Funny Games: suspense e horror em 1997.
Funny Games é um filme que sempre tive um certo medo de assistir. Nem sei bem o motivo, já que outros que me despertavam o mesmo sentimento (Réquiem Para um Sonho/2000 e Irreversível/2002 , por exemplo) foram vistos assim que estiveram ao meu alcance. Talvez o fato do filme ser lançado quando eu era adolescente - e ouvi todo tipo de coisa sobre ele - tenha colaborado para que eu nunca considerasse que era o dia ideal para assisti-lo. O mesmo aconteceu quando o diretor Michael Haneke resolveu refilmá-lo em 2007 (com uma de minhas atrizes favoritas, Naomi Watts, no elenco) e eu ainda resisti. A desculpa da adolescência não existia mais, eu já estava formado e lecionando numa turma do Ensino Médio quando o vi numa prateleira da locadora (lembra dela?). Funny Games sempre era deixado para escanteio. Eis que em uma noite chuvosa deste inverno me deparei com ele e resolvi acabar com a pendenga que existia entre nós dois. O interessante é que nosso encontro definitivo aconteceu vinte anos depois do filme original e dez anos após o remake. Talvez eu precisasse deste tempo para ver outros filmes do cineasta e apreciar seu jeito metódico de contar histórias sobre o lado sombrio do ser humano. Se meu favorito é A Professora de Piano/2001 e Amor/2012 ainda está empatado com A Fita Branca/2009 e Caché/2005 se tornou aquele tipo de filme que até hoje filosofo junto aos amigos, posso dizer que Haneke é um diretor metódico ao extremo, gerando uma rigidez cênica que se torna numa assinatura autoral um tanto incômoda, mas necessária ao provocar o expectador a pensar sobre coisas que costuma evitar. Essa minha relação amadurecida com sua obra me ajudou a enfrentar Violência Gratuita (o nome pouco atrativo do irônico Funny Games/Jogos Divertidos no Brasil) debaixo das cobertas em uma noite fria. Em 1997 a famosa história do casal que resolve passar alguns dias de sossego com o filho no litoral gera arrepios com a visita de dois rapazes que irão fazer todo tipo de joguinhos sádicos com a família. Entre torturas físicas e psicológicas, a plateia tenta entender de onde veio tanta crueldade - e o horror desta índole desconhecida tempera o filme e sua câmera que quase sempre desvia quando algo mais macabro acontece. Lembro de ter visto várias resenhas sobre o filme que especulavam sobre um conflito de classes ou geracional na história, mas o fato é que sabemos tanto sobre a família quanto os dois rapazes. Todos os personagens surgem quase aleatoriamente na história sem muito detalhamento, portanto, pode ser considerado que se trata de uma obra sobre a maldade humana, a satisfação de ter o poder sobre o outro ao ponto de decidir se ele vive ou não. Obviamente que os dois rapazes demonstram claros sinais de psicopatia, mas Haneke não está interessado em estudar seus comportamentos ou pensamentos, a ideia é manter a câmera ligada (às vezes fixa em cenas arrastadas) e testar os nervos do espectador que se identifica com aquela família que deu o azar de estar na casa errada na hora errada . O aspecto mais interessante do filme é que faz questão de lembrar que nada daquilo é real, seja quando Paul (Arno Frisch, o jovem ator fetiche de Haneke na época, com quem também fizera O Vídeo de Benny/1992) olha para a câmera e comenta as cenas com espectador ou quando subitamente, quando algo muda a dinâmica junto às vítimas e o personagem utiliza um controle remoto para retroceder e mudar o que lhe desagrada. Também não é gratuito o fato do filme ser austríaco e batizado em inglês, Haneke já percebia que a violência era cada vez mais tratada como entretenimento e a plateia é um tanto cúmplice neste cenário escabroso - já que assiste e aceita o horror como espetáculo - esta ironia também aparece, só que infinitamente mais refinada, em Caché ao inserir o espectador como personagem da narrativa (sendo talvez o maior segredo da história). Diante disso, fica ainda mais coerente que Funny Games tenha sido refilmado dez anos depois em língua inglesa e com atores hollywoodianos (o que ajuda a espantar a sensação inevitável de Déjà vu, já que interpretam o mesmo roteiro com interpretações diferentes dos personagens). Chega a ser arrepiante como o diretor refilma o original com o máximo de fidelidade possível uma década depois e suscita as mesmas discussões sobre o que mostra na tela. Violência Gratuita tem méritos narrativos inegáveis, mas, visto em, perspectiva, demonstra como o cinema de Haneke evoluiu consideravelmente ao buscar caminhos mais sutis para abordar suas inquietações sobre a pouca fé na humanidade.
Funny Games: horror e suspense em 2007
Violência Gratuita (Funny Games/Áustria/1997) de Michael Haneke com Arno Frisch, Susanne Lothar, Ulrich Mühe e Frank Giering. ☻☻☻
Violência Gratuita (Funny Games/EUA-França-Reino Unido-Áustria-Alemanha-Itália/2007) de Michael Haneke com Naomi Watts, Michael Pitt, Tim Roth e Brady Corbet. ☻☻
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