Bardem: atuação irrepreensível como Reinaldo Arenas
O diretor Julian Schnabel começou sua carreira como artista plástico. Foi desse mundo que tirou inspiração para o seu primeiro longa-metragem, o cult Basquiat (1996) sobre o pintor protegido de Andy Warhol na década de 1980. Quatro anos depois, Schnabel alcançou projeção maior com Antes do Anoitecer, uma cinebiografia sobre o poeta cubano Reinaldo Arenas e sua vida difícil com as perseguições no governo castrista. No filme, Arenas sabia de sua homossexualidade desde a infância e Javier Bardem abraça essa característica sem exageros, com uma leveza impressionante e gestos corporais precisos - e até inéditos em sua carreira cinematográfica até então. O filme acompanha a infância pobre de Arenas, seu gosto pela escrita desde menino e sua inadequação a um mundo que está fora do eixo. Adolescente tenta se juntar aos revolucionários de seu país, ironicamento os mesmos que o perseguiria por ser homossexual e Schnabel utiliza um ritmo que beira o documental, utilizando arquivos de imagens sobre a história cubana a fazendo de pano de fundo para a trajetória do escritor. Se o regime ditatorial instaurado pela revolução percebe a escrita como algo ameaçador o que dizer se ela é feita por uma pessoa que foge dos padrões de prazer permitidos? Tudo que foge a ordem, ao senso comum aparece enquanto alvo de perseguição (não precisa nem de denúncias muito elaboradas, basta um ladrãozinho mentir que foi molestado por um cara mais delicado para que uma perseguição preconceituosa seja realizada). Esta atmosfera sufocante do país de Fidel Castro é muito bem apresentada por Schnabel que mostra o quanto os artistas podem ser maltratados num lugar onde as ideias são temidas como armas e ao mesmo tempo do que estes são capazes para divulgar sua obra. Dificilmente o fime teria a força apresentada sem o desempenho colossal de Bardem (premiado em Veneza pelo papel e que quase perde o papel para Benício Del Toro) que abraça as tristezas, as alegrias e os desejos de seu personagem com absurda precisão. Se Schnabel constrói cenas como se estivesse pintando é Bardem (em sua primeira indicação ao Oscar) que serve de inspiração para cada enquadramento - até mesmo para os momentos mais sórdidos de uma trajetória tão bela quanto sofrida. Arenas crescia em reconhecimento mundial à medida que era mais perseguido em seu país e quando as coisas pareciam melhorar se via sem um tostão. O filme não está isento de defeitos, o roteiro faz uma indefensável confusão com a língua adotada, há momentos falados em inglês (ou spanglês) e espanhol sendo visível o incômodo que provoca nos atores. Outro aspecto que incomoda muito é o seu desfecho, que é esticado para além do limite no momento em que Arenas pede para que seu amigo Lázaro (Olivier Martinez, acho que em sua melhor atuação) realize seu último desejo. Detalhes que são até pequenos diante de um filme de grande força narrativa, especialmente pelo respeito com que trata seu protagonista. O filme ainda merece ser conferido pelas participações de Johny Depp (como um travesti e um militar) e Sean Penn (irreconhecível), além de conferir uma das poucas aparições do cineasta Hector Babenco diante das câmeras como um dos mentores artísticos de Arenas.
Antes do Anoitecer (Before the Night Falls/EUA-2000) de Julian Schnabel com Javier Bardem, Olivier Martinez, Andrea Di Stefano e Johny Depp. ☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário