Spacey e Bening: dupla afiada na magistral estréia de Sam Mendes.
Sam Mendes era um festejado diretor inglês que havia trabalhado com estrelas do porte de Judy Dench e Nicole Kidman. Todos se rasgavam em elogios à sua habilidade em sugar o máximo de seus atores e exibir o que seus personagens escondiam em suas entranhas. Portanto, era inevitável que ele fosse convidado a mostrar todo o seu talento no cinema, ou melhor, em Hollywood. A Dreamworks de Spielberg tinha um roteiro primoroso de Allan Ball nas mãos, mas não fazia a mínima ideia de quem poderia levá-lo para a tela com toda a argúcia necessária. Foi quando surgiu o convite e Mendes percebeu que era capaz de fazer uma obra-prima com aquele material. Beleza Americana é um filme único - e ainda fechou com chave de ouro uma década onde o cinema hollywoodiano flertou com a estrutura narrativa do cinema independente. Na década de 1990, com o fim da Guerra Fria, os cineastas sobrinhos do Tio Sam começaram a voltar-se mais para o próprio umbigo, ou melhor, a explorar o leito familiar dos cidadãos americanos, deste ponto de partida que surgiram obras como Felicidade (1998) de Todd Solondz e Tempestade de Gelo (1997) de Ang Lee - que guardam muitas semelhanças com o tom impresso por Mendes em sua estréia como cineasta. Mas o que faz Beleza Americana ser tão diferente ao ponto de ganhar cinco Oscars (filme, diretor, ator, roteiro original e fotografia)? Primeiramente é sua exuberância visual que se funde magistralmente com o tom robusto da narrativa impressa por Mendes. O filme desonstrói o conforto dos subúrbios americanos a partir da história de Lester Burnham (Kevin Spacey, Oscar de ator) e sua família. Lester é um homem insatisfeito com os rumos de sua vida, com o marasmo do casamento com (a bela, ambiciosa e neurótica) Carolyn Burnham (Annette Bening, ótima e que poderia muito bem ter ganho o Oscar de atriz) que procura expressar todo o sucesso e felicidade que não tem com seu emprego de corretora de imóveis. Lester e Carolyn estão totalmente imersos num mundo de aparências, o mundo do american way of life contemporâneo e em meio a tudo isso acabaram se perdendo das pessoas que gostariam de ser. A vida poderia continuar em sua monotonia se Lester não começasse a se interessar pela amiga adolescente (Mena Suvari) de sua filha (Thora Birch) e começasse a repensar sobre sua vida e voltar exatamente ao ponto onde perdeu o controle sobre ela. Lester logo faz amizade com o novo vizinho (Wes Bentley) que nutre admiração por sua filha e que vende maconha pelo bairro. Este é o ponto de partida para que Mendes passeie pelo interior de seus personagens, expondo insatisfações e contradições de pessoas comuns tentando lidar com as suas vidas que oscilam entre a busca pelo sucesso e a mediocridade. No fim das contas até a senhora Burnham sucumbe ao charme de um concorrente no ramo imobiliário. Apesar do tom cômico em diversas cenas, o filme incomoda pela forma como critica o culto à aparência que camufla uma solidão dolorosa na essência de suas vidas (por isso a confissão de Suvari ao fim da sessão pode provocar gargalhadas ou a cena da cerveja no sofá oscila entre a comédia e a tragédia). Mendes faz um trabalho excepcional que não incomoda nem ao final de contornos moralistas. Há uma melancolia avassaladora na beleza americana feita para o consumo mundial - e esta se revela uma prisão para muita gente.
BELEZA AMERICANA (American Beauty/EUA-1999) de Sam Mendes com Kevin Spacey, Annette Bening, Thora Birch, Chris Cooper, Wes Bentley, Mena Suvari, Peter Gallagher, Allison Jeaney e Scott Bakula. ☻☻☻☻☻
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