Williams e Gosling: Vivendo do passado.
Deve haver milhares de filmes sobre separações, mas o filme de Derek Cianfrance não se contenta em ser apenas isso, Namorados para Sempre é um filme sobre o fim do amor. Não, ainda não é só isso, trata-se de um filme de quando se encontra o amor e a tentativa de manter-se junto a ele, quando este deixou de sê-lo. Não consigo lembrar de um filme que trabalhe com este momento específico da vida de um casal com tamanha perspicácia do que o de Cianfrance. O título em português foi feito sob medida para pegar os casais desesperados por um filme romântico às vésperas do dia dos namorados, mas quem é ligado em cinema, já sabia que era uma pegadinha (seu lançamento por aqui foi em 10 de junho, nos EUA foi em novembro do ano passado... mas quem é cinéfilo de carteirinha já ouvia falar do filme desde que causou comoção em Cannes2010 sob o título original de Blue Valentine, por inspiração de um álbum das antigas de Tom Waits. Ou seja, nada de pipoca). Para quem esperava uma sessão amena antes da pizza o efeito deve ter sido de uma bomba atômica. Para quem já sabia o que estava por vir, era conseguir sentir o filme com a isenção quase impossível de mais de um ano de críticas positivas. Eu me enquadrei neste segundo grupo. O diretor não se preocupa em fazer um filme bonito visualmente, na maioria das vezes os enquadramentos estão no ponto cego de seus atores (quando a câmera parece estar escondida pronta para captar as emoções no ponto em que estão mais vulneráveis), a fotografia não se preocupa em embelezar, a edição é sem frescuras, as cenas de sexo não são propriamente bonitas... a impressão é que o cara confia tanto na história que concebeu que isso basta para seduzir o expectador. Não é bem assim, Cianfrance se apropria bastante de elementos da linguagem documental para retratar a união e separação de um casal (não exatamente nesta ordem) e este estilo cai como uma luva para retratar um casal que reproduz na tela o sentimento de um bando de gente ao redor do mundo que percebeu que o relacionamento já era, ou como diria minha mãe "caminha em uma perna só". No início, o filme nos insere no cotidiano de um jovem casal, Cindy (Michelle Williams, indicada ao Globo de Ouro e ao Oscar de Atriz) e Dean (Ryan Gosling, indicado ao Globo de Ouro) que possui uma filha (a eficiente Faith Wladyka) e estão às voltas com o desaparecimento da cadela de estimação. Este é o ponto inicial de um mal dia em que para levantar o astral, Dean irá tentar recomeçar marcando uma noite em um motel que fez parte da história de ambos. Poderia ser só isso, mas o roteiro retrocede no tempo em momentos estratégicos e mostra como se iniciou o relacionamento entre os dois: Cindy tendo problemas com o então namorado (sob o nome que em português parece uma piada: Bobby Ontario) enquanto almeja uma vaga numa faculdade de medicina & Dean trabalhando em uma companhia de mudanças (e por conta disso acaba a conhecendo num abrigo para idosos). O filme constrói sua narrativa assim, pegando um momento específico do presente e localizando no passado referências sobre ele. A ideia funciona com muita eficiência, aumentando a dramaticidade da situação atual do casal, ao mesmo tempo que alimenta o romantismo do passado. Estas idas e vindas irá convergir passado e presente, tornando tudo ainda mais melancólico. Cianfrance demonstra habilidade em lidar com uma estrutura narrativa perigosa, mas além da precisão cirúrgica na edição, usou outros truques como filmar com seus atores em ordem cronológica (o que é raríssimo de acontecer) e fazer com que seus atores convivessem juntos numa casa por algum tempo antes das filmagens. Claro que o efeito do filme é ampliado ainda mais pelas atuações de Gosling e Williams, esta até com mais méritos que seu parceiro. Fico realmente impressionado com a delicadeza que Williams interpreta sua personagem, de sua transição de adolescente para adulta responsável por carregar a família nas costas. Jamais eu poderia imaginar que aquela loira bochechuda chatinha do seriado Dawson's Creek iria se tornar uma das atrizes mais interessantes de Hollywood. Mesmo depois de sua indicação ao Oscar de coadjuvante por Brokeback Mountain (2005) eu imaginei que tudo seria fogo de palha. Ciafrance teve grande discernimento em esperar pela atriz (pouco antes da filmagem, falecia Heath Ledger com quem Michelle foi casada), ela está perfeita sintetizando em um olhar que nada do que fizer será capaz de salvar seu casamento. É esta certeza triste que anuncia o título em inglês e que Dean quer evitar a cada cena do casal que desmorona diante da câmera. E nem adianta reservar(metafóricamente) o quarto futurista do tal motel, os melhores momentos ficaram mesmo no passado.
Namorados Para Sempre (Blue Valentine/EUA-2010) de Derek Cianfrance, com Michelle Williams, Ryan Gosling, Faith Wladyka, John Dooman e Mike Vogel. ☻☻☻☻
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