Whishaw e Leung: refúgio na memória.
Ben Whishaw é um dos meus jovens atores ingleses favoritos e, embora não seja muito conhecido do público brasileiro, já apareceu em vários filmes de sucesso e outros que se tornaram cults. O rapaz costuma diversificar bastante os papéis e, embora as grandes premiações ainda o ignorem, podem escrever que um dia ele ainda será indicado ao Oscar (e talvez até leve a estatueta para casa). Whishaw ainda é um dos poucos atores em ascensão que tiveram a coragem de sair do armário perante a mídia, sem medo de que isso prejudicasse sua carreira - ele até casou com o compositor Mark Bradshaw em 2013. Portanto, é fácil entender o interesse do ator em estrelar Lilting, filme inédito nos cinemas (talvez por carregar o título capenga Na Cadência do Amor graças aos nossos brilhantes distribuidores que não sabiam que o título original se referia à uma melodia) - mesmo com elogios da crítica e indicações ao BAFTA de melhor estreia para o diretor, roteirista e produtor Hong Khaou. Embora Whishaw mereça destaque, sua atuação não é o único motivo para prestar atenção à história, a veterana Pei Pei Cheng (atriz chinesa que filma desde a década de 1960) também tem momentos memoráveis na história de duas pessoas que buscam superar a ausência do grande amor de suas vidas. Junn (Cheng) é uma imigrante cambojana que vive atualmente numa instituição para idosos e ainda tenta superar a morte de Kai (Andrew Leung), seu único filho. Sem dominar o inglês sua vida é ainda mais solitária naquele local, motivo pelo qual conversa frequentemente com as memórias do filho falecido. Embora atencioso, Kai nunca conseguiu explicar para a mãe porque ela não poderia morar com ele. O motivo é que ele mora com Richard (Ben Whishaw), que é mais do que só o amigo que a mãe imagina. Kai e Richard formavam um casal e com a morte dele, Richard considera que possui uma dívida com aquela senhora, ao ponto de contratar uma tradutora não profissional (Naomie Christie) para indiretamente se aproximar dela. Hong Khaou cria um filme sensível, que mistura o tempo presente com o passado e flashbacks de maneira bastante eficiente, deixando claro que ausência de Kai une Richard e Junn. É envolvente a forma como embora ambos lidem com esse incômodo vazio de forma semelhante, os dois encontram dificuldades para aliviar a dor um do outro - não apenas por problemas de comunicação, mas porque Kai não conversou com a mãe sobre o fato de ser gay e Richard não sabe como agir diante do segredo. Embora essa confissão seja o fio condutor do filme, cresce a impressão que isso é o que menos importa. Ao explorar uma solidão causada por mentiras e pré-conceitos, o diretor narra os dramas de seus personagens com rara delicadeza (e alcança tanta eficiência que as cenas que funcionriam para o alívio cômico parecem estar sobrando). Quando o filme termina a sensação é que as memórias dos protagonistas podem preencher o vazio de um e outro - mas muitas outras poderiam ter surgido se o medo da rejeição não houvesse causado ausência já em vida. Lilting é uma pequena, mas cintilante, pérola sobre a ausência de quem foi amado.
Na Cadência do Amor (Lilting/Reino Unido-2014) Hong Khaou com Pei Pei Cheng, Ben Whishaw, Andrew Leung, Naomie Christie e Peter Bowles. ☻☻☻
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