segunda-feira, 31 de outubro de 2016

N@ Capa: Audrey por Maxwell Dickson


A Capa do mês de outubro foi baseada na obra do artista plástico Maxwell Dickson que ficou conhecido pelo uso de imagens de ícones da cultura pop e muitas cores em suas telas. A tela que homenageia Audrey Hepburn, a eterna Bonequinha de Luxo é apenas um dos exemplos do que o artista é capaz de criar num estilo de pop art que flerta com o trangressivo. Se quiser conhecer mais sobre a arte de Dickson você pode visitar o site do artista ou no Instagram. Abaixo algumas obras do artista em destaque:

Audrey Hepburn

Rihanna

Wolf Pack

World of Colors

Love Abundant

Game Time

HIGH FI✌E: Outubro

Cinco filmes assistidos em outubro que merecem destaque:

Capitão Fantástico (2016) de Matt Ross
☻☻☻☻

Dope - Um Deslize Perigoso (2015) de Rick Famuyiwa
☻☻☻☻

Kill Your Friends (2015) de Owen Harris
☻☻☻☻

Mascotes (2016) de Christopher Guest
☻☻☻☻

Terra Estranha (2015) de Kim Farrant
☻☻☻

sábado, 29 de outubro de 2016

§8^) Fac Simile: Nicole Kidman

Nicole Mary Kidman
Nosso repórter imaginário andava por Los Angeles e encontrou a atriz Nicole Kidman saindo de um restaurante. Mais alta, mais pálida e mais magra do que aparece nos filmes, Nicole concordou a responder cinco perguntas nessa entrevista que nunca aconteceu (e exigiu que em momento algum falasse duas palavras: Tom Cruise).

§8^) De vez em quando você diz que está cansada de filmar, no entanto você mantem uma média de três filmes por ano. Você realmente tem vontade de parar de fazer filmes ou isso é apenas para os diretores lhe oferecerem papéis interessantes?

Nicole Poxa, você descobriu a minha estratégia! Vontade de parar eu não tenho, mas quando começam a dizer que eu sou pé frio e que nenhum filme que faço se torna sucesso de  bilheteria isso me irrita profundamente. Eu sou uma atriz, minha preocupação é atuar bem. Quando interpreto uma mãe que perdeu um filho ou sofre num relacionamento abusivo eu não fico pensando "esse filme vai render 500 milhões de bilheteria". Eu penso apenas em atuar, esse papo de bilheterias eu deixo para a Marvel!

§8^) Quando você entra em crise você olha para a estante que guarda seu Oscar de melhor atriz por As Horas?

Nicole É! Eu tenho uma espécie de cantinho terapêutico em que guardo todos os prêmios, os três Globos de Ouro que já ganhei, as fotos com o pessoal do Oscar nas três vezes em que fui indicada e o prêmio de melhor atriz que dividi com Meryl (Streep) e Julianne (More) no Festival de Berlim!

§8^) E as pessoas pararam de criticar o seu botox?

Nicole É! Eu também dei uma maneirada! A verdade é que essa coisa de envelhecer é complicada! Ano que vem eu completo cinquenta anos e você percebe que não pode continuar se entupindo dessas coisas! Hoje eu me cuido, mas com menos paranoias! Além disso, nós ruivos sofremos muita pressão, todo mundo diz que nós envelhecemos mal! Eu escuto isso desde que tinha cinco anos! Haja terapia, meu amigo!

§8^) É verdade que você tem uma lista com todos os diretores que você quer trabalhar pregada na porta da geladeira?

Nicole Claro que tenho! Eu aprendi isso com T... aquele cujo o nome não pode ser mencionado! Mas agora eu comecei a fazer uma outra lista... eu percebi que preciso me livrar de algumas louras para poder trabalhar com alguns diretores! O David Lynch nunca vai me escolher para um filme enquanto a Laura Dern andar por aí! Sem falar na Jennifer Lawrence... enquanto essa menina não se aposentar o David O. Russell jamais irá trabalhar comigo!

§8^) Seus filmes não costumam ter continuações, existe algum personagem que você gostaria de reviver?

Nicole Quase fiz a continuação de Dogville, mas por problemas de... agenda eu acabei deixando o papel! Eu gostaria de fazer algo tipo Moulin Rouge II - A Vingança de Satine! Onde minha personagem volta para se vingar do Duke, seria algo tipo A Noiva Cadáver e eu nem precisaria de maquiagem para ficar pálida - o que em tempos de crise é muito significativo, não acha?

Na Tela: O Mestre dos Gênios

Law e Firth: relação paternal. 

Em sua estreia atrás das tela, o ator Michael Grandage escolheu adaptar o livro de A. Scott Berg sobre a trajetória de um dos editores mais importantes da literatura americana: Max Perkins. Perkins ficou famoso por lapidar obras consagradas de autores do porte de F. Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway, mas o filme se concentra em seu relacionamento com o jovem Thomas Wolfe, um autor desconhecido que até então percorria editoras com um livro gigantesco e que sempre era rejeitado. Perkins não apenas percebeu todo o talento e potencial do rapaz, como a ajudou a lançar seus livros que se tornaram sucesso de público e crítica. A partir do encontro dos dois personagens no ano de 1929, o roteiro se concentra na relação profissional criativa que existia entre os dois, mas também numa interação quase paternal entre os dois (alimentada ainda mais por Max viver numa casa com a esposa e suas infinitas filhas). Jude Law vive um Thomas Wolfe elétrico, falante de gestos e expressões tão marcantes que beiram a irritação, no entanto ressalta as qualidades e defeitos de uma pessoa capaz de escrever um livro com milhares de páginas para depois ter (uma enorme dificuldade) em rever seu texto. Seu total oposto é Colin Firth na pele de Perkins, contido e introspectivo sua atuação serve não apenas de contraponto mas também de porto seguro para o talento de Wolfe amadurecer. Embora o início escorregue nas literatices do universo em que está ambientado, o filme recebe corpo e torna-se interessante quando começa a inserir aspectos complicados da personalidade de Wolfe, com o ego inflado (principalmente por fazer sucesso num período ruim de vendas com a crise econômica americana) sua relação com a namorada atriz Aline Bernstein (Nicole Kidman, ótima quando precisa ser megera) despedaça e seu contato com F. Scott Fitzgerald (Guy Pearce convincente como o escritor mais elegante de seu tempo) - que estava em crise quando Wolfe estava em ascensão - é desastroso. Para quem curte literatura, os encontros entre ícones torna-se tão irresistível quanto as cenas em que editor e escritor lapidam junto uma das obras mais famosas de Wolfe. O Mestre dos Gênios merece ser visto por resgatar a história de um profissional pouco lembrado e importante para a história da literatura, além de Perkins vale relembrar Wolfe - que poderia ter se tornado o maior romancista de sua geração se o destino não houvesse lhe reservado um golpe tão cruel.

O Mestre dos Gênios (Genius / Reino Unido - EUA / 2016) de Michael Grandage com Colin Firth, Jude Law, Nicole Kidman, Laura Linney, Guy Pearce, Dominic West e Vanessa Kirby. ☻☻☻

PL►Y: Trash - A Esperança vem do Lixo

Eduardo, Rickson e Gabriel: para inglês ver. 

Somente com Billy Elliot (2000) e As Horas (2002) o inglês Stephen Daldry está entre os meus cineastas favoritos - aquele grupo seleto de diretores que  faz você esperar ansiosamente pelo próximo trabalho. Depois de O Leitor (2008) e Tão Forte e Tão Perto (2011) o diretor se firmou como um dos favoritos do Oscar, já que todas as suas obras foram indicadas em categorias importantes (três deles concorreram na categoria  de melhor filme e o primeiro ao prêmio de melhor diretor). No entanto, ainda não consigo entender o que o motivou a criar uma obra tão genérica quanto Trash. Essa incompreensão me fez procurar saber mais sobre a origem da história. No elogiado livro de Andy Mulligan, a história se passa num futuro distópico (a palavra da moda) onde um grupo de crianças vivem num lixão e descobrem algo que faz com que sejam perseguidas por policiais corruptos. Ao comprar os direitos da adaptação para o cinema, Daldry pensou no Brasil para realizar as filmagens, cercando-se de bons atores locais e profissionais variados. Ou seja, sabendo disso, dá até para relevar o que mais me incomoda no filme: o fatos dos meninos de rua conhecerem a língua inglesa o suficiente para conversar com missionários americanos e desvendar enigmas que inclui versículos bíblicos em inglês. Tendo a origem numa história de "fantasia" ela não precisa ser totalmente comprometida com a realidade - mesmo que um diretor inglês a filmá-la por aqui sob tom realista. Ou seja, se você não comprar a ideia, provavelmente você terá a mesma sensação de que algo não se encaixa durante todo o filme. Estão lá os meninos de rua em condições precárias de vida, os policiais corruptos (liderados por Selton Mello), o advogado militante que foi preso durante um período obscuro da política nacional e dois missionários americanos - o padre vivido por Martin Sheen e a professora vivida por Rooney Mara, que são os únicos capazes de ajudar o trio de meninos (mas que estão completamente deslocados na história). Com a ajuda de Christian Duurvoort, que assina como co-diretor e é mais conhecido como preparador de elenco da produtora O2 de Fernando Meirelles, Daldry consegue driblar alguns percalços do caminho de escolher o Brasil para contar uma história que sempre tropeça quando precisa ceder aos interesses do mercado internacional. Para quem acompanha o cinema brasileiro, Trash soa como a versão diluída de Cidade de Deus (2002) misturado com Cidade dos Homens (2007) numa trama de aventura urbana com muita correria e edição moderninha. Sorte que os meninos Gabriel (Gabriel Weinstein), Rafael (Rickson Tevez) e Gardo (Eduardo Luis) dão conta do recado mesmo nas cenas pouco agradáveis de assistir. Em sua realidade quase surreal, Trash é apenas irregular necessitando de um amparo político-social num contexto que escapa a Daldry. Ainda que bem produzido, o  resultado é um favela movie para inglês ver, literalmente. 

Trash - A Esperança Veio do Lixo (Trash / Reino Unido - Brasil / 2014) de Stephen Daldry com Eduardo Luis, Gabriel Weinstein, Rickson Tevez, Eduardo Luis, Selton Mello, Rooney Mara, Martin Sheen, Wagner Moura e Nelson Xavier. ☻☻

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Na Tela: O Homem nas Trevas

Minnette e Lang: como ficar invisível para um cego?

Tenho um problema sério em ver filmes que entram em cartaz precedidos de elogios infinitos. O Homem nas Trevas foi elevado ao posto de filme-de-suspense-sensação-da-temporada por público e crítica, especialmente por contar com um personagem cego, veterano de guerra que de vítima passa a ser vilão por apresentar uma certa queda pelo sadismo. A história é simples: um trio de jovens assaltantes resolvem assaltar uma casa em que descobrem que o proprietário recebeu uma grande indenização em dinheiro. O trio conta que o assalto será realizado rapidamente devido ao proprietário já possuir uma idade avançada e ser cego. No entanto, tudo se torna extremamente complicado. Os jovens atores Jane Levy, Dylan Minnette e Daniel Zovatto não chegam a cativar, mas também o roteiro não está preocupado em desenvolvê-los com o mínimo de coerência, são apenas adolescentes cabeças de vento que estão prestes a pagar os seus pecados nas mãos de um sujeito disposto a se livrar deles a todo custo, portanto, chega a ser covardia compará-los com a presença de Stephen Lang - um bom ator que nunca recebeu o devido reconhecimento. Lang nem precisa fazer muita muita coisa em cena, mas convence que não consegue enxergar e, mesmo assim, consegue se defender (ou atacar) os moleques que resolveram se aproveitar de sua situação. No entanto, o roteiro reserva algumas surpresas (e não faz a mínima cerimônia de descartá-las poucos minutos depois) que são ainda mais valorizadas pela direção esperta do uruguaio Fede Alvarez que mantém o ritmo vertiginoso do início ao fim. Imersa numa fotografia escura e de tensão constante, os fãs do gênero não irão reclamar, mas se você esperar algo mais pode ficar decepcionado, especialmente pelo final que deixa espaço para uma descarada continuação. 

O Homem nas Trevas (Don't Breathe/EUA-2016) de Fede Alvarez com Stephen Lang, Jane Levy, Dylan Minnette e Daniel Zovatto. ☻☻

BREVE: Capitão Fantástico

Ben e sua prole: abaixo ao sistema.

Ganhador da mostra Un Certain Regard em Cannes2016 e exibido no Festival do Rio, o filme Capitão Fantástico já instiga desde o início, já que o público que sentir-se atraído pelo pôster de personagens coloridos (que remete às obras de Wes Anderson) irá estranhar quando os personagens aparecerem cobertos de lama caçando numa floresta. A nova empreitada do ator Matt Ross (ator da série Silicon Valley e diretor do bom 28 Quartos de Hotel/2012)  atrás das câmeras pode ser vista como um drama familiar cheio de humor, ou melhor, provocações. O personagem do título é Ben (Viggo Mortensen), um homem meio hippie que decidiu mudar-se com a família para o meio de uma floresta. Lá ele educa os filhos com treinos de sobrevivência (que inclui atividades de caça e escalada) e leituras variadas, que vão de livros literários, passando por filosofia e até medicina. Ele acredita que essa educação peculiar dos filhos, acoplado ao isolamento da sociedade os fará pessoas melhores. Mas, afinal de contas, onde está a mãe dos meninos? Se no início acreditamos que se trata de um viúvo traumatizado pela perda da esposa, a coisa não é bem assim. Ao revelar onde está a mãe dos seis filhos de Ben os personagens partem para uma jornada inesperada que colocará em teste a educação ministrada pelo pai. Quando se torna um road movie, o filme utiliza o uso do contraste nos encontros pelo caminho, seja com o casal de amigos (vivido com gosto pelos bons Steve Zahn e Kathryn Hahn) que questiona a opção de vida que Ben impôs aos filhos, um interesse amoroso que o filho mais velho encontra pelo caminho (e que rende uma declaração de amor tão intensa quanto hilariante) e, finalmente, o reencontro com os pais da esposa de Ben (os veteranos Frank Langella e Ann Dowd). Curiosamente, são nesses momentos que o filme perde a chance de tornar-se mais intenso, já que poderia explorar a infinidade de conflitos que essa fricção poderia gerar, especialmente pelas fragilidades que vem à tona - até porque, por melhor que seja as intenções, em momento algum os filhos optaram por aquele estilo de vida, pelo menos até ali. O problema é que todos os motivos para as escolhas de Ben estão bem expostas e articuladas, mas os seus opositores não recebem o mesmo destaque, rendendo um desequilíbrio onde o filme poderia tornar-se ainda mais rico ao expor o embate entre as lógicas antagônicas que se apresentam. Como essa dicotomia nunca se aprofunda (e chega a irritar quando todos os conflitos acontecem sem cenas seguidas que terminam soltas) o final resulta um tanto frouxo. Se Ross ainda precisa amadurecer sua escrita, não existe nada que comprometa a simpatia que o filme exala, graças também às boas atuações de todo elenco. Entre os pimpolhos de Ben, todos batizados com nomes inventados pelos pais (Kielyr, Verspyr, Rellian, Zaja e Nai), vale a pena ficar de olho no primogênito Bo, ou melhor, George MacKay, que começou a atuar aos nove anos de idade e mostra-se um ator cada vez mais maduro. Capitão Fantástico está longe do estilo que seu pôster evoca, mas compartilha com Wes Anderson a atração por uma figura paterna forte - e a atuação de Viggo Mortensen expõe as convicções de seu personagem com tanta energia que é impossível não compreender suas motivações.

Capitão Fantástico (Captain Fantastic/EUA-2016) de Matt Ross com Viggo Mortensen, George MacKay, Steve Zahn, Kathryn Hahn, Frank Langella, Ann Dowd e Nicholas Hamilton. ☻☻☻☻

domingo, 23 de outubro de 2016

APOSTAS PARA O OSCAR 2017 - CAPÍTULO II

"Elle" de Paul Verhoeven
Há quem considere certa a indicação da francesa Isabelle Huppert ao Oscar de melhor atriz pelo papel da mulher que sofre abuso sexual e percorre um caminho inesperado após o ocorrido. Indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes, o novo filme do diretor de Instinto Selvagem/1992 se tornou o mais elogiado de sua carreira. A diva francesa já tem dois prêmios de melhor atriz em Cannes e quinze indicações ao César (o Oscar francês) - dois ela levou para a casa. No entanto, a Meryl Streep da terra de Balzac, nunca foi reconhecida pela Academia - será o momento de reparar o equívoco? 

"Loving" de Jeff Nichols
Aclamado em Cannes, o filme é baseado na história real do casal Loving, formado por Richard (Joel Edgerton) e Mildred (Ruth Negga), um casal que foi condenado à prisão no ano de 1958 no estado da Virgínia por ser formado por uma negra e um branco. Nichols conta a história de amor proibido sem perder de vista como toda a forma de preconceito é absurda - e seus protagonistas devem fazer bonito nas premiações. Vale lembrar que o casamento entre brancos e negros já foi proibida em 16 estados nos EUA. 

"Animais Noturnos" de Tom Ford
O estilista já provou que leva jeito para fazer filmes em sua estreia, agora ele utiliza seu cuidado estético primoroso para contar uma história de mistério complexa envolvendo a dona de uma galeria de arte (Amy Adams que é sempre uma boa aposta) e o romance escrito pelo ex-marido (Jake Gyllenhaal). Entre as várias camadas da história, Ford foi aclamado no Festival de Veneza pela sua boa costura entre o belo e o grotesco. 

"A Garota no Trem" de Tate Taylor 
Faz um tempinho que a Academia deveria dar maior atenção aos dotes de Emily Blunt. A atriz já provou que consegue dar conta de todo tipo de personagem e quem sabe se um filme de sucesso a ajudará a ser devidamente reconhecida? O suspense A Garota no Trem traz Emily envolvida com o desaparecimento de uma mulher  que ela sempre costumava ver quando ia para o trabalho, as reviravoltas envolvendo a personagem podem colocar a atriz entre as cinco melhores atuações femininas do ano.

"Paterson" de Jim Jarmusch
No páreo de melhor ator, muita gente está desejando uma vaga para Adam Driver nas premiações por sua atuação como o motorista de ônibus que também é poeta no novo filme do cultuado Jarmusch. Aclamado por sua poesia do cotidiano desde sua estreia em Cannes, Paterson não é o tipo de filme que será um estouro de bilheteria, mas deve agradar a galera indie que tem voto garantido no Oscar!

PL►Y: Vidas Partidas

Naura e Domingos: paixão violenta. 

Falecido no mês passado, Domingos Montagner era um astro em ascensão não apenas na televisão mas também no cinema. Somente em 2016 ele estrelou três filmes (em todos com atuações elogiadas), dois deles como protagonista em papéis bem diferentes das novelas em que atuou. Em Vidas Partidas ele tem a tarefa complicada de dar vida a um marido pai de família que se torna cada vez mais abusivo numa história de violência doméstica. Ambientado no Recife da década de 1980 (o que a achei mais curioso é que o filme possui uma ótima reconstituição de época mas ignora completamente o sotaque dos personagens pernambucanos) a história gira em torno do relacionamento entre Graça (Naura Schneider) e Raul (Montagner), um casal apaixonado e aparentemente feliz ao lado das duas filhas. No entanto, desde a cena tórrida inicial percebemos que quem é que manda no casamento (que pode ser visto quase como uma prisão pelas cenas iniciais). Aos poucos a passionalidade da relação torna-se mais intensa e Raul mostra-se um verdadeiro brucutu. Movido pelo ciúme e problemas com a própria autoestima (já que a esposa que lhe consegue um emprego na faculdade) o marido começa a ser cada vez mais agressivo. O filme aproveita a situação para apresentar como a justiça do período mostrava-se extremamente tendenciosa e machista, conferindo verdadeira posse do marido sobre a esposa, fechando os olhos para os abusos sofridos pela mulher e até colaborando para que ela permanecesse num ambiente cada vez mais hostil para que seus direitos não fossem ainda mais lesados - parece estranho, mas a ideia era essa mesmo. Nos anos 1980 não existia a conhecida Lei Maria da Penha (sancionada em 07 de agosto de 2006) Naura está eficiente como a esposa que come o pão que o galã amassou,  mas é Montagner que rouba a cena como esposo que caminha entre a sedução e agressão com uma desenvoltura assustadora - e isso faz a diferença quando o longa abandona a sutileza e vai do drama ao filme de tribunal para logo depois descambar para um verdadeiro filme de terror. Pena que o estreante Marcos Schechtman escorrega nas transições entre os gêneros que abraça, mas seu estilo duro consegue manter o interesse do espectador na história de um casal que caminha cada vez mais para a ruína. Vale mencionar que a primeira vez que ouvi falar do filme foi com em uma conversa com meu colega Guilherme Guaral, ator (e professor) que já apareceu em vários filmes nacionais e vive aqui uma espécie de cúmplice do protagonista marrento.

Vidas Partidas (Brasil/2016) de Marcos Schechtman com Naura Schneider, Domingos Montagner, Nelson Freitas, Milhem Cortaz e Guilherme Guaral. ☻☻☻

BREVE: Kill Your Friends

Hoult: o Psicopata Inglês. 

Quando o livro Kill Your Friends de John Niven chegou às livrarias em 2008 não foram poucos os que apontaram as semelhanças entre seu protagonista e o antológico Patrick Bateman, o Psicopata Americano em pessoa criado por Bret Easton Ellis em 1991. Se o livro de Ellis chegou às telas em 2000, agora é a vez da obra de Niven testar seu fôlego na tela de cinema. Mais uma vez as comparações são inevitáveis, já que Bateman (vivido por Christian Bale) fazia de tudo para se impor perante seus amigos de Wall Street (tudo mesmo), o inglês Steven Stelfox (encarnado por Nicholas Hoult) o faz para obter status em seu trabalho numa grande gravadora no auge do britpop dos anos 1990. Se a música era alvo de comentários e apreciações de Bateman, Stelfox não está nem aí para a música que produz, está mais interessado no lucro que isso pode gerar. De resto eles são realmente bem parecidos, compartilham o mesmo gosto por manter a casca de boa aparência enquanto não hesitam em ter que fazer o que o título (traduzindo: matar seus amigos) quando alguém atravessa o seu caminho. Sempre disposto a cheirar drogas ilícitas, encher a cara, dizer frases politicamente incorretas e demonstrar sua total indiferença pelas outras pessoas, fica bem claro o porque Stelfox atraiu Nicolas Hoult ao ponto do ator produzir o filme (e se livrar do estigma de ser Um Grande Garoto). É visível como Hoult se diverte na pele de um sujeito sinistro que narra o filme em primeira pessoa enquanto sua carreira entra em crise ao ser pressionado a encontrar uma banda de sucesso (e nem vou escrever a fauna de estrelas bizarras com letras hediondas que cruzam seu caminho). A salvação parece estar numa banda cujo a vocalista não confia nele. A coisa se complica ainda mais quando ele vira suspeito de ter matado o colega que ocupava o cargo que ele tanto desejava. Não vale a penas dizer muito mais do que isso, já que a escrita de Niven não tem pena de detonar seus personagens, seja a secretária ambiciosa, o detetive que sonha em tornar-se um músico famoso, o aprendiz que será corrompido até o final, um rapper pretensioso e, claro, o inimigo número um de Stelfox. O esteante Owen Harris, que já trabalhou com a obscuridade na série cult Black Mirror, ma adaptação onde tudo se encaixa com grande eficiência, aproveitando o conhecimento de causa de Niven sobre o universo que retrata. Niven trabalhou na indústria fonográfica e mesclou duas ou três pessoas que conheceu para construir seu hediondo protagonista. A fauna de personagens de Kill Your Friends torna o filme mais bem humorado que o American Psycho de Marry Harron, mas isso não quer dizer que seja menos assustador ou nocivo ao contar a história de um verdadeiro monstro movido pela ambição somada à falta de escrúpulos.

Kill Your Friends (Reino Unido / 2015) de Owen Harris com Nicholas Hoult, James Corden, Georgia King, Tom Riley, Craig Roberts, Edward Hogg e  Morritz Bleibtreu. ☻☻☻☻

sábado, 22 de outubro de 2016

Pódio: Hugh Jackman

Bronze: o perseguido cantante
Os Miseráveis (2012)
Hugh Jackman já era mais que conhecido quando recebeu sua primeira indicação ao Oscar de Melhor Ator pelo exuberante musical dirigido por Tom Hooper - livremente inspirado na triste obra de Victor Hugo. Jackman ganhou até um Globo de Ouro pelo papel! Jackman já havia recebido prêmios por fazer musicais no teatro (ele ainda tenta levar para as telonas sua peça The Boy From Oz) e quase estrelou a versão de Chicago/2002 para o cinema, no entanto, no cobiçado papel de de Jean Valjean ele não apenas solta a voz como mostra sua aptidão dramática como um homem bem sucedido perseguido pelo passado. 

Prata: o mutante marrento
X-Men 2 (2003)
Como fazer uma lista das melhores atuações do ator sem incluir o mutante Wolverine? Impossível! Se na primeira aventura mutante dirigida por Bryan Singer o ator era um completo desconhecido no (arriscado) papel do herói com garras de adamantium, no episódio seguinte, Jackman já era um astro que ganhou mais destaque na trama - além de aparecer mais parrudo e ainda mais a vontade na pele do herói. A personificação de Jackman é tão marcante que aos 48 anos, ele vive ameaçando largar o papel para não ficar preso somente ao mutuna. Em 2017 ele encarnará o personagem pela 8ª vez!

Ouro: três em um.
Fonte da Vida (2006)
Hugh merecia ter figurado nas maiores premiações de cinema pelo filme mais criticado de Darren Aronofsky! Afinal, ele dá conta de três personagens completamente diferentes numa estrutura narrativa bastante complexa. Jackman vive o doutor Thomas Creo que busca a cura para o câncer de sua esposa através de extratos de uma árvore milenar! A mesma árvore que faz companhia para um explorador do espaço em sua busca por respostas rumo ao infinito - e a mesma que aparece na história da busca pela árvore da vida por um desbravador espanhol. Histórias distintas ou imagens do passado, presente e futuro do mesmo personagem? Veja o filme, pense o que você quiser e aprecie uma das melhores atuações de um ator muito versátil.  

PL►Y: Peter Pan

Pan, Tigrinho, Gancho e Barba Negra: prelúdio desnecessário. 

Tenho uma  relação muito especial com a história de Peter Pan, afinal o desenho da Disney, inspirado na obra de J.M. Barrie, foi o primeiro filme que assisti no cinema. Além disso, o livro de Barrie foi um dos primeiros livros que li na minha infância.  Eu também fiquei bastante satisfeito com a versão do australiano P.J. Hogan para a história clássica do menino que não pode crescer e suas encrencas com Capitão Gancho. O filme de Hogan foi um verdadeiro primor, já que sem estar preocupado em ser a versão em carne e osso do desenho, o cineasta investiu em novas camadas na relação entre os personagens - o que o deixava mais original. No entanto, nunca entendi muito bem o motivo que levou Steven Spielberg a fazer Hook - A Volta do Capitão Gancho onde um Robin Williams sem graça fazia Peter Pan envelhecido e desengonçado quando precisa lembrar de sua verdadeira história. Não entendi qual era a graça de pegar um personagem e fazer dele o total oposto do que o torna especial. De certa forma é isso que sinto ao assistir a nova versão de Peter Pan do diretor Joe Wright, mas sei que o problema está mesmo no roteiro de Jason Fuchs - afinal que tipo de sujeito se preocupa em saber a origem de um personagem tão mágico quanto Peter Pan? No menor dos estragos o personagem perderia sua magia em explicações que deveriam fazer Barrie levantar do túmulo! Mas o filme faz mais do que isso, ao trazer um personagem que não traz as mesmas características que o fizeram tão intrigante. Sai o menino voador insolente, arrogante e avesso ao mundo adulto e entra em cena um garoto tímido, frágil e inseguro que precisa aprender a voar (e escrito assim parece ainda mais desinteressante). O novato Levi Miller é esforçado, mas seu personagem está muito longe de ser o Peter Pan que conhecemos. Na concepção de Fuchs até Capitão Gancho (vivido por Garrett Hedlund) tem as duas mãos e está ao lado do mocinho, deixando que o vilão seja o lendário Barba Negra (Hugh Jackman) - que consegue ser tão assustador quanto as freiras malvadas que vendem as crianças órfãs para piratas voadores. São os piratas que levam Peter para a Terra do Nunca, onde deverá trabalhar ao lado dos garotos perdidos e bucaneiros em busca de Pixum, um cristal que dá origem ao pó de fadas. Para os fãs pode ser atraente o fato dos personagens da história original aparecerem no prelúdio - é divertido ver um jovem Smiegel (Adeel Akhtar) e um tanto frustrante ver Princesa Tigrinho na palidez de Rooney Mara. É verdade que Joe Wright cria um visual de primeira e ousa ao colocar piratas e crianças cantando Nirvana e Ramones como se fossem hinos, mas a coisa acaba ficando Moulin Rouge/2000 demais para uma história que não consegue decidir qual é seu público alvo. Entre agradar adultos, adolescentes e crianças, o filme investe num ritmo constante de aventura, que deixa pouco espaço para celebrar Peter Pan por tudo que ele representa. Penso que os melhores filmes não são sobre o antes ou o depois do personagem, mas os que abraçam a história lançada em 1911 por J.M. Barrie com Peter do jeitinho que ele é (nada contra releituras criativas, mas do jeito que Spielberg e Wright fizeram, elas são bem menos interessantes). Pelo menos o filme de Wright tem Hugh Jackman como um pirata afetado que abusa da pompa teatral em seus trajes negros de explorador espanhol. 

Peter Pan (Pan / EUA-2015) de Joe Wright com Levi Miller, Hugh Jackman, Rooney Mara, Adeel Akhtar, Garrett Hedllund e Amanda Seyfried. ☻☻

PL►Y: Dope - Um Deslize Perigoso

Diggy, Jib e Dom: lidando com as armadilhas do destino. 

Aclamado do Festival de Sundance ao Festival do Rio no ano de 2015, Dope - Um Deslize Perigoso é o quarto longa-metragem do cineasta Rick Famuyima e também seu filme mais ambicioso. O mais interessante é que o longa parece uma mistura de John Hughes (o carinho em lidar com adolescentes) Spike Lee (o bom humor em lidar com as armadilhas da periferia americana) ao contar a história de três amigos que vivem na periferia, mas que não se enquadram propriamente na vida do gueto, no entanto, precisam lidar com uma série de acontecimentos referentes ao que pretendem escapar. Dom (o rapper Rakim Mayers que demonstra levar o maior jeito para seguir a carreira de ator) é um jovem nerd, negro e fã de hip hop dos anos 1990. Seu maior sonho é estudar em Harvard, mas enquanto isso não acontece, ele enfrenta as desventuras do colegial junto aos seus fiéis amigos, Diggy (Kiersey Clemons) e Jib (Tony Revolori) - com quem toca numa banda. A vida do trio segue uma rotina comum a maioria dos adolescentes, no entanto o roteiro de Famuyiama coloca as armadilhas do tráfico e da violência sempre à espreita de seus simpáticos personagens - e a rotina dos três muda completamente quando, após uma festa, Dom encontra em sua mochila vários pacotes com drogas ilícitas e precisa livrar-se dela antes que suas ambições sigam para o ralo. Entre as desventuras que os personagens enfrentam, o diretor consegue manter um ritmo esperto, que prende a atenção do espectador e utiliza de um humor muitas vezes obscuro para lidar com situações delicadas em que se metem. A bom trabalho de edição utiliza cortes rápidos em momentos estratégicos e outros que seguem e retrocedem quando julga que alguma coisa escapou ao olhar do espectador - especialmente quando encontram os dois irmãos Jaleel (Quincy Brown) e Lily (a modelo Chanel Iman), filhos de um personagem que Dom nem imagina quem seja. Entre surpresas, situações divertidas e outras bastante perigosas, o filme tem méritos por lidar de forma diferente com uma penca de clichês sobre jovens da periferia estadunidense, sempre deixando Dom prestes a chegar no limite de sua índole. Com um elenco carismático bem conduzido, Dope é um filme de energia contagiante e só não alcança o máximo de suas intenções por conta do ato envolvendo um hacker e vendas na internet, o que deixa a trama um tanto confusa e perdendo ritmo quando se aproxima do desfecho (que, sabiamente, não tem a mínima preocupação em ser politicamente correto).

Dope - Um Deslize Perigoso (Dope / EUA - 2015) de Rick Famuyima  com Rakim Mayers, Tony Revolori, Kiersey Clemons, Quincy Brown, Chanel Iman, Zoe Kravitz e Blake Anderson. ☻☻☻☻

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

BREVE: Wiener-Dog

Keaton e sua cachorrinha: a humanidade segundo Todd Solondz. 

Em cartaz no Festival do Rio o americano Wiener-Dog divide opiniões desde sua exibição em Sundance. O motivo maior para as discordâncias é a assinatura de Todd Solondz, que se tornou queridinho indie em 1995 com o excelente Bem-Vindo a Casa de Bonecas e aqui demonstra não querer fazer nada além de contar a história de vários personagens que cruzam a vida de uma simpática cadelinha bassê. Há quem diga que o diretor se repete ao criar sempre histórias que são puro pretexto para expressar seu pessimismo com o mundo e a banalidade da existência. No entanto, Solondz não está nem um pouco preocupado com as críticas que recebe, tanto que no seu filme anterior A Vida Durante a Guerra (2009) não hesitou em retomar a mesma família de seu cultuado Felicidade (1997) e terminou com o roteiro premiado no Festival de Veneza! Aqui ele revisita a menina Dawn Winner (agora vivida por Greta Gerwig), protagonista de Bem-Vindo a Casa de Bonecas. Dawn cresceu e tornou-se técnica em veterinária e é uma das pessoas que cuidam da cachorrinha do título (e os fãs vão ficar animados quando ela reencontrar Brandon, vivido agora por Kieran Culkin... mas não vai muito além disso). O bichinho de estimação ainda passa pelos lares de um garotinho (Keaton Nigel Cooke) que se apaixona pela cachorrinha enquanto seus pais (Julie Delpy e Tracy Letts) são os mais severos possíveis com ela, afinal, eles percebem que a bassê traz alegria para o menino, mas não estão dispostos a mudar a rotina da casa por conta dela. Nessa primeira parte os diálogos ácidos do diretor estão a todo vapor e geram conversas que parecem becos sem saída entre a mãe e o menino. Os diálogos cortantes fazem parte da marca registrada do cinema de Solondz e ganham contornos ainda mais deprimentes quando entra em cena o professor de escola de cinema vivido por Danny DeVito que é desprezado pela indústria cinematográfica e por seus alunos. O humor feito no atrito com situações dramáticas chegam ao auge quando entra em cena a senhora amargurada vivida pela ótima Ellen Burstyn, que recebe a visita da neta (Zosia Mamet da série Girls) antes de se confrontar com uma bando de crianças ruivas que são versões dela mesma se houvesse seguido caminhos diferentes  na vida (versões que vão desde "se você tivesse perdoado a sua mãe" à "se você desse melhores gorjetas"), nesse momento surreal que Solondz demonstra sua genialidade fora da camisa de força que criou para sua carreira e atingindo com perfeição o tom agridoce que desejava ao longo do filme. Quem conhece o mundo de Solondz já pode até imaginar como o filme termina  - e esse é o ponto que pode fazer com que muitos não apreciem o filme. Obsessivo com as marcas de sua cinematografia, Solondz ainda consegue ser interessante, ele pode não ter mais o frescor de seus primeiros filmes, mas pelo menos apresenta a quem se aventura por suas obras um pouco de como a humanidade pode ser cruel nas situações mais simples e corriqueiras - e nem por conta disso ser o vilão da história. 

Wiener-Dog (EUA-2016) de Todd Solondz com Greta Gerwig, Kieran Culkin , Julie Delpy, Tracy Letta, Danny DeVito, Zosia Mamet, Keaton Nigel Cooke e Charlie Tahan. ☻☻☻

PL►Y: Mascotes

Sarah e Zach: casal complicado na fauna de Mascotes. 

Já escrevi no blog como sou fã do dos documentários de mentirinha (mockumentary) do diretor Christopher Guest. Bem antes de Hollywood banalizar o gênero com um bando de cineastas de câmera trêmula e roteiros frouxos, Guest já dominava o gênero fazendo graça com comédias espirituosas como Esperando Sr. Guffman (1996) e O Melhor do Show (2000), o estilo tornou-se sua marca e lhe rendeu até um convite para fazer um quadro cômico no Oscar em 2012 com seus atores favoritos. Pois é, muitos diretores tem um ator recorrente em suas obras, mas Guest tem uma verdadeira patota de atores! Mascotes - lançado mundialmente pela Netflix - traz novamente a parceria do diretor com Parker Posey, Jane Lynch, Fred Willard, Bob Balaban, Jennifer Coolidge, Christopher Moyniham entre outros atores que caem como uma luva no estilo do diretor. Para quem curte o trabalho de Guest, Mascotes garante boas risadas, ainda que deixe a sensação que é uma variação do que já vimos em O Melhor do Show, já que se trata, mais uma vez, das excentricidades vistas nos bastidores de uma competição. A maior diferença é que aqui não se trata dos atritos de um bando de donos de cachorrinhos que disputam uma medalha, mas um grupo de adultos que se fantasiam de mascotes para ganhar a vida. Dessa vez as cenas que simulam entrevistas e registros de bastidores comandam a narrativa até o momento da competição, onde os números inusitados rendem alguns dos melhores momentos do filme. No entanto, serve apenas de desfecho para os personagens que acompanhamos até ali, seja o casal em crise (vivido com gosto por Zach Woods e Sarah Baker) que vive um Polvo e uma Tartaruga, passando por uma dançarina inquieta (Parker Posey) que dá vida a um Tatu chegado à dança moderna, um Encanador (Christopher Moyniham) que é um completo desconhecido até para o time que trabalha, o simpático Porco Espinho (Tom Bennett) inglês que tornou-se herança de família e o complicado Punho (Chris O'Dowd) que sempre se mete em encrencas. Há uma verdadeira enxurrada de piadas durante o filme - e algumas tem a graça justamente em não fazer sentido algum - mas Guest continua astuto perante a abordagem dos personagens e seus dilemas (muitas vezes simples, mas tratados de forma superlativa como em vários documentários sérios). O melhor do cinema de Guest (que aparece no filme como o mentor de Parker Posey) é que ele não tem medo se ser besteirol ou nonsense para fazer graça, e, por isso mesmo, algumas cenas podem ser surpreendentes - até para quem conhece seus filmes anteriores.

Mascotes (Mascots/EUA-2016) de Christopher Guest com Zach Woods, Sarah Baker, Parker Posey, Christopher Moyniham, Chris O'Dowd, Tom Bennett, Jane Lynch e Jennifer Coolidge. ☻☻☻☻

domingo, 16 de outubro de 2016

PL►Y: O Caseiro

Garcia: caçador de fantasmas?

Recentemente o cinema brasileiro começou a produzir cada vez mais filmes de terror e suspense, embora a grande maioria seja de gosto duvidoso, alguns conseguem chamar atenção pela disposição de fazer algo diferente do óbvio. O Caseiro foi celebrado por alguns críticos pelo estilo econômico impresso pelo diretor estreante Julio Santi, afinal, ele aproveita ao máximo o poder da sugestão na mente do espectador. O filme revela pouco sobre os seus mistérios para que ao chegar ao final possa surpreender o público sem aquelas guinadas perigosas no desfecho. A história é protagonizada pelo professor de psicologia paranormal Davi (Bruno Garcia) que aceita o pedido de ajuda de uma de suas alunas, Renata (Malu Rodrigues) que está intrigada com os acontecimentos em torno de sua família que todos acreditam ser obra do fantasma de um caseiro que se suicidou na casa de campo onde seus parentes vivem. Quando Davi aceita ajudá-la ele conhece o patriarca Rubens (Leopoldo Pacheco), a tia Nora (Denise Weiberg) e as irmãs de Renata, a adolescente Gabi (Victoria Leister), as pequenas Lili (Annalara Prate) e Julia (Bianca Batista) que afirma ser assombrada pelo tal caseiro. Enquanto Davi está na casa ele incomoda Rubens e Nora que nunca estão muito dispostos a contar sobre o que está acontecendo. Cético, Davi acaba juntando um monte de pequenas peças que o fazem chegar a uma conclusão que... eu não vou revelar. O roteiro pode não ter nada demais, mas serve para que o diretor fuja dos truques fáceis e embaralhe os mistérios que a história possui na relação de Rubens com o caseiro - que guia a narrativa por um caminho, quando na verdade esconde o que de fato está acontecendo. Santi aproveita a ambientação bucólica da história e o isolamento que ela proporciona auxilia na construção da tensão. No entanto, o filme tem alguns tropeços, o maior deles é que para criar suspense, Santi amarra os atores mais do que devia, drenando a emoção necessária de vários momentos importantes. Com o tom sempre um ponto abaixo do necessário, o filme apela para a trilha sonora assustadora, que mostra-se eficiente desde a primeira cena mas que acaba cansando por ser uso exaustivo. Apesar dos erros, O Caseiro mostra-se eficiente em sua construção narrativa, criando um filme de terror sutil construído a partir das ideias interessantes que tem para desenvolver. 

O Caseiro (Brasil/2016) de Julio Santi com Bruno Garcia, Leopoldo Pacheco, Denise Weinberg, Fábio Takeo, Pedro Bosnich e Malu Rodrigues. ☻☻☻

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

PL►Y: Requisitos para Ser uma Pessoa Normal

Manuel e Leticia: normalidade fora do padrão. 

Existem filmes que podem fazer quem assiste contrair diabetes pelo excesso de doçura com que é feito. O espanhol Requisitos para Ser Uma Pessoa Normal pertence a este seleto grupo (e com honras), o mais interessante é que seus personagens tinham tudo para ser esquisitos num filme hollywoodiano, mas como não é, a narrativa investe em doses cavalares de açúcar para que todos pareçam perfeitamente adoráveis. Escrito, dirigido e estrelado por Leticia Dolera o filme conta a história de Maria de las Montañas, uma garota que já passou dos trinta anos e percebe que sua vida ainda não é do jeito que ela queria. Esse confronto com a realidade acontece numa entrevista de emprego que gera em sua mente alguns critérios que estabelecem o nível de normalidade de uma pessoa, ou seja, Maria considera normal uma pessoa que tem trabalho, casa, vida social, um namorado, um hobby, vida familiar e é feliz (de tal forma que ela até confere esses requisitos em alguns personagens que encontra no decorrer da história além de tentar alcançá-los - ainda que por vias não muito convencionais). O filme acerta ao não se contentar em tornar mais uma obra sobre lista a ser cumprida mecanicamente, deixando que a protagonista descubra aos poucos como a normalidade está bem longe dos padrões pré-estabelecidos que imagina. Ajuda muito a compor essa ideia aparece a amizade com o barbudo Borja (Manuel Burque), que está bem longe de ser o príncipe encantado estereotipado a que estamos acostumados, mas que aos poucos deixa claro que é a pessoa que mais combina com a protagonista. Colorido e repleto de diálogos espirituosos o filme é cheio de personagens que subvertem os pré-conceitos que temos sobre eles, das velhinhas espertas passando por um jovem com síndrome de Down, o painel construído por Dolera cria um filme que exagera no açúcar (a trilha sonora chega a ser insuportável) mas acerta na intenção de romper com padronizações (a própria forma como se constrói a sintonia cheia de química entre Maria e Borja é prova disso). O filme foi lembrado em algumas premiações espanholas, especialmente pelo jeito descontraído como aborda um tema fundamental em tempos de intolerância.

Requisitos Para Ser uma Pessoa Normal (Requisitos para ser Una Persona Normal / Espanha - 2015) de Leticia Dolera com Leticia Dolera, Manuel Burque, Jorge Suquet e Jordi Llodrà. ☻☻☻

Na Tela: Terra Estranha

Fiennes e Nicole: mistério no deserto australiano.

Exibido no Festival de Sundance no ano passado, o filme de estreia da australiana Kim Farrant seria uma boa aposta para Nicole Kidman fazer bonito nas premiações, mas a repercussão do filme não foi tão positiva quanto imaginavam, no entanto, vale a pena conferir a atmosfera de mistério que a diretora imprime à sua narrativa. O roteiro segue o drama do casal Parker, Catherine (Nicole) e Matthew (Joseph Fiennes) se mudaram a pouco tempo para uma cidade perto do deserto australiano de Nathgari e mal se acostumaram com o novo local que escolheram para morar, o casal precisa lidar com o desaparecimento dos dois filhos adolescentes. Farrant se preocupa menos com a trama policial que o desaparecimento desencadeia e mais com os conflitos gerados a partir dali. A busca serve apenas de pano de fundo para conhecermos um pouco mais sobre aquele casal reservado. Além dos problemas que tiveram no passado começarem a aparecer, o desespero da dupla faz com que se deparem com todo o tipo de explicação (algumas relacionadas à conduta da filha desaparecida, outras com preconceitos e até o folclore da região), pode até parecer que Farrant explora pouco as justificativas que aparecem pelo caminho, mas a diretora, de fato, está mais preocupada com a dimensão humana da história - tanto que quando um fato parece trazer respostas, as coisas ficam ainda mais confusas. Sendo assim, a sorte é de Nicole Kidman que apresenta uma atuação vigorosa, tensa e angustiada, conseguindo passar as emoções da mãe que não consegue lidar com o desaparecimento dos filhos no meio da noite. Conforme ela descobre um lado desconhecido da personalidade de sua filha, ela relembra sua própria juventude e as escolhas que precisou fazer para se tornar mãe e esposa. Tirando um pequeno tropeço desnecessário no roteiro, a atriz encontra sua melhor atuação em muito tempo (a cena de Nicole chamando pela filha na penumbra do deserto é de rasgar a alma). Já Joseph Fiennes consegue ser correto mais uma vez, mas nada que diferencie de outros personagens que já encarnou. Ainda vale destacar o magnífico trabalho de fotografia de P.J. Dillon, que consegue dar a exata dimensão que o deserto australiano necessita para ser um personagem em cena. Lento e claustrofóbico, Terra Estranha irá dividir opiniões, mas não deixa de ser uma estreia bastante promissora para uma diretora disposta a evitar o óbvio no que poderia ser apenas mais um suspense sobre crianças desaparecidas. 

Em Terra Estranha (Strangerland / Austrália-Irlanda/2015) de Kim Farrant com Nicole Kidman, Joseph Fiennes, Hugo Weaving, Maddison Brown, Nicholas Hamilton e Weyne Wyatt. ☻☻☻

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

APOSTAS PARA O OSCAR 2017: Capítulo I

Chegamos ao período de especulações para as premiações que culminam no Oscar! Alguns filmes que já passaram por aqui tem chances de conseguir indicações, especialmente os bem humorados Florence - Quem é Essa Mulher? (que pode render mais uma indicação ao Oscar para Meryl Streep), Zootopia (que é quase uma barbada na categoria de melhor animação) e até Ave César dos irmãos Coen que tem sua cota de admiradores fervorosos. No entanto, a grande maioria dos filmes que devem ser lembrados na temporada de ouro ainda se preparam para estrear por aqui! Seguem cinco filmes que já despontam como favoritos na temporada:

"La La Land" de Damien Chazelle
O musical do diretor de Whiplash colhe elogios por onde quer que passa. Premiado na categoria de melhor atriz (Emma Stone) em Veneza e considerado o melhor longa do Festival de Toronto, o filme tem chances crescentes pelo seu tom colorido e otimista sobre dois artistas que lutam por reconhecimento em Los Angeles. A história de amor entre um músico (Ryan Gosling) e uma atriz (Emma Stone) já é um dos favoritos ao Oscar (e deve levar para casa o Globo de Ouro de melhor comédia/musical do ano)!

"Hacksaw Ridge" de Mel Gibson 
Cotado para a categoria de melhor ator, o ex-Peter Parker Andrew Garfield protagoniza o filme que decidirá se Gibson ainda é relevante para Hollywood. O filme conta a história de um médico que é convocado para a Guerra e recusa-se a utilizar armas, no entanto, ele é condecorado com uma medalha de honra por salvar a vida dos seus companheiros no front. Há quem diga que o filme deve cair nas graças da Academia e figurar nas categorias principais. Será?

"A Chegada" de Dennis Villeneuve
Cotado para ser a ficção científica do ano, A Chegada tornou-se uma unanimidade nos festivais de Veneza e Toronto, que destacaram a inventividade do filme sobre uma linguísta (Amy Adams) que é convocada para se comunicar com alienígenas que chegam à Terra. Cheio de clima e atmosfera, o novo longa de Dennis Villeneuve pode cravar indicações importantes, inclusive para Amy Adams. 

"Jackie" de Pablo Larraín
Se você achava que a carreira de Natalie Portman tinha perdido o fôlego depois do Oscar por Cisne Negro, o filme que conta a história de Jaqueline Kennedy dias após a morte do presidente americano John F. Kennedy deve colocar o nome de Natalie novamente nos radares das premiações. O filme sofreu várias mudanças na produção - inlcuindo diretores e atrizes (como Spielberg e Rachel Weisz). Quem viu garante que Natalie é um dos nomes mais fortes no páreo de melhor atriz na temporada. 

"O Nascimento de Uma Nação" de Nate Parker
Premiado em Sundance o filme dirigido e estrelado por Nate Parker conta a história de Nat Turner, um homem escravizado que liderou uma rebelião de escravos no Condado de Southhampton em 1831. Embora tenha perdido o fôlego nos últimos meses - devido a uma grande polêmica envolvendo o diretor - o filme ainda é cotado para colher indicações pelo elenco. Estrelado ainda por Armie Hammer e Jackie Earle Haley o filme carrega, propositadamente, o título do questionável longa de 1915 de D.W. Griffith que fazia propaganda da Ku Kux Klan. 

PL►Y: O Que Richard Fez

Roisin e Jack: sentimentos difíceis. 

Conheci o trabalho do irlandês Lenny Abrahamson no pouco visto Frank (2014), mas ele ficou famoso mesmo no ano seguinte ao dirigido o elogiado O Quarto de Jack (2015), que lhe rendeu sua primeira indicação ao Oscar de direção - além de concorrer a melhor filme, roteiro adaptado e premiar sua estrela Brie Larson com a estatueta de melhor atriz. O Que Richard Fez é o terceiro filme de Lenny - e fez sucesso em várias premiações europeias com a história de um jovem promissor que se excede e comete um grande erro. Não vale a pena contar o que o título sugere já que faz parte da graça do filme construir certo suspense a partir dele -  já que em sua primeira parte não acontece nada demais. Richard (Jack Reynor) é um menino de ouro, atleta do time de rúgbi da escola e está prestes a entrar para a faculdade. Apresentado como um adolescente como outro qualquer entre seu grupo de amigos, ele conversa, fala bobagens, convive com a família e começa um namoro com Lara (Roisin Murphy). Nessa parte a direção de Abrahamson é praticamente invisível, deixando tudo muito espontâneo e com jeito de improvisação, o que deixa as relações do filme tão triviais quanto reais, tornando mais mais natural a forma como cresce o ciúme de Richard. A coisa complica depois de meia hora de projeção e tudo muda de tom. Devorado pela culpa, o protagonista torna o filme mais intimista com o dilema de assumir a consequência dos seus atos. Jack Reynor tem uma atuação convincente como o rapaz comum que percebe ter jogado a vida pelo ralo por um motivo tolo e transformou a vida de várias pessoas por acidente. A forma como utiliza os silêncios e o tom arrastado para criar a pressão sobre o personagem demonstra que Lenny Abrahamson já demonstrava o gosto por lidar com emoções difíceis de personagens que enclausurados (seja por uma cabeça de papel machê como em Frank ou num cubículo como em Quarto de Jack, ou, no caso, em sua própria culpa), mas aqui ele não tem medo de ser hermético e afastar parte do público que não está disposto a desfrutar da lentidão de sua narrativa. No entanto, O Que Richard Fez revela-se um bom cartão de apresentação de um cineasta europeu que promete chamar ainda mais atenção nos próximos anos.

O que Richard Fez (What Richard Did / Irlanda - 2012) de Lenny Abrahamson com Jack Reynor, Roisin Murphy, Sam Keeley, Patrick Gibson e Fionn Walton. ☻☻☻

terça-feira, 11 de outubro de 2016

PL►Y: O Hóspede

Stevens: Adeus Matthew Crawley. 

Dan Stevens ficou famoso mundialmente como o übergalã da série Downton Abbey (2010-2015). O culto ao seu personagem era tão grande que a saída dele gerou protestos mundiais e até a queda da audiência. Desde então, Dan procura um lugar ao sol no cinema - e recentemente conseguiu o disputado papel da Fera na nova versão de A Bela e a Fera a ser lançada no ano que vem. Antes disso, em 2014, o moço estava disposto a mostrar que era capaz de fazer um papel bem menos agradável de se ver em O Hóspede. Aqui ele interpreta David, um veterano de guerra que resolve visitar a família de um amigo que faleceu em combate. O casal formado por Laura (Sheila Kelley) e Spencer (Leland Orser) ainda não digeriram muito bem a morte do filho, mas os irmãos Anna (Maika Monroe) e Luke (Brendan Meyer) já parecem ter superado a perda. Ainda que o roteiro não gaste muito tempo aprofundando as relações existentes entre os personagens, David ocupa um lugar que estava vazio na casa, convencendo os pais do amigo de que não há nada demais que ele apareça ali e fique por alguns dias -  e o fato de Luke enfrentar todas as inseguranças do universo escolar também ajuda para que David seja visto como uma espécie de "irmão mais velho" protetor. O difícil é convencer a adolescente Laura de que ele é um homem de confiança. Não demora muito para que David se revele um sujeito perigoso, uma espécie de Jason Bourne Psicótico que lida com as pessoas que atrapalham a família do amigo sem grandes cerimônias - o que confere algo cômico para a história. O mais interessante de O Hóspede é que o filme não tem pudores em ser um filme B, tudo é apressado, um tanto farsesco e nem existe um mistério tão grande quanto o roteiro imagina, assim, se você embarcar na proposta você pode até se divertir, principalmente porque o protagonista está disposto a fazer você gostar do filme com todos os defeitos que ele tem. Entre tiros, mortes, explosões e piadinhas infames ditas por David, fica claro como é divertido para Dan Stevens sepultar de vez o jeito de bom moço que lhe rendeu tanto sucesso nas telinhas mundo afora. Feito para entreter, O Hóspede não faz a mínima questão de fugir do final "surpreendente" que renderia uma dezena de outros filmes quando os produtores precisarem pagar as contas nos próximos anos. 

O Hóspede (The Guest/ EUA-Reino Unido / 2014) de Adam Wingard com Dan Stevens, Maika Monroe, Sheila Kelley, Lance Reddick, Brendan Meyer e Leland Orser. ☻☻

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

PL►Y: Quando Te Conheci

Hoult e Stewart: os sentimentos como ameaça à ordem. 

Indicado ao Leão de Ouro no Festival de Veneza2015 o novo filme de Drake Doremus investe no tema da moda: distopia. O ruim é que ele contribui para demonstrar como a ideia de um futuro de extrema opressão antiutópica começa a ficar desgastada em sua abordagem cinematográfica. Depois de Jogos Vorazes (2012), Maze Runner (2014), Divergente (2014) e até O Lagosta (2015), mesmo com todas as qualidades o que vemos em Equals é mais um filme onde os personagens insatisfeitos tentam burlar o sistema para encontrar alguma satisfação. Em Quando te Conheci (nome péssimo para o bem mais sugestivo e original título em inglês) os personagens vivem num mundo onde todas as emoções são sufocadas a duras penas, afinal,  no passado, as autoridades perceberam o quanto ela contribui para a degeneração da sociedade e da própria identidade. Aqueles que ainda conseguem sentir alguma coisa são tratados como doentes com uso de medicamentos, retiros, vídeos e todo o tipo de terapias, no entanto, porém, existe a preocupação crescente com o aumento de suicídios e pessoas que ainda insistem em se apaixonar (o que é considerado uma verdadeira aberração) - e vale ressaltar que no universo do filme a procriação é feita somente por inseminação artificial (afinal, vai que o indivíduo faz sexo e resolver sentir prazer em outras coisas na vida!). É neste contexto pouco animador vivem Silas (Nicolas Hoult) e Nia (Kristen Stewart), dois jovens que já apresentaram comportamento disfuncional  e que agora são acompanhados de perto. Os dois trabalham juntos no mesmo lugar e aos poucos sentem atração um pelo outro, restando apenas resistir - mas não conseguem fazer isso por muito tempo e as consequências são inevitáveis. A investida do diretor Drake Doremus pela ficção científica revisita o tema do amor diante das adversidades de seus dois filmes anteriores (o elogiado Loucamente Apaixonados/2011 e o pouco lembrado Paixão Inocente/2013), com a diferença de construir um mundo bastante particular. Com boa trilha sonora e um visual bem executado  - que lembra a assepsia de THX-1138 (1971) e Gattaca (1997) - o filme funciona especialmente em sua primeira parte onde os personagens precisam esconder os sentimentos, depois tudo se torna bastante previsível (e não ajuda a mania do filme inserir toda hora um videozinho explicando o universo em que a história acontece). Nicolas Hoult está bem como o rapaz contido e tem o visual certo para isso e a própria Kristen Stewart encontrou o papel de sua vida ao viver uma jovem que não pode demonstrar emoções (mas quando a personagem precisa fazer isso, ela deixa de ser Nia e se torna a Kristen). Embora não seja tudo o que imagina, o filme acerta ao tratar as emoções como ameaças que precisam ser tratadas feito doenças - algo que parece cada vez mais comum no mundo contemporâneo. O melhor de tudo é como depois da sociedade usar o termo utopia em tom pejorativo, o seu oposto, a distopia ganha cada vez mais espaço na tela com histórias de pessoas que desafiam o sistema em que vivem. 

Quando Te Conheci (Equals/EUA-2015) de Drake Doremus com Nicholas Hoult, Kristen Stewart, Guy Pearce, Bel Powley e Jacki Weaver. ☻☻☻