogo de segredos entre os dois, onde ambos compartilham as mesmas emoções, mas preferem silenciá-las. O mais interessantes é que os diálogos representam pouco diante do que vemos na tela: orgulho, relações de poder, vergonha, receio, inseguranças, estigmas... tudo disfarçado em situações simples que recebem intensidade conforme a narrativa prossegue rumo ao final - onde o título revela-se uma espécie de local paradisíaco nostálgico que só os dois lembram. Em tempos onde os romances mais ortodoxos se rendem ao escândalo, um filme como Hawaii não deixa de parecer uma novidade. 

Hawaii (Argentina/2013) de Marco Berger com Mateo Chiarino, Manuel Vignao e Manuel Martínez Sobrado. ☻☻☻

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

DVD: Hoje

Denise Fraga: visita inesperada.

 Durante o período conhecido como de "retomada" do cinema brasileiro, a paulista Tata Amaral despontou como um dos nomes mais promissores. Tata trazia um olhar diferente sobre histórias urbanas sobre personagens que pareciam comuns mas se revelavam mais complexos do que a plateia poderia imaginar. Foi assim com o casal estressado a beira do fim em Um Céu de Estrelas/1996 ou a relação intensa de mãe e filho em Através da Janela/2000, depois ela lançou um olhar mais pop sobre a periferia em Antônia/2006 (que virou até série de TV - espaço onde Tata desenvolveu seus trabalhos mais recentes). Seu retorno às telonas foi com Hoje, filme que demorou dois anos para chegar aos cinemas nacionais com uma história que se alimenta do passado mal resolvido da história recente do Brasil. Vera (Denise Fraga) é uma viúva da ditadura. Casada com um ativista político desaparecido há décadas, ela recebe uma espécie de indenização do governo pelos anos sem conhecer o paradeiro do esposo. Com o dinheiro compra um apartamento antigo e espaçoso, mas enquanto aguarda a chegada dos móveis e tenta organizar a sua nova vida, ela recebe a visita inesperada de Luiz (o uruguaio César Trancoso), o esposo desaparecido. Vera não entende muito bem o que está acontecendo, mas da forma como o filme apresenta o personagem, o espectador mais experiente irá logo captar a mensagem. Enquanto a protagonista fica entre a alegria de reencontrar o amado  desaparecido e um certo desespero por ver o passado lhe fazer uma visita, Luis é todo paranoias e neuroses, chegando a ter atitudes violentas para manter sua presença em sigilo. Tata Amaral é esperta para saber que o "segredo" de Luiz não é tão secreto assim, e desenvolve sua história para além disso, estabelecendo momentos em que os personagens esclarecem um para o outro (e para a plateia) os rumos dos fatos que separaram os dois. É nessa parte que o filme fica mais cansativo num tom pesarosamente teatral e parecendo com tantas outras histórias sobre militantes brasileiros. O recurso de usar projeções sobre as paredes funciona no início, depois torna-se repetitivo e apenas ressalta como a trama funcionaria melhor sobre um palco. Nesse ponto, a ausência dos personagens secundários (como a síndica com mania de segurança e os carregadores da companhia de mudança) só ressaltam que aqueles pensamentos ocorrem num mundo paralelo, muito particular de Vera. Denise Fraga consegue dar conta das nuances diversas de sua personagem (o que pode surpreender quem está acostumado a vê-la em comédias, já César Trancoso fica o filme todo com a mesma cara e o sotaque acentuado também não ajuda muito a entender a maioria de suas falas (era tão difícil escolher um ator brasileiro para o papel?). No fim das contas, Hoje revela-se um filme interessante e diferente da maioria das produções tupiniquins que chegam às telas. No entanto, poderia ser ainda melhor se houvesse aparado alguns detalhes de sua produção. 

Hoje (Brasil/2013) de Tata Amaral com Denise Fraga, César Trancoso, João Baldasserini, Pedro Abhull e Lorena Lobato. ☻☻☻

domingo, 21 de setembro de 2014

DVD: RED 2

John, Mary e Bruce: tiros e (mais) humor. 

A combinação de violência e humor costuma ser infalível quando o diretor alcança um equilíbrio entre esses dois elementos. Em décadas passadas franquias como Máquina Mortífera e Um Tira da Pesada lotavam salas de cinema com essa mistura. Duro de Matar era dessa época e transformou Bruce Willis em maior astro do gênero com seu humor cínico. É verdade que os anos passaram, as rugas foram aparecendo, os cabelos rareando, mas Bruce ainda é um nome que costuma chamar atenção das alas masculina e feminina para esse tipo de filme. Talvez sua presença seja fundamental para a franquia RED (baseada na série de quadrinhos da DC Comics) tornar-se uma herdeira do gênero na marra de seu elenco de renome. O primeiro fez tanto sucesso (ao ponto de ser indicado ao Globo de Ouro de melhor filme de comédia) que uma continuação era certa. Os agentes aposentados da CIA retornam para uma nova aventura quando alguém tenta dar cabo do experiente Frank Moses (Willis), fato que parece anunciado quando o carro dirigido pelo paranóico Marvin Boggs (John Malcovich) explode nos minutos iniciais do filme. Sem o fiel amigo o fim de Moses parece mais próximo, até que uma série de acontecimentos irá colaborar para que ele sobreviva. Não cabe dizer muito mais para não estragar a surpresa, o fato é que o filme retorna com os personagens do anterior, Moses, Boggs, Victoria (Helen Mirren) dando maior destaque para a esposa de Frank, a desastrada Sarah (Mary Louise Parker). A história dessa vez dará a volta ao mundo (de uma forma um tanto confusa), misturando o antigo maior inimigo da CIA: os russos (dessa vez não apenas com o conhecido Ivan vivido por Brian Cox - que infelizmente aparece pouco -  e um ex-affair de Moses, encarnado por Katherine Zeta-Jones,  mas também com uma descoberta que pode destruir o mundo). Num conjunto de descobertas eles irão se deparar com o doido Dr. Edward Bailey (Anthony Hopkins), que eles esperam poder colaborar para deter a ameaça. RED 2 ainda escolhe um inimigo que retrata o quanto o tempo passou para Moses, o mercenário Han Cho Bai (Byung-hun Lee que convence na pele do melhor assassino do mundo), que tem uma rixa pessoal com o veterano. Piadas e cenas de ação ajudam o público a esquecer que o diretor Dean Parisot tem dificuldade em costurar vários elementos que  compõem o roteiro (de Jon e Erich Hoeber), mas que parte de uma premissa simples: deter a ameaça. Com reviravoltas e cenas mirabolantes, o filme consegue entreter a plateia, especialmente com as doses de humor de Sarah, que nunca foi agente, mas que tem uma tática peculiar de conseguir o que quer (para desespero do maridão). O fato é que assistindo esse manifesto cinematográfico de que os-mais-experientes-ainda-batem-um-bolão, nos damos conta do quanto os personagens já nos parecem velhos (com todo o respeito) conhecidos, fato esse que já garantiu um novo encontro com essa turma em RED 3!

REd 2 - Aposentados e Ainda Mais Perigosos (RED 2/EUA-2013) de Dean Parisot com Bruce Willis, John Malkovich, Mary Louise Parker, Helen Mirren, Brian Cox, Byung-Hun Lee e Anthony Hopkins. ☻☻☻

Pódio: Ian McKellen

Bronze: mutante de respeito!
3º X-Men (2000) 
Ian McKellen tornou-se um ídolo dos geeks mundiais quando a maioria dos atores está se aposentando. Ele já tinha 60 anos quando Brian Singer o convidou para vestir o capacete do Senhor do Magnetismo na franquia X-Men. Lembro que muita gente comentou que o achava velho demais para encarnar Magneto, mas bastou o ator apresentar toda a ambiguidade do personagem (uma versão radical do pacato Professor Xavier ou um vilão terrorista) para toda a desconfiança se dissipar. Singer já havia trabalhado com Ian em O Aprendiz (1998) e sabia que a fama mundial do ator estava só começando. Não satisfeito o ator conseguiu destaque em outra franquia de sucesso vivendo Galdalf em O Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel (2001), papel que lhe rendeu uma indicação ao Oscar na categoria de ator coadjuvante.

Prata: cineasta de respeito!

2º Deuses e Monstros (1998)
É difícil acreditar que um ator tão espetacular tenha apenas uma indicação ao Oscar de melhor ator e que ainda perdeu a estatueta para Roberto Benini! McKellen era o favorito na categoria quando encarnou James Whale, mestre do horror do cinema nos anos 1930. Foi Whale que moldou Frankenstein em sua imagem clássica no cinema. O filme narra quando Whale volta para a casa em 1957 para se recuperar de um AVC com a companhia de sua governanta mal humorada (Lynn Redgrave), um jardineiro com pinta de galã (Brendan Fraser) e seus fantasmas do passado (especialmente do período em que serviu na Guerra da Coréia). McKellen está magistral na pele do personagem, mas perdeu o Oscar por doses de preconceito da Academia, já que Ian é declaradamente gay, assim como Whale. 


Ouro: roteiro de respeito!
1º Ricardo III (1995) 
McKellen é ator desde a década de 1960, sendo glorificado no teatro londrino. Ironicamente foi quando ele levou para as telas a sua versão moderna do shakesperiano Ricardo III que o cinema viu sua força. Ambientado na década de 1930, onde Ricardo é apresentado em meio a uma guerra civil que será manipulada para que chegue ao poder. Com narrativa forte (e referências que remetem à ascenção nazi-fascista vivida pela Europa no período) e atuação explosiva de Ian (que várias vezes conversa com a câmera), o ator mostrou que a aposentadoria estava cada vez mais distante. Embora desconhecido pelo grande público (que o considera um tanto árduo) foi este filme que criou uma nova era na carreira de Sir Ian McKellen (e precisa dizer que foi aqui que o ator se tornou um dos meus favoritos de todos os tempos?).

DVD: O Hobbit - A Desolação de Smaug

Freeman: melhor que o anterior. 

Sei que fui muito severo com meus comentários sobre O Hobbit - Uma Jornada Inesperada (2012) e demorei uma eternidade para assistir a nova aventura da recente trilogia de Peter Jackson sobre o universo de J.R.R. Tolkien. A verdade é que precisam de muita criatividade para criar três filmes de mais de duas horas baseado em um livro de 310 páginas! Sem a necessidade de apresentar o universo pré-Sociedade do Anel como no Hobbit anterior, A Desolação de Smaug consegue ser bem mais envolvente ao começar sua narrativa no ponto exato onde o filme anterior parou. O mago Gandalf (Ian McKellen), Bilbo Bolseiro (Martin Freeman) e treze anões liderados por Thorin Escudo de Carvalho (Richard Armitage) continuam sua jornada em busca do tesouro guardado pelo dragão Smaug na Montanha Solitária. Cabe a Bilbo roubar a pedra Arken para derrotar Smaug, mas até lá os personagens enfrentarão outros perigos. Seja a desconfiança dos Elfos (liderados pelo afetado sombrancelhudo Lee Pace - que parece ser a escolha favorita de Hollywood para encarnar vilões de fantasias atualmente), a brutalidade dos orcs ou a falta de hospitalidade dos habitantes da Cidade do Lago. O fato é que A Desolação de Smaug funciona melhor do que o anterior, talvez seja pelo tom de aventura constante ou por saber conduzir melhor as expectativas dos fãs conquistados com O Senhor dos Anéis. Nesse quesito, vale citar a presença de Legolas (Orlando Bloom, voltando ao único papel que funciona em sua pífia carreira)servindo para introduzir uma nova personagem, Tauriel (Evangeline Lilly), chefe da guarda élfica  - que tem um carinho especial de Legolas. Talvez pela impossibilidade de viver o romance proibido com seu elfo favorito (herdeiro nobre do trono elfo), ela se apaixona pelo anão Kíli (Aidan Turner). Parece pouco, mas a adição dos sentimentos desses personagens na trama fazem a diferença. Outro acréscimo importante é Bard (Luke Evans), um arqueiro descendente do Lorde de Dale e que sustenta a família catando barris, mas que tem a oportunidade de mudar de vida se ajudar os elfos. Neste episódio, o tom de aventura está anabolizado pelas relações entre os personagens, diferente do filme anterior que padecia de grande fragilidade nesse quesito. Apesar da agilidade marcante no combate entre elfos e orcs, o ponto alto é mesmo o encontro de Bilbo com Smaug (ainda que eu ache todo o estardalhaço sobre a captura das expressões de Benedict Cumberbatch para o dragão um grande exagero), ainda que (tal e qual no filme anterior) Bilbo passe sem ter o que fazer até o ápice da narrativa. Acho que não precisa dizer que os efeitos especiais impressionam e que os cenários virtuais são belíssimos em toda sua altíssima definição de quadros, mas vale ressaltar que em termos narrativos, Peter Jackson compõe seu retorno à Terra Média de forma muito parecida com a trilogia anterior, onde um episódio mostra-se melhor desenvolvido que o anterior. A Desolação de Smaug é o recheio do livro, o momento onde as tramas anunciam o ponto alto da narrativa e, por isso mesmo, torna-se mais envolvente para motivar o leitor /espectador a conhecer o desfecho. Jackson apresenta aqui todos os elementos que precisa para fazer A Batalha dos Cinco Exércitos (com lançamento previsto para 11 de dezembro no Brasil) ser o melhor da série -  com o anunciado devastador reencontro de Smaug com personagens que temiam seu retorno à Cidade do Lago. 

O Hobbit - A Desolação de Smaug (EUA/Nova Zelândia-2013) de Peter Jackson com Martin Freeman, Ian McKellen, Orlando Bloom, Evangeline Lilly e Lee Pace. ☻☻☻

sábado, 20 de setembro de 2014

DVD: Vida de adulto

Emma e John: crescimento em humilhações. 

Deve haver uma centena de filmes que dizem que crescer não é uma das tarefas mais fáceis do mundo. Talvez grande parte deles invista em dramas profundos para dizer isso e uma pequena porcentagem deles consiga rir das dores do crescimento. O diretor Scott Coffey soube como decorar a jornada de sua heroína recém formada - e especializada em poesia - com alguns elementos interessantes que conferem bastante graça quando ela decide seguir a carreira de escritora. É engraçado como sua idolatria por Sylvia Plath leva sua heroína a flertar com o suicídio para parecer profunda, ou como suas pretensões servem menos para conseguir um emprego e mais para criar dívidas para os seus pais. Assim, o roteiro de Andy Cochran serve para dar a medida exata do quanto Amy (a promissora Emma Roberts) se julga adulta o suficiente para ser uma revelação da literatura americana (quiçá mundial), mas ainda é jovem demais para conseguir se bancar sozinha. As coisas pioram quando numa discussão com os pais ela resolve sair de casa e consegue emprego numa loja de apetrechos sexuais fundada por um casal de idosos e gerenciada pelo simpático Alex (Evan Peters, o celebrado Mercúrio de X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido/2014). Ainda sem lugar para morar ela vai morar com uma transexual chamado Rubia (o engraçado Armando Riesco) e sua vida muda ainda mais quando ela encontra seu escritor favorito, Rat Billings (John Cusack) - que ela cisma que terá de ser mentor em sua jornada junto ao reconhecimento público. No entanto, Rat considera que Amy ainda precisa melhorar um bocado para ser uma escritora convincente e, um bom caminho para isso, é fazê-la parar de ter medo da vida e obrigá-la a viver um pouco mais antes de tornar-se a escritora que ela almeja ser. Vida de Adulto é um filme que consegue ser até original em sua condução, afinal, tem uma protagonista que escapa por pouco da antipatia da plateia (afinal, ela se beneficia da fofice de Emma Roberts, que sabe expressar que sua personagem não é chata, mas apenas padece daquela sensação de ser indestrutível tão comum nos jovens), no entanto, ela cultua um antipático de marca maior, já que Rat é pedante e não terá pudores em ofender sua fã no que ela tem de mais valioso: seu orgulho. Embora Amy se machuque no caminho (com direito até a uma noite onde ela tenta seduzir seu ídolo de uma forma hilariante - chamado carinhosamente, por ele de "a noite da bruxa"), Scott Coffey nunca deixa seu filme ser desagradável, pelo contrário, sempre escolhe um viés cômico para as situações em que a personagem se mete (incluindo as mais humilhantes). O mais curioso do filme é que embora seja ambientado nos anos atuais com presença de manifestantes, transex, críticas ao culto às celebridades e comércio de pornografia, Amy ainda possui um olhar anacrônico sobre o mundo, um certo romantismo que parece deslocado, mas que ao mesmo tempo, encontrará sua alma gêmea num lugar onde a plateia já imaginava desde o início. O mais bacana é que depois de chegar ao fundo do poço de suas aspirações (ironicamente participando de uma coletânea de jovens escritores montada por Billings), Amy encontrará seu caminho por um lado inesperado dos seus dotes literários (e que dede o início nota-se um certo medo da personagem explorar). Vida de Adulto consegue criar um retrato da escolha de uma carreira (que pode ser diferente da profissão que lhe sustenta ou do que ambiciona para sua vida) misturando referências diversas. O resultado é maldosamente divertido (especialmente para quem já superou essa fase). 

Vida de Adulto (Adult World/EUA-2013) de Scott Coffey com Emma Roberts, John Cusack, Evan Peters e Armando Riesco. ☻☻☻

CATÁLOGO: Um Verão Para toda Vida

Cormie (de óculos) e Daniel (à direita): passatempo agradável. 

Antes de embarcar em produções polêmicas para se afastar de Harry Potter (como a peça Equus e o filme Versos de Um Crime/2013), Daniel Radcliffe topou fazer um filme australiano modesto, bem feito e cheio de boas intenções. Entre A Ordem da Fênix (2007) e O Enigma do Príncipe (2009), Radcliffe encarnou o jovem órfão Maps em Um Verão Para Toda Vida. Embora seu nome e imagem recebesse destaque no pôster, o seu personagem é apenas coadjuvante do desconhecido (bom) ator mirim Lee Cormie. Cormie vive o esperto Misty, que assim como Maps, Sparks e Spit (Christian Byers e James Fraser) vive num orfanato australiano esperando o dia em que alguém irá adotá-los. O fato é que, com o passar do tempo, sabem que as chances de um casal escolher qualquer um deles é cada vez menor - já que estão cada vez mais próximos da adolescência. No entanto, algo além da amizade une os meninos, já que os quatro nasceram no mês de dezembro e, num verão da década de 1960, irão passar alguns dias na casa de um casal de idosos no litoral. O que poderia ser visto somente como um presente, ganha novos contornos quando Misty descobre que um jovem casal de moradores pretende adotar um dos quatro amigos. A partir daquele momento, Misty (que já é bastante carismático), torna-se ainda mais gentil, prestativo e divertido com seus anfitriões, enquanto os outros continuam se dedicando às mesmas travessuras de antes. Essa parece ser a trama principal do filme - incluindo o momento em que os amigos sentem que foram traídos por Misty - mas existem subtramas que ajudam a preencher mais de hora e meia de filme: o aspecto fabuloso de um peixe misterioso que vive nas redondezas, passando pela doença da senhora que acolhe os meninos, o romance de verão de Maps com uma garota das redondezas e um pouco do mito paternal sobre o futuro pai adotivo. No geral, o filme de Rod Hardy é agradável de se assistir, com bela fotografia, locações de encher os olhos, trilha sonora correta e um climão daqueles que o Oscar costuma adorar. No entanto, o maior problema do filme é o roteiro baseado no livro de Michael Noonan. Embora as crianças sejam carismáticas e exista um conflito aqui e outro ali (principalmente com o personagem de Daniel Radcliffe que vive seu primeiro amor, enquanto percebe que ter um pai para ele não é tão importante quanto para os outros - e outros dilemas que evidenciam que como ator Daniel ainda estava bastante cru), a narrativa ainda parece uma colagem de causos veraneios na vida dos meninos. Isso não chega a estragar a sessão, mas atrapalha um pouco a fluência da história que soa sempre fragmentada e um tanto frouxa. Porém, um drama sobre órfãos sempre funciona se escolher as crianças certas e Um Verão Para Toda Vida tem essa sorte. 

Um Verão Para Toda Vida (December Boys/Austrália-2007) com Lee Cormie, Daniel Radcliffe, Christian Byers, James Fraser, Jack Thompson, Teresa Palmer, Sullivan Stapleton, Victoria Hill e Max Cullen. ☻☻☻

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Combo: Beatniks

O movimento Beat foi marcante no mundo artístico-cultural do pós-guerra, nele a prosa despojada marcava histórias sobre sexo, drogas e álcool eram mescladas à uma certa desilusão com as convenções literárias do período. Os escritores que construíram esse estilo se tornaram vozes de uma geração e, recentemente, o cinema americano parece ter redescoberto esse universo. Ser beatnik não era apenas ser "boêmio rebelde", mas questionar politicamente as bases de algumas convenções que serviam de base para a cultura dos EUA. Esse combo é um pouco diferente, já que optei por escrevê-los dentro de uma cronologia e não por gosto pessoal: 

01 Versos de Um Crime (2013) Imagine que na década de 1940 a Universidade de Columbia era cursada por ícones do Movimento Beat em plena efervescência hormonal e - com a identidade sendo construída junto com a voz literária de cada um. Isso poderia render um grande filme, mas o diretor John Krokidas, ao colocar Allen Ginsberg (Daniel Radclliffe), Jack Kerouac (Jack Huston) e William Burroughs (Ben Foster) no mesmo lugar, preferiu explorar a atração que Ginsberg nutria por Lucien Carr (Denis DeHaan) - pelo menos até que esse muso iconoclasta se envolvesse num crime. Versos de Um Crime poderia ser um filme melhor se, subitamente, o julgamento da homossexualidade não se tornasse mais importante que a literatura. Assim, a gênese beatnik aparece quase reduzida aos hormônios da juventude inconsequente.  

02 Uivo (2010) Baseado no antológico livro de 1956 lançado por Allen Ginsberg,  o roteiro escrito e dirigido por Rob Epstein e Jeffrey Friedman  transpõe a obra para o cinema mesclando cenas de animação, passagens da vida de Ginsberg (encarnado por James Franco), narrativas em off e entrevistas dramatizadas. Franco tem uma atuação espetacular, reproduzindo até o tom profético que Ginsberg imprime à sua obra. Por versos como "Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura, morrendo de fome, histéricos, nus, arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca uma dose violenta de qualquer coisa...", O livro foi apreendido pouco depois de seu lançamento e julgado por ser considerado obsceno - e o filme, em uma de suas várias camadas, retrata esse julgamento da arte de seu autor. Sem medo de ser multifacetado, Uivo é o melhor filme dessa lista. 

03 Na Estrada (2012) Fazia tempo que Hollywood queria levar para as telas a versão do livro do clássico de Jack Kerouac, lançado em 1957, On the Road tornou-se  a Bíblia dos beatniks - e criou polêmica com sua prosa espontânea que busca reproduzir o fluxo da consciência de seu autor. O livro mistura sexo, drogas e álcool ao conceito de liberdade de dois amigos que cruzam os EUA de automóvel. Está na cara porque era tão difícil levar o filme para as telas, mas um brasileiro (que não desiste nunca) o fez! Walter Salles exibiu seu filme em Cannes e dividiu opiniões (vale lembrar que nem o livro é uma unanimidade perante a crítica) com a jornada de Sal Paradise (Sam Riley como alter ego de Kerouac) e Dean (Garrett Hedlund alter ego de Neal Cassady) contra as convenções do sonho americano. Apesar da produção caprichada e dos bons momentos do elenco (até Kirsten Stewart parece ter vida), Na Estrada padece por não dar força ao contexto da época, construindo quase um universo paralelamente oco em que transitam os personagens. O que era para ser uma viagem prazerosa se tornou um tanto tediosa...

04 Mistérios e Paixões (1991) Considerado infilmável por muitos, Naked Lunch  de William Burroughs foi editado pela primeira vez em 1959 e chamou atenção por suas mais de duzentas páginas de escrita solta, tramas paralelas,  bizarrices e escatológias. Somente um doido como David Cronenberg para ter coragem de levar esse emaranhado de ideias para o cinema com um verniz de filme noir surrealista. Bill Lee (o Robocop clássico Peter Weller) é um escritor fracassado que ganha a vida como dedetizador de insetos. Mas até essa carreira pouco empolgante está ameaçada, já que o produto que utiliza está acabando porque sua esposa viciou-se no produto. Incentivado por ela (Judy Davis, bem esquisita) ele experimenta o produto e dá início a uma viagem alucinógena repleta de criaturas grotescas. Cronenberg mistura Lee e Burroughs numa jornada ainda mais complicada que o livro - e instiga o espectador a embarcar no delírio da junção simétrica dos universos (um tanto desagradáveis) do cineasta e do escritor.    

05 Big Sur (2013) Lançado em 1962, o livro homônimo de Jack Kerouac tem um certo sabor de obituário. Com base nos retiros de Kerouacs na paradisíaca região de Big Sur (região central da Califórnia), Jack tenta se recuperar de sua deterioração física e psicológica no contato com a natureza - além de fugir do sucesso conquistado com a publicação de On The Road. Kerouac aparece mais velho (vivido por Jean Marc Barr) e um tanto amargurado com o resultado de sua obra e expectativa (rejeitando o título de "Pai dos Beatniks" e até a existência de um movimento Beat). Além disso, reencontra amigos (como o casal Neal Cassady, vivido por Josh Lucas e Carolyn Cassady, vivida por Radha Mitchell - papel que foi de Kirsten Dunst na versão de Na Estrada) enquanto lida com seus fantasmas. Seus conflitos vão atrapalhar seu envolvimento com com a romântica Willamine (Kate Bosworth). Big Sur funciona como uma espécie de ressaca após tudo o que vimos nos filmes anteriores dessa lista. 

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

DVD: Versos de um Crime

Kerouac, Ginsberg, Burroughs (ao fundo) e Lucien: a gênese beat.

Daniel Radcliffe fez fama e fortuna como Harry Potter na adaptação da milionária série literária de criada por J.K. Rowling. Por dez anos, o menino cresceu diante das câmeras. Antes de viver o bruxinho, Radcliffe tinha onze anos e apenas dois filmes no currículo. Quando a saga terminou ele já estava com vinte um anos, além de carregar na bagagem grandes desconfianças sobre o seu talento como ator. Essa desconfiança cria um dilema em qualquer jovem ator (Daniel comentou que  quando estava filmando a série refletia sobre o que a vida fora do personagem lhe reservava). Desde que os filmes (campeões de bilheteria) do pequeno feiticeiro chegaram aos fim, Daniel tem se dedicado a filmes que o distanciem do famoso personagem. Assim foi parar no terror A Mulher de Preto/2012, na série Diário de um Jovem Médico /2012-2013 (que tem se revelado o seu melhor trabalho) e outros três filmes (de sucesso modestíssimo) lançados no ano passado que o fizeram perceber algo que não se dera conta: quando se afasta do personagem que o consagrou, ao mesmo tempo, corre o risco de se distanciar dos fãs que conquistou na pele do mesmo personagem. Não que Radcliffe tenha que se preocupar com dinheiro, sua maior preocupação é manter a carreira. Auge desse processo de distanciamento de Harry Potter (e seus fãs) foi esse Versos de um Crime de John Krokidas, que foi exibido em alguns festivais de cinema independente com a proposta de mostrar a adolescência dos escritores que mudariam a literatura americana com o movimento beat. Trata-se do período em que os escritores Allen Ginsberg (Radcliffe), Jack Kerouac (Jack Huston) e William Burroughs (Ben Foster, perfeito) ainda cursavam a faculdade na década de 1940 e começavam a digerir as experiências que moldariam o estilo de escrita que os tornariam ídolos da chamada beat generation. É interessante a ideia de abordar os personagens na rigidez do espaço acadêmico para se contrapor ao discurso hedonista de espontaneidade e não conformidade com os padrões vigentes na época que construíram (anos depois o movimento seria até confundido com a cultura hippie).  No entanto, o filme tem alguns problemas na hora de conduzir os desejos dos personagens, já que o roteiro mostra-se um tanto empolado. O protagonista é Allen (numa atuação correta de Radcliffe), um jovem tímido com receio de estar condenado a viver sob sombra do pai (o poeta Louis Ginsberg vivido por David Cross) e o fantasma da loucura da mãe (Jennifer Jason Leigh). Quando Allen é aprovado para estudar na renomada Universidade de Columbia, seus interesses pelos estudos é ofuscado pela atração que sente por Lucien Carr (Denis DeHaan), um jovem rico e iconoclasta que vive uma confusão amorosa com um homem mais velho chamado David Kammerer (Michael C. Hall). Lucien e David são amigos do esquisito William Burroughs  (que é esperto demais para expressar empolgação com qualquer coisa que acontece durante o filme), mas é quando Kerouac aparece mais próximo de Lucien, que os amigos se metem em travessuras e crises de ciúme. Krokidas é muito esperto em tingir as relações dos jovens no filme com doses de homoerotismo, principalmente quando um crime acontece (e isso não é SPOILER já que o filme começa revelando isso) e ele é motivado pelo mesmo desejo que Allen tenta sufocar com tanto sacrifício (embora falte liga entre Daniel e Denis). No entanto, mais uma vez, falta uma contextualização vigorosa do período que motivou os personagens a construir seu estilo literário, no lugar disso temos um roteiro mediano embalado por uma edição muito ruim. Bastava acentuar os conflitos dos personagens com a ortodoxia do mundo acadêmico (o próprio título original "Mate seus ídolos" e alguns conflitos de Allen com um professor são aperitivos do que o filme poderia ter sido). Do jeito que aparece, a inspiração beat é motivada principalmente pelos anseios de um jovem riquinho, egocêntrico e antipático (vivido muito bem por DeHaan) capaz de inspirar escritores (muuuito) mais talentosos do que ele. O que salva a sessão é o elenco esforçado e cenas como de Allen encontrando a sua voz literária que ganharia os contornos magistrais em O Uivo, que lançado em 1956 se tornou uma das obras mais importantes da literatura americana. No entanto, a ideia de Versos de um Crime talvez seja de não ser mais do que um esboço do que seus personagens se tornariam nos anos seguintes. Se curtiu o filme eu recomendo ver James Franco na pele de Ginsberg no ótimo Uivo (2010)

Versos de Um Crime (Kill your Darlings/EUA-2013) de John Krokidas com Daniel Radcliffe, Denis DeHaan, Michael C. Hall, Ben Foster, Jack Huston, Jennifer Jason Leigh e ELizabeth Olsen. ☻☻

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Na Tela: Sem Evidências

Reese: sem chegar a lugar algum. 

Sempre acho estranho quando resolvem pegar a história de um documentário e a transformar em um filme com personagens, atores, roteiro... Isso aconteceu com o documentário de José Padilha, Ônibus 174 (2002) que se tornou uma unanimidade documental, mas que se tornou o pífio drama Última Parada 174 (2008) nas mãos de Bruno Barreto, recentemente o mesmo ocorreu com GasLand (2010) que de documentário indicado ao Oscar virou o drama esquecido Terra Prometida (2013) escrito e estrelado por Matt Damon. Esses exemplos ilustram bem que o gênero documental pode não ser muito querido do grande público, mas permite uma abordagem mais completa do que as necessidades dramatúrgicas de outros gêneros. Sem Evidências de Atom Egoyan é mais um filme a entrar para esse grupo, sendo que já começa com a desvantagem de não contar em quase duas horas de duração o conteúdo de um documentário, mas de uma trilogia chamada Paradise Lost. O primeiro filme (com o subtítulo: Assassinatos de Crianças em Robin Hood Hill) foi lançado em 1996 e ganhou um Emmy por suas qualidades narrativas ao contar a triste história de três adolescentes acusados de matar três crianças na cidadezinha em que moravam. O segundo filme (com o subtítulo Revelações) foi lançado em 2000 e abordava as novas evidências que questionavam as circunstâncias em que os três adolescentes foram considerados culpados do crime (o filme foi indicado ao Emmy). O terceiro episódio (Purgatório) veio a público em 2011 e foi indicado ao Oscar por mostrar como as provas ignoradas na época do crime (incluindo um exame de DNA) inocentaram os jovens acusados mais de vinte anos depois do crime. Como dá para perceber, trata-se de uma das condenações mais polêmicas da história da justiça americana, tornando necessário um bocado de eloquência para fazer a coisa funcionar num único longa-metragem. O drama criminal começa bem ao montar o cenário da tragédia com os três meninos andando de bicicleta rumo ao bosque onde a tragédia acontecerá, consegue partir nosso coração quando os corpos são encontrados e instiga o espectador conforme surgem provas que são ignoradas no tribunal durante um julgamento de cartas marcadas. Egoyan mostra a histeria coletiva por vingança que cega a cidade sem muito esforço, mostrando como os boatos de seitas obscuras tornam-se bodes expiatórios para a cidade ocultar a incompetência ao lidar com as investigações. O simples fato dos jovens acusados gostarem de Heavy Metal já serve de evidência para o crime! O filme opta por uma edição fragmentada, cheia de idas e vindas, que dificulta ao espectador a acompanhar os rumos da investigação que envolve vários personagens (a maioria sub-aproveitados como o jovem instável vivido por Dane DeHaan ou a mãe maluquete encarnada por Mireille Enos). Mesmo contando com os oscarizados Reese Whiterspoon (como a mãe de um dos meninos) e Colin Firth (como um auxiliar da defesa), o filme nunca desenvolver eus personagens como deveria, optando por ficar em cima do muro em nome da imparcialidade. O resultado torna-se um tanto frustrante por acompanharmos várias pistas aparecendo e sendo descartadas rapidamente, deixando pontas soltas e interrogações sobre o caso. Sem uma direção a seguir (o roteiro podeira escolher qualquer personagem e acompanhar seu ponto de vista sobre o crime - ele até parece que fará isso com os personagens de Colin e Reese, mas a ideia se perde pelo caminho) o filme padece de um roteiro preguiçoso que se perdeu diante dos dados ricos que tinha em mãos. Egoyan é um bom cineasta e consegue envolver o espectador sobretudo quando repete um pouco os ingredientes que remetem à sua obra-prima (O Doce Amanhã/1997), sobretudo quando mostra o que há escondido debaixo dos cidadãos comuns da cidadezinha... mas o diretor erra ao pesar a mão para comover o espectador (com uma tragédia dessas  nem precisava, mas ele insiste e algumas cenas melodramáticas são quase risíveis). Por suas falhas Sem Evidências tem o gosto de uma confusa perda de tempo, uma história mal desenvolvida e sem saber muito bem para onde ir, sendo assim, mais uma vez, os documentários ganharam a disputa. Se você ficou interessado pela história e quer mais detalhes, veja a trilogia Paradise Lost/Paraíso Perdido, já que Egoyan alcança um desenvolvimento pior que as matérias criminais do Fantástico

Sem Evidências (Devil's Knot/EUA-2014) de Atom Egoyan com Colin Firth, Reese Whiterspoon, Alessando Nivola, James Hamrick, Seth Meriwwther, Amy Ryan, Bruce Greenwood, Dane DeHaan e Elias Koteas. ☻☻

domingo, 7 de setembro de 2014

DVD: Kick Ass 2

Coronel, Hit Girl, Kick e Motherfucker: menos fôlego que o anterior. 

Sequências são sempre complicadas, a de Kick-Ass parece ter sido mais ainda. Quando os quadrinhos de Mark Millar ganharam vida pelas mãos de Matthew Vaughn (2010) dividiu opiniões com seu humor regado à violência dos adolescentes no combate ao crime. Cenas de violência crua se fundiam à estética atraente criada para a sessão. A bilheteria em solo americano não chegou a chamar atenção, mas a presença do filme em várias listas de melhores do ano, além de ter aparecido entre indicados a premiações importantes, deram ao longa uma aura cult irresistível. No entanto a Universal relutou um bocado em dar sinal verde para a continuação. Tanto que Kick-Ass 2 chegou às telas somente três anos depois. Nesse meio tempo, seus astros Chloë Grace Moretz e Aaron Taylor-Johnson se tornaram requisitados para várias produções de Holywood enquanto distanciavam-se ainda mais da idade dos personagens. Quando o filme estreou todo mundo sabia o que lhes esperava, no entanto, a direção esperta de Matthew Vaughn fez falta na costura das cenas. Kick-Ass 2 está longe de ter a inventividade, fluência e graça do primeiro filme, já que o diretor Jeff Wadlow (que não fizera nada de relevante até aqui) torna as cenas de ação em grande bagunça e os personagens ficam menos interessantes. Kick-Ass (Aaron) não tem muito o que fazer em cena além de tentar convencer Hit Girl (Chloë) a se juntar a um grupo de heróis urbanos mascarados esquisitos - com discursos tão estranhos quanto seus nomes: Dr. Gravidade (Donald Faison), Vadia da Noite (Lindy Booth), Homem-Inseto (Robert Emm), Tommy's Parents (Monica Dolan e Steven Mackintosh) e Coronel (Jim Carrey, numa paródia do psicótico Comediante de Watchmen)... afinal, Hit Girl depois da morte do pai, mora com um policial bem intencionado (Morris Chestnut) que lhe pede para deixar a carreira de justiceira para trás. O problema é que na pele da inofensiva Mindy, a heroína passa maus bocados com as garotas mais populares da escola. Essa parte escolar do filme é tratada da forma mais insípida possível, deixando mais destaque para o retorno do riquinho Chris D'Amico (Christopher Mintz-Plasse), deixando o codinome Red Misty para trás e virando o supervilão Motherfucker, que recruta uma legião de seguidores maldosos para se vingar dos heróis - com destaque para a parruda Mãe Rússia (Olga Kurkulina). Ainda que funcione como passatempo, as cenas de ação são menos elaboradas que as vistas na primeira aventura dos personagens, da mesma forma, o filme carece de um ápice tão dramático quanto a que vimos anteriormente - embora aqui envolva o pai de um personagem como no anterior. O filme termina de forma irregular, sendo salvo da bobagem absoluta apenas pelo seu trio de jovens astros em ascensão, no entanto, o roteiro lhes reserva muito pouco para fazer nessa aventura, ou talvez, o diretor que não soubesse muito bem o que fazer com os personagens que tinha em mãos. Sem uma "causa" a defender (um retrato realista dos heróis em choque com o mundo real) o filme não empolgou nas bilheterias (a bilheteria americana mal rendeu lucro) e a terceira aventura de Kick-Ass nas telas ficou comprometida, enquanto Jeff Wadlow já tem seu próximo projeto agendado: o X-Force da Marvel previsto para 2016. 

Kick Ass 2 (EUA-2013) de Jeff Wadlow com Aaron Taylor-Johsons, Chloë Grace-Moretz, Christopher Mintz-Plasse, Jim Carrey, John Leguizamo e Olga Kurkulina. ☻☻☻

DVD: Amante a Domicílio

Turturro: sedutor convincente. 

John Turturro já contabiliza quase cem filmes em seu currículo de ator. Embora continue requisitado para todo tipo de filme, Turturro teve o auge de sua carreira nos anos 1990, onde fez papéis importantes em Barton Fink (1991), Quiz Show (1994) e A Trégua (1997). Sendo um dos atores favoritos dos irmãos Coen e de Spike Lee, o ator também se interessa pela direção de filmes, tanto que já soma seis longas em sua carreira como cineasta. Nenhum deles chegou a se tornar um sucesso, mas Amante a Domicílio (2014) chegou bem perto disso com seu baixo orçamento e narrativa simpática ancorada no talento de um elenco bastante eficiente. Além de dirigir, Turturro (que está longe de ser bonito) convence como um tipo rusticamente atraente que, meio que por acaso, acaba fazendo programas através do pedido de um amigo, o judeu Murray (Woody Allen). Murray, em uma consulta com a dermatologista, descobre que ela tem a fantasia de realizar um ménage com uma amiga e um homem desconhecido. Murray tem apenas que convencer o desconfiado Fioravante (Turturro) a aceitar o serviço. Curiosamente, o desconforto de Fior é encarado como sensualidade pela dermatologista (que é vivida por Sharon Stone) que acaba fazendo propaganda do moço para a tal amiga (Sofia Vergara), que na verdade é sua amante (mas o filme não polemiza essa relação). Não demora muito para que Murray descole outras clientes para o amigo, sempre recebendo uma parte do que Fior recebe pelos serviços prestados. No entanto, não espere cenas de sexo e baixarias, Turturro tem mais interesse em abordar os sentimentos que se revelam na relação do protagonista com as mulheres que cruzam seu caminho. A carreira do protagonista no mundo dos programas é bastante promissora até que Avigail (a francesa Vanessa Paradis), viúva de um rabino cruza o seu caminho. Diante das regras que ela deve seguir, o relacionamento entre os dois deixa o sexo sempre para depois, dando espaço para sentimentos mais sutis que desestabilizam a carreira do moço. Para piorar ainda mais, os encontros entre os dois chamam a atenção da patrulha do bairro (especialmente do policial vivido por Liev Schreiber) e rendem até um julgamento de Murray pela cafetinagem que anda praticando no bairro. Amante a Domicílio, apesar de sua temática, é bastante inofensivo e apesar de nunca aprofundar demais os seus personagens, consegue lhe conferir bastante humanidade e simpatia, algo raro nas comédias atuais. Apesar das personagens femininas marcantes e da presença de Woody Allen como um coadjuvante de luxo, o destaque vai mesmo para John Turturro que transpira sex appeal  ressaltando alguns de seus atributos e sendo profundamente econômico em cena (deixando as impressões por conta da plateia), o que não é pouco para um ator que costuma ser um patinho feio em Hollywood.

Amante a Domicílio (Fading Gigolo/EUA-2014) de John Turturro com John Turturro, Woody Allen, Sharon Stone, Vanessa Paradis, Liev Schreiber e Sofia Vergara. ☻☻☻

sábado, 6 de setembro de 2014

DVD: A UM PASSO DO ESTRELATO

backing vocals: os altos e baixos da carreira. 

O documentário The Act of Killing foi um dos filmes mais celebrados de 2013, recebendo vários prêmios (incluindo o BAFTA) e se tornando o favorito na cerimonia do Oscar/2014 na sua categoria. Portanto, foi uma enorme surpresa quando o longa metragem de Joshua Oppenheimer perdeu sua estatueta para este A Um Passo do Estrelato. Seria uma grande perda de tempo comparar os dois para tentar entender os motivos, já que são completamente diferentes. A Um Passo do Estrelato aborda o universo americano das cantoras de apoio, as popularmente conhecidas como backing vocals, explorando, principalmente, o curioso fato de suas vozes ficarem conhecidas em sucessos de diversos artistas - sem que elas se tornem estrelas reconhecidas pelo público. O documentarista Morgan Neville entrevista várias dessas cantoras e revela suas histórias e os desfechos nem sempre felizes de suas carreiras. Partindo da revolução causada na música quando o backing vocal "certinho" abriu espaço para as interpretações de cantoras negras (ou seja, de outra forma de defender a melodia das composições) chegando à última cantora de apoio de Michael Jackson, A Um Passo do Estrelato consegue comover o espectador enquanto mergulha numa viagem ao passado embalado por belas vozes. De cantoras veteranas como Tatá Vega (que atribui aos preconceitos a dificuldade de sua carreira solo), Darlene Love (que teve problemas sérios com o produtor Phil Spector), Merry Clayton (responsável pela voz de "Sweet Home Alabama" do Lynyrd Skynyrd, "Gimme Shelter" dos Rolling Stones e muitos outros clássicos) até as mais recentes como Lisa Fischer (que tem um Grammy como artista solo, mas canta com os Rolling Stones desde 1989) e Judith Hill (a protegida de Michael Jackson que cantou no funeral do Rei do Pop), o filme tenta abordar vários aspectos desse universo - e talvez por durar 91 minutos, alguns parecem ter ficado pelo meio do caminho. Afinal, o filme aborda a ascensão em meio a luta pelos direitos civis, o trabalho com ícones como Ray Charles, Luther Vandross, Tina Turner, passando pelos trabalhos com o rock inglês de David Bowie, Sting e Rolling Stones (incluindo entrevistas com a Srª Brown Sugar em pessoa) até as dificuldades de ganharem espaço no competitivo mundo da música. O resultado por não ser bilhante, mas cumpre o seu papel de homenagear com um olhar atento, por vezes melancólico, essas cantoras extraordinárias. 

A Um Passo do Estrelato (Twenty Feet from Stardom/EUA-2013) de Morgan Neville com Merry Clayton, Lisa Fischer, Judith Hill, Darlene Love, Tata Vega, Mick Jagger e Bruce Springsteen. ☻☻☻☻ 

CATÁLOGO: Café da Manhã em Plutão

Gatinha: Cillian vestido para... usar spray?!?

Sempre tenho a impressão que os produtores não sabem muito bem o que fazer com o irlandês Cillian Murphy. Ele chamou a atenção pela primeira vez no drama indie O Clube dos Suicídas (2001), mas somente no ano seguinte sua carreira cresceu em escala mundial quando Danny Boyle o escolheu para viver o herói de Extermínio (2002).  Prestes a completar quarenta anos, o ator está bem longe de ser o galã adolescente que queriam que fosse, ao contrário, gasta seu tempo atuando principalmente em produções independentes (sejam americanas ou europeias), mas de vez em quando aparece em uma superprodução (especialmente se for dos amigos Christopher Nolan ou Danny Boyle). Avaliando seu currículo, podemos perceber que o filme que lhe colocou no radar das premiações foi esse Café da Manhã em Plutão de Neil Jordan, onde o ator vive uma travesti que acaba sendo acusada de ter relações com o IRA. Murphy foi indicado a vários prêmios, incluindo o Globo de Ouro, por sua atuação bastante feminina  num filme que não tem medo de fazer humor ao abordar um período delicada da história da Irlanda. Baseado no livro de Patrick McCabe, Breakfast é mais ou menos o que o título promete: um delírio! Da cena de abertura em que Patrick "Gatinha" Braden (Cillian) aparece loura empurrando um carrinho de bebê, passando pelos passarinhos falantes do início e a infância do menino abandonado na porta de uma igreja, o filme de Neil Jordan pode ser considerado provocador demais para os puristas. Patrick cresce com a vontade de partir para Londres e conhecer a mãe que o abandonou (sua única referência é que ela parecia com uma atriz muito desejada na época), sobre sua origem ele tem apenas a suspeitas de que seu pai era o padre da região (vivido por Liam Neeson). Patrick sabe o que quer desde pequeno, para o desespero de sua mãe adotiva e da escola que não permite que o moço expresse suas angústias da forma que seu estilo fabuloso deseja. Patrick cresce transexual, encarando sua feminilidade de forma bastante natural, por vezes confundindo até os outros que o cercam. Nesse ponto a atuação de Murphy é fundamental, uma vez que seus traços andróginos e físico franzino são trabalhados para que soe realmente como uma mulher. No entanto, na década de 1970, a vida de Patrick é invadida pela ação do Exército Republicano Irlandês em várias ocasiões, seja através do amante  roqueiro que está metido com o armamento do IRA, com o amigo de infância que se mete em confusão e até com um atentado que o faz padecer na mão de policiais. Mesmo nesses momentos, o cineasta tem o maior cuidado em deixar o filme com um tom fabuloso, ao ponto de sempre abordar sutilmente os envolvimentos amorosos do protagonista (o mais declarado ocorre com o mágico vivido por Stephen Rea). Embora a narrativa episódica prejudique a fluência dos fatos, Café da Manhã em Plutão é uma espécie de Forrest Gump/1994 purpurinado ao mesclar situações reais com um personagem desconhecido. Figurinos caprichados, trilha sonora impecável e uma atuação antológica de Cillian Murphy (que depois vestiu-se de mulher novamente no soturno A Face Oculta/2010), Café da Manhã em Plutão é um filme pouco conhecido ainda esperando por reconhecimento.

Café da Manhã em Plutão (Breakfast on Pluto/Irlanda - Reino Unido/2005) de Neil Jordan com Cillian Murphy, Liam Neeson, Stephen Rea, Laurence Kinlan, Brendan Gleeson e Bryan Ferry. ☻☻☻☻

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

4EVER: Joan Rivers

(8 de junho de 1933 - 04 de setembro de 2014)

Joan Alexandra Molinski tornou-se uma lenda da comédia americana. Com voz rouca, sotaque nova-iorquino e humor ácido, foi uma das primeiras mulheres a fazer apresentações de stand up comedy, além de revolucionar o conceito de abordar o mundo das celebridades. Depois de anos de sucesso na TV ela poderia se aposentar e ficar conhecida somente pelas cirurgias plásticas (segundo ela, foram 734),  mas ela preferiu liderar o divertido "Fashion Police", fazer shows, participar de filmes (de Smurfs à Homem de Ferro 3) e lançar livros. Em um deles chegou a descrever como deveria ser o seu funeral para a filha Melissa: "Quando eu morrer (e, sim, Melissa, esse dia vai chegar; e, sim, Melissa, tudo está no seu nome), quero que meu funeral seja um grande evento do showbiz, com luzes, câmeras e ação. Quero buffet, paparazzi, e assessores de imprensa roubando a cena. Quero que seja bem hollywoodiano. Quero Meryl Streep chorando com cinco sotaques diferentes. Não quero discurso fúnebre. Quero que Bobby Vinto segure minha cabeça e cante 'Mr. Lonely'! Quero estar incrível, melhor morta do que viva. Quero ser cremada com um vestido Valentino e quero que Harry Winston faça uma etiqueta para colocar nos meus pés. E eu quero também uma máquina de fazer vento para que, mesmo no caixão, meu cabelo fique voando como o da Beyoncé". Joan faleceu após complicações em uma cirurgia na garganta.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

DVD: Obsessão

McConaughey, Cusack, Kidman e Efron: noir do avesso. 

Obsessão é um filme que teve uma das trajetórias mais interessantes do cinema recente. Pra começar, o roteiro de Peter Dexter (baseado em seu controverso livro) andava de mão em mão entre os produtores de Hollywood. Lembro que no ano 2000 ele quase saiu do papel pelas mãos do espanhol Pedro Almodóvar - naquele que seria sua estreia no cinema americano. Ainda bem que Almodóvar pulou fora do projeto e o texto ficou esperando por Lee Daniels. Daniels ficou consagrado com Preciosa (2009), drama que era descaradamente exagerado e, por isso mesmo, tinha o sabor de uma fantasia virada do avesso. O prestígio serviu para que The Paperboy caísse em suas mãos e chamasse a atenção de atores renomados dispostos a embarcar numa produção que não pensa em criar um retrato bonito dos Estados Unidos. Esse detalhe é importante, já que o filme foi um dos mais aclamados quando foi exibido no Festival de Cannes em 2012 e quando foi lançado nos EUA, as críticas negativas se acumularam restringindo a atuação de Nicole Kidman ao páreo das premiações (mas sem fôlego para chegar ao Oscar). Apesar de Daniels utilizar  a época em que se passa a trama (entre a década de 1960 e 1970) para decorar a narrativa com a tensão racial durante a luta pelos direitos civis, o diretor explora outras tensões que a história permite abordar (principalmente a sexual, seja juvenil, homossexual, interracial, fetichista...). Narrado pela empregada negra da família Jansen (viviva pela cantora Macy Grey), o filme conta a história do jornalista Ward (Matthew McConaughey) que volta à  sua terra natal no sul dos EUA para polemizar a condenação de um homem à morte. Hillary Van Wetter (um soturno John Cusack) é acusado de matar o odiado xerife da cidade - que costumava instigar os crimes raciais na cidade - e quem lhe atribui inocência é Charlotte Bless (uma surpreendentemente vulgar Nicole Kidman - indicada co Globo de Ouro de coadjuvante), que satisfaz seu fetiche por foras da lei escrevendo cartas para prisioneiros. No entanto, Charlotte está apaixonada por Hillary, ao ponto de não notar que o cara vale menos que nada. Não demora muito para Ward e seu redator, Yardley (David Oyelowo) perceberem que não há uma gota de inocência em Hillary - mas o assunto promete dar projeção aos dois na mídia e por isso seguem com a matéria. Apesar do núcleo policialesco, o centro da narrativa é a atração do jovem Jack (Zac Efron) por Charlotte. Jack quase foi um nadador profissional, mas devido a alguns problemas de comportamento acabou se tornando entregador do pequeno jornal que seu pai (Scott Glenn) edita. Daniels brinca com o estilo noir para desconstruir a percepção da plateia sobre seus personagens, por isso, mesmo apelando para várias cenas de Jack sem camisa, ele mostra que debaixo de toda aquela musculatura também bate um coração (e verdade seja dita, Efron está muito bem num personagem de coração bom num mundo profano), assim como as toneladas de vulgaridade de Charlotte (que irá perceber a fria em que se meteu quando for tarde demais). O cineasta mergulha seus personagens num verdadeiro pântano de situações imprevisíveis (seja Jack recebendo banho de urina depois de ser atacado por águas-vivas ou a cena do orgasmo de Hillary e Charlotte na prisão - que é tão desconfortável quanto hilária, ao contrário da desagradável cena de Ward violado por vários homens num quarto de hotel). A medida que Daniels se afasta do que parecia ser o seu foco (o crime de Hillary), o filme busca fôlego no ar pesado das relações perigosas que se desenham entre os personagens até a tensão final.  Obsessão não quer divertir a plateia com a orgia imagética de violência e humor grotesco, mas criar um retrato (em fotografia saturada) sujo e suado  de uma época que costuma ficar esquecida na cinematografia americana. 

Obsessão (The Paperboy/2012) de Lee Daniels com Zac Efron, Matthew McConaughey, Nicole Kidman, Scott Glenn e John Cusack. ☻☻