Ludovic: uma difícil jornada por compreensão.
Assistindo a produção Minha Vida em Cor-de-Rosa tenho a impressão que o mundo regrediu no século XXI. Com a propagação de tantos discursos preconceituosos, não parece que na virada de 1997 pra 1998 o filme do belga Alain Berliner tornou-se um grande sucesso nos cinemas brasileiros. Embora hoje exista vasta discussão sobre as identidades de gênero, em 1997 o espaço para essas discussões era bem mais modesta e, mesmo assim, muitos abraçaram a história do pequeno Ludovic com mais do que com curiosidade: com carinho. A história gira em torno de um menino de apenas sete anos pensa que um dia se tornará uma menina. Utilizar roupas e acessórios femininos sempre foi um hábito para Ludo, mas os pais nunca viram com maus olhos essa característica do filho... até perceberem que aquilo deixou de ser uma brincadeira, principalmente depois que ele aparece vestido de princesa numa festa. Ludo brinca de boneca, sonha que uma personagem de TV (no estilo Barbie) é sua fada madrinha e que quando crescer ele se casará com seu melhor amigo - filho do patrão de seu pai. Os hábitos de Ludovic são tratados com tolerância no início, mas conforme começa a incomodar as pessoas que estão ao seu redor, a família começa a repreender seu comportamento, ao ponto de culpabilizar o menino por uma série de acontecimentos ruins que acontecerão na família. O melhor do filme é que não tenta explicar o comportamento do menino por um determinado fato ou influência e, por isso mesmo, quando ele é levado ao psicólogo os pais ficam insatisfeitos com o motivo do filho ser assim: Ludovic é assim e pronto. O pequeno ator George DuFresne compõe um protagonista irresistível em sua ingenuidade, inocência e doçura, representando com maestria o incômodo de pensar como uma menina num corpo de menino, seu olhar reflete a confusão de ver seu corpo como algo que não corresponde à sua identidade. Caçula de dois irmãos e uma irmã, Ludovic tem certeza (em toda a proporção que os sete anos pode gerar) sobre seus sentimentos, já os pais ficam cada vez mais confusos diante de problemas na vizinhança e na escola, oscilando entre a culpa, o carinho e a rejeição (com destaque para atuação da mãe vivida brilhantemente por Michèle Laroque). Berliner compõe um filme colorido para tratar de um assunto delicado, mas possui a sensibilidade para transformar a jornada de seu protagonista numa reflexão sobre a construção da identidade de gênero. No entanto, além de tratar questões de sexualidade, o filme explora a relação família/sociedade e a pressão social existente para enquadrar os sujeitos em convenções pré-estabelecidas - seja através da rejeição, desrespeito, preconceito, ignorâncias e outras posturas pouco lisonjeiras. O filme foi premiado com o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e merece ser redescoberto em tempos de tanta intolerância.
Minha Vida em Cor-de-Rosa (Ma Vie en Rose / França, Bélgica e Reino Unido - 1997) de Alain Berliner com George DuFresne, Michèle Laroque, Jean-Philippe Écofrey e Hélène Vincent. ☻☻☻☻
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