Nonato e Íria: amor à primeira coxinha!
Fazia tempo que queria ver este fime de Marcos Jorge que ganhou muitos elogios, prêmios e fãs em sua carreira nos cinemas. Minha dificuldade foi encontrá-lo num cinema na época em que foi lançado e logo depois penei para encontrá-lo numa locadora. Mas enfim, até que provem o contrário, sou brasileiro e não desito nunca. Sei que isso soa meio clichê e Marcos Jorge deve ter pensado a mesma coisa quando fazia um filme brasileiro que vai contra boa parte dos mandamentos da cartilha que rege as produções nacionais de hoje em dia. Sem humor rasteiro, violência estilizada ou carinhas globais (se bem que o casal principal logo foi contratado pela poderosa emissora) o filme conseguiu se impor entre produções com maciças campanhas marketeiras. Logo nos primeiros momentos sabemos exatamente o motivo do sucesso do filme que conta a história de Raimundo Nonato (o ótimo João Miguel que com este filme entrou de vez para a galeria de astros do cinema brasileiro), um nordestino que tem dois momentos distintos de sua vida contados pelo roteiro. Num deles chega na cidade sem emprego, sem casa e começa a prestar serviços num boteco após não ter dinheiro para pagar duas coxinhas que lhe mataram a fome. No outro momento está na cadeia lidando com prisioneiros mais ameaçadores que ele. O diretor não se preocupa em dizer qual desses momentos precede o outro e isso acaba não importando muito, já que a narrativa fluente nos envolve na escalada de sucessso do personagem. Raimundo é explorado em troca de um teto, mas prova que tem brilho próprio, especialmente quando o quesito é cozinha. Nonato com as coxinhas e pastéis faz do boteco um sucesso e de quebra ainda ganha as atenções da prostituta tarada por coxinhas Íria (Fabíula Nascimento que aqui ganhou o estrelato) que logo prestará seus serviços em troca de pratos cada vez mais saborosos. Nonato se envolve cada vez mais com Íria à medida que se torna um sucesso capaz de ser contratado por um restaurante de algum prestígio. Nesse restaurante aprimora sua culinária e faz planos de futuro com Íria, que insiste em recusar-lhe um beijo na boca por ser anti-ético. Enquanto tenta conquistar o coração da mulher num momento, enquanto presidiário, Nonato procura dominar o jogo de poder com seus parceiros de cela para conseguir a "cama de cima", ou melhor, o ponto mais alto entre os companheiros que é ocupado pelo ameaçador Bujiú (o sempre confiável Babú Santana). Para essa ascenção terá que utilizar suas armas: a culinária e a imagem de nordestino ingênuo. Mario Jorge consegue contar sua história com notável habilidade e ao fim percebemos como ambos os momentos são complementares ao explorar a vida do protagonista, sendo que ambos os momentos tratam da mesma coisa: poder. Estômago trata de um bocado de ingredientes complicados: exclusão, hierarquias, poderes, crimes, ambições, crueldades, sabores e não desanda. Nunca é pesaroso ou cabeça como alguns cineastas brasileiros persistem em ser. Estômago não cheira a mofo, consegue ser atual sem ser tolo ou forçado (tenho algumas restrições somente aos palavrões que muitas vezes não funcionam caindo no exagero) e tem um roteiro brilhantemente construído e executado - que ousa fazer as escaladas de seu personagem, dentro e fora da cadeia convergir para o crime. Acredito que dificilmente o filme funcionária sem a dosagem precisa de João Miguel na transição do ingênuo Nonato num homem cada vez mais calculista. Junte isso ao arremate inusitado (de dar frio no estômago) e terá uma pérola do humor negro.
Estômago (Brasil/2007) de Marcos Jorge com João Miguel, Fabíula Nascimento, Babú Santana, Carlo Briani e Paulo Miklos. ☻☻☻☻☻
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