O elenco: do teatro para as telonas. |
Em 2020 a Netflix bancou uma versão em filme da peça The Boys in The Band de Matt Crowley lançada originalmente em 1968 e, somente após escrever meus comentários sobre o filme dirigido por Joe Mantello, descobri que havia uma outra versão, lançada em 1970 por William Friedkin. A peça se tornou um marco temporal ao se tornar a primeira com personagens homossexuais em destaque a se tornar um grande sucesso nos palcos. O sucesso foi tanto que choveram propostas a Crowley para uma adaptação cinematográfica. Ele recusou muitas por conta de um ponto que ele não abria mão: manter o elenco do teatro na versão cinematográfica e o diretor também (ideia da qual acabou abrindo mão). Quando aceitou que um grande estúdio bancasse o filme, Crowley foi convencido de que Friedkin seria um bom nome para a versão. O cineasta estava prestes a se tornar um grande nome do cinema (seu filme seguinte, Operação França/1971 foi indicado a oito Oscars, levando cinco para casa, incluindo filme e direção) e causou estranhamento no elenco quando insistiu para que ensaiassem seus papeis após um ano de sucesso nos palcos. Esta preocupação com a transposição para o cinema reflete-se na tela, já que Friedkin cuida minuciosamente dos detalhes das interpretações mais sutis, usa vários movimentos de câmera, capricha na montagem, nos planos, nos enquadramentos e closes. O resultado tem nada de teatro filmado, pelo contrário, mostra-se profundamente cinematográfico e real no tom cru que imprime ao grupo de amigos homossexuais que se reúne na casa de um deles para comemorar um aniversário. O anfitrião é Michael (Kenneth Nelson), que vive um relacionamento com Donald (Frederick Combs), os dois estão naquela fase em que o passo adiante teima em não acontecer. O ótimo Kenneth Nelson dá conta de um personagem bastante complexo, já que o tempera uma essência amarga que se evidencia cada vez mais em sua relação com os demais convidados. Fazem parte da comemoração o casal Hank (Laurence Luckinbill) e Larry (Keith Prentice), o exagerado Emory (Cliff Gorman) e o discreto Bernard (Reuben Green), o único negro do grupo. Quem também participa da festa é Cowboy (Robert La Torneaux), um garoto de programa contratado para ser presente do aniversariante. Em contraponto existe Alan (Peter White), o ex-colega de quarto hétero de Michael que está de passagem por Nova York e resolve fazer uma visita no dia da festa. O misterioso aniversariante é Harold (Leonard Frey), que recebe uma entrada triunfal em cena, já que é peça fundamental para fazer Michael repensar sua postura diante da vida. Os personagens se mostram uma coleção de arquétipos gays do período e, não por acaso, o encontro começa alegre, mas aos poucos o clima pesa com as conversas e alguns ressentimentos que começam a vir à tona baseado na trajetória de cada um. Impressiona o fato de como o texto ainda permanecesse atual e como a estética adotada por Friedkin soa mais realista do que a versão de 2020, como se fosse realmente um recorte de um momento daquelas vidas. Obviamente que o filme se beneficia muito da familiaridade que cada ator tem com seu personagem, isso faz toda a diferença naquela brincadeira do telefone (que aqui funciona muito melhor do que na refilmagem), com destaque para Peter White que sempre deixa um mistério constante sobre a sexualidade do personagem. Obviamente que, perante o conservadorismo da época, o filme não chamou atenção nas bilheterias e passou em branco nas premiações, o que não impediu que o tempo o tornasse um marco do cinema queer. Falecido no ano passado, Friedkin foi um dos grandes nomes responsáveis pela reinvenção de Hollywood entre meados dos anos 1960 e ao longo dos anos 1970. Responsável ainda pelo clássico O Exorcista (1973), o diretor também merecia maior reconhecimento por trabalhos mais recentes como Possuídos (2006) e Killer Joe (2011), mas ouso dizer que Os Rapazes da Banda está entre seus trabalhos mais notáveis, especialmente pela ousadia de conduzir um filme com esta temática em um tempo que a palavra gay era quase proibida no mainstream (e ele repetiu a proeza despertando ainda mais polêmica dez anos depois com Parceiros da Noite/1980). Vale dizer que a própria história do elenco, após o sucesso da peça, merecia outro filme. Composto em sua maioria por homossexuais, suas vidas representam muito os percalços da comunidade gay do período. Seja por preconceitos, ofertas de trabalho, dos romances secretos com celebridades, estigmas ou o advento da AIDS que vitimou alguns dos atores que vemos magistrais nesta produção.
Os Rapazes da Banda (The Boys in the Band/ EUA - 1970) de William Friedkin com Kenneth Nelson, Leonard Frey, Peter White, Cliff Gorman, Reuben Green, Robert La Torneaux, Laurence Luckinbill, Keith Prentice e Reuben Green. ☻☻☻☻☻
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