segunda-feira, 27 de junho de 2011

DVD: Alexandria


Weisz: Tentando salvar o conhecimento do perigo religioso.

Depois do merecido Oscar de filme estrangeiro por Mar Adentro (2004), Alejandro Amenábar resolveu investir no seu filme mais ambicioso, então batizado de Agora (na verdade é Ágora, aquele espaço grego onde ocorriam os debates sobre temas político-filosóficos, mas como o filme é falado em inglês o acento desapareceu). As expectativas se empilhavam desde a escalação de Rachel Weisz (recém premiada por seu papel em O Jardineiro Fiel/2005) para viver a filósofa, matemática e astrônoma Hipátia (370-415 d.C.), famosa por lecionar e zelar pela biblioteca de Alexandria em meio ao conflito entre pagãos e cristãos em ascenção. A produção caprichou no visual, nos figurinos, na fotografia e quem conhecia o trabalho de Amenábar, sabia que ele era capaz de fazer sua obra-prima. A coisa começou a complicar quando o filme foi exibido em Cannes e percberam que havia grandes ideias no roteiro, mas sua execução tinha problemas. Isso sem falar que o filme é um dos raros casos onde os cristãos são mostrados como perseguidores e não como perseguidos - o que alimentou polêmicas intermináveis que acabaram prejudicando a distribuição do filme. Levando em consideração a influência do catolicismo em nosso país, podemos imaginar por que o filme foi lançado direto em DVD. Uma pena, já que um dos maiores acertos do filme são os planos abertos, grandiloquentes com o visual de encher os olhos numa reprodução do que seria a cidade de Alexandria no século V. Por maior que seja a sua TV e por melhor que seja a imagem do seu DVD ou Blu-Ray a coisa não se compara à telona. Vamos ao filme. Amenábar tenta manter seu foco durante a sessão, mostrando a relação de Hipátia (Weisz) com o conhecimento, com seus alunos e escravos. Entre estes merece destaque o futuro prefeito Orestes (o bom Oscar Isaac) que demonstra interesse amoroso por ela e Davus (Max Minghella), o escravo que está sempre atento às necessidades de sua senhora. Davus também é apaixonado por Hipátia, mas esta ciente que manter uma relação com ela é impossível diante das rígidas relações de classe existentes (além de que Hipátia já se considerava "casada com o conhecimento"). Nesta primeira parte também somos apresentados aos primeiros conflitos entre cristãos e pagãos. Fala-se da forma como os seguidores do cristianismo se expandem de forma agressiva após deixarem de ser perseguidos pelo governo. Nas aulas de Hipátia já se percebe que o clima está esquentando e por mais que ela tente apaziguar os conflitos tudo tende a piorar nas brigas que aparecem nas ruas. A crescente tensão mudará a vida deste triângulo amoroso para sempre. Quem conhece um pouco de História imagina o que vai acontecer com os personagens, com a tomada de Alexandria pelos cristãos liderados por Cirilo (Sami Samir) acarretando a destruição da histórica Biblioteca de Alexandria. É neste ponto que o filme avança no tempo e chega em sua segunda parte. Enquanto Hipátia tenta descobrir se a terra é o centro do universo ou não, os cristãos agora pretendem acabar com os judeus e os poucos pagãos que restaram (Hipátia, inclusive). Não dá para escrever mais do que isso senão estraga - ainda mais que é nos meados desta parte que o roteiro dá sinais de cansaço, se tornando cada vez mais unidimensional (como se tudo pudesse ser sintetizado em Cristãos são malvados! Pagãos são do bem!). Amenábar confiou tanto no seu roteiro que acabou caindo na pior armadilha de ter uma boa trama nas mãos: não se esforçar para prender a atenção do espectador. Da metade em diante, o filme perde o ritmo deixando  tudo nas costas de Rachel Weisz. Sorte que a atriz é mais forte do que até seus fãs imaginavam. Ela está excepcional como Hipátia, exalando segurança e delicadeza em momentos como o que afirma que não pode acreditar num conhecimento que não pode questionado. Além da distribuição capenga que o filme recebeu sua atuação foi outra parte sacrificada pelas polêmicas da temática do filme, afinal, dá para acreditar que ela não foi sequer indicada aos prêmios que Sandra Bullock ganhou por Um Sonho Possível (2009)? No fim das contas Alexandria promete mais do que cumpre - uma pena, já que conta a história de uma das raras filósofas de prestígio histórico -, mas ainda sim causa um benéfico desconforto, especialmente na triste cena final onde Davus prova seu amor por Hipátia da forma mais dolorosa. Algo mais do que esperado num filme marcado pela sempre hedionda (e cada vez mais presente) intolerância religiosa.

Alexandria (Agora/ Espanha - 2009) de Alejandro Amenábar com Rachel Weisz, Jason Isaacs, Max Minghella, Sami Samir e Rupert Evans. ☻☻☻

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