Patricia e Tim: releitura amalucada de Rousseau.
Desde que estreou na direção com o controverso Sinédoque, Nova York (2008), o celebrado roteirista Charlie Kaufman anda sumido da telona. Acho que ele ficou incomodado quando começaram a especular que ele era bastante superestimado por seus trabalhos. O fato é que ele é o responsável pelo conjunto de roteiros mais doidos que alguém é capaz de escrever para o cinema recente. Ele ficou conhecido com Quero Ser John Malkovich (1999) que lhe rendeu sua primeira indicação ao Oscar. No entanto, vale lembrar, seu primeiro roteiro foi esse Natureza Quase Humana que saiu da gaveta após a consagração de Malkovich. O filme ainda marcou sua primeira parceria com o diretor francês Michel Gondry (que depois faria com ele Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças e juntos dividiriam o Oscar pelo roteiro). Como era de se esperar, A Natureza Quase Humana é delirante do início ao fim, mas conta com uma essência bastante relevante. Nathan (Tim Robbins) é um cientista comportamental que cresceu escravizado pelas normas, convenções e etiquetas sempre lembradas por seus pais (Mary Kay Place e Robert Foster). Lila (Patricia Arquette) é uma mulher que desde a adolescência sofre com o crescimento abundante de pelos por todo o corpo, depois de um tempo isolada da civilização ela começa a investir em livros sobre a relação com a natureza. Os dois personagens terão um relacionamento problemático, dado ao apego de Nathan ao que é convencional e a natureza de Lila (que de ícone feminista se torna bastante submissa). A vida do casal terá mudanças quando encontrarem um homem que cresceu na floresta, Puff (Rhys Ifans), que foi sequestrado ainda menino quando seu pai decepcionou-se com a vida em sociedade imposta pelo ser humano. Enquanto Nathan desistirá de seu experimento com ratos que devem usar talheres, para civilizar Puff através do uso de choques, Lila ficará perdida quando Nathan descobrir que precisa barbear todo o corpo todo dia. Nessa mistura ainda existe Gabrielle (Miranda Otto) a estagiária sonsa de Nathan, uma depiladora e um anão! Gondry até consegue contornar sua dificuldade em contar uma história usando uma narrativa multifacetada centrada nos depoimentos dos três personagens principais. Além disso, não tem a mínima cara de pau de disfarçar os efeitos especiais toscos artesanais (que o consagrou nos clipes) para contar os momentos mais doidos do filme, no entanto, isso confere charme à produção que mantem o tom de farsa exagerada até o final, onde descobrimos que Puff aprendeu com seu mestre tudo o que (não) devia. Kaufman criou uma história esquisita e um tanto desengonçada para relembrar o que o filósofo Jean-Jacques Rousseau já dizia no século XVIII: o efeito corruptivo da sociedade sobre o homem. Ainda que seja uma obra longe de ser perfeita, Natureza Quase Humana consegue ser bastante interessante em seu pessimismo disfarçado de comédia maluca contra o preconceito.
Natureza Quase Humana (Human Nature/EUA-França/2001) de Michel Gondry com Tim Robbins, Patricia Arquette, Rhys Iphans, Miranda Otto e Robert Foster. ☻☻☻
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