Sophie Nélisse: menina prodígio, filme nem tanto.
Não sei por onde anda, mas de vez em quando eu cito meu amigo Osmar (quase um clone de Lázaro Ramos), que me ensinou que "devemos fugir de best sellers como o diabo foge da cruz" (e como tenho vontade de rir quando alguém diz "mas é um best seller" como se fosse sinônimo de qualidade literária... aff). A máxima também é lembrada quando vejo um filme baseado num grande sucesso editorial, às vezes até com mais força do que quando leio o sucesso editorial. A Menina que Roubava Livros do australiano Markus Zusak teve sucesso estratosférico próximo ao de O Caçador de Pipas de Khaled Hosseini. Depois que Caçador foi levado para as telas, era bastante provável que o livro de Zusak tivesse o mesmo destino. Eu li O Caçador de Pipas e me frustrei com a versão cinematográfica, já que a trama perdia seus pontos mais interessantes na adaptação. O início com seu relato histórico ficou de fora, os conflitos culturais também e a surra catártica foi amenizada. Já A Menina que Roubava Livros é um livro que nunca consegui terminar de ler (e juro que o retomei umas cinco vezes). Não que seja um livro ruim, mas um dos aspectos mais alardeados do livro me incomodava bastante: os comentários da morte. Todo mundo sabe que o livro é narrado pela morte e seus encontros com a menina Liesel. O artifício quebra o fluxo da narrativa constantemente, ao ponto de eu abandonar a leitura várias vezes. Tem gente que curte, eu não curti. No filme, o diretor Brian Percival (famoso por seu trabalho na série Dowton Abbey) tem o bom senso de amenizar essas digressões da célebre narradora (com voz de Roger Allam) e se concentrar na jornada de Liesel (a canadende Sophie Nélisse) a partir do encontro com seus novos pais: o casal formado pelo bondoso Lars Hubermann (Geoffrey Rush) e a megera Rosa Hubermann (Emily Watson), ou nas palavras de Liesel, um homem com coração de acordeon e uma mulher vestida de trovão. O cenário da história é a Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, com perseguições a judeus, comunistas e outros que incomodavam a política nazista, no entanto, a trilha sonora melosa de John Williams (indicada ao Oscar) entrega que o tom da narrativa está mais para fantasia da Disney do que para a densidade dramática que o livro sugere. É evidente a Fox quis amenizar o que o livro tinha de mais desagradável, mas com isso perdeu a oportunidade de criar uma obra cinematográfica mais poderosa. O resultado é um filme que se assiste fácil, mas que perde a capacidade de permanecer em nossa lembrança. É verdade que os atores conseguem manter nossa atenção, mesmo quando o tom melodramático domina a produção, especialmente quando Leisel ao lado dos Huberman escondem o jovem Max (Ben Schnetzer) no porão - e se Lars já aguça na menina o gosto pelos livros (onde ela descobre novas palavras, novos mundos, emoções e alento) o contato com Max e os livros que consegue na casa do prefeito da cidade só aumentam sua paixão pelo uso das palavras. O mais interessante do filme é que enquanto os experientes Rush e Watson tentam dar carne e osso para os personagens, é Sophie Nélisse que precisa defender sua personagem com a graça de uma veterana. Quem curtiu o trabalho dessa pequena atriz aqui pode ver o que ela faz em O que Traz Boas Novas (2011), onde sua atuação é ainda mais comovente. Se eu já conhecia o talento de Sophie, o meu achado foi o menino Nico Liersch que desde a primeira cena ganha o coração da plateia (para depois despedaçá-lo impiedosamente). A Menina que Roubava Livros pode não ser a obra excepcional que todos esperavam, mas envolve personagens que não costumam ser o centro das atenções em longas da Segunda Guerra Mundial: os cidadãos alemães comuns largados à própria sorte sob os devaneios do führer e seus seguidores.
A Menina que Roubava Livros (The Book Thief/2013) de Brian Percival com Sophie Nélisse, Geoffrey Rush, Emily Watson, Nico Liersch e Ben Schnetzer. ☻☻☻
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