A gangue: sucessivas reviravoltas.
A minissérie espanhola La Casa de Papel estreou na Netflix em meio às comemorações de fim de ano (25 de dezembro de 2017 para ser exato) sem fazer muito alarde. Aos poucos a série ganhou numerosos fãs que realizaram uma verdadeira campanha boa a boca e a série se tornou uma das mais assistidas do serviço de streaming nos primeiros meses de 2018. Lançada em maio do ano passado na Espanha, A Casa de Papel conseguiu ótima audiência por onde passou e se tornou um sucesso mundial com sua narrativa ágil e personagens complexos que, não raro, enveredam por um tom quase novelesco (e não há problema nenhum nisso, já que, devidamente lapidado, faz parte da identidade do próprio cinema espanhol). Concebida e exibida originalmente como uma minissérie, não entendi muito bem o motivo da Netflix dividir a série em duas partes aqui no Brasil, afinal, quando assistimos a segunda parte (que está disponível desde o dia seis de abril) vemos claramente que a tensão crescente sofre um golpe doloroso com o intervalo forçado de tempo. No entanto, isso não prejudica os méritos da série que apresenta um elaborado roubo à Casa da Moeda espanhola, ou melhor, na verdade, o roubo nem é tão elaborado assim, mas subverte um dos pontos mais importantes nas produções do gênero: o tempo. Enquanto na maioria das produções sobre assaltos os criminosos precisam fazer tudo no espaço mais curto de tempo para não serem pegos, os ladrões aqui precisam de tempo, ou melhor, enrolar a polícia para que fiquem mais tempo ali dentro produzindo mais e mais dinheiro. Ao longo dos capítulos, a cifra se aproxima da casa do bilhão de euros, no entanto, a quadrilha precisa ficar atenta para driblar todos os percalços do caminho. Embora tudo seja magistralmente arquitetado pelo Professor (Álvaro Morte), várias vezes o fator humano coloca em risco o sucesso de sua meticulosa arquitetura. Neste ponto não estamos falando apenas no romance da narradora Tóquio (Úrsula Corberó) e o jovem hacker Rio (Miguel Herrán), das rusgas entre Nairóbi (a ladra de cenas Alba Flores) e o assustador Berlim (Pedro Alonso), as pendengas familiares entre o pai Moscou (Paco Tous) e o filho temperamental Denver (Jaime Lorente), ou a presença sempre truculenta de Helsinque (Darko Peric) e Oslo (Roberto García Ruiz), estou falando também do envolvimento do Professor com a encarregada de resolver aquela situação que se arrasta por dias, a detetive Raquel Murilo (Itziar Ituño). O mais legal da série é a forma como ela se reinventa para nunca perder a atenção do espectador, seja com estratégias improvisadas para manter o plano original funcionando ou descobertas e surpresas que aparecem pelo caminho, A Casa de Papel flui com uma eficiência invejável e, mesmo quando exagera nas mentiras, torna-se ainda mais divertida. Outro ponto forte da história é como os roteiristas ampliam seu leque de personagens durante os episódios, utilizando parentes, dramas pessoais, reféns e investigadores para alimentar ainda mais a tensão da história. Além de seus méritos, o sucesso da produção ainda pode ter outro mérito: chamar atenção do público brasileiro para séries europeias. A grande maioria são exibidas por aqui sem muito alarde, o que é uma pena já que séries magistrais como a francesa Les Revenants (que ganhou uma versão chamada The Returned na própria Netflix, só que bem menos interessante que a original) e a sueca Real Humans (que foi refilmado pela AMC sem tanto êxito) nunca ganharam atenção merecida do público brasileiro. Quem sabe com A Casa de Papel o público descubra que existem séries muito interessantes em línguas diferentes da inglesa.
A Casa de Papel (La Casa de Papel / Espanha - 2017) de Álex Pina com Álvaro Morte, Itziar Itoño, Úrsula Corberó, Miguel Herrán, Pedro Alonso, Alba Flores, Jaime Lorente, Paco Tous, Darko Peric e Esther Acebo. ☻☻☻☻
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