domingo, 31 de maio de 2020

HIGH FI✌E: Maio

Cinco produções que merecem destaque no mês de maio:

"Manifesto" de Julian Rosenfeldt
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PL►Y: A Vastidão da Noite

Horowitz e Sierra: sci-fi intimista.

Dia desses eu li tantas análises positivas de um filme que à noite eu não pude deixar de conferir o motivo de tanta animação. O objeto de tantos elogios é The Vast of Night, ou A Vastidão da Noite como está sendo chamado pelo Prime Video. Lançado sem muito alarde (é impressionante como a Amazon investe pouco na divulgação de suas produções) e ganhou notoriedade ao receber cotação 93 no Rotten Tomatoes, um  feito e tanto para um filme realizado com orçamento tão modesto. O longa conta a história passada em uma noite no Novo México, onde um evento esportivo da cidade manterá todos atentos. No entanto, um radialista, Everett (Jack Horowitz) e sua amiga telefonista, Fay (Sierra McCormick) terão que executar seus trabalhos como se fosse mais uma noite comum. O filme começa com longos diálogos e uma câmera que parece sempre à espreita. Tão logo Fay começa seus serviços ela escuta um ruído estranho em uma linha telefônica, uma espécie de interferência que se repete e que, aos poucos ela acredita afetar as ligações daquela noite. Quando uma moradora diz ver algo voando perto de sua casa a situação começa a ganhar contornos estranhos e ela conta com Everett para lhe ajudar a entender o que está acontecendo. A partir daí o roteiro irá colher depoimentos de pessoas que acreditam que naquela noite discos voadores estão visitando a cidade. O roteiro é praticamente isso. No entanto, o diretor estreante Andrew Patterson utiliza esta premissa simples para demonstrar como  é capaz de contar uma história de forma envolvente. Utiliza longos planos, enquadramentos interessantes, movimentos de câmera incomuns e muita atenção ao olhar dos atores para chegar ao desfecho arrepiante. A dupla principal dá o sangue para você simpatizar com os personagens, o que é fundamental para o impacto do desfecho. Tanto esmero demonstra que um orçamento com restrições não impede que se construa uma narrativa envolvente  que foge  dos clichês do gênero (acredito que o rapaz poupou bastante o dinheiro para investir na cena com efeitos especiais que ficou realmente boa). Criado como uma ficção científica intimista, o diretor não esconde que traz como referência o seriado Além da Imaginação (o que serve muito bem ao tom e à ambientação nos anos 1950), existe também uma referência clara ao dia em que Orson Welles assombrou cidades ao apresentar Guerra dos Mundos, some isso à paranoia que reinava com a Guerra Fria e a tensão se faz como mágica. Como cresci nos anos 1990, ao terminar o filme ele me pareceu aqueles epílogos que apareciam na abertura de alguns episódio de Arquivo X pela qual você assistia aos desdobramentos ao longo do episódio. Neste aspecto, A Vastidão da Noite deixa os desdobramentos para a criatividade do espectador, entre elas, talvez, a melhor de todas seja: o que o diretor Andrew Patterson é capaz de fazer quando tiver um orçamento milionário nas mãos? Para o cineasta esta é a melhor pergunta da produção.  

A Vastidão da Noite (The Vast of Night / EUA - 2020) de Andrew Patterson com Jack Horowitz, Sierra McCormick, Gail Cronauer, Bruce Davis e Mark Banik. ☻☻

KLÁSSIQO: O Inquilino

Adjani e Polanski: a paranoia como companhia. 

Embora sua genialidade hoje seja vista soterrada por sua vida pessoal, Roman Polanski é um dos diretores mais interessantes que temos em atividade, sobretudo se levarmos em consideração os seus clássicos absolutos. Entre suas obras fundamentais, existe uma espécie de trilogia urbana que trabalha com temas muito próximos na construção de suas atmosferas de suspense. Estou falando de Repulsa ao Sexo (1965), O Bebê de Rosemary (1968) e O Inquilino (1976). Os três envolvem personagens que tem relacionamentos complicados com quem está por perto, com os apartamentos em que vivem e estão sempre a um passo da loucura (e quando se dão conta já é tarde demais). Se no primeiro existia a sexualidade reprimida de Catherine Deneuve, no segundo havia a fragilidade perante os temores da maternidade de Mia Farrow, aqui existe a solidão de um bom sujeito que começa a ser assombrado pela história de Simone, antiga inquilina do apartamento que decide alugar. Trelkovski (o próprio Polanski) é um sujeito inofensivo. Trabalha em um escritório, não parece muito a vontade com os amigos e começa a desenvolver um interesse mórbido pela antiga moradora, que ninguém sabe explicar ao certo os motivos dela se atirar pela janela. Disposto a entender o que foi que aconteceu, Trekolvski irá mergulhar em uma série de acontecimentos estranhos. Neste processo, os outros moradores do prédio tem papel fundamental. Sempre desconfiados e opressivos, eles infernizam a vida um do outro com picuinhas, abaixo assinados, reclamações e deixam o protagonista cada vez mais tenso (e Polanski capricha na escalação destes moradores taciturnos). Esta tensão não ajuda em nada seu romance com a descolada Stella (Isabelle Adjani), que não por acaso era amiga da antiga inquilina - e sempre que a vida de Trekolvski tropeçar em possibilidades de vida mais tranquilas, ele irá optará pelo desvio mais esquisito. Acreditando absorver cada mais a personalidade de Sinone, Trekolvski caminhará por um caminho sem volta. Polanski conduz o filme com sua habilidade habitual para o suspense e conta consigo mesmo para criar um personagem que é fácil sentir piedade, especialmente pela capacidade do diretor de atuar sempre no equilíbrio entre o cômico e a tragédia. Clássico do suspense, O Inquilino consegue ser bastante desconfortável em alguns momentos e ainda tem aquela cena final que deixa um nó na cabeça do espectador que se vê tão perplexo quanto o personagem principal. 

O Inquilino (Le Locataire / França - EUA /1976) de Roman Polanski com Roman Polanski, Isabelle Adjani, Melvyn Douglas, Jo Van Fleet, Lila Kedrova e Claude Dauphin. ☻☻

quinta-feira, 28 de maio de 2020

MOMENTO ROB GORDON: Séries Divertidas Escondidas na Netflix

A Netflix tem muitos filmes e séries em seu acervo e, diante de tanta oferta, a maioria das pessoas acaba assistindo aquelas mais famosas. Nesta peneira alguns programas muito legais acabam escondidos da maioria dos assinantes e esta lista foi pensada para você que quer se divertir enquanto aquela nova temporada não chega. Quem sabe uma das listadas aqui se torna sua nova série favorita? Seguem cinco descobertas (em ordem alfabética) que me divertiram bastante:

#01 "As Crianças Estão Bem"  de Tim Doyle
Descobri esta série da ABC no início do ano e posso dizer que é uma das séries mais divertidas que já assisti. Ela conta a história de um casal de origem irlandesa que vive nos Estados Unidos no início dos anos 1970. A maior graça do programa é que o casal tem sete filhos, todos do sexo masculino! Haja energia para cuidar de tanta testosterona! O narrador é o ruivinho Timmy (Jack Gore) que sonha em ser artista. Ao lado deles estão o irmão meio hippie, o bobalhão, o fofoqueiro, o filho exemplar, o esperto, o ingênuo e o bebê. Em histórias que brincam com as mudanças culturais do período e com a numerosa família, a série tem ótima reconstituição de época, ritmo preciso e atuações impecáveis, especialmente do casal Mary McCormack e Michael Cudlitz como os responsáveis durões por esta numerosa prole. A série estreou em outubro de 2018 e seus 25 episódios se estenderam até maio de 2019, deixando o suspense se seria renovada para este ano. Existem verdadeiras petições solicitando a renovação (se a ABC não fizer bem que a Netflix poderia adotar de vez esta família!). 

#02 "Community" de Dan Harmon
Esta deve ser a mais conhecida da lista. Criada pela NBC e exibida por aqui pelo Canal Sony ela nunca chegou a ser um sucesso, tanto que em sua quarta temporada foi comprada pela Yahoo que bancou mais duas temporadas. Community estreou em 2009 no auge de Big Bang Theory e ano de estreia de Modern Family, assim, as histórias malucas de um grupo estudos em uma Universidade comunitária dos EUA tinha concorrentes de peso.  Nas histórias apareciam piadas provocativas sobre preconceitos, racismo, machismo, feminismo e troça sobre qualquer seriado estudantil que já tenham inventado. Além disso sempre tinha espaço para flertar com referências pop variadas. Criado por Dan Harmon, a série contou com produção e direção dos irmãos Anthony e Joe Russo antes de migrarem para a Marvel. No elenco bastante diverso está o veterano Chevy Chase e o comediante Joel McHale ao lado de nomes que ganharam destaque nos últimos anos, como Donald Glover (também conhecido como o rapper Childish Gambino) e Allison Brie (depois consagrada por GLOW). Vale destacar que como reitor está o divertido Jim Rash (roteirista oscarizado de Os Descendentes/2011). 

#03 "Derry Girls" de Lisa McGee
Criada em 2018, arisco dizer que Derry Girls é a série mais engraçada desta lista. Sabe aquele programa que você começa a rir e tem que clicar no pause para não perder o resto do episódio? Pois este é meu relacionamento com esta série pouco conhecida, mas que está entre as minhas favoritas. Como nada é perfeito, cada temporada tem poucos episódios (a primeira tem seis e a segunta tem sete, espero que a próxima tenha pelo menos oito...) e quando termina bate até uma deprê! O programa segue um grupo de jovens irlandesas dos anos 1990 em suas pequenas aventuras em uma cidade sem muito o que fazer. Sem dinheiro e o glamour das séries americanas, a série faz graça de tudo no cotidiano delas: um padre bonitão, o desaparecimento de um cachorro, alunos estrangeiros, quem é Keyser Soze... tudo! Para completar elas estudam uma escola só de meninas dirigida por freiras - e que permite a entrada de seu primeiro menino (e a cena em que ele descobre que a escola ainda não providenciou o banheiro masculino é um primor). Quem já viu espera ansiosamente a terceira temporada!  

#04 "O Vizinho" de Miguel Esteban e Raúl Navarro
Pegando carona na onda de super-heróis, este seriado brinca com este universo dando poderes especiais a um homem comum que não sabe muito bem o que fazer com suas habilidades especiais. Enquanto descobre seus poderes, ele se atrapalha com a vida amorosa, tem problemas com os amigos,  com os vizinhos e acaba metendo os pés pelas mãos a maior parte do tempo. Conforme é descoberto pela mídia, ele passa a ser cada vez mais cobrado, mas é difícil para Javier (Quim Gutiérrez) se dar conta da responsabilidade que tem nas mãos. Quem curte o mundo dos quadrinhos irá perceber várias referências, seja sobre a forma como ele recebe seus poderes (que lembra muito o a história do  clássico Lanterna Verde) ou os dilemas do Homem-Aranha. No entanto, não espere um programa com cenas de ação, traumas ou tensão, O Vizinho é uma brincadeira com o universo das histórias em quadrinhos e funciona justamente por não se levar a sério. Os dez episódios da série foram lançados no último dia de 2019 e a próxima temporada está prevista para 2021. Ainda dá tempo para maratonar!

#05 "Please Like Me" de Josh Thomas
Esta série australiana surpreende pelos desdobramentos que ela consegue ter ao longo de suas quatro temporadas. O ponto de partida é o término do relacionamento do inseguro Josh (Josh Thomas), que a partir de então começa a refletir sobre a sua sexualidade. A partir daí segue a apresentação de pessoas que são importantes na vida do protagonista e alguns encontros que servem para ajuda-lo a entender o que está sentindo. O mais interessante é que a série começa a aprofundar os coadjuvantes e seus problemas, sem perder o bom humor e o carinho pelos personagens. Para além do fiel amigo Thomas (Thomas Ward que também assina vários episódios), também recebem destaque o pai de Josh (David Roberts),  a mãe (Debra Lawrence) e a ex- namorada (Caitlin Stasey) que se desenvolvem sempre por caminhos que fogem do óbvio, tanto que ao arranjar um namorado para Josh, eles apresentam Arnold (Keegan Joyce), um jovem com problemas psiquiátricos. Mostrando que a normalidade não existe, Please Like Me mistura comédia e drama, dando-se ao luxo de fazer seu protagonista ser (intencionalmente) chato em vários episódios. A série terminou em 2016 e se tornou uma das mais celebradas da TV australiana em muito tempo. 

PL►Y: Te Quero, Imbecil

Quim e Natalie: comédia romântica gostosa de se ver. 

A surrada comédia romântica está longe de ser meu gênero favorito (mas muito looonge mesmo), embora de vez em quando eu dê uma chance para filmes de gênero, costumo me arrepender profundamente e volto a pensar que nunca mais deveria me aventurar por estas bobagens. Porém, devo admitir, que por conta de minha resistência, ao encontrar um exemplar do gênero que funciona é uma experiência muito mais interessante! Foi meio que por acaso que vi Te quero, Imbecil!  na Netflix. O meu voto de confiança veio por conta do ator Quim Gutiérrez que ganhou minha simpatia com o divertido seriado O Vizinho (também na Netflix). No filme ele interpreta, Marcos, um rapaz não muito vaidoso, que ao pedir a namorada em casamento recebe o término do relacionamento de presente. Para piorar, ainda perderá o emprego e de volta à casa dos pais a situação complicará ainda mais para encontrar outra namorada. Ciente de que terá que pegar as rédeas da vida novamente, ele busca ajuda de um estranho guru na internet, o que lhe motiva a pedir um emprego para um amigo, Diego (Alfonso Bassave), e aos poucos mudar seu jeito de vestir, ajeitar o cabelo, aparar a barba e com a nova aparência as coisas começam a mudar um pouco para ele. Neste meio tempo ele reencontra uma colega de escola, Raquel (Natalia Tena) que o deixa bem mais leve e torna seus dias mais divertidos. Desde a primeira cena em que os dois se encontram você percebe o interesse mútuo que se instaura, mas se eles se ajeitassem logo no início, não teria filme. Os dois precisam passar um tempo juntos, rirem, se entenderem, chorarem, se aceitarem, desconfiarem... os dois irão tropeçar algumas vezes até se darem conta de que ficam felizes um ao lado do outro. Até aí nenhuma novidade, mas o filme nunca infantiliza os dois ou a plateia, além de aumentar a graça ironizando as transformações de Marcos. Existe um tempero da diretora Laura Mañá olhar para as mudanças do homem contemporâneo e o novo padrão de masculinidade, ela aponta que por mais que você mude de roupas e depile a sobrancelha, o interior pode continuar com as mesmas inseguranças ao lidar com os sentimentos que lhe deixam mais vulnerável. É impossível não simpatizar com Quim no papel principal, especialmente pela sinceridade que imprime ao personagem e pelos momentos em que divide sua perplexidade com a plateia na quebra da  chamada quarta parede. Da mesma forma, Natalia Tena compõe uma Raquel irresistível, ao ponto de ser a única pessoa do mundo que você não importaria de te chamar de imbecil a cada encontro.  Afinal, quem não é um tanto imbecil quando está apaixonado?

Te Quero, Imbecil! (Te quiero, imbécil / Espanha - 2020) de Laura Mañá com Quim Gutiérrez, Natalia Tena,  Alfonso Bassave, Ernesto Alterio, Alba Ribas e Patricia Vico. ☻☻☻

quarta-feira, 27 de maio de 2020

PL►Y: Um Crime para Dois

Issa e Kumail: casal em apuros. 

Em cartaz na Netflix desde o dia 22 de maio, Um Crime para Dois é uma comédia feita só para divertir. É verdade que ela mistura elementos de suspense, filme policial e até um pouco de ação, mas quem assistir esperando que estes elementos sejam desenvolvidos plenamente poderá se frustrar. O começa já brinca com a fórmula das comédias românticas com Jibran (Kumail Nanjiani) e Leilani (Issa Rae) se conhecendo, apaixonando e acreditando serem almas gêmeas. Alguns anos depois estão presos a discussões, desentendimentos e a certeza crescente que o relacionamento se desgastou. Discutindo a relação dentro de um carro, os dois se tornarão testemunhas de um crime que, por uma dessas loucuras  de roteiro, terão os dois como principais suspeitos. Para provarem a inocência eles tentarão entender quem são os envolvidos e as motivações do crime, além de sobreviverem a algumas experiências tão perigosas quanto engraçadas. As comédias de suspense não precisam fazer muito sentido, na verdade, se elas se tornarem um tanto confusas até colabora para ter alguma graça (veja o exemplo recente de A Noite do Jogo/2018), mas Um Crime para Dois nem se preocupa muito a fazer a jornada dos personagens soar real, trata-se de um apelo apenas para os dois fazerem graça com todos os clichês dos filmes do gênero. Muito da graça do filme se deve ao casal protagonista que, por acaso, se tornaram mais conhecidos em séries da HBO. Kumail ficou famoso por sua participação na  recém terminada Silicon Valley, acrescente a isso o fato de no ano passado ser indicado ao Oscar pelo roteiro do fofo Doentes de Amor (2017) e estar prestes a estrear na Marvel, ou seja, a  carreira do moço vai muito bem, obrigado. Issa Rae se tornou mais conhecida por seu trabalho em Insecure, também da HBO. Na série, Issa não apenas atua como produz, escreve e foi indicada duas vezes ao Globo de Ouro por seu trabalho. Juntar os dois garante as risadas ao longo do filme, embora convençam mais como dupla do que como casal de verdade. O trabalho do diretor Michael Showalter  (também de Doentes de Amor) é bastante eficiente, tem bom ritmo e consegue equilibrar as cenas de tensão (a cena do bacon me provocou arrepios) com as mais divertidas sem aquele desequilíbrio perigoso que pode comprometer o conjunto. Um Crime Para Dois é um filme que serve para fazer rir e passar o tempo, tarefas que cumpre sem esforços. 

Um Crime Para Dois (The Lovebirds/EUA-2020) de Michael Showalter com Kumail Nanjiani, Issa Rae, Paul Sparks, Anna Camp, Catherine Cohen e Karl Bornheimer. ☻☻☻

domingo, 24 de maio de 2020

PL►Y: Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa

Rosie, Mary, Margot, Ella e June: lute feito uma garota. 

No período em que estive afastado do blog, Aves de Rapina foi um dos filmes que assisti no cinema. Lembro que quando o filme foi lançado se viu em meio a algumas discussões que não tinham nenhuma relação com seu tom e energia colorida. Comercialmente o filme decepcionou nas bilheterias e o fechamento das salas ao redor do mundo por conta da pandemia do Corona Vírus também não ajudou. O filme custou 84 milhões e arrecadou mais de 200 milhões ao redor do mundo, não chega a ser um fracasso, mas decepcionou seus produtores que contavam uma arrecadação muito maior. Não acho que o problema seja o filme em si, mas a escolha do título não foi muito boa, já que Aves e Rapina não é um nome muito conhecido do grande público e acrescentar Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa tornou o nome extenso demais e não ajudou muito a torna-lo popular (e o filme ainda mudou de nome depois que entrou em cartaz). O filme retoma a personagem de Margot Robbie em Esquadrão Suicida/2016 (filme tão remendado que ficou realmente confuso e levou um Oscar para casa), Arlequina já está de saco cheio de ficar à sombra do namorado, Coringa (mas esqueça o seu parceiro Jared Leto porque ele nem aparece por aqui). Ela resolve dar seu grito de independência e percebe que era justamente o vilão de Gotham que a mantinha protegida, afinal, durante o relacionamento ela fez tantas peripécias no submundo de Gotham que os desafetos se multiplicaram aos montes. Logo ela se torna alvo do estranho criminoso Ramon Sionis (Ewan McGregor), mais conhecido como Máscara Negra que é adepto de torturas variadas em suas vítimas. Acontece que Máscara Negra tem vários crimes nas costas e vários inimigos também. É um grupo de mulheres que tem contas a acertar com ele que se junta meio que por acaso ao longo da trama e percebem que tem isso em comum. Neste time está a Arlequina, que passa a ajudar a adolescente Cassandra Cain (Ella Jay Basco) - que está longe de ser aquela versão que conhecemos como a nova Batgirl dos quadrinhos -, a policial Renee Montoya (Rosie Perez), a misteriosa Helena Bertinelli (Mary Elizabeth Winstead) e a cantora Dinah Lance (June Smollett-Bell). O roteiro vai e volta, avança, retrocede, embaralha a linha temporal a todo instante para mostrar a trajetória das personagens e como elas se conhecem até se unirem no final para derrotar o malvadão da história. O resultado é um tão caótico como divertido divertido, especialmente pelos diálogos espertos (lembra a todo instante que Arlequina é inteligentíssima e capaz de analisar os traços de personalidade dos outros personagens, além de completamente doida) e as cenas de ação criativas chamam a atenção não apenas pelo colorido como pela construção das cenas (Arlequina perseguindo um carro de patins é sensacional! Assim como a arma que atira glitter ou a briga no parque de diversões), ponto para a diretora Cathy Yan que antes dirigiu apenas um longa, o pouco conhecido Dead Pigs (2018). Os mais xiitas reclamaram de várias alterações dos quadrinhos, mas nada chegou a me incomodar (é verdade que eu queria que A Caçadora tivesse mais destaque, mas contava com outras aparições da moça com sede de vingança), até as mudanças com a  Canário Negro me pareceram bastante coerentes (e ainda renderia uma química interessante com seu par nos quadrinhos, o Arqueiro Verde). Aves de Rapina é alegre e descontraído, diverte, empolga e não quer ser levado a sério. O filme merece uma segunda chance no conforto do sofá (e também pode render novas aventuras com as personagens em outros filmes da DC). Não é perfeito, mas está bem longe de ser o desastre que muitas pessoas dizem ser. Assistirei várias vezes, tranquilamente. 

Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa (Birds of Prey: And the Fantabulous Emancipation of the Harley Quinn/EUA-2019) de Cathy Yan com Margot Robbie, Rosie Perez, Mary Elizabeth Winstead, June Smollett-Bell, Ewan McGregor, Ella Jay Basco e Chris Messina. 

NªTV: Little Fires Everywhere


Reese e Kerry: relação complicada. 

Sabendo que a série Little Fires Everywhere entraria em cartaz no Prime Video no dia 22 de maio eu corri para ler o livro Pequenos Incêndios por Toda Parte de Celeste Ng. Confesso que li bem rápido, em uma semana, já que a autora constrói uma narrativa que prende a atenção em torno dos acontecimentos que precederam o incêndio na casa da família Richardson. Apesar do livro se enrolar em algumas situações, a trama merece atenção menos por quem praticou o crime e  mais nas entrelinhas da relação entre os Richardson com duas recém chegadas na vizinhança, Mia Warren e a filha Pearl. Temas como preconceito, privilégios e, principalmente, maternidade aparecem a todo instante, compondo um cenário bastante rico e que leva o espectador a acompanhar as duas matriarcas complexas em suas qualidades e defeitos. Durante todo o livro é difícil não concordar ou discordar de ambas em alguns momentos e, por isso mesmo, o livro se torna tão interessante. São duas lógicas em conflito. Duas escolhas e suas consequências que se esgarçam quando os filhos começam a crescer e procurar seus próprios caminhos e histórias. Não por acaso Reese Whiterspoon se interessou pela história e convidou Kerry Washington para somar ainda mais camadas nesta história. O livro não cita que Mia é sua filha são negras (cita em alguns momentos que o cabelo de Pearl é crespo e só), mas este detalhe faz com que a história aprofunde ainda mais questões raciais. A minissérie é bastante fiel à espinha dorsal do livro, mas explora outras vias dos personagens para dar ainda mais corpo aos oito episódios que compõem a produção. Assim, explora ainda mais a história de Elena Richardson (seu passado no livro é apenas um vislumbre da complicada chegada da filha caçula) e ainda conta mais detalhes de sua vida sexual (a discussão de Monólogos da Vagina no Clube de Literatura não existe e aqui serve de pontapé para ver a relação que a personagem faz entre sexo e maternidade, o que explica muito sobre suas frustrações no casamento). 

Kerry e Lexi: segredos em nome do amor maternal. 

Outra personagem que ganhou mais destaque é justamente a filha caçula, Izzy (Megan Stott) que tem sua sexualidade mais explorada, se tornando um ponto importante em sua inadequação ressaltada no livro. De certa forma, Mia também recebe novas nuances, não apenas por sua cor de pele, mas por sua personalidade que é apresentada de forma mais amarga e severa diante do segredo que esconde.  Na pele de uma artista que precisa de vários empregos para se sustentar, Kerry está ótima como a personagem que intriga a jornalista vivida por Reese. Juntas elas tem embates calorosos que se expande para seus próprios filhos - o que torna o programa ainda mais emocionante. Conforme Pearl (a ótima Lexi Underwood) se aproxima dos jovens Richardson, o tímido Moody (Gavin Lewis), o conquistador Trip (Jordan Elsass), a popular Lexie (Jade Pettyjohn) e Izzy, o que vemos é o choque entre dois mundos dentro na perfeição ilusória da planejada Shaker Heights (vale a pena procurar a história desta cidade). Vale ressaltar que em vários momentos a minissérie encontra caminhos mais enxutos para o que está no livro (repleto de digressões e coincidências). Aqui vários elementos aparecem mais fluidos e encaixados na trama, deixando claro que fizeram uma boa transição do livro para a televisão. Embora aborde várias questões que nunca perdem a atualidade, a trama é ambientada nos anos 1990 e toda a reconstituição de época emolduram ainda mais os comportamentos e situações que vemos aqui. Ouvi algumas pessoas comparando a Helena de Reese com seu papel em Big Little Lies (outro livro que virou série), na verdade a Helena é a versão crescida de outra personagem da atriz, a Tracy Flick de Eleição (1999). Também vi gente falando que as expressões de Kerry nunca deixam claro se ela esta preocupada ou com raiva, quando na verdade ela sente tudo ao mesmo tempo em suas incertezas diante do que lhe aconteceu. Com a complexidade de suas protagonistas e a trama cheia de mistérios Little Fires Everywhere pode até soar novelesco demais, mas é um dos destaques televisivos do ano e merece fazer bonito nas premiações. Vale ainda destacar que este é o último trabalho da cineasta Lynn Shelton que faleceu recentemente e dirigiu quatro episódios (incluindo o primeiro e o último, fundamentais para o tom da produção). Uma belíssima despedida. 

Reese e seus filhos: o peso da perfeição nunca alcançada. 

Little Fires Everywhere (EUA-2020) com Reese Whiterspoon, Kerry Washington, Joshua Jackson,  Lexi Underwood, Rosemery Dewitt, Gavin Lewis, Megan Stott, Jordan Elsass, Jordan Pettyjohn, Lu Huang e Stevonte Hart. ☻☻

FILMED+: Quem Tem Medo de Virginia Woolf

Taylor e Burton: uma noite na montanha-russa. 

Eu adoro ver clássicos do cinema, não apenas pela obra em si, mas para capturar um pouco o que havia na época de seu lançamento que o fez ser (ou não ser) um sucesso. Além disso, deixa o programa muito mais interessante se você conseguir perceber como alguns são extremamente modernos até hoje. Além disso, adoro quando são em preto e branco, com atuações fortes (que hoje podemos considerar até exageradas) e uma edição marcante. Quem Tem Medo de Virgínia Woolf? preenche todos os requisitos que citei acima e, por isso mesmo, é um programa interessantíssimo. O filme marcou a estreia de Mike Nichols na direção (e que estreia!) e surpreendeu muita gente que estava acostumado a vê-lo como um comediante dos palcos e da televisão. Numa época em que já se faziam filmes coloridos, ele escolheu adaptar a a peça de Edward Albee em preto e branco e convenceu Elizabeth Taylor a ganhar peso interpretar uma mulher mais velha. Não por acaso, a diva, que na época tinha 33 anos anos levou para casa seu merecido segundo Oscar para a casa. Liz Taylor está avassaladora como Martha, a filha do reitor de uma universidade, casada com um professor e escritor frustrado, George (Richard Burton). Burton e Taylor formavam um daqueles casais icônicos de Hollywood, os dois se conheceram nas gravações do fiasco Cleópatra (1963) e oficializaram o casamento no ano seguinte. Logo, o filme de Nichols se beneficiou da enorme curiosidade do público sobre a relação dos dois... mas, ao verem o filme, acredito que levaram um susto quando se depararam com uma verdadeira montanha russa de emoções numa noite que começa em clima de diversão e termina da forma mais deprimente possível. George e Martha serão anfitriões de um jovem professor (George Segal) e sua esposa (Sandy Dennis) que são recém chegados na Universidade. A tensão já começa a aparecer quando George deseja apenas descansar e Martha parece animada demais com a visita, o que começa com uma conversa amena de fim de noite começa a se tornar cada vez mais intensa e ofensiva exibindo as fissuras que existem na relação do casal anfitrião. Frustrações, desejos, mentiras e segredos começam a ser sugeridos e ganham corpo conforme os diálogos avançam noite adentro com muito álcool alimentando o temperamento explosivo do casal. Mencionando um filho que nunca aparece, um livro que nunca se sabe se é baseado em fatos reais ou pura ficção, George e Martha perdem as estribeiras gradativamente, conduzindo o jovem casal para a realidade desiludida em que se encontram. É um ponto de partida simples sobre um jovem casal cheio de sonhos e um mais experiente que já provou o que um casamento pode ter de amargo, mas o texto conduzido com grande energia por Nichols e as atuações viscerais de Liz e Burton, ancorados pelos bons coadjuvantes o resultado é de tirar o fôlego. Repleto de cortes e ângulos revolucionários para a década de 1960, além de um texto tão realista que beira o descontrole (quando você ver o filme entenderá o que quero dizer), Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (uma brincadeira com Quem tem medo do Lobo Mau? com o nome da famosa escritora que questionava a casca de bem estar da sociedade escondendo o que era desagradável) oscila sempre entre o trágico e o cômico, o verdadeiro e o postiço até o desfecho onde são reveladas as fantasias que criamos para continuar sobrevivendo. Beira o pesadelo. O filme foi indicado a 13 Oscars, levou cinco (fotografia, direção de arte, figurino, atriz coadjuvante e melhor atriz). Aqui, Elizabeth Taylor demonstra com quantas emoções se faz uma estrela. Ela ri, grita, chora, assusta e emociona num trabalho  que beira à exaustão e faz deste filme um clássico irresistível. 

Quarteto indicado ao Oscar: à beira da combustão. 

Quem Tem Medo de Virginia Woolf (Who's Afraid of Virgina Woolf / EUA - 1965) de Mike Nichols com Elizabeth Taylor, Richard Burton, George Segal e Sandy Dennis. ☻☻

sábado, 23 de maio de 2020

Ciclo Ghibli: Porco Rosso / Eu Posso Ouvir o Oceano / As Memórias de Marnie

Porco Rosso: um feitiço que pouco importa. 

Imagine a história de um aviador caçador de recompensas na Itália nos anos 1930 que já teve seus amores e muita história para contar. Inclua alguns serviços heroicos em sua rotina e um rival sempre disposto a competir. Acrescente também uma menina que se torna fã deste aviador, ao ponto de quase terem um romance proibido. Agora imagina que este aviador com ares de conquistador sofre de uma maldição que o fez ganhar a aparência de um porco. Porco Rosso (1992) é o oitavo filme de Hayao Miyazaki, que aqui envereda pelo tom de aventura entre guerras apresentando um herói bastante incomum. O que mais impressiona no filme é que apesar de seus elementos fantásticos não se trata de um comédia, mas de um legítimo filme de aventura com cenas aéreas de tirar o fôlego de tão bem elaboradas. O filme ainda tem a curiosidade de ser falado em japonês, com um protagonista americano vivendo na Itália! O que dá à história um tom de não se passar num local real definido, mas num mundo paralelo mesmo. Hayao desenvolve seu protagonista cheio de climas e toques de filme noir (as roupas, as trilhas, alguns diálogos) e o mais engraçado é que o filme não se preocupa em explicar como o aviador Marco virou Porco por conta de um feitiço, fazendo parecer que foi só um toque para deixar a história mais original e com um curioso clima de romance fabuloso no ar - especialmente quando aparece a amiga Gina na história. Com cenas de batalhas aéreas e o colorido sempre caprichado dos Estudios Ghibli, o filme se tornou um dos mais cultuados de seu diretor (mesmo que alguns aspectos sobre o personagem merecessem maior desenvolvimento). Eu Posso Ouvir o Oceano (1993) já segue outra linha, calcado em dramas adolescentes, o filme deixa os elementos fantásticos de lado para falar sobre relacionamentos com a família, amizades e interesses amorosos. Ambientado em uma escola da pequena cidade litorânea de Koichi, a trama conta a história de dois amigos que se apaixonam pela estudante recém chegada, Rikako. Aos poucos Taku e Yutaka se aproximam da garota e não deixam de perceber que ela carrega um pouco de tristeza em seu comportamento. Conforme a trama avança, a menina se aproxima mais de Taku, mas as inseguranças e segredos acabam tornando o relacionamento entre os dois um tanto complicado.

Eu Posso Ouvir o Oceano: romance adolescente. 

O roteiro aqui capricha na ambiguidade dos personagens que são bastante complexos e difíceis de classificar, mesmo porque parecem sempre estar escondendo o que sentem. A trama segue de forma simples e um tanto melancólica, com cenários urbanos caprichados e alguns ângulos que nos fazem até esquecer que estamos diante de uma animação. Baseado no mangá de mesmo nome de Saeko Himuro, o diretor Tomomi Mochizuki (que trabalha com animes para a televisão desde o início dos anos 1980) cria um longa realista, enxuto e com certo sabor de nostalgia. Produzido para a TV japonesa, o filme mantem o padrão de qualidade do estúdio, com uma paleta de cores que oscila entre cores frias e quentes, compondo um cenário urbano nas cores das emoções de seus personagens. Outro filme com selo Ghibli que vale a pena conferir na Netflix é As Memórias de Marnie (2014), filme premiadíssimo e que foi indicado ao Oscar de Melhor Animação em 2015. O longa conta uma história com toques espirituais baseada no livro de Joan G. Robinson. Aqui conhecemos Anna, uma garota de doze anos que ainda tenta se adaptar ao fato de ser adotada. Com problemas para fazer amigos e demonstrar suas emoções, ela acaba sendo enviada para visitar parentes de sua nova mãe no interior. Ela acaba conhecendo Marnie, uma menina que mora num casarão afastado e misterioso. O laço de amizade entre as duas se torna cada vez mais forte, no entanto, desde o início notamos que existe algo muito particular em sua nova amiga. Se já existe um segredo (que a plateia desconfia o que seja desde o início e que se descobre aos poucos), quando o filme chega ao seu desfecho existe outro muito maior que faz toda a diferença e torna o filme ainda mais comovente. Belo e sensível em sua execução, chega a ser redundante falar que a beleza da animação é complementada com suas paisagens caprichadas em cores litorâneas. Dirigido pela dupla James Simone e Hiromasa Yonebyashi (diretor de O Mundo dos Pequeninos/2010) o filme se tornou um sucesso mundial e levou muita gente às lágrimas. Imperdível.  

As Memórias de Marnie: beleza indicada ao Oscar. 


Porco Rosso (Korenai no Buta / Japão - 1992) de Hayao Miyazaki com vozes de  Shûichirô Moriyama, Tokiko Katô e Bunshi Katsura Vi ☻☻

Eu Posso Ouvir o Oceano (Umi Ga Kokiery / Japão - 1993) de Tomomi Mochizuki com vozes de  Nobuo Tobita, Toshihiko Seki e Yoko Sakamoto. ☻☻

As Memórias de Marnie (Omoide No Mânî / Japão - 2014) de James Simone e Hiromasa Yonebyashi com vozes de  Sara Takatsuki, Kasumi Arimura e Nanako Matsushima. ☻☻

PL►Y: Histórias Assustadoras Para contar no Escuro


Austin Abrams: momento arrepiante e outros nem tanto.

No Halloween de uma pequena cidade dos Estados Unidos do ano de 1968 um grupo de amigos resolve se aventurar por uma casa assombrada e acabam encontrando um lendário livro que é capaz de escrever sozinho histórias com mortes bizarras que começa para cada um deles. Este é Histórias Assustadoras para Contar no Escuro, produção de Guillermo Del Toro que conseguiu algum sucesso nos cinemas com sustos e alguma nostalgia. Apesar de ser dirigido pelo norueguês André Øvredal, o longa carrega a marca do seu produtor no que se refere à criação de monstros estilizados e um fantasma traumatizados conduzindo a trama, no entanto, a história bebe muito na fonte de Stephen King ao colocar um grupo de pré-adolescentes no centro da trama e referências aos seus medo (It?), embora as posturas e a linguagem esteja muito distante do que se espera dos anos 1960 nos interior do Tio Sam,  o grupinho tem lá o seu carisma. A protagonista é Stella (Zoe Colletti), menina um tanto deslocada que vive somente com o pai depois do desaparecimento da mãe. Ela tem dois amigos fieis, Auggie (Gabriel Rush) e Chuck (Austin Zajur) que sofrem com a perseguição de um valentão idiota chamado Tommy (Austin Abrams), ou seja, nenhuma grande novidade neste universo. A pontinha de diferença está na presença de Ramon Morales (Michael Garza) que por ser filho de imigrantes desperta alguns comentários preconceituosos enquanto se aproxima cada vez mais do coração de Stella. O início do filme é bastante eficiente na hora de apresentar os personagens e a cidade que tem um passado esquisito (mais um ponto que lembra as obras de King), mas instaura um clima bem juvenil, o que pode decepcionar quem achava que o filme seguiria por caminhos mais assustadores. No entanto, por incrível que pareça, o roteiro reserva alguns momentos hardcore (o menino que se transforma em espantalho é uma das cenas mais arrepiantes que já vi), alguns nojentos e outros apenas bobos.  Essa irregularidades nos sustos pode até comprometer o programa para os mais velhos, mas a garotada parece ter curtido o resultado que caminha cada vez mais para o previsível até o desfecho. O final dá a entender que haverá uma continuação que já está em fase de produção. No fim das contas, Histórias Assustadoras Para Contar no Escuro não assusta tanto assim, mas serve para passar o tempo com os colegas levando susto na cadeira ao lado. 

Histórias Assustadoras Para Contar no Escuro (Scary Stories to Tell in the Dark / EUA-Canadá-Hong Kong / 2019) de André Øvredal com Zoe Colletti, Michael Garza, Austin Abrams, Gabriel Rush, Austin Zajur e Gill Bellows. ☻☻

domingo, 17 de maio de 2020

PL►Y: Resgate

Jaiswal e Chris: brutamontes do século XXI. 

Resgate é um filme que é um tanto difícil escrever sobre sua história: um mercenário precisa resgatar o filho sequestrado de um criminoso. Este é o fiapo de história que o diretor estreante Sam Hargrave precisa para gerar quase duas horas de ação ininterrupta. Antes de falar sobre o filme em si, vale a pena saber que Hargrave já trabalhou como ator (e tem pinta de galã), mas a maior parte de seus projetos foi vinculada ao trabalho com dublês e coreografias de luta, talvez por isso ele demonstre facilidade na hora de construir cenas mirabolantes e bem construídas em torno de seu protagonista, Tyler Rake (Chris Hemsworth, que conheceu o diretor em suas parcerias com os filmes da Marvel). Tyler é o tipo de cara que se garante com uma arma na mão ou apenas com os punhos quando precisa. É capaz de tomar tiros, ser cortado, quebrado e à beira da inconsciência ainda ganhar uma luta. Assim que ele encontra o menino Ovi Mahajan (Rudhraksh Jaiswal), ele é capaz de fazer de tudo para proteger a vida dele - e o próprio diretor demonstra grande inventividade para bolar desafios vertiginosos. De cenas de perseguição de carro, a perseguições intermináveis em plano sequência (que me gerou uma baita dor de cabeça com a câmera trêmula), o filme consegue manter um ritmo invejável em sua duração e, por isso mesmo, não faz questão de ter uma história mais ampla para contar. É verdade que existe um trauma na vida de Rake e um código moral que lhe permite ter mais caráter do que a maioria dos mercenários (incluindo o amigo vivido por David Harbour personificando tudo que o protagonista não ousaria pensar), mas nada que exista mais de dez minutos de abordagem no roteiro, no entanto, serve para comprovar como Chris Hemsworth tem tudo para ter uma sólida carreira depois de ficar mundialmente conhecido como Thor nos cinemas. Embora tenha se dedicado mais às comédias nos últimos anos, ele leva o maior jeito para ser uma espécie de Rambo do século XXI. Feito para ser um deleite para os fãs do gênero (que nesta pandemia tornaram o filme o maior sucesso de uma produção da Netflix) o filme não cria para si ambições maiores do que fazer o espectador perder o fôlego - além de deixar uma certa inquietação naquela enigmática cena final (e eu acho que era ele mesmo).          

Resgate (Extraction - EUA/2020) de Sam Hargrave com Chris Hemsworth, Rudhraksh Jaiswal, Bryon Lerum, Shivam Vichare e Randeep Hooda. ☻☻

NªTV: Hollywood

Laura, David, Darren, Pope e Samara: um lugar ao sol de Hollywood. 

Não tenho dúvidas de que Ryan Murphy é uma das cabeças mais criativas da televisão americana. Desde o seriado Glee, ele se tornou bastante cobiçado e a Netflix logo o convidou para seu acervo quando estava disponível. Se o produtor tem em seu currículo sucessos irretocáveis como American Crime Story (a primeira temporada é sublime, a segunda... nem tanto) e Feud, por outro lado ele tem irregularidades como American Horror Story e o próprio Glee que caiu de rendimento logo na segunda temporada - nem vou citar o fracassado Scream Queens (2015). Sua chegada na Netflix foi com The Politician (que não me empolgou ainda ao ponto de passar do primeiro episódio) e agora ele lançou Hollywood, que admito ter ficado com pé atrás para assistir. Fiquei com tanto receio que não procurei maiores informações sobre a produção e  fiquei decepcionado quando descobri que era uma minissérie e não um seriado. Em suas obras, Ryan já demonstrou diversas vezes que é fascinado pelo cinema americano (ele mesmo já dirigiu dois filmes para a telona, o ótimo Correndo com Tesouras/2006 e o sucesso Comer, Rezar, Amar/2010 com quem trabalhou com Julia Roberts antes de a escalar para seu telefilme na HBO, The Normal Heart/2014) e aqui ele extrapola esta paixão. Só que não pelos caminhos tradicionais, mas através de uma fantasia sobre a época de ouro da capital do cinema. Misturando personagens reais e outros fictícios ele conta a história de como Hollywood poderia ter sido e deixa em nossas mentes qual efeito ela teria sobre o cinema que temos hoje. Seu texto injeta temas como representatividade e feminismo em choque com as posturas conservadoras da década de 1940. A ideia é interessante, mas na prática resulta ingênua em sua abordagem, especialmente pelo desfecho. O filme conta a história de um grupo de jovens que tenta o sucesso na capital do cinema, neste ponto trabalha com arquétipos bem conhecidos e que representam uma multidão de sonhadores que foram tentaram a mesma coisa. Um deles é Jack Costello (David Corenswet) que lutou na guerra e voltou com o sonho de se tornar astro, mas diante das dificuldades para sustentar a família acaba se prostituindo num posto de gasolina. Aos poucos somos apresentados a outros personagens como o jovem diretor Raymond Aisley (Darren Cris) que namora com a atriz Camille Washington (Laura Harrier), que está cansada da cor de pele lhe reservar somente papeis de empregada.

Os veteranos: revolucionando Hollywoodland. 

Os três logo irão se envolver num roteiro que está prestes a sair do papel, "Peg", filme escrito por um roteirista negro e homossexual chamado Archie Coleman (Jeremy Pope) - que por sua vez irá namorar com um jovem promissor que está prestes a mudar o nome para Rock Hudson (Jackie Picking). Hudson é um dos personagens reais que se misturam nesta Hollywood de fantasia imaginada por Ryan Murphy e Ian Brennan ... e talvez seja um dos pontos mais delicados da história.  Já que sendo Hudson é o nome mais conhecido entre os personagens, todo mundo sabe como o astro sofreu por esconder sua sexualidade por décadas, já que sabia o impacto que revelar seu desejo por outros homens afundaria a sua carreira (por mais que muitos diretores e produtores compartilhassem o mesmo gosto era algo a ser sempre escondido). Na série parece que bastava assumir o desafio que tudo se resolveria como se vivessem no século XXI. Se nos dias atuais a pressão conservadora já é enorme, imagine naquele tempo? Talvez para desenvolver este aspecto de sua fantasia, o ideal seria  Ryan criar uma série e não uma produção fechada, afinal, por mais que no decorrer das história os problemas apareçam, no desfecho (que bebe na fonte Tarantino de reinventar a história) tudo se resolve como num conto de fadas. Se levarmos em conta que Halle Berry foi a primeira atriz negra a ganhar um Oscar em 2002 (e até hoje escuta questionamentos e tem problemas para encontrar papéis relevantes) e o primeiro roteirista a ganhar o prêmio foi em 2010 (por Preciosa), vocês podem imaginar que somente boas intenções e talento não tornariam a jornada dos personagem mais fácil numa terra que historicamente não é para principiantes. Não há problemas em Ryan Murphy reimaginar a história, principalmente se sua intenção é pensar como seria o cinema americano hoje se realmente aqueles fatos ocorressem, mas é justamente neste ponto que  a minissérie encontra seu maior dilema: ela funciona para o olhar que temos hoje, mas ao inseri-lo em outro tempo o resultado se torna um retrato infiel (e um tanto condescendente) do contexto histórico que retrata. É um risco que Ryan assume sem pestanejar e alcança um resultado comovente quando investe em sutilezas. Sei que parece uma grande rabugice de minha parte, já que o programa funciona muito bem até o penúltimo episódio, mas no final deixa claro que algumas situações mereciam ser melhor trabalhadas em novas temporadas e aqui aparecem apressadas (o novo filme do grupo merecia toda uma temporada para ser trabalhada e não poucos minutos). Com bons atores e a produção caprichada, Hollywood poderia render novas histórias sobre as fantasias de um apaixonado por cinema por vários anos... ou será que Hollywood pretende revisitar estes personagens na década seguinte em uma série de antologia de seu criador? Se for, acho uma ótima ideia.  

Rock Hudson e seu agente: Sheldon do mal. 

Hollywood (EUA-2020) de Ryan Murphy e Ian Brennan com David Corenswet, Darren Criss, Laura Harrier, Joe Mantello, Jake Picking, Jeremy Pope, Holland Taylor, Dylan McDermott, Samara Weaving, Patti LuPone, Jim Parsons e Mira Sorvino. ☻☻☻

sábado, 16 de maio de 2020

4EVER: Fred Willard

18 de setembro de 1933 ✰  15 de maio de 2020

O mundo acaba de perder parte de sua graça com o falecimento de Frederick Charles Willard, nascido em Ohio nos Estados Unidos. Famoso por seus papéis cômicos, Fred ficou bastante conhecido por seus trabalhos em série de TV e pelos hilariantes personagens nos mockumentaries de Christopher Guest em que geralmente encarnava aquele personagem que nunca sabia direito o que estava acontecendo - cujo melhor exemplar está em O Melhor do Show (2003). Willard começou seus trabalhos nos anos 1960 e participou de mais de 300 produções entre cinema e televisão. O ator foi Indicado quatro vezes ao EMMY, sendo três por seu trabalho em Everybody Loves Raymond nos anos 1990 e a última por sua participação na série Modern Family em 2009. O ator faleceu de consequências naturais aos 86 anos.  

sexta-feira, 15 de maio de 2020

4EVER: Lynn Shelton

27 de agosto de 1965 ✰ 15 de maio de 2020

Nascida em Ohio nos EUA, ela se tornou uma das artistas mais influentes do cinema indie americano. Diretora, atriz, roteirista e produtora, Shelton tinha um estilo bastante peculiar em contar suas histórias com cenas que pareciam improvisadas e personagens que sempre buscavam ser de carne e osso. Ela foi aclamada em seus terceiro filme, Humpday (2009) sobre dois amigos que começavam a questionar os sentimentos que sentiam um pelo outro. Com oito filme no currículo, a cineasta estava no melhor momento da carreira. Outside In (2017) marca o início de uma fase mais madura e seu último filme, Sword of Truth (2019), foi um dos mais elogiados do ano passado. Com oito filmes no currículo, Shelton também dirigiu muitos episódios de séries para TV (New Girl, Projeto Mindy, GLOW, Love...) e assina a aclamada adaptação para a TV do sucesso editorial Pequenos Incêndios por Toda Parte (que estreia dia 22 de maio aqui no Brasil). Shelton era uma das votantes do Oscar desde 2015 e faleceu em decorrência de um distúrbio sanguíneo não identificado. 

quinta-feira, 14 de maio de 2020

PL►Y: Manifesto


A coreógrafa: deliciosas provocações.

Hoje é aniversário de Cate Blanchett e para homenagear esta grande atriz nascida em Melbourne na Austrália, pensei que era uma boa ideia escrever sobre Manifesto, sua aclamada parceria com o videoartista alemão Julian Rosefeldt, projeto em que a atriz encarnou treze personagens distintos em um trabalho que foi exibido em instalações pelo mundo em que se indagava o papel da arte no século XX. Julian teve a ideia após ler diversos manifestos de artistas de diversas origens e ideologias. Assim, futuristas, supremacistas, comunistas, arquitetos, dançarinos, minimalistas, surrealistas, comunistas e situacionistas ganharam a voz de Cate Blancett em cenários por vezes inusitados. Foram produzidos treze vídeos calcados em textos de André Breton, Sol Lewitt, Jim Jarmush, Alexander Rodchenko, Claes Oldenburg, Lucio Fontana, Dziga Vertov, Wassily Kandinsky, Vicente Huidobro, Francis Picabia, Adrian Piper, Werner Herzog e Lars Von Trier que foram exibidos ao mesmo tempo no ano de 2015, dois anos depois, Rosefeldt resolveu montar uma síntese em formato de filme que foi exibido com sucesso em festivais. O resultado é um filme experimental que (como todos) pode causar grande estanhamento na plateia, mas que prende a atenção por conta da intensidade que Blanchett imprime em seus vários papeis. Colabora muito para o fascínio que a atriz provoca o fato dela ter encarnado todos os personagens em apenas onze dias (exprimidos em sua agenda sempre ocupada). Rosefeldt não poupou elogios para a estrela, que trocou  de personagens como quem troca de roupa. Assim, Cate dá personalidade aos monólogos de um sem-teto, uma jornalista, uma operadora de reciclagem, uma viúva, uma coreógrafa (que parece conduzir um clipe da Lady Gaga), uma jornalista, uma professora (que corrige a lição de seus alunos sobre os mandamentos do Dogma 95)... personagens que soltam provocações como "toda forma de arte é uma farsa" ou "arte requer verdade, não sinceridade". Por vezes a junção de discurso e cenário torna-se genial como a do enterro ou da mãe que faz uma oração sobre o tipo de arte que deseja, provocando risos e tédio nos filhos pequenos. Embora não tenha começo, meio e fim, é interessante como o filme costura os discursos que por vezes se encaixam, por outras se repelem, concordam e contradizem num contexto vasto sobre o século passado. Neste contexto, o interessante é como a subjetividade se impõe nos discursos, sobretudo na construção da busca de uma identidade artística. No fim das contas, Manifesto é um mosaico bastante coerente que transcende as concepções de arte, mas abrange a forma como ela reflete diversos campos da sociedade e suas políticas, ideologias, crises e símbolos. Por vezes o filme diverte, em outras incomoda d ironiza, mas em momento algum deixa de fazer o espectador pensar. 

Cate: versatilidade  à toda prova. 

Manifesto (Alemanha/2017) de Julian Rosefeldt com Cate Blanchett, Ruby Bustamante e Ea-Ja Kim. ☻☻

segunda-feira, 11 de maio de 2020

PL►Y: A Sala

Kevin e Olga: eficiente drama familiar em formato de suspense. 

Lançado por aqui com o título pouco inspirador de A Sala (The Room - produtores gringos atenção! Deve ter uns cinco filmes com este nome) é um filme de suspense que surpreende pelas boas ideias dramáticas que apresenta. A trama é sobre um casal, Matt (o belga Kevin Janssens) e Kate (a ucraniana Olga Kurylenko) acabam de comprar um casarão que ficou abandonado por muitos anos e tem muita coisa para organizar. Ambos trabalham em casa, ele é pintor e ela é tradutora, o que explica escolherem um local afastado para viver. Eis que um belo dia os dois descobrem um cômodo diferente na casa, que parece um quarto do pânico do início do século passado, mas que tem a capacidade inexplicável de realizar os desejos de quem está nele. No início o casal pede dinheiro, bebida, joias, brincam com fantasias e imaginam que a vida será bem mais fácil dali em diante. No entanto, neste mundo de perfeição, Matt e Kate não conseguem ter filhos. Já tiveram duas experiências frustrantes e não demora para que Kate peça um filho para o quarto. A ideia rompe com os paradigmas que o esposo tinha com aquele lugar. Ele fica assustado e desde o início, pensa que o ideal seria fazer o menino desaparecer da mesma forma como ele foi apareceu. A partir deste ponto inicia um interessante conflito no casal, para ela o bebê é seu filho desde o primeiro momento que foi acolhido, para ele é uma ficção, uma fraude, uma fantasia da mente traumatizada de sua esposa. A partir daí sempre que o filme enveredar para o drama familiar dos três personagens ele cresce, comove e deixa o espectador imerso numa mistura de compaixão e medo (afinal, desde o início sabemos que algo dará errado). Aos poucos a trama revela alguns segredos que irá complicar bastante a vida da família e esgarçar ainda mais as dificuldades de relacionamento de Matt com a criança, ainda que por várias vezes, colabore com a esposa em medidas para protegê-lo e por outras não hesita em ser cruel com o pequeno. Existe alguns conflitos bastante freudianos na história, a ideia do lar como um lugar seguro, toda justificativa para o zelo excessivo da mãe, a ideia de crescer se distanciando dos pais... quando o filme investe no suspense destas relações ele funciona muito bem, principalmente com a boa atuação de Olga Kurylenko (atriz subestimada que eu adoro) na pele de uma mãe cada vez mais consciente do que o destino reserva para o filho. O filme poderia ser perfeito se o diretor Christian Volckman não tomasse um desvio "surpreendente" em seus minutos finais, que muda o tom do filme e deixa de lado o que ele tinha de mais sutil e interessante: o drama familiar em tom fantástico. O que era tão interessante se torna confuso em nome de uma ação que ninguém pediu e a personalidade do filho se perde nas artimanhas de um roteiro que teve seu desfecho alterado no limite do ridículo. Confesso que fiquei confuso na hora de colocar a cotação do filme, mas pelo seu tempo de duração e pelas emoções que o filme desperta, acho que ele ainda merece atenção, já que depois de se enrolar na própria corda, o filme volta ao desfecho que deveria estar previsto desde o início do projeto - que ainda é de partir o coração. Volckman (que antes dirigiu apenas uma animação (o estiloso Renaissance/2006) assina a ideia original do roteiro, mas divide os créditos com outras quatro pessoas na construção do texto. Talvez, se houvesse executado a tarefa sozinho, ou com alguém que tivesse compreendido melhor a história que gostaria de contar, The Room poderia ser uma obra-prima do gênero. 

A Sala (The Room / França - Bélgica / 2019) de Christian Volckman com Olga Kurylenko, Kevin Janssens, Joshua Wilson, John Flanders, Francis Chapman e Vince Drews. ☻☻

PL►Y: O Silêncio do Pântano

Alonso: bom ator não faz milagre.  

Apoiado na imensa popularidade de Pedro Alonso (o talentoso Berlim de A Casa de Papel), a Netflix produziu este filme espanhol que parte de uma  ideia interessante, mas acaba se perdendo em violência e tentativas de criar uma narrativa surpreendente. O filme conta a história de um escritor (Pedro Alonso) que se tornou famoso por uma série de livros sobre assassinatos em que mantem o mistério sobre as motivações do protagonista. Em uma noite de autógrafos ele é até indagado por uma fã que pergunta se algum dia ele irá explicar os motivos de seu personagem continuar matando... você pode imaginar a resposta. Além de motivar o mistério, o filme começa a embaralhar a personalidade do escritor com seu personagem, oferecendo a ideia de que ele inspira em si mesmo para construir aquelas histórias, ainda que para isso tenha que cometer crimes. Ao que tudo indica seu próximo livro será sobre Ferrán Carretero (José Angel Égido) renomado professor de economia de uma Universidade recém envolvido num esquema de corrupção. Assim que Ferrán desaparece, uma série de surpresas a respeito de seu caráter começam a surgir e o público terá que lidar com cenas de tortura, lutas realistas e sangue, muito sangue. Para tentar manter o equilíbrio da história está a discrição do ator principal que defende seu personagem como pode, ainda que aos poucos ele se torno cada vez menos interessante. O roteiro cria tantas peripécias que lá pela metade eu já estava cansado do que estava assistindo. Interessa a alguém tanta mistura de assassinos, traficantes e psicopatas enquanto um cidadão fica sentado em sua máquina de datilografia. Baseado no livro de Juanjo Braulio, o diretor Marc Vigil (que já trabalhou com o Alonso na série O Ministério do Tempo) aos poucos se desvia de uma premissa cheia de possibilidades para mais um filme sobre o submundo do crime sem muita originalidade alcançando um resultado decepcionante. Quem não se decepciona ao longo da sessão, com certeza ficará chateado com a última cena - ainda que ela possa representar a libertação de seu protagonista de seus pensamentos mais sombrios.

O Silêncio do Pântano (El Silencio del Pantano / Espanha - 2020) de Marc Vigil com Pedro Alonso, Nacho Fresnada, Carmina Barrios, José Angel Égido e Àlex Monner. ☻☻