Rockwell e MacDonald: dicotomias tragicômicas.
Quem conhece Clube da Luta (1999) sabe exatamente o que esperar de um filme baseado num livro de Chuck Palahniuk. Esqueça piadinhas amenas, bobagens para passar o tempo e aprecie um olhar inusitado (e até perturbador) sobre a identidade do homem contemporâneo (ou eu deveria dizer pós-moderno?). Ao contrário de Fight Club, ao escrever Choke o diretor demonstrou claramente que se tratava de uma comédia. Agora, que tipo de comédia se tornou filme de Clark Gregg isso já é algo muito mais pessoal. Alguns podem considerar um besteirol por ter como protagonista um cara viciado em sexo que finge engasgar em restaurantes para não ter que pagar a conta e ainda ter algum contato humano. Outros podem considerar uma comédia de humor negro, pela forma como o diretor lida com os problemas (que não são poucos) que atordoam os personagens. Os mais otimistas podem até ver que debaixo de todas as bizarrices listadas o filme é uma dramédia das boas. Como ando otimista é nesta última opção que acredito. Choke, o livro e o filme, receberam no Brasil o nome de No Sufoco (prefiro o nome recebido em Portugal: Asfixia me parece muito mais sonoro e interessante) e não ajuda muito aos mais distraídos perceberem que se trata da história de um cara problemático em busca de sua identidade. Bem... põe problemático nisso, já que ele trabalha num parque temático de época e não pode ver uma mulher que já pensa em sacanagem. Fosse outro ator o personagem seria insuportável, mas tiveram o bom senso de dar o papel para Sam Rockwell - que está virando especialista em tornar sujeitos sórdidos em personagens dignos de compaixão. Rockwell merecia um bocado de prêmios por sua atuação como Victor, especialmente pela forma que equilibria comédia e tragédia no percurso de seu personagem. Não bastasse o vício em sexo (ele até tenta fazer uma terapia de grupo, mas o assédio das ninfomaníacas não ajuda) ele ainda tem que conviver com com a mãe vítima de Alzheimer (uma espetacular Anjelica Huston) que nem o reconhece mais. Entre tantas estripulias (vividas com uma expressão cada vez maior de auto-decepção), Victor começa a acreditar que descobrir quem é seu pai pode ajudar a colocar as coisas nos eixos. Mas a coisa acaba complicando mais ainda quando encontra o diário de sua mãe escrito em italiano. Para ajudá-lo nessa busca por suas origens ele aceita a ajuda de Paige (Kelly McDonald, que está cada vez mais próxima do sublime como atriz) que acredita ser uma médica devotada à sua mãe. Mas a coisa só piora quando Victor descobre que pode ser um clone de Jesus Cristo!? Essa sandice ilustra bem a ideia de Pahlaniuk: a dicotomia entre o modelo de comportamento e o que o homem se tornou entre o ideal "divino" e a tentação do "profano" - o uso das cenas na capela só intensificam isso. Devo ressaltar que existe muita semelhança ente No Sufoco e Clube da Luta (estão lá o amigo gorducho, os grupos de auto-ajuda, o chefe chato, as mulheres maluquetes, o paradoxo entre o mocinho e o bandido), mas o tom é outro. Dizem que Clark Gregg (que conheci como o ex-esposo bacana do seriado As Aventuras da Velha Christine e que é o agente da SHIELD que costura os filmes da Marvel) amenizou muito do conteúdo do livro (que dizem ter o "sabor de uma esponja de aço descendo pela garganta"), mas o resultado ainda é bem diferente da produções pasteurizadas que vemos todos os anos - acredito que você nunca viu um filme sobre viciados em sexo realizado de forma tão sincera. Apesar de ter se tornado vítima de sua própria aura de esquisito (já que foi esnobado em premiações e festivais tendo de se contentar só com elogios), o filme é uma dramédia que beira o patético (basta ver as cenas de engasgo que culminam numa das cenas mais estapafúrdias que já vi). Neste outro olhar de Pahlaniuk sobre o homem temos o acréscimo de lugares especiais para as mulheres (em especial uma stripper mais pensante que todos os demais personagens juntos - uma ótima atuação de Gillian Jacobs). Existem momentos no filme que eu não sabia se ria ou chorava - é por esta mistura perigosa de sensações que o filme merece ser conferido.
No Sufoco (Choke/EUA-2008) de Clark Gregg com Sam Rockwell, Kelly MacDonald, Anjelica Huston, Clark Gregg e Brad William Henke. ☻☻☻☻
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