Cinco filmes assistidos no mês que merecem destaque:
sexta-feira, 30 de junho de 2023
quinta-feira, 29 de junho de 2023
4EVER: Alan Arkin
Nascido em Nova York, Alan Wolf Arkin começou a trabalhar no cinema em 1957, mas seu primeiro papel era tão pequeno que sequer foi creditado. No seu segundo trabalho ele ganhou destaque e recebeu sua primeira indicação ao Oscar de melhor ator por Os Russos Estão Chegando! (1966), o que o tornou membro do seleto grupo de atores indicados por seu primeiro papel de protagonista no cinema. Ele concorreu ao Oscar de melhor ator mais uma vez em Por que tem que ser Assim? (1969). Mas apesar de ter feito vários filmes desde então (incluindo o brasileiro O que é Isso Companheiro?/1997), a Academia lembrou dele novamente somente com Pequena Miss Sunshine (2006) que lhe rendeu a estatueta de coadjuvante pelo papel do vovô nada convencional. Ele foi lembrado mais uma vez por seu trabalho no premiado Argo (2012) em que vivia um dos produtores da farsa em que gira o filme. Ao longo da carreira, Arkin também se tornou cantor, compositor e professor querido de seus alunos das aulas de improvisação, sendo muito reconhecido por seu bom humor, característica que pudemos acompanhar em seu elogiado trabalho na série O Método Kominsky (2018-2021). Arkin faleceu em decorrência de problemas cardiológicos.
segunda-feira, 26 de junho de 2023
PL►Y: O Pacto
Durante a Guerra do Afeganistão, o General John Kinley (Jake Gyllenhaal) começa a trabalhar com o intérprete afegão Ahmed (Dar Salim), com quem inicia uma relação desconfiada em serviço. É na convivência que um ganha a confiança do outro e Kinley nem imagina que depois de um ataque sua vida dependerá da obstinação de Ahmed em mantê-lo com vida. A ideia de O Pacto soa bem simples, mas cede lugar a um debate interessante na política de guerra americana durante seus anos no Afeganistão, uma vez que a grande maioria dos tradutores locais contratados para o trabalho foram deixados para trás e suas vidas, assim como de seus familiares foram colocadas em risco quando o talibã tomou novamente o poder. O filme de Guy Ritchie retrata esta situação claramente em seu último ato, apresentando nos anteriores a forma como estas pessoas colocaram em risco suas vidas pelo exército do Tio Sam e depois foram deixados à própria sorte nas mãos do inimigo. Considerados traidores e indignos, não fica difícil entender o que o destino reservou para aqueles que foram pegos. Segundo o filme 300 foram assassinados junto aos seus familiares e milhares estão escondidos até hoje com suas vidas em risco. Este contexto histórico deixa o filme ainda mais interessante, mais até do que perceber que Ritchie deixou suas firulas de lado e mostra que sabe filmar feito gente grande numa narrativa de guerra competente, que tem lá seus momentos de humor em diálogos afiados, mas que sabe como construir tensão e desenvolver seus personagens principais. Se Jake Gyllenhaal está nos altos dos créditos e não decepciona, o destaque fica por conta de Dar Salim, na pele de Ahmed que aparece desde o primeiro minuto em conflito com o trabalho que adotou para conseguir condições dignas de vida para sua família. Mais do que um pacto existente entre os dois personagens, se instaura uma gratidão entre um e outro que paira sobre tudo o que acontece no desfecho da história. Filmado de forma que a poeira parece entrar nos olhos de quem assiste, o filme apresenta um Guy Ritchie mais consciente do que colabora com a história e não apenas com a vontade de soar descolado. A cena final da represa demonstra bem como ele aprendeu a fazer cenas de ação envolventes sem precisar apelar para gracinhas na edição. Quem também aparece no filme é Antony Starr (o famigerado Capitão Pátria de The Boys) que ficou a cara do Bradley Cooper usando barba. Os fãs do gênero vão adorar.
O Pacto (The Covenant / Reino Unido - Espanha - EUA) de Guy Ritchie com Jake Gyllenhaal, Dar Salim, Emily Beecham, Jonny Lee Miller, Christian Ochoa Lavernia, Bobby Schofield, Antony Starr, Alexander Ludwig e Rhys Yates. ☻☻☻
PL►Y: O Capitão
Willi Herrold (Max Hubacher) é um soldado desertor, o que o torna um criminoso de guerra. Longe de seu grupo, ele vaga por uma Alemanha inóspita em busca de comida. Com frio e caçado pelo exército, sua vida não tem muita perspectiva no cenário da Segunda Guerra Mundial, mas suas circunstâncias mudam quando encontra o uniforme de um oficial nazista dentro de um carro. Ele veste a roupa e parece ter resolvido o problema do frio aterrador que o cerca, mas ao ser encontrado pelo soldado perdido Freytag (Milan Peschel), que o confunde com um Capitão nazista, Herrold percebe que pode deixar de ser um desertor, basta melhorar a postura e ter uma fala firme para que sua roupa faça o resto e se torne uma personalidade imponente no ambiente em que se inserir. Freytag é apenas o primeiro a seguir o falso capitão, aos poucos, o protagonista começa a ser seguido por um grupo de soldados rebeldes que tornam sua presença ainda mais ameaçadora. Logo ele estará em uma base militar massacrando criminosos de guerra, como ele mesmo, apenas pelo gosto que o poder proporciona à sua pessoa desprezível. Colabora muito para isso que a Alemanha esteja prestes a perder a Guerra e o ódio generalizado esteja cada vez mais presente. Quando tudo parece perdido, a presença de uma autoridade sem nada a perder é o suficiente para alimentar as atitudes mais desumanas de quem está ao seu redor. Esta é a trama de O Capitão, filme de Robert Schwentke (que passou um tempo fazendo filmes de ação em Hollywood, sendo o mais bem sucedido o bem humorado RED de 2010), aqui ele ousa mostrar a segunda Guerra Mundial sobre uma perspectiva diferente. Existe aqui algo que já vimos em O Leitor/2008 sobre a obediência cega às ordens mais escabrosas, mas existe mais ainda do apresentado por Oliver Hirschbiegel em Das Experiment (2001) em que as roupas dos passam a ditar a postura dos personagens. De certa forma, O Capitão vira esta última referência do avesso, uma vez que as atitudes do personagem vai de encontro ao que vários outros desejam fazer, mas precisavam de uma autoridade para legitimar seus desejos de barbárie. Nos momentos mais nefastos, o fiel Freytag se torna uma espécie de contraponto à crescente de horror dos atos praticados por Herrold. Talvez por parecer algo tão absurdo o filme invista num humor sinistro em vários momentos, especialmente em seu último ato que beira o surreal quando o Capitão e seus seguidores partem para a cidade e o filme se entrega aos seus momentos mais delirantes. Schwentke também assina o roteiro que é baseado em uma história real e o seu final deixa claro como a realidade pode realmente ser mais assustadora que a ficção. Filmado em preto e branco ressaltando a seriedade da história, O Capitão é um filme sobre o passado que remete diretamente ao presente e, talvez por isso mesmo, assuste ainda mais. Em cartaz no Prime Video, este é o melhor filme do cineasta e, embora tenha ficado de fora das grandes premiações, é uma obra que merece atenção.
O Capitão (Der Hauptmann/Alemanha - França - Polônia/2017) de Robert Schwentke com Max Hubacher, Milan Peschel, Frederick Lau, Max Thommes, Alexander Fehling e Bernd Hölscher. ☻☻☻☻
domingo, 25 de junho de 2023
Pódio: Viola Davis
Bronze: a esposa devotada. |
Prata: a empregada antirracista. |
Ouro: a mamãe rouba-cena. |
PL►Y: A Mulher Rei
sábado, 24 de junho de 2023
PL►Y: Elemento de Um Crime
Se Lars von Trier é hoje um dos diretores mais controversos do cinema, em sua época de estudante na Escola Dinamarquesa de Cinema a situação não era muito diferente. Ele se tornou reconhecido por seu jeito questionador que incomodava muitos dos seus professores. Avesso a seguir às regras, Trier desafiava a estética imposta em seus curta-metragens e começou a ser considerado um artista pretensioso e arrogante desde então. Reza a lenda que foi por conta dessa percepção sobre o seu trabalho que adotou "von" em seu nome. O cineasta já demonstrava que estava em busca de uma linguagem única em seu primeiro longa-metragem, Elemento de Um Crime que completará quarenta anos em 2024 e que pode ser assistido na MUBI. Se o cineasta bebe na fonte dos filmes noir na construção de sua história, em sua estética ele apresenta um estilo próprio com a fotografia em tons gastos de amarelo e vermelho, uma luz que ressalta os vidros embaçados, as paredes úmidas e a sujeira local. As ambientações sempre soam decadentes, sórdidas e abandonadas. Não existe o glamour visto em filmes clássicos do gênero, pelo contrário, tudo soa infernal. Este neonoir conta a história do policial Fisher (Michael Elphik) que chega ao Cairo após conduzir uma investigação sobre um serial killer na Europa. Ele não lembra muito bem sobre o que houve e procura ajuda de um terapeuta para que através da hipnose possa recuperar suas memórias. Suas lembranças se mostram um verdadeiro quebra-cabeças envolvendo outros policiais, vítimas, suspeitos e aquela que acredita ser amante do assassino, uma prostituta chamada Kim (Me Me Lai), com quem acaba se envolvendo. Se o roteiro é um tanto truncado ao desenvolver a história com base na percepção do personagem, por outro lado, Trier estava disposto a demonstrar tudo o que sabia fazer com uma câmera na mão. De cenas em slow motion, ao uso de ângulos inventivos, o diretor parece estar mais preocupado com a forma do que com o conteúdo de sua trama. Por conta disso o filme chamou pouca atenção no Festival de Cannes e foi praticamente ignorado pelo público. Hoje o filme é visto como a primeira obra de sua primeira trilogia, a Velho Continente (composta ainda pelos seguintes Epidemic/1987 e Europa/1991) em que o diretor experimenta recursos tecnicamente elaborados para retratar a decadência da Europa. O mais interessante de Elemento do Crime é perceber aspectos que mais tarde retornariam às obras do provocador cineasta.
Elemento de Um Crime (Forbrydelsens Element / Dinamarca - 1984) de Lars von Trier com Michael Elphick, Esmond Knight, Me Me Lai, Jerold Wells, János Herskó e Stig Larsson. ☻☻
NªTV: Black Mirror - 6ª Temporada
Consagrada como uma das séries mais geniais da última década, a quinta temporada de Black Mirror já deixava claro que seus melhores anos haviam ficado paras trás. Quatro anos depois, a sexta temporada se mostra melhor do que a anterior, mas com algumas surpresas que deixam o público com a pulga atrás da orelha. Esse texto é mais do que a tentativa de uma crítica, mas uma reflexão sobre o que o programa tem a nos oferecer em seus últimos cinco episódios. A série se consagrou ao contar histórias sombrias da interação entre o ser humano e a tecnologia, o que tornava o programa tão assustador era a sensação de que aquelas situações realmente poderiam acontecer em um futuro próximo, algo que gerou o bordão "isso é tão Black Mirror" quando algo semelhante ao que vimos na série acontecer na vida real (como a eleição de Trump ou as fake news ditando desavenças pelo mundo). Acontece que após o primeiro episódio da nova temporada, a série parece se voltar agora para o passado da tecnologia. Joan é Péssima abre a temporada com a história de uma mulher que vê sua vida se tornar série de um serviço de Streaming, a Streamberry (que faz questão de não disfarçar sua inspiração na Netflix). Ela não faz a mínima ideia de como seu dia se torna um episódio diário na plataforma e a coisa só complica quando liberdades narrativas tornam sua personalidade ainda mais desprezível. A ideia está bem sintonizada com o legado da série, especialmente quando envolve imagens geradas por inteligência artificial, direito de imagem e como as imagens passam a ditar nossa percepção da realidade. Embora o humor faça tudo ficar menos sombrio do que deveria, a crescente de absurdo deixa a sensação de que só este episódio já vale mais que a quinta temporada inteira. O segundo episódio, Loch Henry, conta a história de um casal de cineastas que (Samuel Blenkin e Myha'la Herrold) resolve visitar a cidade natal de um deles, mas se tinham uma ideia para uma produção, agora eles decidem investigar crimes escabrosos que aconteceram na região. O episódio nem tenta disfarçar uma crítica aos programas sobre criminosos que não se preocupam com as pessoas que sofreram pelo caminho. Soa como uma crítica até à Netflix (mais uma vez representada pela Streamberry), mas também à forma como consumimos essas produções além do hábito de filmar tudo em uma espécie de fetiche. Aqui o hábito não é representado pelo uso do celular, mas por fitas VHS que remontam nosso apego à tecnologia como uma extensão de nossa vida, especialmente da memória (ainda que apareça aqui de forma sórdida). O passado também é o foco do terceiro episódio, Beyond the Sea se passa em 1969 com dois astronautas (Aaron Paul e o sumido Josh Hartnett) estão no espaço e participam do experimento com uma nova tecnologia, que transfere a consciência de cada um deles para uma réplica que permanece com a família na Terra. No entanto, a humanidade estaria preparada para lidar com isso? Como é um episódio de Black Mirror, a resposta você já imagina. Se o personagem de Rory Culkin (esquisito mais uma vez) demonstra uma raiz anti-tecnológica, o foco recai mesmo sobre a guinada do episódio que se torna cada vez mais previsível. Os rumos dados à promissora premissa evidencia que Charles Brooker já está cansado do formato de seu programa. Eis que então surgem os dois episódios finais inspirados em filmes de terror. Mazey Day mostra uma celebridade que cresceu perseguida por paparazzis. A guinada do episódio pode ser interpretada como alguém que se enfurece com a perseguição da mídia, dando rumos inusitados ao episódio mas nada que se compare ao último episódio. Apresentado pelo selo Red Mirror, Demônio 79 se torna um verdadeiro enigma para quem associa a série ao uso da tecnologia. O episódio apresenta uma assistente de vendas (Anjana Vasan) que passa a receber ordens de um demônio para evitar o apocalipse, assim, ela precisa assassinar três pessoas para evitar o fim do mundo. O episódio ganha toda uma estética dos anos 1970 e um tom que mistura comédia e terror que nos faz procurar o que tudo aquilo tem a ver com a série. Eu imaginei que fosse a ideia de uma tecnologia bem primitiva com aquele talismã registrando a missão realizada, mas tem uma relação com a abrangência que a mídia oferece à pessoas deploráveis (personificada por um político cheio de más intenções). O capítulo oferece até um vislumbre do clássico episódio Metal Head para ilustrar todo o mal que aquele sujeito representa. No entanto, o considerei totalmente deslocado, mas nos oferece o que podemos esperar da série daqui por diante: uma obra descaracterizada em sua proposta inicial. Não tenho problemas que Brooker tenha outras ideias a serem trabalhadas, mas se Black Mirror virar Red Mirror, imagino que seria apenas a perda de uma obra original que não demonstra mais o fôlego que tinha antes. Talvez fosse mais fácil encontrar novos roteiristas para o programa.
Black Mirror - 6ª Temporada (EUA - Reino Unido / 2023) de Charlie Brooker com Annie Murphy, Salma Hayek, Michael Cera, Samuel Blenkin, John Hannah, Aaron Paul, Josh Hartnett, Kate Mara, Rory Culkin, Zazie Beetz, Anjana Vasan e Paapa Essiedu. ☻☻☻
Na Tela: The Flash
sábado, 17 de junho de 2023
CICLO DIVERSIDADESXL: Felizes Juntos
sexta-feira, 16 de junho de 2023
CICLO DIVERSIDADESXL: Sweetheart
quinta-feira, 15 de junho de 2023
CICLO DIVERSIDADESXL: Faca no Coração
quarta-feira, 14 de junho de 2023
CICLO DIVERSIDADESXL: Nighthawks
terça-feira, 13 de junho de 2023
CICLO DIVERSIDADESXL: Maurice
segunda-feira, 12 de junho de 2023
4EVER: Treat Williams
Richard Treat Williams nasceu em Connecticut em uma família com ancestrais importantes na política da História dos Estados Unidos. No entanto, o jovem Richard não pensou em entrar para a política, desde a adolescência estava disposto a se tornar ator, chegando a protagonizar ao mesmo tempo um musical, uma comédia e uma obra de Shakespeare nos tempos de escola. Paralelo ao interesse pela atuação, o rapaz se formou como piloto e instrutor para pilotos de aviões e helicópteros. O ator estreou no cinema em 1976 e após alguns papéis pequenos, participou do clássico musical Hair (1979) de Milos Forman, papel que lhe rendeu uma indicação ao Globo de Ouro de ator revelação. Dali em diante recebeu convites para papéis mais importantes, como o clássico Era Uma vez na América (1984) de Sergio Leone. Treat foi indicado ao Globo de Ouro pelos trabalhos em O Príncipe da Cidade (1981) e a versão televisiva de Um Bonde chamado Desejo (1985). Com vários trabalhos em séries (entre elas, Everwood e Chicago Fire) cinema e teatro, o ator também se tornou autor de livros infantis e também dirigiu um filme para a televisão (Texan/1994). Embora fosse membro da Academia votante do Oscar desde 2004, Treat nunca foi indicado ao prêmio. O ator faleceu em decorrência de um acidente de moto.
CICLO DIVERSIDADESXL: Os Cinco Diabos
O casamento de Joanne (Adèle Exarchopoulos) e Jimmy (Moustapha Mbengue) parece ter vivido dias melhores quando os dois surgem na tela. Talvez aquela paixão dos primeiros anos tenha ficado para trás, ao menos a pequena Vicky (Sally Dramé) traz algum movimento para a casa de seus pais. A menina gosta de acompanhar a mãe nas aulas de natação ou quando Joanne vai treinar nado em um lago das redondezas. Nas horas vagas, Vicky gosta de guardar coisas em potes com líquidos variados, em experiências que são motivadas mais pela curiosidade do que qualquer outra coisa. Quando Julia (Swala Emati), a irmã de Jimmy, anuncia uma visita, o marasmo daquela casa começa a dar origem a conflitos, uma vez que Joanne deixa claro que não gosta da presença da cunhada. O motivo da pendenga das duas faz parte do segredo que move Os Cinco Diabos, longa de estreia de Léa Mysius que brinca com suspense, fantasia e viagens no tempo em torno da história de amor de duas mulheres, que quando jovens começaram a trabalhar juntas num grupo de ginástica olímpica, mas a coisa desandou por conta de uma tragédia no ginásio da cidade. Aquele acontecimento também marcou para sempre Nadine (Daphne Patakia), amiga de Joanne e ex-namorada de Jimmy, que traz mais do que marcas em sua aparência, mas de ressentimentos também. Se por um lado Léa Mysius faz bem em não complicar os elementos fantásticos de seu roteiro, por outro, ela acaba deixando tudo um pouco óbvio para os espectadores mais escolados - que desde a primeira cena de volta ao passado, já começam a entender o que pode ter acontecido no passado de Julia. O que o filme faz melhor é sobrepor o peso dos estigmas e preconceitos sobre os seus personagens, este aspecto até parecer de forma mais explícita no racismo sofrido por Vicky em sua escola repleta de crianças brancas, mas ganha outros contornos quando Julia está no centro da história. No presente, só a sua presença, já incomoda os demais personagens, existe o peso de um ato impensado do passado, mas também a mistura de olhares receosos de sua loucura, desejo e, porque não, de sua própria cor entre os outros habitantes. Ela é tida como a estranha que tira a vida de todos do eixo, que altera toda a normalidade da cidadezinha e, não por acaso, se confronta sempre com o efeito colateral de sua atitude derradeira em silêncio. Embora a personagem misture sentimentos distintos, ao retornar, ela aparentemente aceita o que pensam sobre ela, numa espécie de expiação por sua culpa. Não por acaso, é possível presenciar a forma luminosa como Joanne contempla uma explicação para tudo o que antes parecia absurdo e sentimentos que parecia tão sem sentido, voltam a dar sinais de vida. Os Cinco Diabos escorrega aqui e ali e por vezes se arrasta na narrativa, mas acerta quando busca caminhos diferentes para a história de amor entre duas mulheres e o efeito do perdão em suas vidas.
Os Cinco Diabos (Les Cinq Diables / França - 2022) de Léa Mysius com Adèle Exarchopoulos, Swala Emati, Sally Dramé, Moustapha Mbengue, Daphne Patakia e Hugo Dillon. ☻☻☻
domingo, 11 de junho de 2023
CICLO DIVERSIDADESXL: Mais que Amigos
sexta-feira, 9 de junho de 2023
Na Tela: Homem-Aranha através do Aranhaverso
Não há novidade alguma em dizer que Homem-Aranha no Aranhaverso (2019) se tornou um marco na história da animação. Ao romper de vez com o design um tanto padronizado de contornos fofinhos em cenário límpidos de Hollywood, o filme era um verdadeiro jorro de criatividade visual que combinava diversas técnicas de animação em um espetáculo visual que lhe valeu o Oscar de Melhor Animação. Para além disso, foi a primeira vez que as plateias se depararam com o conceito de multiverso na telona e, sendo feita de forma tão eficiente, o resultado foi um sucesso de escala mundial. Vale destacar que introduzir Miles Morales no universo cinematográfico também foi um acerto, além de ter origem negra e latina, o menino causa identificação imediata nas plateias por sua pouca idade e imensa vontade de acertar com as grandes responsabilidades que seus poderes trazem para sua vida. Quem viu a primeira aventura de Miles no cinema, sabe que ele contou com a ajuda de Homens-Aranhas de outros universos, entre eles Spider Gwen, Spider-Noir e o próprio Peter Parker que andava meio desiludido com o fim do seu casamento. Se antes a aventura mostrava novas características de antigos conhecidos, agora com Através do Aranhaverso, segunda parte de uma trilogia planejada pela SONY, conhecemos um grupo ainda maior de Homens-Aranhas que estão dispostos a consertar alguns efeitos colaterais que atravessar multiversos podem causar. No centro de tudo isso, existe a saudade que Miles sente de Gwen e a dificuldade de relacionamento com o pai, prestes a se tornar Capitão de polícia e que não consegue entender como o seu filho pode ter se tornado alguém tão, digamos, distraído. Sim, Miles tem problemas para conciliar sua vida de adolescente e de protetor da vizinhança e a coisa só complica quando ele descobre que existe um vilão com poderes estranhos na vizinhança: o Mancha. Capaz de atravessar o emaranhado do universo, o Mancha é um dos efeitos colaterais dos acontecimentos do primeiro filme e se torna uma ameaça para todos os universos. Na primeira olhada, parece que uma Sociedade formada por Homens-Aranhas de vários universos liderada por Mighel O'Hara, o herói de 2099, está disposta a impedir o estranho vilão, mas na verdade o objetivo da tal sociedade é muito maior. Miles Morales não faz a mínima ideia do que o espera, mas pelo menos ele se depara com um visual ainda mais elaborado que o de sua aventura anterior (sim, isso é possível!) enquanto precisa provar seu valor de forma definitiva. Aqui existem ainda mais estilos diferentes de animação e compõem um emaranhado ainda mais complexo para a aventura. Spider Gwen também recebe mais destaque por aqui e deve ter ainda mais na nova aventura anunciada para o ano que vem, só fico imaginando o que será feito para superar o visual do que vemos aqui. Se existe um problema com o filme é que ele avança um pouco mais do que deveria e deixa o seu desfecho em aberto com um gancho para a terceira parte da aventura, algo que pega a plateia de surpresa quando começam a aparecer os créditos finais.
Homem-Aranha Através do Aranhaverso (Spider-Man across the Spider-verse/ EUA - 2023) de Joaquim Dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson com vozes de Shameik Moore, Hailee Steinfeld, Oscar Isaac, Issa Rae, Jake Johnson, Karan Soni, Daniel Kaluuya, Brian Tyree Henry, Luna Lauren Velez e Mahershala Ali. ☻☻☻☻
NªTV: Barry - Temporada Final
quarta-feira, 7 de junho de 2023
PL►Y: As Ceifadeiras
Ambientado na África do Sul, o filme nos apresenta Janno (Brent Vermeulen), um adolescente que cresceu na região de Free State, um reduto de minoria étnica branca denominada Afrikaans. A rotina da localidade é essencialmente agrícola e ditada pelo conservadorismo. A masculinidade pautada pela força fica bastante evidente pela presença de Jan (Mornée Visser), o pai de Janno e a religiosidade é representada pela fé de Marie (Jualiana Venter), a mãe, que percebe a vida como um conjunto de provas que irão lhe reservar um lugar no paraíso. A rotina da família, que é ainda composta por meninas pequenas, se divide entre o trabalho nas plantações, orações e igreja. A situação muda quando Marie e Jan acolhem Pieter (Alek van Dyk) que estava em situação de vulnerabilidade social acentuada. Ele não conheceu os pais, se tornou usuário de drogas e sofria situações inimagináveis quando vivia nas ruas. Existe um alto contraste entre os dois jovens rapazes da casa. Janno é bastante sensível, dotado de responsabilidades e uma certa melancolia. Pieter é rebelde, arredio e com uma certa dificuldade em aceitar regras. No entanto, Marie percebe no filho um cúmplice na transformação que a vida do novo membro da família pode ter e lhe pede ajuda sempre que possível. Conforme os dois meninos se aproximam, um percebe no outro traços que revelam que eles possuem mais coisas em comum do que imaginam. As Ceifadeiras marca a estreia do sul-africano Etienne Kallos na direção de longa-metragens e ganhou destaque no Festival de Cannes na mostra Un Certain Regard que o colocou na lista de concorrentes à Camera D'Or destinada aos cineastas estreantes. Desenvolvido de forma lenta e contemplativa, o filme sugere aqui e ali a forma como os dois adolescentes lidam com a sua história pessoal e a sexualidade. Este último aspecto gerou polêmica no lançamento do filme. Se a sexualidade de Janno se torna sufocada pela religiosidade de sua comunidade, a de Pieter revela-se de forma muito mais agressiva, por vezes pelo viés de situações em que é jovem demais para perceber o quanto é explorado. Existe aqui um peso da fé muito grande sobre os personagens, não apenas sobre os dois meninos, mas sobre os pais, o que só amplia a força de algumas verdades quando reveladas. É um longa que se desenvolve aos poucos, com bela fotografia e bom trabalho de seus atores, sobretudo de Brent Vermeulen em um personagem bastante introspectivo e que o jovem ator encontra a exata medida de suas emoções. Curiosamente, no terceiro ato uma sensação de fraternidade emerge da narrativa e torna o filme ainda mais doloroso.
As Ceifadeiras (Die Stropers/África do Sul - França - Grécia - Polônia / 2018) de Etienne Kallos com Brent Vermeulen, Alek van Dyk, Juliana Venter, Mornée Visser, Erica Wessels e Danny Keogh. ☻☻☻☻
.Doc: Colectiv
Em 2015 houve um incêndio em uma casa de shows na Romenia, a Colectiv. Uma banda fazia seu show de despedida para uma casa lotada e efeitos de pirotecnia mal sucedidos provocaram o fogo que se alastrou rapidamente. Alguns fãs que registravam o show com o celular gravaram aquele momento assustador. O pânico. Os gritos. A fuga desordenada de pessoas (um desses registros aparece em Colectiv) filme romeno que concorreu ao Oscar de melhor documentário e melhor filme em língua estrangeira no Oscar de 2020. No incêndio faleceram 27 pessoas e 180 sofreram ferimentos e queimaduras. Estes últimos foram encaminhados para um hospital cuja especialidade era cuidar de vítimas de queimaduras. Parecia tudo resolvido. No entanto, passadas algumas semanas, dezenas de pacientes faleceram de infecção hospitalar, entre elas, pessoas que não foram sinalizadas com queimaduras graves. As coletivas de imprensa das autoridades não fazia muito mais do que se desculparem com as famílias pelas perdas e ressaltarem medidas que seriam tomadas. Não satisfeitos um grupo de jornalistas queriam entender o que aconteceu no hospital e ao se depararem com o argumento de que havia uma superbactéria existente na Europa, os jornalistas se depararam com uma outra realidade. Uma muito mais cruel e inacreditável, uma vez que ela poderia ter sido evitada. O filme de Alexander Nanau se desenvolve em ritmo investigativo invejável e apura as situações que se seguiram a partir da matéria publicada pelo jornal. Das justificativas frágeis das autoridades, passando por descobertas revoltantes sobre envolvimento entre empresas e profissionais que se preocupavam mais em ter vantagens do que realizar seu trabalho. No meio de tanta confusão aparece um novo ministro da saúde que passa a ser acompanhado pela produção e se as suas boas intenções parecem legítimas, ele se depara com um sistema que não está disposto a mudar. É então que o jogo político se revela e demonstra como é fácil ser seduzido por retóricas que dizem o oposto do que aparentam. Em cartaz na HBOMax, Colectiv é um documentário fascinante por conseguir captar algo que pode acontecer em qualquer lugar, mas se torna ainda melhor pelo tom impresso por Nanau que o transforma em um filme tão complexo que parece ser uma dramatização de um fato real, dada a forma como os fatos se desencadeiam e trazem novas nuances para a narrativa dos acontecimentos. É um daqueles casos em que a realidade é tão complexa que supera a ficção. Entre jornalistas, políticos, vítimas e médicos, Colectiv cria um painel surpreendente e caminha para um desfecho em que o final feliz parece cada vez mais distante. Infelizmente o Oscar não veio, mas o filme merece atenção não apenas pela situação que resgata, mas pela forma como é construído.
Colectiv (Romênia - Luxemburgo - Alemanha / 2019) de Alexander Nanau com Razvan Lutac, Mirela Neag, Camelia Roiu, Florin Secureanu, Catalin Tolontan e Vlad Voiculescu. ☻☻☻☻
PL►Y: Sinônimos
Yoav (Tom Mercier) é um jovem israelense que foge para Paris para alcançar uma vida melhor distante de sua nacionalidade. Em sua primeira noite por lá, ele resolve tomar banho no apartamento vazio em um prédio bem localizado na capital francesa, mas acaba tendo suas roupas roubadas. Sem saber o que fazer, ele tenta pedir ajuda e acaba encontrado pelo casal formado pelo escritor Emile (Quentin Domaire) e Caroline (Louise Chevillotte). Os dois levam o rapaz nu quase congelado para o apartamento de ambos e tentam ajudá-lo. Desde o início Yoav conta várias de suas histórias sobre sua relação com a família, o exército e seu país em narrativas envolventes mas que não tardam a revelar elementos um tanto fantasiosos. Se Yoav está seduzido pela chance de ter ajuda para ficar na França, por sua vez, Emile está visivelmente fascinado pelo rapaz e o presenteia com várias roupas que não usa. São camisas, calças, sobretudos e sapatos que conferem ao rapaz uma embalagem capaz de não parecer um imigrante naquele país. Ao que tudo indica, o jovem israelense não quer ser visto como um imigrante, ele pretende se tornar um jovem francês e para isso, tenta decorar durante todo o filme as palavras que estão em um dicionário franco-afegão que o acompanha a todo lugar, embora, Caroline perceba que nem sempre ele utilize e pronuncie as palavras de forma adequada. Atento aos problemas enfrentados por um imigrante na França, o rapaz viverá momentos dramáticos e cômicos, muitas vezes ao mesmo tempo. Ganhador do Urso de Ouro de melhor filme no Festival de Berlim, Sinônimos de Nadav Lapid é atraente principalmente pelo frescor impresso a um tema que costuma ser tratado de forma um tanto repetitiva no cinema. A trajetória de Yoav segue de forma imprevisível, às vezes apelando para toques um tanto surreais (como seu encontro com militantes, a cena da embaixada ou as aulas para ser um autêntico francês), realistas (quando encontra um trabalho como modelo que apenas deseja explorar o fetiche que um jovem imigrante pode despertar) e catárticos (quando sua vontade de ser francês sai dos eixos), sorte que Tom Mercier merece todos os elogios por seu trabalho no filme, a desenvoltura como se expõe diante da câmera é invejável, conseguindo alcançar notas tragicômicas surpreendentes nos conflitos do personagem. Sua performance magnética torna fácil compreender a tensão sexual que se estabelece desde o início com Emile e Caroline, além da forma como as intenções do personagem desmontam rumo ao desfecho. Lapid compõe esta jornada entre cenas frenéticas e outras que exalam melancolia, emoldurado por uma fotografia que privilegia o amarelo e uma certa ironia em torno do fascínio que ter um "imigrante de estimação" possa provocar em seus anfitriões. Algo me diz que o israelense Nadav Lapid, nascido em Tel Aviv sabia exatamente o que Yoav sentia enquanto escrevia cada detalhe do roteiro.
Sinônimos (Synonymes / França - Israel - Alemanha / 2019) de Nadav Lapid com Tom Mercier, Quentin Dolmaire, Louise Chevillotte, Uria Hayik, Olivier Loustau, Yehuda Almagor e Gal Amitai. ☻☻☻☻