Sankey: precisamos falar sobre psicose pós-parto. |
Comecei a assistir o documentário Bruxas, presente no catálogo da MUBI, imaginando que veria um filme sobre como essas mulheres são representadas nos filmes e na cultura pop em geral. Esta ideia foi reforçada pelo início do filme, em que a montagem utiliza cenas de vários filmes famosos que possuem personagens envolvidas com bruxaria no ritmo do contexto traçado pela diretora Elizabeth Sankey. Aos poucos você percebe que Sankey quer nos guiar por um território mais vasto e assustador. Não por acaso, ela se inspira em uma situação bastante pessoal para dar início ao seu estudo sobre mulheres que foram classificadas como bruxas e traçar paralelos sobre situações sobre saúde mental que precisam ser esclarecidas. Ainda que ressalte que estas mulheres foram incompreendidas ao longo da história, que muitas eram curandeiras e parteiras, que foram perseguidas quando a medicina amparada pela ciência praticada pelos homens começou a ganhar mais espaço e desejava exclusividade, o filme envereda por um território ainda mais interessante e necessário quando começa a abordar questões de saúde mental vinculadas às mulheres, especialmente relacionadas à vida pós parto. Para além de toda a descarga hormonal no organismo feminino e a pressão sentida ao se ver diante de um recém-nascido, a cineasta não se satisfaz ao falar de depressão pós-parto, ela vai além, ao falar de um tema ainda pouco explorado: a psicose pós-parto. Um quadro gravíssimo que é mais comum do que se imagina e que se complica ainda mais pela falta de informação misturada ao receio de dizer o que se passa na cabeça das pessoas que sofrem com esta situação. Estima-se que a psicose pós parto atinja cerca de 1 ou 2
mulheres a cada mil, parece pouco, mas, quando falamos de mulheres com transtorno
bipolar, o cenário muda: de 10% a 20% delas desenvolvem o transtorno. Elizabeth Sankey conta como percebeu que após ter seu primeiro filho como seus pensamentos trafegavam em sentimentos extremos em torno do bebê. Ao mesmo tempo que havia uma sensação de amor absoluto e necessidade de proteger o filho a todo custo, por outro lado, havia momentos em que faria de tudo para se livrar dele. Diante de todas as responsabilidades que a maternidade acarreta e mudanças na rotina (seja física ou em alterações em rotina de sono, alimentação e dinâmica de um casal), a diretora ressalta a ideia do que é perder-se de si mesma em meio a tudo isso. Sankey foi internada em uma instituição para tratamento psiquiátrico e descobriu outras mulheres na mesma situação que também são entrevistadas no documentário. Fica clara a necessidade de acompanhamento especializado para voltar a tomar as rédeas da saúde mental. Fica evidente que é um processo longo e bastante doloroso, especialmente pela incompreensão que encontram no caminho (muitas vezes amparadas por preconceitos disfarçados de conhecimento). O documentário se sustenta pelos relatos contundentes e uma montagem que relaciona o que é dito com trechos de filmes famosos como Possessão (1981), As Bruxas de Eastwick (1987), Da Magia à Sedução (1998), A Bruxa (2015) e muitos outros de forma bastante atrativa, o que ajuda a suportar o peso de casos em que a psicose pós-parto gerou atitudes extremas que poderiam ter sido evitadas se houvesse maiores informações divulgadas em contraponto à imagem de uma maternidade vivenciada sem maiores conflitos. Para completar a costura de ideias, o filme ainda apresenta um momento arrepiante em que as entrevistadas lêem registros de visões e comportamentos de mulheres acusadas de bruxaria e que são muito semelhantes ao que estas vivenciaram durante o período delicado após o parto. Bruxas se prova então um documentário mais do que interessante, mas uma obra profundamente necessária que merece ser descoberta.
Bruxas (Witches / Reino Unido - 2024) de Elizabeth Sankey com Elizabeth Sankey, Catherine Cho, David Emson, Sophia Di Martino, Shema Tariq e Marion Gibson. ☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário