Fuith e um menino: monstro disfarçado.
Os primeiros minutos de Michael mostram um homem chegando em casa e realizando coisas comuns que qualquer outra pessoa faria depois de um dia de trabalho. Após preparar o jantar e fechar as janelas, abre a porta do porão e diz "saia". Alguns segundos depois, um menino aparece. A plateia pode não entender ainda o que presencia, mas o trato do personagem adulto com a criança está longe de ser carinhoso, é apenas ríspido, sem muito carinho ou atenção. Alguns minutos depois a plateia terá a dimensão assustadora do que presencia. Michael (vivido pelo ator Michael Fuith) é o protagonista do filme de estreia do austríaco Markus Schleinzer e, não demora muito para notarmos o que sua rotina regrada tem de doentia: o sujeito é um pedófilo. Não sabemos direito como aquela criança foi parar em seu porão, mas alguns detalhes deixam claro os motivos pelo qual o personagem é mantido trancado por um adulto. O diretor constrói um filme perturbador a partir da rotina dos personagens. Envolto em silêncios e solidão, o filme se desenvolve mais como um suspense (que nos faz esperar para ver o que irá acontecer até o desfecho), amparado pela tortura psicológica de Michael sobre o menino e seus truques para mantê-lo ali. Diante da abordagem de um tema tão explosivo, Schleinzer faz o favor de evitar cenas polêmicas, afinal de contas, sabe que não é necessário chocar a plateia mais ainda (tem apenas uma cena que foi realizada através de montagem - cena que serve para o diálogo mais cruelmente patético do filme - e talvez da história do cinema). O filme se desenvolve com uma fluência mórbida, com poucos diálogos e ritmo quase arrastado, feito de pequenos detalhes que anunciam a quebra do equilíbrio forjado dentro da casa. Há de se elogiar a atuação de Michael Fuith (que quase desistiu do papel com medo do impacto em sua carreira), que interpreta um personagem difícil de contenção impressionante, da mesma forma, seu parceiro de cena (o menino David Raunchenberger) consegue conciliar a inocência perdida com a precisão de uma bomba relógio (e o diretor ressaltou que em momento nenhum o menino sabia o que seu personagem sofria no filme). O filme foi exibido em Cannes e conseguiu vários elogios pela maneira sutil como aborda um tema tão perigoso. Longe de fazer uma obra agradável, vale lembrar que Schleinzer trabalhou com Michael Haneke (A Fita Branca/2009) em vários filmes e aqui demonstra que aprendeu a lição direitinho: seu cinema é cerebralmente devastador (com a vantagem der ser menos explícito que algumas obras de seu mestre). Deixando a última cena à cargo do público, cria em nossa mente o momento da descoberta de que aquele homem calado e solitário era apenas o disfarce de um monstro.
Michael (Áustria/2011) de Markus Schleinzer com Michael Fuith, David Raunchenberger, Christine Kain e Victor Tremmel. ☻☻☻
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