Muso, autor e obra: universo remexido.
Sempre quando começa o burburinho sobre Oscar eu vejo que existe um vício no Brasil de não investir em campanhas nos formatos de curta-metragem e documentários. Geralmente, o MinC tenta cravar uma indicação na categoria Filme Estrangeiro, mas faz tempo que o Brasil não consegue uma indicação. No campo dos documentários existiram obras recentes que poderiam facilmente ser indicadas na categoria, mas que acabaram ficando de fora por um certo desprezo ao gênero. Documentários como Janela da Alma (2001), Jogo de Cena (2007) e Dzi Croquettes (2009) são dotados de qualidades narrativas e criativas que poderiam facilmente cair no gosto da Academia, sendo infinitamente melhores do que alguns escolhidos para concorrer ao careca dourado nos últimos anos. Diante desse quadro, fiquei gratamente surpreso quando Lixo Extraordinário conquistou uma vaga entre os indicados a melhor documentário no ano de 2011. A produção foi realizada numa parceria entre Brasil e Reino Unido e aborda o trabalho do artista plástico Vik Muniz realizado junto aos catadores do aterro de Jardim Gramacho (localizado no município de Duque de Caxias no Rio de Janeiro). Com trilha sonora assinada por Moby e Celebrado em vários festivais, o filme consegue ser bastante envolvente ao abordar mais do que as diferentes histórias das pessoas que trabalham naquele lugar, convivendo com toneladas de lixo todos os dias e recebendo um valor modesto por catarem material reciclável nas montanhas de sujeira que se acumulam em Jardim Gramacho. A visão do aterro é impressionante, dando a impressão que aquelas pessoas estão soterradas por toda aquela sujeira e a proposta do filme é justamente mostrar mais do que as inevitáveis histórias de pobreza, mas as impressões dessas pessoas sobre o que fazem e a mudança que o trabalho de Vik Muniz produz na forma como veem o mundo. A ideia de Vik era contar com os catadores para juntar material e montar as imagens que iria fotografar. Ele escolhia pessoas para servirem de modelo e reproduzia suas fotografias em maior escala com os materiais encontrados. Depois as obras eram leiloadas e a arrecadação era revertida para a associação fundada para defender os direitos dos catadores de Jardim Gramacho. Um trabalho de valor filantrópico e humano inegável, mas vamos falar do filme. Lixo Extraordinário tem alguns tropeços, especialmente quanto tenta transformar em palavras o que já estamos vendo, afinal, as imagens são fortes o suficiente para expressar o que vemos. Não precisava perguntar o que um catador sente ao ver a obra para qual posou ou o que um ou outro pensa de Maquiavel ou de Arte Moderna, isso atrapalha um pouco a fluência da narrativa perante a naturalidade que os envolvidos apresentam em cena. Teorizar sobre o próprio dilema de Vik e seus agregados perante o fim do projeto não era necessário, parece artificial, especialmente quando soluções rápidas aparecem e o assunto é esquecido. Quando faz isso o filme parece pesado. Lixo Extraordinário consegue ser instigante ao explorar as reflexões que a arte e o processo criativo provoca naquelas pessoas. Dirigido pela inglesa Lucy Walker em colaboração com o brasileiro João Jardim e Karen Harley, o filme tenta se equilibrar entre o realismo e a exploração da pobreza. Sorte que na maior parte do tempo, o filme deixa a câmera desvendar aquele universo remexido. Percebo que o filme triunfa ao mostrar que aquelas pessoas não estavam soterradas entre o lixo de ricos e pobres que se mistura cotidianamente diante dos olhos e do mau cheiro. Estavam ali, como qualquer pessoa, maiores e mais interessantes do que seus estereótipos poderiam supor, prontas para se revelarem diante de uma câmera.
Lixo Extraordinário (Waste Land/ Brasil-Reino Unido/2010) de Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley, com Vik Muniz. ☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário