![]() |
Dillon e Anamaria: traumática filmagem. |
Até pouco tempo Maria Schneider era um grande enigma para mim. Eu nunca entendi muito bem como uma atriz que dividiu os créditos com Marlon Brando em um filme tão falado quanto O Último Tango em Paris (1972) não havia realizado nenhum grande filme depois daquele. Ao longo do tempo li algumas coisas sobre suas história conturbada pelo uso de drogas, descobri que era lésbica e que tentou suicídio. Falecida em 2011, recentemente, com toda a repercussão do movimento #metoo seu nome trouxe de volta aos holofotes o processo de filmagem do clássico de Bernardo Bertolucci e, em uma entrevista vergonhosa, o diretor italiano confirmou que durante a filmagem da polêmica cena da manteiga a então jovem atriz de 19 anos não fazia a mínima ideia do que aconteceria naquele momento. Com isso, antigas entrevistas de Schneider foram resgatadas e muito se comentou sobre a brutalidade naquela filmagem, a situação abusiva que se instaurou para construir aquele "realismo" que de fato era real, já que o que se via em cena não estava no roteiro ou fez parte dos ensaios. Aquele não era o desespero da personagem, mas da própria atriz. A cineasta Jessica Palud trabalhou como assistente de Bertolucci em Os Sonhadores (2003) e ao descobrir os bastidores daquela cena, sentiu-se instigada em abordar a história da atriz. O roteiro foi escrito pela própria diretora, pela jornalista Vanessa Schneider (prima de Maria e autora do livro que inspira o filme) e Laurette Polmanss, o trio conta com muito cuidado um recorte tenso sobre a vida da atriz. Maria (vivida por Anamaria Vartolomei) era filha do ator Daniel Gélin (interpretado por Yvan Attal), mas ela foi criada pela mãe Marie (Marie Gillain). Quando ela se aproxima do pai, cresce seu interesse pelo cinema, mas passa a existir uma tensão no relacionamento com a mãe. Ela é expulsa de casa e investe no trabalho como atriz para conseguir se manter. Após alguns papéis discretos, ela é convidada por Bertolucci (Giuseppe Maggio) para interpretar Jeanne, uma jovem que passa a se encontrar com um desconhecido em um apartamento para momentos tórridos. Maria não entende muito bem o motivo dela ser a escolhida para o projeto, mas aceita o convite motivada por trabalhar com a lenda viva Marlon Brando (interpretado de forma estranhamente convincente por Matt Dillon). Ela não sabia que antes deles vários atores e atrizes desistiram do filme ao considerar o roteiro pornográfico. O que era para ser a grande chance de sua carreira se torna um pesadelo após aquela fatídica cena. Se no filme de 1972 o desconforto já existia, aqui ele é maior ainda, já que a diretora a reproduz de forma bastante crua, fiel ao que aconteceu nas filmagens. Muito se especula que toda aquela situação foi motivada pelo ciúme que Bertolucci sentia de Maria com Brando durante as filmagens. O filme não aprofunda esta teoria, mas demonstra um bom relacionamento entre o casal de atores, o que só amplia o sentimento de traição vivido por Maria daquele momento em diante. O filme apresenta como foi difícil para uma jovem atriz enfrentar toda a repercussão do filme na Europa e os comentários jocosos do público enquanto o ator e o diretor estavam em Hollywood enquanto ela foi abandonada à própria sorte perante todo o escândalo que a tal cena provocou (o que a fazia reviver o trauma a cada entrevista, comentário e encontro com espectadores). Deve ter sido um processo tão doloroso que fez com que a atriz usasse heroína com cada vez mais frequência, o que atrapalhou a sua carreira e o relacionamento com Noor (Céleste Brunnquell), que recebe destaque na trama em sua convivência com a atriz em momentos difíceis de sua vida. A romena Anamaria Vartolomei defende a personagem com unhas e dentes e apresenta mais um trabalho marcante, tal e qual sua premiada performance em O Acontecimento (2022) e o tom do filme ajuda muito para que a produção funcione. Meu Nome é Maria não faz escândalo, chega a ser bastante discreto em respeito à atriz que recentemente teve uma mudança de olhar da mídia sobre a sua carreira mediante a traumática situação vivida enquanto tentava realizar o seu ofício de atuar. Vale lembrar que apesar de toda controvérsia O Último Tango em Paris foi indicado a dois Oscars: melhor ator (Marlon Brando) e melhor diretor (Bertolucci).
Meu Nome é Maria (Maria / França - 2024) de Jessica Palud com Anamaria Vartolomei, Matt Dillon, Céleste Brunnquell, Giuseppe Maggio, Marie Gillain e Yvan Attal☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário