Hidetoshi e Tôko: a vida em troca de narrativas.
Último filme indicado ao Oscar de melhor do ano a entrar em cartaz por aqui, o japonês Drive my Car pode ser visto em poucas salas no território nacional, mas a partir do dia 1º de abril estará em cartaz na MUBI. Até chegar ao streaming, o filme já deverá ostentar em seu currículo o Oscar de Filme Estrangeiro após a cerimonia que será realizada no próximo domingo, dia 27 de março (o filme também concorre na categoria de roteiro adaptado e direção, pode ganhar os dois também já que a torcida por ele aumenta cada vez mais. Considerado por muitos críticos o melhor entre os dez concorrentes da categoria de Melhor Filme, Drive my Car é um daqueles acontecimentos cinematográficos que a Academia não pode ignorar. Embora muitos o comparem com Parasita (2019), principalmente por ser um filme asiático no meio de produções em língua inglesa, os dois filmes são bastante diferentes. Drive my Car é mais contemplativo e silencioso. O mais interessante é que se trata de um filme de três horas de duração baseado em um conto de Haruki Murakami com pouco mais de quarenta páginas. O fato é que o diretor Ryûsuke Hamaguchi escreve ao lado de Takamasa Oe ampliando todas as possibilidades que a história do personagem Yûsuke Kafuku oferece em seu contato com diversos personagens. Quando o filme começa, Kafuku (Hidetoshi Nishijima de Creepy/2016) está casado faz tempo com Oto (Reika Kirishina). Os dois possuem uma rotina peculiar ao fazerem sexo, já que ela conta histórias ao esposo, mas que são esquecidas por ela na manhã seguinte e ele as reconta para ela. Suas histórias se tornam roteiros que costumam fazer sucessos. Se Oto ganha a vida como roteirista, Kafuku é um ator de reconhecimento nacional, pelo menos até que uma série de acontecimentos o impeça de continuar na profissão. Quando Kafuku deixa a carreira de lado, ele está no meio da encenação do clássico de Tchekov, Tio Vanya, peça em que interpreta o próprio (e para o qual contava com gravações de Oto para decorar o texto). Passado algum tempo, ele é convidado para dirigir uma versão desta mesma peça e fatos do seu passado vem à tona com a presença de um jovem ator (Masaki Okada), jovem astro televisivo que trabalhou com sua esposa no passado. Ryûsuke Hamaguchi tece então sua narrativa misturando os fios de vida de seus personagens de uma forma desconcertante, revelando cada vez mais um pouco sobre quem está ao redor de seu protagonista, principalmente a jovem contratada para dirigir seu carro (Tôko Miura) que tem sua cota pessoal de tragédias a serem superadas. Existe aqui uma preocupação muito especial com a linguagem, seja em forma de silêncios, idiomas (que inclui uma personagem que se comunica através da língua coreana de sinais), da linguagem teatral ou cinematográfica, no trato objetivo de um texto para chegar à sua subjetividade sobre ele e assim por diante. Com fotografia límpida, trilha sonora singela, o filme promove reflexões de uma forma muito especial ao sobrepor o texto de Tchekov sobre seu protagonista como se fosse um verdadeiro espectro pairando em torno dele. Esta mescla torna o filme tão rico que na contundente cena final sobre o palco você não sabe se o texto se refere ao Tio Vanya ou a Kafuku. Se torna um daqueles momentos mágicos que vez por outra o cinema é capaz de produzir. Ganhador de três prêmios no Festival de Cannes2021 (incluindo melhor roteiro), Drive my Car dificilmente levará o Oscar de Melhor Filme para casa, mas é o melhor entre os dez concorrentes na categoria.
Drive my Car (Doraibu mai Kâ/ Japão - 2021) de Ryûsuke Hamaguchi com Hidetoshi Nishijima, Tôko Miura, Masaki Okada, Reika Kirishina, Park Yu-Rim, Jin Dae-yeon e Sonia Yuan. ☻☻☻☻
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